MACONHA: DEFESA PELA MANUTENÇÃO DA PENA, CONTIDA NO ART. 16, DA LEI NO 6.368, DE 21/10/1976 Trabalho apresentado à disciplina de Introdução ao Estudo do Direito, da Faculdade de Direito – Universidade Paulista – Campus Bauru, sob a responsabilidade do Prof. Marcos Neander Sanches Carlos Roberto Bocchi BAURU - 1998 ii SUMÁRIO 1 – INTRODUÇÃO 2 – MACONHA: HISTÓRIA MILENAR 3 – MACONHA 3.1 – A planta 3.2 – Os tipos 3.3 – A composição química 4 – O FENÔMENO DA DEPENDÊNCIA E DO ABUSO 5 – DEPENDÊNCIA PSICOLÓGICA E FISIOLÓGICA, TOLERÂNCIA 6 – EFEITOS PSICOLÓGICOS E FISIOLÓGICOS DA MACONHA 7 – A MACONHA E A SAÚDE 7.1 – A maconha e o aparelho respiratório 7.2 – Efeitos no aparelho circulatório e no sistema imunológico 7.3 – Sexo, gravidez e maconha 7.4 – Efeitos no cérebro e no comportamento 8 – A MACONHA E A LEI 9 – CONCLUSÕES E SUGESTÕES REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 3 1 – INTRODUÇÃO O presente trabalho trata-se de uma pesquisa para fins acadêmicos, do tipo bibliográfica, tendo como objeto de estudo a maconha (Cannabis). O uso da Cannabis, substância psicoativa sob controle internacional, está disseminando pelo mundo inteiro. Pesquisa recente entre jovens brasileiros, demonstra que o seu uso já prevalece ao do tabaco, apesar de se constituir numa droga ilícita. Diante deste fato, a legalização da maconha tem se tornado assunto polêmico, em reuniões científicas entre especialistas. Isso é tão verdade, que especialistas reunidos na USP, no dia 25 de maio de 1998, em uma mesa-redonda, intitulada: Maconha: Onde Estamos e Para Onde Vamos, continuam não chegando a um consenso e sim divergindo sobre a liberação das drogas (PEREIRA, 1998). Diante desta polêmica, buscamos nos fundamentar em trabalhos científicos, que corroboram os efeitos deletérios sobre a saúde do usuário da Cannabis, assim como os danos que o mesmo poderá acarretar a outrens. Este delineamento tem como objetivo apresentar argumentos para: - defender a tese de manutenção da pena de “detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) dias de multa” para o indivíduo que “adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente (Cannabis sativa) ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar” 4 2 – MACONHA: HISTÓRIA MILENAR A maconha tem sido usada há séculos como droga psicotrópica na Ásia, África e em regiões da Europa. Atualmente seu consumo espalhou-se pelo mundo todo (COHEN, 1988). Documentos arqueológicos comprovam que a maconha é conhecida pelos chineses há pelo menos 5.000 anos. A literatura da medicina chinesa, do século II a.C., recomenda o uso da maconha como analgésico, antiespasmódico e para aplicações em abscessos, angina, furúnculos e perturbações do sono. Os antigos persas, gregos, romanos, indianos e assírios usavam a droga para controle de espasmos musculares, para reduzir a dor e no tratamento da indigestão. A maconha era ingrediente das porções medicinais feitas em casa por muitos povos da Antigüidade européia, asiática e africana (COHEN, 1988). Os assírios, também, usavam a maconha como incenso ou defumador no século IX a.C. Entre os árabes, o uso da maconha antecede a reunião das tribos sob a fé islâmica, na idade Média. Sabe-se que o termo “haxixe” veio do árabe e deu origem à palavra “assassino”, em português. A explicação para essa etimologia está no fato de a maconha ter sido usada na idade Média por um bando de árabes assaltantes, liderados por um homem chamado Hassan. A palavra “haxixe” significa “dádiva de Hassan” e carrega o peso dos crimes cometidos por esse homem e seu bando, que gostavam de atuar sob efeito da droga (COHEN, 1988). Disseminada pela Europa desde a Antigüidade, a espécie Cannabis sativa (cânhamo) ganhou muita importância na indústria têxtil. Na Europa e na América (para onde foi levada no século XVI pelos europeus), a Cannabis tinha menos prestígio como droga psicotrópica do que no Oriente e na África islâmica. Até o século XX, a maconha era 5 mais famosa nas Américas como fibra têxtil e como planta medicinal. De meados do século XIX até os anos 40 a maconha constava na farmacopéia oficial (lista de remédios oficialmente reconhecidos por autoridades médicas e científicas) de vários países, como Estados Unidos, por exemplo. Remédios à base de maconha eram disponíveis em qualquer farmácia e nessa época não havia tantos viciados como hoje, o que só se explica pela maior rigidez dos padrões morais. Em muitas regiões da Ásia usa-se a maconha até hoje como medicamento, em pequenas doses, sem qualquer interesse maior por seus efeitos psicotrópicos (COHEN, 1988). No Ocidente, a maconha começou a ser usada como psicotrópico por escritores e artistas do século XIX, como os poetas franceses Rimbaud e Baudelaire, mas sua utilização restringia-se a pequenos círculos boêmios das grandes cidades e a colônias de imigrantes asiáticos e africanos. Em meados do século XX, porém, os cientistas identificaram os efeitos colaterais da maconha e seu uso acabou restringido ou excluído nas farmacopéias, sendo proibido por lei em vários países (COHEN, 1988). O consumo da maconha, entretanto, acabou se disseminando pelo mundo nos anos 60, algumas décadas depois da sua proibição. A rebeldia dos jovens, o questionamento dos padrões sociais vigentes e as rápidas transformações dos valores morais enfraqueceram o controle social e efetivamente diminuíram o poder das leis sobre os indivíduos. Atualmente, convivemos com uma realidade onde a violência da juventude está, intimamente, ligada ao fenômeno da propagação geométrica dos entorpecentes, que invade a infância, desde suas idades mais tenras. Na busca de usuários mais suscetíveis, os entorpecentes invadem escolas, tornandose um desafio para as autoridades, que não conseguem deter o crescimento do tráfico e uso pelos jovens, o grande público consumidor (FORMENTI & LOMBARDI, 1998). 