Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as relações

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Memórias traumáticas fragmentadas:
Estudo sobre as relações entre os transtornos da dor
sexual e o transtorno do estresse pós-traumático
SÃO PAULO
2007
SALETE CORTEZ ASTOLFO
2
Memórias traumáticas fragmentadas:
Estudo sobre as relações entre os transtornos da dor
sexual e o transtorno do estresse pós-traumático
Monografia
apresentada
ao
curso
de
Especialização em Sexualidade Humana da
Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo, para a obtenção do título de “Especialista
em Sexualidade Humana”.
Área de concentração: Psiquiatria
Orientador: Prof. Dr. Giancarlo Spizzirri
SÃO PAULO
2007
SUMÁRIO
3
Lista de Abreviaturas
1 INTRODUÇÃO............................................................................................6
2 REVISÃO DA LITERATURA..................................................................9
2.1 MORFOLOGIA EMOCIONAL...........................................................9
2.2 CORPO E CONEXÕES..................................................................12
2.3 A CONSTRUÇÃO DA CONFIANÇA NO VÍNCULO........................13
2.4SEXUALIDADE E PSIQUISMO.......................................................14
2.5 CICLO FEMININO DE RESPOSTA SEXUAL.................................17
2.6
TRANSTORNOS
DA
DOR
SEXUAL
DE
CAUSA
ORGÂNICA...............................................................................................19
2.6.1 Etiologia.................................................................................21
2.6.2 Incidência e Prevalência........................................................25
2.6.3 Parceria e Reações ao Vaginismo........................................25
2.6.4 Tratamento............................................................................25
2.7 ABUSO SEXUAL............................................................................27
2.7.1 Abuso sexual intrafamiliar.....................................................28
2.7.2 A família incestuosa..............................................................28
2.7.3 A teia de conseqüências.......................................................30
2.7.4 Aspectos psicodinâmicos......................................................31
2.7.5 Perfil da vítima......................................................................33
2.7.6 A percepção das vítimas com relação ao perpetrador........33
2.7.7 Denúncia e subnotificação..................................................34
2.7.8 Pedofilia, um transtorno de preferência sexual..................39
NÃO
4
2.8 TRANSTORNO DO ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO................37
2.9 O PAPEL DA PSICOTERAPIA NA REORGANIZAÇÃO DA MEMÓRIA
TRAUMÁTICA...........................................................47
2.9.1 Estudos estruturais em neuroimagem do TEPT...............53
2.9.2 Estudos funcionais em neuroimagem do TEPT...............54
2.9.3 O papel da psicoterapia ..................................................54
3 HIPÓTESE.........................................................................................57
4 OBJETIVOS.......................................................................................58
5 MÈTODOS.........................................................................................59
5.1 METODOLOGIA DA PESQUISA BIBLIOGRÁFICA...................59
5..2 RELATO DE CASO CLÍNICO....................................................60
6 RESULTADOS..................................................................................62
7 DISCUSSÃO.....................................................................................84
8 CONCLUSÕES.................................................................................95
9 ANEXO...............................................................................................96
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................97
LISTA DE ABREVIATURAS
5
APA:
Associação Psiquiátrica Americana
CID-10:
Classificação Internacional das Doenças, 10ª edição, 1993
DSM IV
Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, 4ª
edição, 2000.
OMS:
Organização Mundial da Saúde
TEPT:
Transtorno do Estresse Pós-Traumático
INTRODUÇÃO
O transtorno da dor sexual quase sempre está ligado à vivência negativa da
sexualidade e ao medo da intimidade, sendo sua compreensão implicada numa
visão psicossomática. A sexualidade está interligada com a personalidade global do
indivíduo e tem papel estruturante na organização do psiquismo. 29
6
A dor no coito é o principal sintoma de dispareunia e vaginismo e pode estar
associado a outras disfunções sexuais, contribuindo negativamente para futuros
intercursos sexuais 29. O vaginismo está quase sempre associado à violência sexual
na infância e a fortes tabus 11. Estima-se que acomete menos que 1% das mulheres
férteis e a incidência da dispareunia é desconhecida. 29,11
Devido à alta incidência e gravidade das conseqüências para os
desenvolvimentos cognitivo, afetivo e social da vítima, o abuso sexual tem sido
considerado um grave problema de saúde pública, cuja psicopatologia mais citada
associada é o transtorno do estresse pós-traumático
36,47
. Estima-se que entre 85%
a 90% dos pacientes com problemas psiquiátricos foram vítimas de maus-tratos na
infância, com predominância do abuso sexual. 37
A sintomatologia do transtorno do estresse pós-traumático como
hiperexcitabilidade psíquica, reexperiência traumática, esquiva e distanciamento se
caracterizam por manter certa seqüência fixa e recorrente de ações a partir do
evento traumático. 49, 1, 18,23
As fixações de certos padrões de resposta sugerem que parte das memórias
traumáticas
não
apresenta
estrutura
narrativa
involuntariamente
acessada,
apresenta
expressão
desenvolvida,
emocional
é
também
intensa
com
sensações vívidas e tem pouca interface de comunicação com outras memórias
autobiográficas
56,58
. Estudos sugerem que a psicoterapia pode influenciar o
desenvolvimento de um novo padrão narrativo de memória traumática para
transformar os fragmentos mnêmicos em memória emocional autobiográfica, a fim
de promover a integração do evento traumático.
Dentre as opções de tratamento são indicados psicoterapia individual ou
grupal,
de
abordagem
psicodinâmica,
terapia
cognitivo-comportamental,
psicoterapia tematizada de tempo limitado 11. Dentre as metodologias conhecidas, a
que permite acesso às memórias traumáticas de forma precisa para a
transformação em autobiográfica é a de Stanley Keleman.
20
Ressalta-se que para a mulher que vivenciou um trauma sexual, tornar-se-á
prioridade a promoção de um melhor entendimento sobre sua história e o auxílio
7
quanto às conexões entre o passado e seu funcionamento sexual atual, podendo
ser adiada a avaliação da disfunção sexual propriamente dita. 24
As terapias de exposição imaginária de forma assistida para reconstrução
cognitiva de eventos passados, tem tido muita atenção por parte da ciência
psicológica por acreditar ser a chave para o processo de transferência e integração
dos fragmentos mnêmicos
52,60
. Diante das várias opções de tratamentos
psicoterapêuticos, é importante ressaltar que o tipo de tratamento proposto
considere os recursos pessoais da paciente. 11
Investigar sobre a receptividade sexual feminina envolve contemplar as
conexões entre o contexto da experiência traumática, a fenomenologia das
conseqüências, o impacto sobre a saúde física e emocional, o comprometimento da
saúde sexual, a história relacional atual e os recursos pessoais do momento do
tratamento 24. Pesquisar tais aspectos justifica-se para auxiliar na compreensão dos
fenômenos que interferem negativamente na expressão e na receptividade feminina
causando prejuízo à sua qualidade de vida e a de sua parceria. 45, 46,47
Esta revisão bibliográfica sobre a etiologia do transtorno da dor sexual tem
como propósito estabelecer suas correlações teóricas com o estresse póstraumático em conseqüência da vivência do abuso sexual intrafamiliar na infância.
Com o objetivo de aprofundar a compreensão, será apresentado um estudo de
caso.
Este trabalho fomenta a realização de futuros estudos sobre os transtornos da
dor sexual para o progresso da terapêutica indicada às disfunções sexuais
femininas.
8
2.1 MORFOLOGIA EMOCIONAL
O estado das células e dos órgãos, da pulsação do organismo, sua vitalidade,
energia, a quantidade e a organização da excitação e a qualidade dos sentimentos
geram o contato e o relacionamento emocional.