6 Pesquisa feita por um grupo de especialistas da Universidade de São Paulo, que se dedica à prevenção de drogas, apresenta dados impressionantes. Entre os 787 alunos entrevistados de uma escola de segundo grau da rede estadual, em Pinheiros, zona oeste, 45% já haviam usado a maconha na vida, 35% no último ano e 32% no último mês. Os percentuais de cocaína impressionam: 23% já haviam experimentado na vida, 8,3% no ano e 6,2%, no mês. A idade média dos entrevistados era 18 anos (FORMENTI & LOMBARDI, 1998). Há estudos que revelam os riscos de se experimentar a maconha. Nem todos que experimentam maconha tornam-se viciados, mas todos os viciados em maconha um dia experimentam-na (TIBA, 1993). Portanto, ela pode ser uma droga colaboradora na escalada aos outros entorpecentes. Esta evidência associada aos dados mostrados pela pesquisa acima nos leva a inferir que a maconha, provavelmente, esteja ajudando na condução de nossas crianças e jovens ao mundo das drogas psicoativas. Pelo que podemos perceber, a indústria da maconha procura se servir das fragilidades sócio-políticas evidentes. Como vimos acima, aproveitando das suscetibilidade da adolescência, principalmente, pela falta de perspectiva que cerca o jovem e até da seca do Nordeste. Nos últimos dias, a polícia abriu 40 inquéritos que podem condenar mais de 80 sertanejos, movidos pela seca que leva agricultores a plantar maconha. Sem comida, com plantações perdidas por causa da seca e sem ajuda governamental, agricultores do sertão de Pernambuco e da Bahia dedicam-se, cada vez mais, a uma perigosa atividade: plantar maconha. LUIZ Os sertanejos usam o mesmo método dos grandes produtores da droga: por ligações clandestinas, roubam água de projetos de irrigação como os das Companhia Hidrelétrica do São Francisco. Quem não recorre a essa prática, fica sem plantação ou ameaçado de morte 7 pelos traficantes. Os indiciados relatam às autoridades que “eles são obrigados a arrendar as terras, em troca de cestas básicas e de diárias que variam de R$ 10,00 a R$ 15,00.” LUIZ 8 3 – MACONHA 3.1 – A planta Maconha é o nome popular de um grupo de plantas arbustivas de origem asiática (talvez nativas da Índia), cujo nome científico é Cannabis. Esse nome foi atribuído pelo botânico sueco Carl von Linné (1707-1778), no ano de 1753. Todas as plantas do gênero Cannabis contém carnabióis, substâncias químicas responsáveis por efeitos psicotrópicos (COHEN, 1988). A palavra maconha provém de cânhamo, por troca de letras, feita para ocultar o uso ilícito da droga (GRAEFF, 1989). Segundo este autor, nos Estados Unidos e México a maconha, também, é conhecida por “marijuana”. As plantas de maconha podem ser femininas (só produzem flores femininas) ou masculinas (só produzem flores com órgãos masculinos). As plantas femininas possuem concentração maior de THC (GRAEFF, 1989). Há duas espécies de Cannabis sativa: a índica e a americana, ambas contendo substâncias psicoativas (COHEN, 1988). A Cannabis sativa americana apresenta um arbusto frondoso e cheio de galhos que chega a atingir a altura de 4 a 5 metros. Prefere climas quentes e úmidos, desenvolvendo-se rapidamente (COHEN, 1988). A Cannabis sativa índica atinge no máximo 1,5 m e tem a forma de cone, crescendo melhor em climas quentes e secos. (COHEN, 1988) É comprovado que a ingestão de grande quantidade de sementes pelo ser humano pode ter graves efeitos tóxicos, causando cefaléia, náuseas e vômitos (COHEN, 1988). 9 Os galhos finos e talos das folhas da maconha têm sido também aproveitados para produzir fibras têxteis. A Canabis sativa americana é a espécie que fornece as melhores fibras, e seu uso em tecelagem e na fabricação de cordas perde-se nos séculos, sendo uma das principais razões de seu cultivo em grande escala. A Canabis sativa índica não possui boas fibras, mas concentra maior teor da substância psicoativa, denominada tetrahidrocarbinol (THC) que as outras espécies e prefere o solo seco, por isso se desenvolve bem no Nordeste do Brasil, o que explica a existência de plantações nessa região e a fama da boa qualidade da maconha lá produzida. Em covas rasas e úmidas, as sementes da maconha germinam em seis dias. A planta demora um ou dois anos para produzir a florada. Após a polinização, as plantas de flores femininas secretam uma resina dourada, que serve para protegê-las contra a perda de água. Vista de perto, a planta parece então coberta de orvalho. Essa alta concentração de resina é responsável pelo grande poder psicotrópico da planta feminina da Cannabis índica. A fase de formação de resina prolonga-se por seis semanas e é acompanhada pela maturação das sementes, depois da qual a planta morre. A espécie de Cannabis sativa americana possui 1% no conjunto de substâncias da resina. A quantidade de THC, além de variar de espécie para espécie e depender do local onde se cultivam as plantas, de fatores genéticos e do sexo da planta, difere ainda de acordo com a época, o processo da colheita e a forma de secagem e preparação do produto. Além dos tipos de maconha, as quais citamos, acrescentamos o Skunk, uma forma de maconha que apareceu no mundo a partir de 1990 e no Brasil começou a chegar por volta de 1993, cujo princípio ativo, também, é o THC (ISSY & PERILLO, 1997). Ela é chamada de “super maconha” e é obtida em laboratórios pelo cruzamento de vários tipos de maconha vindas de países diferentes como: o Egito, o Afeganistão e o Marrocos. Surgiu na Holanda em 1990 e o nome Skunk significa “urina de gambá”, por 10 causa do cheiro, bem mais forte do que o da maconha. Até essa data a maconha mais forte continha mais ou menos 6% de THC, enquanto o Skunk apresenta um teor de princípio ativo variável entre 23% a 27%. É cultivada em estufas, em sistema hidropônico, sem uso de terra. As sementes ficam em uma corrente de água com produtos químicos necessários ao seu crescimento, havendo também a utilização de lâmpadas de halogênio (ISSY & PERILLO, 1997). Seus efeitos são mais ou menos os mesmos da maconha, só que com muito mais intensidade. Ademais, a planta atinge em média 30 cm e o tempo de produção é de um mês, além do que com, aproximadamente, o triplo de THC, quando comparado à C. sativa (ISSY & PERILLO, 1997). 3.2 – Os tipos de maconha Numa mesma planta, a distribuição e a combinação de canabinóis varia: a concentração mais intensa ocorre nas extremidades dos galhos. Assim, cigarros feitos com partes diferentes de uma mesma planta apresentam efeitos mais ou menos diversos. Na verdade, o efeito é parecido e o que varia é sua intensidade. Por isso, o “barato” da maconha depende, também, do “lote” da droga consumida. A maconha é preparada de várias formas: “fumo”, sem semente, haxixe, óleo de haxixe e cristais de haxixe. “fumo”- preparado com folhas, talos e sementes, é triturado e transformado em cigarro. Essa forma possui teor de THC entre 1% e 2%. Maconha sem semente – costuma ser prensada e vendida como “tijolos”, triturados antes do uso; chega a conter até 6% de THC e provém da espécie Cannabis indica. Na América, os traficantes costumam prensar maconha comum (Cannabis sativa) com 11 sementes ou eliminar sementes ou eliminar as sementes para fazê-la passar por maconha importada do Oriente; a concentração de THC nesse tipo de maconha é bem menor. Haxixe – obtido a partir de flores femininas secas e folhas com bastante resina, chega a um teor de até 8% de THC. Óleo de haxixe – o óleo – ou resina – extraído da planta por processos industriais chega a conter de 15% a 40% de THC. Cristais de haxixe – também obtidos por processo industrial, os cristais de carnabiol possuem até 60% de THC. 3.3 – A composição química Em 1962 o químico R. Mechoulan (Israel), isolou o principal princípio ativo do cânhamo e determinou sua estrutura química 1-1-3-4-trans-tetra-hidrocarbinol ou simplesmente 1-THC como ele o denominou. Mais tarde, porém, outros químicos mudaram a nomenclatura do mesmo composto para 9-THC, sendo esta última denominação geralmente empregada. Uma série numerosa de estudos realizados em seres humanos e em animais de laboratório mostrou, claramente, que o 9-THC é o mais ativo constituinte do cânhamo e o principal responsável pelos efeitos farmacológicos da maconha. Assim, verificou-se que o 9-THC induz catelepsia, incoordenação motora acentuada e hiperatividade em animais de laboratório. Embora a agressividade destes animais em condições normais, estudos realizados por E. A. Carlini e colaboradores mostraram que a agressividade induzida no rato por diferentes variedades de estresse, como jejum, frio e privação de sono, é 12 intensificada pelo 9-THC. A ingestão de água e de alimentos pode ser reduzida pelo 9THC em animais de laboratório, porém no homem a maconha e o haxixe parecem aumentar o apetite, principalmente para os alimentos doces. O 9–THC perturba o desempenho de uma série de tarefas aprendidas, inclusive discriminações complexas entre estímulos exteroceptivos. Alguns estudos relatam que o 9-THC, atenua a resposta emocional condicionada do rato, indicando uma atividade ansiolítica, porém o efeito inverso também foi obtido. No homem, estudos epidemiológicos revelam que doses baixas de maconha reduzem, enquanto que doses altas aumentam a ansiedade. Já os estudos de laboratório com o 9-THC tendem a acusar efeitos ansiogênicos, seja porque empregam doses elevadas, seja porque a situação experimental propicie esta resposta. Finalmente, animais de laboratório, como o rato, são capazes de discriminar os efeitos do 9-THC dos de outras drogas, inclusive de alucinógenos, indicando uma grande especificidade dos estímulos internos gerados por esta substância. Os mecanismos neurais envolvidos nesses efeitos são desconhecidos. No entanto, devem ser diferentes do dos alucinógenos, dado que, também, não se verifica tolerância cruzada com LCD. O 9-THC não é o único princípio ativo presente nos extratos de maconha. Vários outros compostos foram identificados e quimicamente bem caracterizados. Alguns como o 8-THC, têm o mesmo perfil de efeitos farmacológicos que o 9-THC, embora sejam menos potentes. Outros, porém, como o carnabiol e o carnabidiol, além do carnabigenol e do ácido canabidiótico, causam efeitos bem distintos do que caracterizam o THC. O carnabidiol, o carnabigerol e o ácido canabidiólico são sedativos no homem e chegam a antagonizar os efeitos estimulantes do 9-THC sobre o comportamento de animais em laboratório. Contudo, tanto o 9-THC como o canabiol e o canabinol mostram atividade 13 anticonvulsivante em testes com animais de laboratório. Esta propriedade pode, nclusive, vir a ter importância terapêutica, sendo que um derivado não alucinogênico do 9-THC, o nabilone, vem sendo, testado, experimentalmente, na clínica. Além disso, E. A. Carlini e colaboradores, no Brasil, mostraram que o canabidiol potencializa o efeito de anticonvulsivantes clássico em pacientes portadores de formas graves de epilepsia. Outro efeito do 9-THC com potencial terapêutico é o analgésico, comprovado em diversas espécies de animais e no homem, inclusive em pacientes cancerosos. Nestes pacientes, aliás, o 9-THC e o nabilone podem também ser úteis porque atenuam as náuseas e os vômitos que acompanham a quimioterapia. O 9-THC, também, é capaz de reduzir a pressão intra-ocular em pacientes que sofrem de um aumento patológico, o chamado glaucoma. Trata-se de outra atividade com potencial terapêutico, embora a instilação do 9-THC nos olhos seja bastante irritante. Finalmente, o 9-THC e outros componentes do cânhamo prolongam o sono anestésico e talvez possam vir a ser usados como pré-anestésicos, em cirurgia. A favor do eventual uso terapêutico dos carnabinóides está sua baixíssima toxidade aguda. Os índices terapêuticos em animais de laboratório, isto é, as relações entre as doses letais e as farmacologicamente ativas, são muito elevadas se comparadas com a maioria das drogas conhecidas, o que indica uma larga margem de segurança para o uso terapêutico. (GRAEFF) 14 4– O FENÔMENO DA DEPENDÊNCIA E DO ABUSO A prática de ingerir drogas psicoativas vem de longa data, conforme atesta o humanista britânico Aldous Huxley: “Todos os sedativos, euforizantes, alucinógenos e estimulantes de ocorrência natural foram descobertos há milhares de anos, antes da aurora da civilização. Por volta da Idade da Pedra Lascada, o homem se estava intoxicando sistematicamente. Houve viciados em drogas muito antes de existirem agricultores”. O preço pago para viver alguns momentos nesses “paraísos artificiais”, recai principalmente sobre aqueles que não conseguem controlar a ingestão dessas substâncias. Embora a maioria dos homens sofra um grau considerável de tensão durante suas vidas e ocasionalmente lance mão de alguma droga para se aliviar, apenas uma parcela relativamente pequena, ainda que numericamente importante, desenvolve um padrão de auto-administração periódico ou continuado, que leva tais pessoas a sofrerem graves prejuízos individuais e, em muitos casos, infligirem danos a outrem, bem como á sociedade em geral. Em outras palavras, tornam-se dependentes do uso de drogas para manter seu equilíbrio psicológico e algumas vezes fisiológico, a ponto de serem levadas a se afastarem das normas padrões culturais para manter a dependência, enfrentando a doença, perdas afetivas e financeiras, além da repressão legal ao tráfico de drogas. O fato de que apenas uma parcela da população exposta à drogas se torne dependente destaca a importância dos fatores psicológicos individuais