1
Em condições assimiláveis, ou
seja, em situações que não sejam estressantes ao indivíduo, o ritmo da onda
pulsátil pode fazer o organismo se estender para o mundo ou se contrair de volta
para si. Pode manter um movimento rítmico de contração e expansão produzindo
diferentes graduações na pressão do organismo com relação ao meio e entre suas
estruturas, como pulmão e diafragma, por exemplo. O afinamento ou o
espessamento das paredes também são provocados pelos diferentes encontros,
relacionamentos, graus de intimidade, disponibilidade afetiva do momento,
circunstâncias, registros de experiências anteriores, entre outras variáveis.
2
O
indivíduo pode, diante das experiências, buscar se aproximar, dar, receber, conter,
9
reter, aproximando-se do mundo. Como também pode ter uma postura de
distanciamento, experienciando se afastar, não buscar, não dar, não receber, não
conter, se esvaziar, entre outros. 1
William Sheldon 3 foi um psicólogo americano devotado a observar e a registrar
a variedade de corpos humanos e temperamentos. Estudou como o tipo de corpo
ou tipo somático era conectado com a personalidade e apontou três tendências
denominadas de ectomórficos, endomórficos e mesomórficos. Na seqüência, as
figuras 1 e 2 com as ilustrações do autor (Sheldon, 1954):
Extremo mesomórfico
Extremo
Extremo
Endomórfico
Ectomórfico
Figura 1.
Diagrama
Figura 2. Diagrama com as combinações
Encontrou a predominância das camadas embrionárias humanas em cada
indivíduo que observou, e pesquisou as tendências dos mesmos em relação ao
10
metabolismo e predominâncias de temperamento sob diferentes aspectos. Realizou
um amplo estudo sobre as diferentes combinações de traços físicos e tipos
psicológicos, o que contribuiu para ampliar a compreensão das formas somáticas e
suas tendências, preferências e dificuldades nos relacionamentos. 3
Estudar a sexualidade humana requer pensar o corpo com uma arquitetura
geneticamente
programada,
finita,
cuja
pulsação
é
temporariamente
ou
indefinidamente desestabilizada de acordo com as experiências do vivido. Neste
sentido, é importante conceber em nossa prática clínica, um corpo como sendo o
corpo da experiência e não somente de órgãos e líquidos. 1
“A anatomia humana é uma morfologia emocional, onde as formas
anatômicas específicas produzem um conjunto correspondente de sentimentos
humanos. Desta forma, o self é um estado somático-emocional”. 1
A figura 3 exemplifica os tipos somáticos (Keleman, 1992).
Expressões Emocionais
Figura 3
Stanley Keleman
1
vem desenvolvendo e praticando terapia somático-
emocional há mais de 40 anos. E nos apresenta uma qualidade do biológico que
transforma a experiência em estrutura.
Nesse sentido, a forma humana pode
predominantemente apresentar a tendência em adensar, enrijecer, colapsar ou
inchar, frente a experiências excessivas, fazendo diferentes combinações de
11
pressão em diferentes regiões do corpo. Isto altera a forma do humano de se
relacionar consigo mesmo e com o outro, gerando padrões disfuncionais que,
quando não assimilados, levam à formação de sintomas.
2.2 CORPO E CONEXÕES
A postura ereta do humano expõe a frente macia ao ambiente e também sua
vulnerabilidade. No mundo animal, estas partes encontram-se protegidas na medida
em que estão voltadas para o chão. Ficar em pé fez toda a diferença no sentido de
modificar nosso envolvimento e ampliar nossa habilidade para satisfazer as nossas
necessidades como fome, contato físico, contato sexual e abrigo.
1, 4
Neste sentido,
a eretibilidade é um impulso genético e requer uma rede social e relacional para se
expressar e se realizar. A verticalidade do humano intensifica a possibilidade de
conexão com outras pessoas de uma forma mais próxima, através da expansão do
peito e do abdômen. Sua postura ereta cria também a possibilidade de amar e de
se relacionar com toda a parte frontal do corpo. E que toda a parte frontal do corpo
o impele, o conduz ao contato – olhos, nariz, ouvidos, peito, barriga e os órgãos
sexuais. O corpo organiza-se para a experiência e ao mesmo tempo é organizado
por ela e, na medida em que a vida constrói estrutura, ela se
constrói a si mesma enquanto possibilidade de conexão.
Neste sentido, ser corporificado é criar um corpo vivo que é
capaz de criar as suas relações (Figuras 4 e 5) . 4
As Camadas de Vínculo
Emocional-Anatômico
Figura 45 (Francescone, 2007)
12
Figura 5 (Keleman, 1992)
2.3 A CONSTRUÇÃO DA CONFIANÇA NO VÍNCULO
O desenvolvimento da forma humana é influenciado pela sua história pessoal e
emocional. 1
A criança humana necessita de cuidado, transmissão de experiências e
suporte nos momentos difíceis, de dores subjetivas ou não, e nas crises do
crescimento até tornar-se adulta. No momento da concepção, o que se concebe é
um adulto. Através da moldagem recebida no vínculo ocorrerão a maturação do
organismo, sua adaptação e a possibilidade de prosseguir no caminho
individualização. Os neurônios colocam em ação os programas genéticos
desenvolvidos e selecionados ao longo da evolução. O crescimento se dá por
camadas que são construídas no vínculo. Durante este período de crescimento, o
organismo está ainda mais vulnerável a formar padrões de distresse.
5
É muito importante reconhecer o fator da dependência na história do
desenvolvimento infantil. Assim, quanto maior o grau de dependência da criança em
relação ao adulto, maior será o impacto das experiências negativas em seu
desenvolvimento. Quanto menor a idade, menos compreensão terá sobre os fatos.
Em sua vida, toda e qualquer experiência é armazenada de forma a ajudá-la a
organizar confiança no ambiente ou, ao contrário, a deixá-la com dificuldade para a
construção da mesma. Quando a dependência é reconhecida por parte do adulto
cuidador, suas necessidades básicas são atendidas, ou seja, a mãe ou a figura
materna adapta a sua forma de vida a estas necessidades. Por outro lado, quando
a criança experimenta falhas na sua interação com o ambiente, fase em que a
dependência é um fato, pode, em graus variados, ter seu desenvolvimento
comprometido. O fato de a criança, desde bebê, ter um ambiente vincular confiável,
fornece-lhe a condição, o contexto e a oportunidade de se tornar um indivíduo com
13
potencial para realizar seu destino do legado hereditário, capaz de identificar-se
com as outras pessoas, com o meio ambiente e com a sociedade em constante
auto-organização. Assim, somente sob condições ambientais adequadas é que o
potencial hereditário terá a oportunidade de manifestar-se. Não se pode idealizar a
função materna, mas é fundamental o conceito de “mãe suficientemente boa” para
acompanhar a trajetória dos vários graus de dependência da criança humana. 6
2.4 SEXUALIDADE E PSIQUISMO
A estrutura de toda uma rede é sustentada pelas inter-relações entre as partes
resultantes da interconexão de todos os fenômenos. Diante disso, podemos
entender que a abordagem da sexualidade de uma forma sistêmica não pode ser
minimizada. Atualmente defrontamo-nos com uma série de problemas que afetam a
vida e que, neste sentido, não podem mais ser entendidos separadamente. É
necessário ter uma visão ecológica e holística profunda a respeito dos sistemas
vivos e a superação da metáfora cartesiana.
7
O mundo nos afeta e transforma na medida de nossas possibilidades bioestruturais, já que o sistema nervoso funciona a partir de uma clausura operacional.
O organismo está constituído de tal maneira que qualquer mudança, gera
modificações dentro dele mesmo.
8
O tema sexualidade atravessa realmente todos os campos científicos de
pesquisa. Deparamos com questões derivadas do campo da psicologia, fisiologia,
biologia e sociologia.
9
O termo “psicossexual” não se limita aos sentimentos ou às emoções sexuais
e não é sinônimo de libido. A sexualidade está interligada com a personalidade
global do indivíduo, afetando seu desenvolvimento e funcionamento, intervindo em
seu autoconceito, em seus relacionamentos e em seu comportamento como um
todo. Pode-se afirmar que a sexualidade de uma pessoa depende da inter-relação
da identidade sexual, da identidade de gênero e do comportamento sexual. 10
14
A sexualidade tem um papel estruturante na organização do psiquismo. Não
há como dissociá-los. Neste sentido, cabe reconhecer que o desempenho sexual
não depende só da anatomia e da fisiologia, mas, sobretudo da integração dos
níveis biológico, psicológico e social. 11
Conhecer somaticamente a si mesmo não é apenas ter consciência muscular,
emocional, bioquímica, sensorial, mas também
organização
da
excitação
representada nas ondas peristálticas visíveis e invisíveis do humano. 1
Na história da compreensão da libido ao longo do século passado, surgiram
muitas interpretações de seu significado, atuação, forma e até denominações.
Alguns estudiosos ficaram na observação, nos conceitos e a acompanhava nos
processos terapêuticos de seus pacientes; outros organizaram experimentos a fim
de medi-la, comprovar sua existência e passaram também a acompanhá-la,
buscando uma intervenção mais direta sobre o corpo.
A contribuição de Freud 12 é extensa na área da sexualidade humana e ampliou
a visão sobre o tema buscando fazer conexões do desenvolvimento e as causas
dos problemas emocionais de seus pacientes. Descobriu que todos os casos
envolviam a sexualidade de alguma forma em diferentes momentos da infância.
Tais aspectos estavam associados a sensações sexuais pelo progenitor do sexo
oposto e desejos de morte relacionados ao genitor do mesmo sexo, num primeiro
momento. E que a repressão de tais desejos seria uma condição para a vida sexual
normal na fase adulta.
Wilhelm Reich
13
investigou o mecanismo do prazer a partir de um ângulo
biológico e também no campo da política sexual. Explanou enfaticamente sobre a
contradição entre as exigências naturais do homem e as instituições sociais e o
impacto destas exigências sobre a sexualidade e conseqüentemente, sobre a
estrutura humana. Para ele, sexualidade e angústia, são funções do organismo vivo
que operam em direções opostas: expansão agradável e contração angustiante. Em
1923 o autor apresentou a teoria do orgasmo. Até então somente as potências
ejaculativa e eretiva eram conhecidas na sexologia e pelos psicanalistas. Colocou
então em evidência o conceito de potência orgástica como a capacidade de
abandonar-se, livre de quaisquer inibições, ao fluxo de energia biológica; com a
15
capacidade de descarregar completamente a excitação sexual a ponto de permitir
as involuntárias e agradáveis convulsões do corpo. Este seria composto pelas
fases: F (fase do controle voluntário da excitação); P (penetração do pênis); I
(aumento da excitação); II (aumento da intensidade da excitação); III (súbita
ascensão ao clímax); IV(orgasmo) V (queda brusca da excitação); R (relaxação
agradável). Descreve as fases e articula detalhes para uma ampla compreensão
incluindo fantasias, dificuldades vinculares, interferências da repressão da energia
sexual, desempenho reativo e outros conceitos que contribuíram para a formulação
da técnica de Análise do Caráter. Esta foi apresentada pela primeira vez em 1927.
A personalidade humana foi também estudada em termos de processos
energéticos do corpo e, a partir desta perspectiva, organizou-se uma técnica de
intervenção
psicoterapêutica
chamada
Bioenergética.
Segundo
Lowen,
a
quantidade de energia que um indivíduo possui e a forma de ser usada é
determinante em sua personalidade. Parte do pressuposto que carga e descarga
funcionam como uma unidade, e trabalha para aumentar o nível de energia do
indivíduo, liberar a auto-expressão a fim de aumentar o fluxo de sentimentos do seu
corpo. Acredita que a atitude muscular é idêntica ao que chamamos de expressão
corporal. Sendo o espasmo da musculatura o lado somático do processo de
repressão, e a base da sua contínua preservação. 14
A anatomia humana, segundo Keleman, é uma morfologia emocional. As
formas anatômicas específicas produzem um conjunto correspondente de
sentimentos humanos. Desta forma, propõe pensar a anatomia como morfologia
cinética, com formas do processo humano que se estendem ao longo do tempo.
Pensa na associação entre os padrões de sentimentos e estado de tecidos. Propõe
um corpo com ritmo, inserido num processo biológico e enriquecido de experiências
do vivido. Afirma que a vida constrói forma constantemente e rege e é regida por
uma multiplicidade de eventos. 16
“O contato com o outro é mais do que superfície é também interior com
interior. O contato é estratificado, das superfícies de comunicação da camada
externa de pele à segunda camada de gesto e ação, até a terceira camada,
de motilidade visceral. Contato, vulnerabilidade e intimidade envolvem
interações entre superfícies e profundezas. A camada externa refere-se à
16
forma pela qual somos reconhecidos e os papéis sociais que
desempenhamos. As camadas internas contêm declarações instintivas, de
desejo, necessidade e fome, que emanam da camada mais profunda do self
visceral. Em outra camada, essas posturas são declarações emocionais de
suavidade e firmeza, receptividade e distância, colapso e rigidez”. 16 (Keleman,
1992)
A sexualidade é um pólo muito importante para a estruturação de identidade
do humano, e não se restringe aos processos anatômico-fisiológicos, ou seja, coito
e ejaculação não equivalem à satisfação sexual.
11
2.5 CICLO FEMININO DE RESPOSTA SEXUAL
Na década de 60, Masters e Johnson
17
formularam um modelo da resposta
sexual humana, comum para homens e mulheres e com seqüência linear, formado
por quatro fases: excitação, platô, orgasmo e resolução. Este se caracterizava por
apresentar a excitação fisiológica sendo provocada por um estímulo sexual interno
(pensamentos, fantasias) ou externo (tato, olfato, audição, gustação, visão), com
alterações fisiológicas no homem, como a ereção, e a vasocongestão e miotonia na
mulher, o que levaria a continuidade da resposta sexual. No homem o orgasmo
seria acompanhado pela ejaculação e, posteriormente para ambos, haveria o
período de resolução com retorno às condições físicas e emocionais anteriores ao
encontro sexual.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais- DSM-IV
18
(APA,
2000) usa como parâmetro diagnóstico para os transtornos sexuais uma
combinação de modelo proposto por Masters e Johnson e complementado por
Kaplan 19. O modelo proposto por Kaplan promoveu a inclusão da fase do desejo e
a retirada da fase platô. Assim a resposta sexual humana adotada pelo DSM-IV
passou a ser: desejo, excitação, orgasmo e resolução.
A fase do desejo consiste em ter fantasias sobre atividade sexual
concomitante ao desejo de ter a atividade propriamente dita. A fase da excitação
17
caracteriza-se pela apresentação de um sentimento de prazer sexual e suas
alterações fisiológicas. No homem, a principal é a tumescência e a ereção peniana.
Na mulher as principais são a vasocongestão pélvica, a expansão vaginal, a
lubrificação e a turgescência da genitália externa. Na fase do orgasmo ocorre o
clímax de prazer sexual. Há alterações de ritmo das contrações musculares do
períneo, órgãos reprodutores e esfíncter anal, com ejaculação de sêmen pelo
homem. E a fase de resolução consiste numa sensação de relaxamento muscular e
bem-estar geral. Os transtornos da resposta sexual podem ocorrer em uma ou mais
destas fases 20.