no desenvolvimento da dependência. Por uma série de causas constitucionais ou adquiridas, alguns indivíduos adquirem uma personalidade tal, que os torna propensos a recorrerem às drogas e mais suscetíveis de ficarem dependentes delas. É claro que em certos casos, como, por exemplo, o dos chamados guetos urbanos das grandes cidades norte-americanas ou o dos menores 15 abandonados pelos pais que vivem nas ruas das cidades brasileiras, as pressões ambientais e sociais que levam ao uso de drogas são tantas, que é até de se admirar que alguns indivíduos consigam escapar ao seu uso habitual. No outro extremo da população há pessoas tão propensas à dependência farmacológica, que mesmo vivendo em condições relativamente favoráveis, passam a recorrer às drogas para vencer a monotonia, combater a depressão ou ansiedade crônicas ou simplesmente para obter um prazer fácil, rápido e a qualquer custo. Embora muitas vezes a dependência e o abuso de drogas ocorram simultaneamente, os dois conceitos são diversos. Um paciente com câncer terminal, por exemplo, pode receber repetidamente altas doses de opióides, segundo prescrições médicas, que o tornam dependente destas drogas. Não se configura, porém, abuso. Por outro lado, um jovem que, por curiosidade, venha a fumar alguns cigarros de maconha, seguramente não é dependente de drogas, porém incorreu em abuso, dado que atualmente no Brasil é ilegal. Assim, considera-se abuso a auto-administração de uma droga que desvia dos padrões sócio-cultural aceitos. Nesta definição destacam-se dois aspectos fundamentais: a auto-administração e os padrões de uso de drogas numa determinada sociedade ou subgrupo social e numa determinada época histórica. Praticamente todas as sociedades humanas aprovam a auto-administração de certas drogas psicoativas enquanto rejeitam a de outras, da mesma forma como diferem entre as culturas as demais normas de conduta. Alguns exemplos bem conhecidos são o uso de cocaína pelos povos andinos, o da mescalina pelas populações nativas do sul dos Estados Unidos e do México, o da maconha pelos afegãos, assim como o do álcool etílico, nicotina e cafeína pelos grupos sócio-culturais de origem européia. Por outro lado, o uso de bebidas alcoólicas é considerado crime nos países muçulmanos, enquanto o de cocaína, opióides e alucinógenos é, atualmente, ilegal em numerosos países, inclusive no Brasil. 16 Além disso, a história registra grandes mudanças na atitude de uma mesma sociedade em relação ao uso de uma dada substância. Assim, a cocaína foi amplamente usada nos Estados Unidos e na Europa, durante o final do século XIX, em remédios e tônicos vendidos sem prescrição médica. Um deles, aliás, deu origem ao refrigerante Coca Cola, que somente em 1903, devido ao clamor popular e à legislação restritiva substituiu o xarope contendo extratos das folhas de coca por outro contendo cafeína. O célebre “Vin Mariani” , patenteado em 1863, continha também extratos de coca e era tão respeitável que recebeu medalhas especiais outorgadas pelos Papa Pio IX e Leão XIII. Já o café e o tabaco sofreram severas restrições no início de sua introdução na Europa, nos séculos XV e XVI, antes de seu consumo se tornar aceito. Ainda o café, hoje em dia considerado como bebida nacional em vários países árabes, foi acerbamente combatido quando de sua introdução e seu uso condenado pelo Corão. Embora tenha proibido que se fumasse o tabaco, o imperador que governou a China durante a metade do século XVII permitiu que se fumasse ópio, como substituto, levando à ampla difusão do uso deste último. Também na Índia, durante o início do século XIX, o uso do ópio era bastante difundido, sendo inclusive consumido pelos brâmanes em lugar do álcool, que por sua vez era proibido. Nos dias atuais, principalmente, nos Estados Unidos, pode-se testemunhar uma importante mudança na atitude em relação ao hábito de fumar, que era moda há uma ou duas décadas, sendo porém visto cada vez mais com maus olhos, a ponto de serem até dispensados os sinais de “proibido fumar” em muitos recintos públicos porque ninguém mais ousa fazê-lo. 17 5 – DEPENDÊNCIA PSICOLÓGICA E FISIOLÓGICA E TOLERÂNCIA Segundo a definição da Organização Mundial de Saúde, (OMS) elaborada em 1974, “a dependência de drogas é um estado mental e, muitas vezes, físico, que resulta da interação entre um organismo vivo e uma droga. Caracteriza-se por comportamento que sempre inclui uma compulsão de tomar a droga para experimentar seu efeito psíquico e, às vezes, evitar o desconforto provocado por sua ausência”. A OMS subdividiu ainda a dependência em psíquica e física, termos esses que preferimos substituir por psicológica e fisiológica, respectivamente. Para que uma determinada droga possa levar à dependência é necessário que cause efeitos centrais de natureza psicológica. É necessário pois, que a auto-administração do agente farmacológico seja seguida rapidamente de sensações de prazer, de alívio de tensões desagradáveis, ou ainda, como no caso dos alucinógenos, de desejadas alterações do humor e da percepção, para que se configure o potencial de induzir dependência. Assim, este último é função das propriedades farmacológicas da droga, podendo inclusive ser verificado em animais de laboratório, excluindo-se assim os fatores psicológicos individuais e as influências sócio-culturais. Já a dependência fisiológica intensa consiste numa verdadeira adaptação do organismo à presença continuada da droga, de tal forma que sua retirada desencadeia distúrbios fisiológicos, muitas vezes acentuados, cujo sentido é em geral oposto ao dos efeitos farmacológicos da droga. É tal o desconforto gerado por esta síndrome de retirada ou síndrome de abstinência, que evitá-lo passa a ser motivação adicional para o uso continuado dessas drogas. 