Alguns especialistas como Leiblum
21
identificaram deficiências neste modelo.
A partir de evidências clínicas, este sugere que a excitação precede o desejo e que
nem sempre excitação e orgasmo proporcionam satisfação sexual.
Basson
22
em 2001 apresentou uma nova seqüência para o ciclo feminino de
resposta sexual. Apontou para o fato de que muitas mulheres iniciam o ato sexual
desejando proximidade física e carinho, sem ainda sentirem-se envolvidas por
sensações eróticas. A pesquisadora valorizou a importância da qualidade do
estímulo sexual, do contexto e dos fatores motivacionais para a atividade sexual. A
satisfação física e emocional como resultado da inter-relação entre o desejo e
excitação estimulando-se de forma positiva.
Basson
23
aponta também a necessidade do estudo científico incluir a
modulação do estresse do humor e das emoções positivas e negativas para se
diagnosticar uma disfunção sexual na mulher, pois muitos fatores influenciam no
processo sexual podendo reduzir qualquer excitação subjetiva. Os fatores
biológicos e psicológicos incluem fadiga, efeitos negativos de medicamentos sobre
a sexualidade, variação hormonal, depressão, experiências sexuais negativas no
passado, inexperiência, sentimento de vergonha, medo do resultado negativo
(dispareunia ou parceiro com disfunção), medo de engravidar, tempo de união,
doença sexualmente transmissível, possível infertilidade e outros. Tantos são os
fatores que podem comprometer a eficácia da estimulação sexual.
A proposta de um modelo circular para o ciclo de resposta sexual foi então
proposto contemplando as questões subjetivas tanto da história relacional atual,
18
como a satisfação emocional e física da vida sexual anterior, como fatores
determinantes para a receptividade feminina. 24
2.6 TRANSTORNOS DA DOR SEXUAL DE CAUSA NÃO ORGÂNICA
O vaginismo é definido como contração involuntária e espasmódica do terço
inferior da vagina, o que dificulta ou impede a penetração do pênis na vagina ou até
mesmo a realização do exame ginecológico completo. É causa comum de
dispareunia, que é definida como dor à relação. 11
Segundo a Classificação Internacional de Doenças, em sua décima revisão
(OMS, 1993): 25
F52. 5 – VAGINISMO NÃO ORGÂNICO:
Espasmo da musculatura do assoalho pélvico que circunda a vagina causando
oclusão do intróito vaginal. A entrada do pênis é impossível ou dolorosa. Vaginismo
psicogênico.
F 52.6- DISPAREUNIA NÃO ORGÂNICA:
Dor durante o intercurso sexual.
Segundo o DSM-IV – Manual de Diagnóstico e Estatística, quarta edição (APA,
1995) 18:
306.51 – VAGINISMO (não devido a uma condição médica geral):
A.
Espasmo involuntário, recorrente ou persistente da musculatura do terço
inferior da vagina, que interfere no intercurso sexual.
B. A perturbação causa acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal.
C. A perturbação não é melhor explicada por outro transtorno do Eixo I.
As disfunções sexuais se caracterizam por falta, excesso, desconforto e/ou
dor na expressão e no desenvolvimento desse ciclo, podendo afetar uma ou mais
fases, de forma persistente ou recorrente. Afirma ainda que o quadro clínico,
prognóstico e tratamento será mais complexo quanto mais precoce for o início da
disfunção. Enfatiza a necessidade de investigar se primária (ao longo da vida) ou
19
secundária (adquirida), generalizada (presente com qualquer parceria) ou
situacional (em determinadas circunstâncias e/ou parcerias). 27
302.76- DISPAREUNIA (não devido a uma condição médica geral):
A. Dor genital associada com o intercurso sexual.
B. A perturbação deve provocar acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal.
C. A perturbação não é causada exclusivamente por vaginismo ou falta de
lubrificação, não é melhor explicado por outro transtorno nem se deve
exclusivamente aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou de uma
condição médica geral.
Segundo Basson 26, o consenso de 1998, que reuniu 19 especialistas, revisou
a definição e a classificação das disfunções sexuais femininas com o objetivo de
ampliar as colocações da Classificação Internacional de Doenças (CID10) e do
Manual de Diagnóstico e Estatística, quarta edição (DSM-IV). As classificações
foram ampliadas para incluir as causas psicogênicas e orgânicas do desejo, da
excitação, do orgasmo e das disfunções relacionadas à dor na relação sexual. Esta
ampliação traz um novo elemento que é o critério relativo ao sofrimento pessoal
(personal distress). Também foi adicionada uma nova categoria à disfunção sexual
relacionada à dor que inclui Dispareunia e Vaginismo. A nova refere-se à inclusão
da Disfunção Sexual da Dor, recorrente ou persistente, não induzida por intercurso
sexual. Para o diagnóstico de disfunção sexual é recomendado a realização de
ampla investigação da história médica e psicossexual da mulher. Quando esta
revela ter sofrido abuso sexual na infância, recomenda-se avaliar seu estado com
relação ao fato, independentemente se já fez psicoterapia. Investigar o histórico de
depressão, comportamento autodestrutivo, promiscuidade, abuso de substâncias,
exacerbada necessidade de controlar a situação ou inabilidade para dizer não.
Outra questão relevante é a sua capacidade de confiar em alguém, especialmente
em pessoas do mesmo gênero que o perpetrador. Todos os detalhes do abuso são
importantes. Muitas vezes a avaliação da disfunção sexual propriamente dita deve
ser adiada temporariamente, pois o tratamento para o trauma sexual é, neste
momento, mais importante para promover um melhor entendimento e promover
conexões entre o passado e seu funcionamento sexual atual.
20
2.6.1 Etiologia
Segundo Carmita Abdo
11
, não há uma origem clara para o vaginismo. Raros
são os casos onde o estupro ou um exame ginecológico traumático foram as
causas. Quase sempre está associado à violência sexual na infância ou na
adolescência e também a fortes tabus religiosos. Outras questões relevantes para o
prognóstico, tratamento e o diagnóstico correto são: a distinção entre disfunção
primária (ao longo da vida) e secundária (adquirida) e a compreensão se a
disfunção é generalizada (ocorre com qualquer parceria) ou situacional (frente a
determinadas circunstâncias e/ou parcerias).
Em 1997, KAPLAN
28
coloca que as pacientes com vaginismo são geralmente
fóbicas ao coito e à penetração vaginal. A atitude fóbica de evitar a penetração,
algumas vezes pode anteceder o vaginismo. Este pode estar associado à inibição
sexual geral ou inibição orgásmica. Por outro lado, muitas mulheres que procuram
tratamento para vaginismo são sexualmente responsivas. Enquanto o jogo sexual
não levar ao coito, estas procuram o contato sexual e podem até ser orgásmicas
com estimulação do clitóris.
Segundo Kaplan e Sadock (1990) citado por Abdo, a dispareunia tem uma
correlação com o vaginismo.
De acordo com Graziottin
29
, a dor no coito é o principal sintoma de
dispareunia e de vaginismo. Acredita que o vaginismo está associado a uma
contração defensiva dos músculos vaginais como forma de expressão pélvica de
uma postura muscular defensiva associada a atitudes fóbicas, dirigidas a intimidade
relativa ao coito. Ressalta que a dispareunia interfere na receptividade da mulher,
na qualidade da excitação para o orgasmo, na satisfação e na libido, e que estas
interferências negativas vão afetar a receptividade e a qualidade da próxima relação
sexual.