18 Assim, mesmo quando diminui o prazer causado pela droga, em função da tolerância que se desenvolve, o usuário tem de continuar a tomá-la para evitar o desconforto causado pela retirada. Intimamente ligado ao fenômeno da dependência fisiológica está o da tolerância. Mais precisamente, a tolerância é definida pelo aumento progressivo da dose para obter a mesma intensidade do efeito. A tolerância a certas drogas é em parte devida ao aumento da velocidade de metabolização. Esta tolerância metabólica é conseqüência da indução de sistemas enzimáticos existentes no fígado, principalmente o do chamado citrocromo P450, cuja função adaptativa seria a de transformar produtos estranhos ao organismo em substâncias menos ativas ou tóxicas, embora existam importantes exceções a essa regra geral. Como esses sistemas enzimáticos atuam sobre uma variedade de compostos, a indução causada por um deles aumenta a velocidade de metabolização de outras substâncias, ainda que nunca antes tenham sido administradas (GRAEFF, 1989). Mesmo sendo estatisticamente menos causadora de dependência que as drogas “pesadas”, a maconha pode provocar profunda dependência psicológica, assim como fisiológica em alguns indivíduos e certamente gera formas de dependência mais leves (e portanto mais fáceis de tratar) na totalidade dos usuários (COHEN, 1988). 19 6 – EFEITOS PSICOLÓGICOS E FISIOLÓGICOS DA MACONHA Os efeitos psicológicos da maconha são semelhantes aos dos alucinógenos. Entretanto, devido à potência, relativamente, baixa das substâncias ativas e ao seu conteúdo variável nos cigarros de maconha, são relativamente raras as alucinações e alterações do pensamento. Após um ou dois cigarros de potência média, a maioria dos usuários apresenta apenas uma euforia e um agradável estado de relaxamento e sonolência. Podem ocorrer também hipersensibilidade a estímulos sensoriais e, principalmente, alterações da percepção temporal. Com doses mais elevadas surgem perturbações da memória, alterações do pensamento e sentimentos de estranheza. Somente com doses muito altas aparecem alucinações e despersonalização. No caso do fumante, como o conteúdo de substâncias ativas em cada cigarro é relativamente baixo, o usuário logo aprende a controlar a dose necessária para atingir os efeitos desejados, evitando experiências perturbadoras. Contudo, há indivíduos mais sensíveis ou predispostos que podem sofrer ansiedade e mesmo ataques de pânico incontrolável após doses, relativamente, pequenas de maconha. Em outros, possivelmente com distúrbios latentes, surtos psicóticos prolongados podem ser precipitados pelo uso da maconha. Alguns efeitos fisiológicos da maconha são bastante característicos, como por exemplo a dilatação dos vasos da conjuntiva, que torna os olhos muito congestionados. Outro efeito bem consistente é o aumento da freqüência cardíaca. Podem ocorrer fraqueza muscular, tremores finos das mãos e alterações do equilíbrio e da marcha. Esses últimos 20 efeitos, somados a possíveis alterações da percepção espacial, fazem com que seja perigoso dirigir veículos motorizados sob ação da maconha. O uso repetitivo da maconha pode induzir alguma tolerância quando as doses são muito altas e freqüentes. Contudo, em condições normais de uso, a tolerância não se desenvolve, e mesmo o fenômeno inverso, isto é, a sensibilização, é referida por muitos usuários. A retirada abrupta da maconha após o uso prolongado não causa sinais da abstinência, nem desejo compulsivo de consumir a droga, como no caso dos opióides, do álcool e dos barbituratos, assemelhando-se assim aos alucinógenos. Entretanto, devido a seus efeitos agradáveis, aos menores riscos de reações adversas e ao não desenvolvimento de tolerância, é grande a tendência ao uso persistente da maconha (GRAEF, 1989). 21 7 – A MACONHA E A SAÚDE As drogas psicotrópicas afetam a saúde física e mental. Ao chegar aos pulmões a fumaça da maconha é diluída na corrente sangüínea, sendo absorvida pelo cérebro e por quase todos os tecidos do corpo, onde várias substâncias ativas podem permanecer por dias ou semanas. Tanto a curto como a longo prazo, a maconha atua em, praticamente, todos os sistemas vitais de nosso corpo. Por exemplo, o uso regular dessa droga prejudica os pulmões, diminui os mecanismos imunológicos do organismo (tornando-se suscetíveis a doenças e infecções), afeta a potência sexual e as células reprodutivas, interfere no funcionamento do cérebro e no equilíbrio mental. Atualmente a ciência pode comprovar que fumar cigarros de tabaco ou qualquer outra droga, como maconha pode ser prejudicial para o sistema respiratório. Os fumantes em geral enfraquecem seu aparelho respiratório e ficam mais sujeitos à tosse, à gripe, ao resfriado, às alergias e às complicações resultantes desses distúrbios. Consumida, regularmente, por vinte ou trinta anos, a fumaça de qualquer tipo de cigarro tem efeitos devastadores sobre o organismo, como demonstram as pesquisas sobre continuidade do uso da maconha, nicotina e outras drogas fumadas. Dentre os efeitos colaterais da ingestão regular da fumaça estão a asma, a bronquite, os enfisemas pulmonares, as doenças do coração e várias formas de câncer, especialmente o de pulmão. A fumaça dos cigarros está também sendo cada vez mais relacionada a complicações durante a gravidez. Comprovou-se estatiscamente que crianças nascidas de mães fumantes pesam menos que as nascidas de mães não fumantes. 22 7.1 - A maconha e o aparelho respiratório Quanto aos efeitos fisiológicos nocivos que advêm do uso prolongado do cânhamo, os mais comprovados são os pulmonares. Os experimentos realizados em animais de laboratório, bem como no homem, indicam que a função pulmonar é prejudicada pelos cigarros de maconha, num grau mais acentuada que pelos de tabaco. Além da irritação crônica, os pulmões expostos à fumaça da maconha perdem resistência à invasão bacteriana, facilitando a instalação de bronquite. O fumo da maconha também contem 70% mais do produto cancerígeno, benzopireno, do que o fumo do tabaco (GRAEFF, 1989)., maco 7 Além do que, fungos, bactérias e adulterações intencionais, como a adição de esterco de bovinos, podem contaminar a droga, fazendo com que o indivíduo aspire substâncias venenosas que prejudicarão seus pulmões e outros órgãos. O fungo Aspergillus fumigatus, muito comum nas plantações de maconha, ataca a planta e altera a composição química de sua resina, podendo causar doenças respiratórias (COHEN, 1988). Outro perigo potencial a que estão expostos os fumantes de maconha são os perigosos agrotóxicos usados no cultivo da planta (que é geralmente clandestino e não passa por qualquer espécie de controle). Já foram encontradas grandes concentrações de inseticidas organo-clorados e herbicidas em amostras de maconha vendidas nas ruas (COHEN, 1988). 23 7.2 - Efeitos no aparelho circulatório e no sistema imunológico. A maconha aumenta o trabalho cardíaco. As mudanças ocorridas nesse órgão e o aumento da pressão arterial, durante o efeito da droga, assemelham-se ao quadro cardiovascular de uma pessoa com estresse (COHEN, 1988). Para acelerar seu ritmo e bater mais forte e com maior freqüência, o coração necessita de quantidades adicionais de oxigênio. Mas o pulmão cheio de fumaça de maconha aumenta o teor de monóxido de carbono (CO) no sangue, reduzindo a quantidade de oxigênio que chega ao coração. Assim, num momento em que o coração está sob esforço extra e necessitando de mais oxigênio, ele acaba recebendo menos do que obteria normalmente. Essa situação pode ser tolerada por uma pessoa com coração normal, mas torna-se sério problema para aqueles que sofrem de hipertensão, doenças cerebrovasculares ou cardíacas. Pessoas com problemas cardíacos não devem fumar cigarros de tabaco e muito menos maconha. Além de sobrecarregar o coração e deixá-lo sem o oxigênio necessário, a maconha também altera o sistema imunológico do organismo. Esse sistema protege as pessoas de vírus, bactérias e outros microorganismos que causam infecções e doenças, prevenindo também distúrbios celulares e crescimento de células cancerosas no corpo. O sistema imunológico é constituído por algumas células brancas do sangue (linfócitos) e por outras que se espalham por todo o organismo e combatem invasores que nele penetram. O uso freqüente da maconha reduz a atuação e a quantidade de um tipo vital de célula de defesa, os linfócitos T ou células T (as mesmas que são atacadas pelo vírus da AIDS). As células T são muito importantes no combate a perigosos microorganismos, os 24 vírus, e está comprovada a atuação eficaz dessas células na prevenção, na estagnação, ou na própria cura de episódios cancerosos no organismo. (COHEN, 1988) 7.3 – Sexo, gravidez e maconha Enquanto doses ocasionais de maconha podem aumentar ou diminuir o desejo sexual e alterar o comportamento do indivíduo nessa área, os consumidores regulares reclamam que seu desejo sexual diminui. Foram relatados, inclusive, casos de impotência definitiva. O uso da maconha também afeta a produção de espermatozóides e óvulos (células reprodutivas).Análises do esperma de homens viciados em maconha revelaram menor número de espermatozóides e maior quantidade de defeitos genéticos nessas células. Esses fatores podem ter efeitos significativo na fertilidade. Fumantes crônicos de maconha podem sofrer alterações em seu sistema de glândulas endócrinas (que controla a produção de hormônios sexuais e outros). Homens que fumam nove ou mais porções de maconha por dia durante mais de quatro meses produzem menos quantidade de testosterona (hormônio sexual masculino) que os homens que não usam essa droga. A maconha pode perturbar também o ciclo menstrual da mulher e alterar o metabolismo da ovulação, resultando em períodos imprevisíveis de infertilidade. Muitas drogas podem causar mutações no material genético do organismo. A maconha ,por exemplo, atua sobre as células germinativas (espermatozóides e óvulos) e somáticas (componentes de todos os outros órgãos e tecidos do corpo), alterando a forma de seus cromossomos. Isso pode causar defeitos congênitos em filhos de usuários crônicos de maconha. 25 Como a maconha atravessa a placenta, essa droga pode prejudicar o feto de uma mulher grávida que a utiliza. Estudos com animais sugerem que a maconha pode causar aumento no índice de abortos, redução do peso do recém-nascido e gestações mais curtas. Se a mulher que fuma maconha está amamentando uma criança, as toxinas dessa droga passam para a criança através do leite. Alguns estudos mostram também que os filhos de mães viciadas em maconha são mais afetados por depressão e problemas neurológicos que acarretam convulsões. Devido a todos esses fatores, os médicos recomendam não fumar maconha nos seis meses que antecedem a fecundação e proíbem seu uso durante a gravidez e o aleitamento. Ma8 7.4 - Efeitos no cérebro e no comportamento Alguns efeitos da maconha no cérebro e no comportamento podem ser observados e medidos clinicamente. Outros, entretanto, só podem ser inferidos a partir da constatação de mudanças bruscas na personalidade. Sabe-se que a maconha causa transformações na química do cérebro. Essa droga inibe os neurotransmissores de aceticolina, mensageiros químicos que transmitem informações de uma célula nervosa a outra. Isso explica os efeitos anestésicos da maconha e a perturbação da memória que essa droga causa, pois uma pessoa sob o seu efeito distraise com freqüência e perde o fio dos pensamentos. A maconha, também, altera o humor e o comportamento. Ela enfraquece a coordenação motora e perturba o senso de espaço e tempo (prejudicando a capacidade de dirigir veículos e operar máquinas). Ao mesmo tempo a maconha provoca euforia e sensações de segurança e bem-estar, que podem se traduzir em atos perigosos, como dirigir 26 um carro em alta velocidade sem os reflexos de coordenação motora necessários para tanto. Além disso, essa droga provoca ansiedade, confusão mental e pode levar a psicoses incuráveis. Como o ato de dirigir um veículo requer concentração da atenção, reflexo rápidos, raciocínio acurado e perfeito senso de direção, envolvendo clareza na percepção do tempo e do espaço, o uso de qualquer droga psicotrópica (álcool, maconha, cocaína, heroína, remédios tranqüilizantes ou estimulante) é absolutamente contra-indicado. A maconha e outros psicotrópicos diminuem as habilidades e capacidades de um motorista, tornando-o incompetente para dirigir. Drogados têm provocado sérios acidentes de trânsito, com conseqüências trágicas, além de danos físicos e materiais. Os efeitos de bem-estar e desinibição provocados pela maconha são, particularmente, perigosos para os jovens. A droga pode fazer com que se sintam “poderosos” a ponto de cometer imprudências na direção de veículos. Numa experiência realizada nos EUA, dezenas de motoristas sob efeito de maconha foram testados para avalização de suas habilidades e de sua capacidade de controle. A maioria dos pesquisados afirma que sentiu dificuldade em calcular as distâncias e perceber, corretamente, o tempo necessário para operações como ultrapassagens e paradas diante de semáforos. Felizmente, os testes foram realizados em laboratório, com aparelhos que simulavam viagens de carro. Os problemas com a direção de veículos revelaram-se maiores nas quatro primeiras horas depois que os indivíduos fumaram maconha. Na simulação, os motoristas receberam grande número de “multas” por violação de leis de trânsito que ocorrem nas grandes cidades. A polícia tem utilizado aparelhos para medir o nível de intoxicação de uma pessoa pelo álcool (bafômetro). Nos países desenvolvidos estão sendo pesquisados, atualmente, aparelhos e técnicas que sejam 27 capazes de medir o grau de intoxicação pela maconha para punir os motoristas que dirigem sob efeito dessa droga.