Estudos referentes a dispareunia relatam fatores biológicos na etiologia, cerca
de 60%, como questões hormonais, infecções, distrofia vulvar, fatores iatrogênicos,
musculares, vasculares entre outros. 11
21
A etiologia do vaginismo é psicossexual. A intimidade sexual e o coito estão
associados a estímulos e significados negativos. Ressalta que a falta de educação
sexual, o tabu sexual, o fato de ter sido anteriormente molestada ou abusada
sexualmente, a hipervalorização da virgindade, o medo de ser violentada, de
engravidar e os riscos associados ao medo da entrega e ao medo da penetração
são fatores encontrados na etiologia. Também pode haver uma excessiva ligação
aos pais. 29
Há casais que foram educados de forma similar e que às vezes somatizam
estas dificuldades em disfunção erétil ou ejaculação rápida no caso dele, e a
parceira em vaginismo. Muitas vezes este casamento não é consumado por muito
tempo, estabelecendo-se uma secreta combinação devido à vergonha em admitir a
inadequação sexual. Somente o desejo de ter um filho é que usualmente leva o
casal a quebrar o silêncio e pedir ajuda. 29
As formulações psicanalíticas sobre a etiologia do vaginismo, de forma
resumida, eram explicadas como a expressão física da vontade inconsciente da
mulher de frustrar os desejos sexuais do homem, ou do desejo de castrá-lo, como
vingança por sua própria “castração”. Segundo Kaplan, até aquele momento não
havia informações sobre resultados desta forma de tratamento e salienta que sua
eficiência não foi confirmada na experiência. Em seu trabalho na clínica, recebia
mulheres com ressentimentos ou com raiva explícita pelos seus maridos. Outras,
que não apresentam estas questões, sentem-se aliviadas e alegres quando
finalmente conseguem ter uma relação sexual com coito. Também enfatiza a
relação entre vaginismo e efeitos psicológicos de vítimas de violação na idade
infantil ou experiências sexuais brutais dolorosas e aterrorizadoras. Resumindo, a
causa imediata parece ser específica e demonstrada pela contingência negativa
associado ao ato ou a fantasia de penetração vaginal. 28
Um estudo da relação entre as variáveis apresentadas na etiologia do
vaginismo e a duração da terapia de 23 mulheres apontou que a paciente com o
histórico de trauma sexual tende a necessitar um maior número de sessões, quando
comparadas com as outras pacientes que apresentavam outros fatores, como medo
22
de doenças sexualmente Transmissíveis, religiosidade ortodoxa, atitude negativa
com relação à genitália e outras. 30
Num estudo com 22 mulheres com vaginismo primário, Silverstein
31
descobriu
alguns elementos comuns em suas histórias, o que lhe sugeriu que esta disfunção
refere-se a uma tentativa de proteção contra a possível fusão ou destruição pela
representação paterna. Representaria uma necessidade de se defender, uma
barricada que atuaria na prevenção contra invasões de limites, contra a expectativa
de violação. Geralmente a percepção da possibilidade de violação é o resultado da
história real de violação anterior ou atual. Estas mulheres demonstraram não se
sentirem a salvo tanto física como emocionalmente. Refere que o contato físico é
evitado pelo sintoma. Com relação às características das famílias de origem destas
mulheres encontrou: 90% apresentam medo do pai; 50% o pai alcoolista, 45% das
mães não gostavam de sexo e o faziam por obrigação, 55% dos relacionamentos
conjugais dos pais era marcado por violência ou abuso físico sendo que muitas
testemunharam ou ouviram suas mães sendo forçadas a ter sexo, 72,7% dos pais
mantinham uma relação sedutora com as filhas (por um lado moralistas e por outro
tinham uma curiosidade excessiva sobre sexo e particularmente sobre a
sexualidade de suas filhas) e 63% recordam de forma recorrente ou sonham com
violação sexual. Na pesquisa, estas mulheres sentiam medo que o pai entrasse no
quarto inesperadamente. Alguns sentiam a liberdade de importunar conforme seus
desejos, em alguns casos ajudavam suas filhas a se despirem. A reação era ficar
assustada e em guarda.
Percebiam as mães como não afetivas e não protetoras
de si mesmas ou de suas crianças e com características de grande dependência. O
autor sugere que o sintoma teria o objetivo de manter o outro fora para manter a
integridade de seu corpo e de seu self. Também enfatiza o valor das aprendizagens
na etiologia, como: identificação com a mãe que não gostava de sexo ou que tinha
também vaginismo; homem não oferece segurança e são ameaçadores; mulher é
fraca e necessita de ajuda e o homem é dominador; intercurso sexual é ruim, mas o
homem precisa e a mulher é obrigada; a expressão dos sentimentos não é
tolerável.
23
2.6.2 Incidência e Prevalência
Em 1977 quando Kaplan publicou seu livro “A Nova Terapia do Sexo” relatou
que não havia estudos estatísticos que revelassem a incidência e em sua opinião,
esta disfunção era rara. 28
O artigo de Graziottin de 2003 aponta que o vaginismo acomete menos que 1%
das mulheres férteis e é a principal causa de casamentos não consumados. 29
Segundo Kaplan e Sadock (1990) citado por Abdo 11, a incidência da dispareunia
é desconhecida.
2.6.3 Parceria e reações ao vaginismo
A condição que o vaginismo impõe ao relacionamento sexual pode ter um
efeito psicológico devastador tanto para a mulher como para seu parceiro. Para o
homem a penetração pode ser também muito dolorosa. A reação à disfunção da
mulher variará de acordo com sua vulnerabilidade psicológica e sexual. Poderá
gerar frustração pelo fato de não conseguir penetrar sua mulher, poderá interpretar
esta situação e a disfunção dela como uma rejeição a ele e/ou poderá inclusive vir a
desenvolver uma impotência secundária. A mulher poderá sentir-se amedrontada,
humilhada, frustrada e inadequada e até ser mobilizado o medo de ser abandonada
pelo marido. 28
O parceiro da mulher com vaginismo tem uma alta freqüência de disfunção
sexual. 32, 33,34
Segundo Silverstein 31, o parceiro tende a ser passivo (63,6), a ter aversão ou
medo de agressão e muitos foram controlados pela mãe, exibindo características de
agressividade passiva. A escolha do parceiro é influenciada pela internalização do
relacionamento com o pai, ou seja, elege-se o parceiro que tenha caráter oposto.
2.6.4 Tratamento
24
Para um diagnóstico preciso é necessário também investigar três questões:
onde dói, quando dói e quais são os sintomas associados. 29
O principal obstáculo para o tratamento é o padrão fóbico de evitar a
penetração. A paciente é única porque o medo da cura é maior que seu sofrimento
físico e psicológico. 28
A combinação entre o trabalho terapêutico e médico tem se mostrado ideal
para o tratamento da disfunção sexual feminina, principalmente quando é possível
incluir a parceria neste processo. Neste sentido, o contexto no qual a mulher
experienciou sua sexualidade é tão importante quanto sua fisiologia, e esta
integração é essencial para orientar a terapia medicamentosa e determinar a
eficácia do tratamento. 35
O tratamento para vaginismo envolve psicoeducação, técnicas de terapia
cognitivo comportamental, psicoterapia tematizada de tempo limitada e terapia
sexual.
24,11
As terapias de exposição imaginária de forma assistida para reconstrução
cognitiva de eventos passados, tem tido muita atenção por parte da ciência
psicológica por acreditar ser a chave para o processo de transferência e integração
dos fragmentos mnêmicos
52,60
. Diante das várias opções de tratamentos
psicoterapêuticos, é importante ressaltar que o tipo de tratamento proposto
considere os recursos pessoais da paciente. 11
2.7 ABUSO SEXUAL
Devido aos altos índices de incidência e às sérias conseqüências para o
desenvolvimento cognitivo, afetivo e social da vítima e de sua família, o abuso
sexual tem sido considerado um grave problema de saúde pública. 36
Há relatos de abuso sexual desde a Antiguidade. 37
Trata-se de um fenômeno transgeracional, que é encontrado em todas as
classes sociais, independentemente da raça, etnia, cor ou condição social. Estimase que ocorram no mundo cerca de 12 milhões de abuso sexual por ano 38.
25
Esta forma de violência pode ser definida como qualquer contato ou interação
entre uma criança ou adolescente e alguém em estágio psicossexual mais
avançado de desenvolvimento na qual a criança ou adolescente estiver sendo
usado para estimulação sexual do perpetrador. Esta interação sexual pode incluir
situações onde haja contato físico como toques, carícias, sexo oral ou relações com
penetração (digital, genital ou anal). Também é considerado abuso sexual,
situações às quais não há contato físico, tais como voyerismo, assédio e
exibicionismo. Estas interações são impostas às crianças ou aos adolescentes pela
violência física, ameaças ou indução de sua vontade. 36
Alguns estudos epidemiológicos têm apontado que a maioria dos abusos
sexuais contra crianças e adolescentes ocorre dentro das casas da vítima e são
realizados por pessoas próximas e que desempenham o papel de cuidador destas.
36
Às violências física e moral é acrescida a dor do descrédito e até mesmo a
inversão de papéis vítima-sedutor. É pouco provável que alguém passe impune por
uma experiência desta ordem, pois além do profundo sofrimento, muitas vezes o
jovem encontra a insensibilidade no adulto a quem recorre. 39
2.7.1 Abuso intrafamiliar
Os abusos são denominados intrafamiliares ou incestuosos mesmo não
havendo laços consangüíneos. É importante definir que toda interação sexual entre
uma criança e um adulto responsável seja tutor, cuidador, membro da família ou
familiar à criança, é considerada incestuosa. Neste sentido, incluem-se madrastas,
padrastos, tutores, meio-irmãos, avós e até namorados ou companheiros que
morem junto com o pai ou com a mãe, caso eles assumam a função de cuidadores.
11
2.7.2 A família incestuosa
26
As famílias incestuosas apresentam relações interpessoais assimétricas e
hierárquicas prevalecendo uma desigualdade e/ou uma relação de subordinação.
Alguns fatores de risco vêm sendo constantemente verificados em famílias
incestuosas. Estes são: pai e/ou mãe abusados ou negligenciados em suas famílias
de origem, abuso de álcool e outras drogas, papéis sexuais rígidos, falta de
comunicação entre os membros da família, autoritarismo, estresse, desemprego,
indiferença,
mãe
passiva
e/ou
ausente,
dificuldades
conjugais,
famílias
reestruturadas (presença de padrasto ou madrasta), isolamento social, pais que
sofrem de transtornos psiquiátricos, doença, morte ou separação do cônjuge. 36
Envolve questões culturais e de relacionamento, destacando-se a dependência
social e afetiva entre os membros da família que dificultam a notificação e mantém o
silêncio. 39
O abuso sexual é desencadeado e mantido por uma complexa dinâmica
familiar: A “Síndrome do Segredo” e a “Síndrome da Adição. A “Síndrome do
Segredo” está diretamente ligada ao repúdio social intenso que o agressor pode
gerar devido ao fato de sua psicopatologia ser a pedofilia. Então, o abusador e/ou a
família, à custa de ameaças e barganhas à criança abusada, se protege nesta teia
de segredo. 36,39
Há o esforço familiar para manter o status quo existente. A motivação que leva
a criança ou adolescente vítima do abuso a calar-se pode ser a culpa por ter
participado da interação, o medo das conseqüências e da desintegração familiar. É
primordial ressaltar que a criança pode sentir forte apego pelo abusador, com quem
mantém vínculo parental importante, e muitas vezes único. Outro fator que
influencia é que nem sempre a mãe acredita na criança. Esta negação psicológica
pode fazer com que a criança se sinta de alguma forma responsável pelo abuso.
Sente-se também levada a acreditar nisso porque muitas participam da interação
abusiva. Outro fato que colabora para isso é que o abusador muitas vezes transfere
para a criança a responsabilidade do ocorrido ou pelas conseqüências da
revelação, culpando-a se ele (pai, padrasto, padrinho ou outro) for para a cadeia e
também pela tristeza da mãe. Desta forma, a responsabilidade que sente pela
prática abusiva, somado ao sentimento de culpa são os elementos que mantém a
27
“Síndrome do Segredo”. Muitas vezes mentem de forma consciente diante do temor
de serem castigadas e de não serem protegidas. 38
Na visão de terapeutas, o abusador age como um dependente químico. A
criança preenche o pólo passivo, coisificada e pronta para ser consumida. Na
“Síndrome da Adição” o abusador, por não conseguir se controlar usa a vítima para
obter excitação sexual e alívio da tensão, dependendo psicologicamente e, ao
mesmo tempo, negando esta dependência. Tem um comportamento de descontrole
do impulso frente ao estímulo gerado pela criança.
Segundo Azevedo
39,
36
na situação de abuso sexual, o jovem é forçado a ser um
objeto de um jogo perverso que deixa marcas profundas no psiquismo das vítimas.
E ressalta: “Mesmo que a violência sexual não se constitua de um incesto, as
marcas psíquicas são profundas e a imagem corporal torna-se alterada”. Completa
ressaltando que os desenhos produzidos tendem a apresentar olhos persecutórios
e mãos soltas no espaço, inferindo serem as do perpetrador.
O pai biológico ou padrasto são os principais perpetradores. A mãe é a pessoa
mais procurada para a busca de ajuda.
36
Além da violência sexual, outros tipos de violência foram encontrados como a
psicológica, física, e também muitas formas de negligência. Esta mesma violência
contribui para a manutenção do segredo.
40
“O abuso sexual é caracterizado por uma progressão ascendente que inicia
quando a criança é ainda pequena (5 a 10 anos nesta pesquisa) através de
carícias mais sutis e torna-se mais explicito à medida que a criança cresce,
ocorrendo a manipulação de genitais até relações sexuais orais ou genitais,
freqüentemente na adolescência. Os abusos são mantidos em segredo,
devido às ameaças e barganhas do abusador e aos sentimentos de vergonha
e medo da vítima” (Valdívia, 2002). 40
3.7.3 A teia de conseqüências
As mudanças na criança podem ser observadas. O abuso sexual pode afetar o
desenvolvimento de crianças e adolescentes de diferentes formas, de acordo com
uma série de fatores combinados. 36
-Comportamento: conduta hipersexualizada, fugas
do
lar, diminuição
no
rendimento escolar, masturbação exacerbada, inibição acentuada, uso de drogas e
28
conduta delinqüente. A reprodução do ato libidinoso com outros é possível quando
não consegue encontrar uma resposta para o que lhe aconteceu. 36,39
-Vulnerabilidade e resistência: o temperamento dependendo do nível de
desenvolvimento neuropsicológico
36
; o conhecimento sexual inadequado para a
idade. 39
-A existência de fatores de risco e proteção extrínsecos: recursos sociais,
funcionamento familiar, recursos emocionais dos cuidadores e recursos financeiros,
incluindo acesso ao tratamento. 36
-Rede de apoio: algumas conseqüências negativas são exacerbadas em crianças
que não dispõem de uma rede de apoio social e afetiva. 36
- Os fatores que influenciam o impacto do abuso sexual: saúde emocional
prévia, crianças com saúde emocional positiva antes do abuso tendem a sofrer
menos efeitos negativos. 36
Tendo em vista a sexualidade infantil, o prazer que ela possa vir a sentir
aumenta mais a confusão, misturando-se à dor e à angústia. 39
- Tipo de atividade sexual: alguns dados sugerem que formas de abuso mais
intrusivas, como a penetração, resultam em mais conseqüências negativas; duração
e freqüência dos episódios abusivos. 39
- Reação dos outros: a resposta negativa da família ou dos pares à descoberta do
abuso acentua os efeitos negativos (família, amigos e juízes atribuindo a
responsabilidade à criança); dissolução da família depois da revelação; criança
responsabilizando-se pela interação sexual; e, quando a vítima recebe recompensa
pelo abuso e o perpetrador nega que o abuso aconteceu. 36
Uma pesquisa com o objetivo de mapear os números e os elementos
importantes para o estudo da violência sexual foi realizada na Cidade do México.