(COHEN) O uso regular da maconha pode causar distúrbios mentais ou agravar problemas que já existiam antes da pessoa se entregar ao vicio. Um indivíduo neurótico ou com outro distúrbio mental (mesmo em grau imperceptível para as outras pessoas) nunca consegue resolver esse quadro com o uso de drogas, pelo contrário, o vício freqüentemente agrava o problema. Pesquisas, experiências e entrevistas com usuários de maconha revelaram alguns problemas comuns: distorção da percepção, da maneira de pensar e do senso de realidade; confusão mental; dificuldade de concentração; distração exagerada e dificuldade em manter fixa a atenção; dificuldade de expressar conceitos e articular o pensamento; apatia (falta de interesse pelo trabalho, pelo estudo e pela vida em geral); perda da movimentação e da vontade própria; irritabilidade; agressividade; perda do controle emocional e comportamento impulsivo; falta de autoconfiança e sentimentos derrotistas; timidez e retraimento; perda de interesse nas atividades sociais; redução nos interesses; falta de ambição e tendência à vida econômica parasitária; crises de paranóia, muitas vezes acompanhadas de estados de pânico. 28 Muitas dessas manifestações intelectuais e psicológicas podiam já existir antes que as pessoas pesquisadas se tornassem viciadas em maconha, mas a maior parte delas se intensifica com o uso da droga. Embora no início do uso o fumante de maconha possa não apresentar nenhum dos efeitos acima descritos, ou apenas alguns deles, a continuidade do vício acabará fazendo com que os problemas mentais desse tipo apareçam e se acentuem, como demonstram as estatísticas. 29 8 - A MACONHA E A LEI Proibições contra o uso de drogas encontramos muitas, ao longo da história. Ambas da polícia burguesa-capitalista, no século 14, o emir Schekhoori proibia plantar Cannabis e punia os infratores arrancando-lhes os dentes. O Aitolá Sadegh Kalkhall, que entre maio e junho de 1980 determinou a execução de 120 pessoas envolvidas no tráfico de haxixe no Irã Islamítico, tampouco representa o liberalismo burguês capitalista.10 Napoleão, em 1800, quando proibia a seus soldados na campanha no Egito, o uso de haxixe, já era a expressão da burguesia em ascensão. Entre 1904 e 1924, várias conferências internacionais consagravam a proibição do ópio, da cocaína. Em 1924, o delegado do Egito exigia a inclusão da Cannabis entre os tóxicos proibidos, por ser “tão nociva quanto o ópio, se não mais” e “principal causa da alienação mental no Egito, atingindo 30-60% dos casos.” A insistência do delegado egípcio era na proibição internacional da Cannabis, que no Egitodesde 1879 já estava proibida. Nos anos 60, Nasser, presidente do Egito, determinava maior rigor na aplicação das leis de combate e proibição da Cannabis.10 Em 1961, a ONU aceitou a proposta do Brasil, Gana, EUA e Venezuela, e proibiu mundialmente a Cannabis.10 A primeira lei proibindo o uso de drogas no Brasil foi o decreto federal no 4.294, de 6 de julho de 1921. Atualmente, a norma fundamental sobre o assunto em nosso país é dada pela lei 6.368, de 21 de outubro de 1976, e pelo artigo 16 do Código Penal. Referindo-se à maconha e a outras substâncias entorpecentes. Essa legislação considera crime “adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecentes ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. 30 A punição consta de reclusão, detenção e multa, e pode ser mais ou menos severa, dependendo das circunstâncias do tipo de crime. A venda de drogas como a maconha implica uma punição muito mais severa do que a posse de pequenas quantidades, embora ambos os casos prevejam cumprimento de pena em cadeia. As penas são aumentadas em um terço se a maconha foi vendida, ministrada, fornecida ou prescrita a menor de 21 anos ou a pessoas com pouca capacidade de discernimento. A punição também aumenta quando se caracteriza a constituição de bando ou quadrilha para venda de maconha e quando a venda ou consumo ocorrem em imediações ou no interior de estabelecimento de ensino, sanatório, unidade hospitalar, sede de sociedade ou associação esportiva, cultural, estudantil, beneficente ou em local de espetáculos ou diversões públicos. Em muitos países do mundo, como Estados Unidos, Holanda e Suécia, a lei não considera crime o porte de pequenas quantidades de maconha para uso próprio. Pode-se dizer que a maconha é parcialmente legal nesses países, embora em todos eles seja proibido o plantio e a venda para fins de consumo como droga. Nos Estados Unidos (onde as leis são elaboradas em cada Estado de acordo com uma Constituição básica federal que lhes serve de base) o porte e o uso próprio de pequenas quantidades de maconha é permitido em onze Estados. Essa legalização ocorreu nos anos 70. O primeiro estado norteamericano a permitir o uso da maconha foi o Oregon, em 1973. Os defensores da legalização de pequenas doses para consumo próprio afirmam que essa medida tira a droga da clandestinidade e facilita o controle social sobre os problemas ligados ao vício, que deixa de ser um simples caso de polícia para ser uma questão aberta a toda a sociedade. Argumenta-se que o aumento da porcentagem de novos viciados nos EUA, de 1974 a 1977 (cerca de 4%), foi igual em Estados que permitiam legalmente o uso 31 da maconha, coo no Oregon , e em Estados que o proibiam. Nesse caso, a legalização não estaria aumentando o número de viciados e inclusive permitiria maior controle social sobre o vício, pois o usuário poderia ser tratado em clínicas médicas estatais acessíveis a todas as pessoas e estrategicamente distribuídas nas cidades. Na Itália, desde dezembro de 1975 o consumo não é mais punido, o que torna a legislação uma das mais “avançadas” do mundo. Mas ela ainda pune “o fato de ceder ao companheiro vizinho um “baseado”, o consumo coletivo na sua própria habitação e o transporte de quantidades mesmo reduzidas.” 