Sobre uma das conseqüências importantes encontraram a possibilidade da vítima,
quando em idade fértil, de engravidar. A possibilidade disto acontecer é de 20%. As
conseqüências psicológicas podem ser graves. 41
2.7.4 Aspectos psicodinâmicos
29
Crianças ou adolescentes podem desenvolver quadros de depressão,
transtornos de ansiedade, alimentares, dissociativos, hiperatividade e déficit de
atenção e transtorno de personalidade borderline, fobias e ideação paranóide.
36,37
A psicopatologia decorrente do abuso sexual mais citada é o transtorno do
estresse pós-traumático. As vítimas podem apresentar crenças disfuncionais
envolvendo sentimentos de culpa, diferenças em relação aos pares e desconfiança.
36
Segundo estudos, o abuso sexual aumenta o risco de suas vítimas
apresentarem transtorno do estresse pós-traumático. Também são descritas
dificuldades nos relacionamentos sexuais. A saúde mental e a futura adaptação
social das vítimas serão afetadas dependendo do tipo de violência e a capacidade
de reação frente às situações de estresse. 30
O impacto negativo do abuso sexual para o desenvolvimento cognitivo, social e
afetivo é demonstrado por vários estudos, inclusive com o desenvolvimento de
sintomas psiquiátricos pelas vítimas. Os problemas identificados nestes casos
foram, principalmente, mentais e psicológicos (33,3%), problemas respiratórios
(27,8%), problemas decorrentes de negligência com a higiene (16,7%), problemas
viróticos ou bacteriológicos (11,1%), HIV (11,1%) e congênitos (11,1%). 36
Pode ser observada em crianças e adolescentes em situação de abuso a
mudança súbita de comportamento. Podem apresentar distúrbios alimentares e
afetivos, comportamentos auto ou heteroagressivos e pesadelos. Também podem
apresentar medo, perda de interesse generalizada, isolamento social, déficit de
aprendizagem e de linguagem, baixa auto-estima, fugas, idéias suicidas, homicidas
e automutilação. 37
Os sentimentos de medo, raiva e vergonha da vítima em relação ao
perpetrador, são comuns, principalmente em casos de abuso sexual intrafamiliar,
uma vez que a relação de confiança e o vínculo afetivo são rompidos devido à
violência. Com relação à situação abusiva, os estudos apontam que as crianças
desenvolvem crenças distorcidas, tais como percepção de que são culpadas pelo
ocorrido, de que são ruins e diferentes de outras crianças com a mesma idade, bem
como apresentam alterações na percepção quanto à confiança interpessoal. 36
30
Dados sugerem que cerca de 20% a 30% das crianças maltratadas tornar-seão os adultos violentos, confirmando que o abuso sexual é um fenômeno
transgeracional. 38
Diversas parafilias têm sido relacionadas ao abuso sexual freqüente. Estudos
apontam que quanto mais recorrente o abuso, pior os problemas psíquicos,
comportamentais e de relacionamento. Há alteração da vivência da sexualidade
humana entendendo-se esta como a integração das dimensões somáticas,
emocionais, intelectuais e sociais do ser humano. Estima-se que entre 85% a 90%
dos pacientes com problemas psiquiátricos foram vítimas de maus-tratos na
infância, com predominância do abuso sexual. As repercussões na saúde mental de
crianças que sofreram abuso antes dos 13 anos são duradouras. 37
Geralmente a criança abusada sexualmente não tem facilidade de confiar num
adulto novamente, uma vez que foi violentada por um deles. 38
2.7.5 Perfil da vítima
Nos casos estudados em processos jurídicos do Ministério Público Estadual do
Rio Grande do Sul/Brasil entre os anos 1992 e 1998, a situação de abuso sexual foi
confirmada pela maioria das vítimas (88,3%) para diferentes instituições como
Conselho Tutelar (47%), Juizado da infância e Juventude (39,8%), mãe (36,1%),
delegacia de polícia (31,3%), Ministério Público (26,5%), entre outras. 36
O Centro de Referência da Criança e do Adolescente em conjunto coma
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto e a Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo, realizaram um estudo sobre 234 agressões
sexuais perpetradas por 210 agressores. A mulher é a vítima preferencial. Com
relação à faixa etária, 58% das vítimas tem idade entre 0 e 12 anos incompletos. 42
Os estudos epidemiológicos apontam que há uma maior prevalência de vítima
do sexo feminino (80,9%), enquanto que apenas 19,1% das vitimas eram do sexo
masculino. A idade de início dos abusos concentrou-se em três faixas etárias,
sendo que 10,6% das crianças apresentavam idade entre 2 e 5 anos, 36,2% destas
tinham entre 5 e 10 anos e 19,1% tinham entre 10 e 12 anos. 36
31
2.7.6 A percepção das vítimas com relação ao perpetrador
Na maioria das vezes o abusador é próximo e a vítima faz pouca resistência. A
criança é ensinada a desconfiar de estranhos e a ser obediente e afetuosa aos
adultos conhecidos. Então, sem saber o que fazer e sem entender, a criança se
adapta. Como não foi protegida, sua única opção muitas vezes é aceitar. 39
No estudo dos processos jurídicos do Ministério Público Estadual do Rio
Grande do Sul/Brasil entre os anos 1992 e 1998, a percepção das vítimas com
relação ao perpetrador foi encontrada em alguns processos (58,5%). A maioria das
crianças e dos adolescentes expressava desejo de ficar afastada do agressor
(41,8%) e sentia medo deste (38,2%). Com relação à percepção da agressão,
31,9% dos documentos e dentre estas, as crianças afirmam não ser favorável à
situação, ou seja, não consentiram, buscando evitá-la, ou manifestaram sua falta de
compreensão quanto à experiência abusiva. 36
2.7.7 Denúncia e subnotificação
Neste mesmo estudo, a violência sexual foi denunciada pela mãe da vítima em
37,6% dos casos, por parentes em 15,1%, pela própria vítima em 29% dos casos,
por instituições como escola, hospital em 6,5% dos casos. Cabe ressaltar que em
61,7% dos casos, alguém já sabia do abuso e não denunciou. Desses, 55,2% era a
mãe, 54,3% eram irmãos, 22,4% parentes, 5,2%pai, 1,7% escola e 10,3% outros.