10 No entanto, estudiosos observam na Itália que a despenalisação do uso social da Cannabis agravou as proporções do tráfico.10 Outros estudiosos, porém, afirmam que esse tipo de legalização da maconha em países pobres pode gerar aumento do consumo, pois a população enfrenta problemas básicos que já foram resolvidos em países desenvolvidos (alimentação, moradia, emprego, salários condizentes, acesso a escolas e médicos, dentre outros). Pessoas com carências básicas apresentam baixa auto-estima e maior tendência à insegurança, o que as predispõem fortemente ao vício. Além disso, em países pobres a legalização da maconha não poderia ser amparada por uma rede de instituições capaz de tratar das pessoas que abusam da droga. Assim, ainda seguindo esse raciocínio, os efeitos do abuso se intensificariam com a liberação, gerando problemas sociais. Nos países desenvolvidos há também quem defenda a total discriminalização da maconha. Para muitas dessas pessoas, o Estado deveria encarregar-se do controle de plantações, pontos de venda e até mesmo do estabelecimento do preço da droga. A dosagem de ingredientes ativos seria também controlada, permitindo a existência de um produto sem adulterações e com menor teor de substâncias prejudiciais. 32 Os governos poderiam, assim, até angariar impostos para sustentar redes de apoio às pessoas que viessem a abusar da maconha, e a droga sairia totalmente da clandestinidade. Os defensores dessa tese afirmam que a medida poderia Ter grande alcance social, pois acabaria com muitas quadrilhas organizadas que utilizam a maconha como ponta de lança para a venda de outras drogas mais pesadas e que praticam outros atos ilegais (como roubo de carros, dentre outros), além de freqüentemente adulterarem a maconha, aumentando seu peso com a adição de outras substâncias. Mesmo nos países desenvolvidos, porém, a total discriminalização da maconha não é aceita pela maior parte da opinião pública. As críticas à maconha têm se intensificado com a comprovação de que ela realmente faz mal à saúde quando usada com freqüência, e acompanham a crescente condenação ao uso de outras drogas “leves”, como o tabaco e o álcool. 33 9 – CONCLUSÕES E SUGESTÕES O processo investigatório, norteado pelo objetivo proposto, inicialmente, leva-nos a apresentar algumas conclusões e sugestões: o uso da maconha é milenar, no entanto, o aumento do seu consumo entre os jovens, provavelmente, esteja ligado às questões sociais, movidas pelas transformações nos padrões morais e sociais, enfraquecendo o controle social e diminuindo o poder das leis sobre os indivíduos; o cultivo e o processamento da Cannabis se tornam cada vez mais sofisticados, no sentido de acelerar o seu processo de produção, assim como de aumentar a concentração do princípio ativo ou associando outras drogas (crack) à sua composição, atendendo e conquistando uma demanda maior de usuários cada vez mais dependentes. Visto que o fenômeno da dependência fisiológica está, intimamente, ligado à tolerância (aumento progressivo da dose para obter a mesma intensidade do efeito); a Cannabis prejudica o desenvolvimento cognitivo e o desempenho psicomotor, o que aumenta o risco de acidentes com veículos motorizados entre os que dirigem intoxicados pela mesma. Também, houve considerável progresso na compreensão dos efeitos crônicos da Cannabis no sistema respiratório e imunológico, assim como no aparelho reprodutor. Há uma debilitação crônica seletiva no funcionamento cognitivo, podendo ocorrer a síndrome da dependência. O uso crônico da Cannabis também pode exacerbar a esquizofrenia em indivíduos suscetíveis. Por outro lado, muitos estudos comprovam efeitos terapêuticos do THC, assim como há estudos em andamento; há uma grande lacuna, entre os benefícios e os malefícios do THC sobre a saúde dos usuários, sendo que os efeitos deletérios sobre a saúde pública prevalecem e são comprovados cientificamente. 34 Em nosso país é prematura a operacionalização das políticas de saúde e educacional preventivas, que privilegiam ações básicas de saúde, junto a sociedade. Diante dessas conclusões sugerimos que: seja mantida a pena atual, contida no art. 16 do Código Penal, pois entendemos que apesar dos efeitos deletérios da Cannabis sobre a saúde do usuário, ela não se constitui numa droga “pesada”, sendo mais fácil a recuperação do indivíduo dependente da mesma. Assim, o aumento da pena traria problemas irreversíveis ao infrator, pois ele estaria sujeito a conviver por um tempo maior, com companheiros de maior nível de periculosidade, em um sistema carcerário impróprio a sua recuperação. Por outro lado, defendemos que os atos ilícitos referentes a Cannabis não sejam legalizados. entendemos que somente a manutenção da pena no que se refere as drogas psicoativas, não é estratégia suficiente para mudar o fenômeno geométrico da propagação das mesmas, principalmente entre os jovens. Será necessário implementar programas que venham melhorar as condições sócio-econômicas das famílias, assim como o fortalecimento dos seus laços afetivos, contribuindo no processo educacional preventivo dos filhos. Estes processos devem iniciar desde a gestação, conforme recomendado por OLA & AULAIRE e estender-se aos currículos escolares. Desta forma, poderemos construir uma sociedade com pessoas mais saudáveis fisicopsicologicamente e conscientes sobre os efeitos devastadores e muitas vezes irreversíveis, que as drogas psicoativas estão causando, bem como mais resistentes às ofertas. Acreditamos que a escassez de usuários enfraquecerá a indústria que movimenta o tráfico de drogas. 35 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CÓDIGO CIVIL. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. COHEN, M. Tudo sobre drogas: maconha. São Paulo: Nova Cultural, 1988. 70p. Drogas, a hora da prevenção. O Estado de São Paulo, São Paulo, 2 Maio 1998. Notas e Informações, p. A3. FORMENTI, L.; LOMBARDI, R. Droga faz estudo virar risco para estudantes. O Estado de São Paulo, São Paulo, 19 abr. 1998. Cidades, p. C1. GRAEFF, F. G. Abuso e dependência de drogas. In: ___. Drogas psicotrópicas e seu modo de ação. 2. ed. São Paulo: EPU, 1989. Cap. VII. ISSY, J.; PERILLO, L. A. Drogas: causas, efeitos, prevenção. Goiânia: Nacional, 1997. OLA, P.; D’AULAIRE, E. Como criar filhos longe das drogas. Seleções, jun., p. 57-64, 1997. O tráfico nas escolas. O Estado de São Paulo, São Paulo, 17 abr. 1998. Notas e Informações, p.A3. PEREIRA, P. Entorpecentes: especialistas discutem legalização. O Estado de São Paulo, São Paulo, 26 maio 1998. Cidades p. C4. SONENREICH, C. Cadernos de psicopatologia: maconha na clínica psiquiátrica. São Paulo: Manoele, 1982. Vol.3. TIBA, I. Saiba mais sobre maconha e jovens. 3. ed. São Paulo: Ágora, 1993. 143p.