A subnotificação é uma realidade e ocorre devido a muitos fatores, tais como
os sentimentos de culpa, vergonha e tolerância da vítima; a relutância do relato
médico e da comprovação, o medo da dissolução da família, o despreparo dos
profissionais da área das instituições por onde a notificação os fará passar. 36
Neste momento, a criança é ao mesmo tempo vítima e testemunha do abuso
sexual, cujas conseqüências poderão ser muito intensas. Neste sentido, pode-se
supor que os efeitos da revelação são mais perigosos do que o próprio abuso, o
que gera mais angústia, medo e ajuda a manter o silêncio. 39
32
2.7.8 Pedofilia: um transtorno de preferência sexual
Ao longo da história, vários acontecimentos promoveram a associação entre
Sexualidade e Psiquiatria. A influência freudiana, com os estudos centrados na
libido e na associação da sexualidade às neuroses, enfatizou ainda mais esta
ligação. Até hoje, nas escolas ou clínicas médicas, o departamento de psiquiatria é
ligado ao ensino ou ao tratamento de problemas ligados à sexualidade. 11
A pedofilia é um transtorno de preferência sexual
25
ou parafilia
18
. Os
transtornos de preferência são caracterizados por fantasias, pensamentos ou
comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem objetos, pessoa não
adulta, atividades ou situações incomuns e causam sofrimento significativo,
humilhação para si e/ou para outro, ou prejuízo no funcionamento social ou
ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. É sabido que
geralmente ocorrem em pessoas que apresentam dificuldades para a formação de
vínculo. A parafilia é um transtorno de preferência sexual cuja anomalia está no
estímulo, na escolha do objeto para o orgasmo. 11
Segundo o DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtosnos Mentais
– Quarta Edição) (APA 1995) 25, o pedófilo tem um transtorno de preferência sexual
porque apresenta fantasias sexualmente excitantes, recorrentes e intensas, desejos
e práticas sexuais com crianças ou púberes por um período não menor do que seis
meses. Para ser considerado como tal, o indivíduo deve ter 16 anos ou mais e ser
mais velho que a vítima pelo menos 5 anos.
Uma pequena parcela da população tem práticas parafílicas. Este transtorno é
predominante no homem, com início anterior aos dezoito anos. A proporção
aproximada é de vinte homens para uma mulher.11
Os fatores etiológicos apresentam-se variados e pouco conhecidos, mas se
sabe que existem tanto fatores orgânicos como psicossociais envolvidos. 2
Em pedófilos, o hormônio luteinizante é aumentado.
43
As vivências emocionais vinculares durante o processo de maturação
psicossexual, influenciam a formação de sintomas parafílicos. Sentimentos de
repressão sexual, adquiridos no processo de individuação pessoal, história de
33
abuso sexual na infância, superproteção ou desorganização familiar são elementos
recorrentes nestes casos. Na anamnese sexual, é comum observar relatos de
abuso sexual na infância por parte dos pedófilos. 43
Quinsey relatou em seu artigo “The Etiology of Anomalous Sexual Preferences
in Men” que o processo de descoberta da escolha do interesse sexual tem início
antes a puberdade. Em seus estudos também afirma que a grande maioria dos
pedófilos relata que na infância tinha curiosidade em ver crianças nuas e não
adultos. Coloca que a brincadeira de conotação sexual entre as crianças é muito
comum e intuitivamente interessante, e que perto da puberdade há uma
desvalorização desta categoria de relacionamento para indivíduos que não tem
transtorno de preferência.
44
As teorias psicodinâmicas explicam a causa para o transtorno de preferência
sexual como sendo a parada do desenvolvimento sexual ou regressão, ainda na
infância. Sendo assim, estaria associado ao medo do sexo normal o que levaria o
indivíduo a buscar um substituto para a prática sexual. Há teorias que associam a
etiologia ao condicionamento de determinadas experiências sexuais precoces.
Outros estudos enfatizam uma insuportável ansiedade associada a defesas
ocultadas neste desvio. O medo em questão seria o de ser castrado ao cercar-se de
adultos. São normalmente tímidos ou este retraimento está associado a
comportamentos psicopatológicos. Para não ser descoberto, o pedófilo tende a agir
com muita cautela. Geralmente são impulsivos e têm baixa auto-estima. 11
É freqüente a associação de distúrbios sexuais e psiquiátricos com sintomas
parafílicos. 43
Há casos de comorbidade entre síndrome de dependência ao álcool e
pedofilia. Há poucas informações sobre a prevalência deste transtorno porque os
indivíduos só procuram ajuda médica diante de forte pressão familiar ou mesmo de
autoridades legais. 11
2.8 O TRANSTORNO DO ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO
De acordo com Charles Darwin 45, em seu livro “A Expressão das Emoções nos
Homens e nos Animais”, há uma seqüência de ações e reações do homem e dos
34
animais frente a situações excessivas, ou seja, de extrema ameaça. Inicia com
alguma situação que o deixa ansioso sem perspectiva momentânea de alívio e em
seguida, passa a fazer movimentos violentos e desordenados. Mas se fica exposto
à mesma situação por um período prolongado, deixa de movimentar-se e entra num
estado de imobilidade e passividade. Devido a isso, a circulação torna-se mais lenta
e a palidez se faz evidente, a musculatura fica sem tônus, as pálpebras caem, a
cabeça tende a inclinar-se sobre o peito, as bochechas, os lábios e o maxilar
inferior, pendem com seu próprio peso, como se a pessoa desmoronasse sobre si
mesma.
Segundo Assumpção
46
ocorrem situações cuja experiência emocional humana
mostra homogeneidade racial e geográfica quanto à evocação do medo e da
ansiedade, de tal forma que nos leva a associar que certas reações ao medo
ligadas à sobrevivência estejam presentes em seres humanos. Neste sentido é
importante destacar que o homem, mais do que qualquer outra espécie tem muito
mais flexibilidade de reações, mas suas possibilidades não são infinitas A palavra
estresse foi utilizada pela primeira vez em 1936 pelo médico canadense Hans
Selye, para descrever um conjunto de reações que observava em alguns pacientes.
Este propôs que diferentes demandas e pressões da vida produzem uma
síndrome estereotipada que pode levar à doença e a chamou de “síndrome geral de
adaptação”. Identificou três fases sucessivas chamadas de alarme, resistência e
exaustão. Na fase de alarme o organismo se adapta à agressão. Na fase de
resistência a adaptação se consolida e torna-se crônica. Na fase de exaustão o
organismo se fragiliza e adoece. Enfatiza que num primeiro momento da adaptação
a resposta é útil, mas que posteriormente se torna deletéria.
47
É muito importante o reconhecimento do quadro de Transtorno do Estresse
Pós Traumático tanto pelo comprometimento que ele acarreta ao indivíduo quanto
pela sua prevalência. Segundo a Associação Psiquiátrica Americana, em sua
terceira revisão, o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais
característica
fundamental
da
reação
de
estresse
pós-traumático
18
é
,a
o
desenvolvimento de sintomas próprios após a exposição ao fato estressor. Na
definição de transtorno de estresse pós-traumático: 308.3- Especifica-se Agudo
35
(sintomas com duração inferior a três meses), Crônico (para sintomas com duração
de três meses ou mais) e Tardio (se os sintomas iniciam 6 meses após o evento
traumático).
Para as crianças, eventos sexualmente traumáticos podem incluir experiências
sexualmente inadequadas ao seu desenvolvimento, mesmo que sem violência ou
danos físicos reais ou ameaçadores.
Considerando os critérios do DSM-IV para Reação Aguda ao Estresse há a
exposição do indivíduo ao evento traumático, onde este deve ter apresentado um
medo intenso, ou uma forte sensação de impotência, onde passou a apresentar três
ou mais sintomas dissociativos: sentimento subjetivo de anestesia, uma redução da
consciência, desrealização, despersonalização e amnésia dissociativa. Contemplase a revivescência do evento traumático através de imagens, pensamentos, sonhos,
ilusões e episódios de flashback recorrentes, a esquiva de estímulos que provocam
a recordação do trauma, os sintomas acentuados de ansiedade e ocorre dentro de
quatro semanas do evento traumático. 18
O Transtorno do Estresse Pós-Traumático (309.81) é definido pelos aspectos
classificatórios abaixo:
A. Exposição a um evento traumático no qual os seguintes quesitos estiveram
presentes:
(1) A pessoa vivenciou, testemunhou ou foi confrontada com um ou mais eventos
que envolveram morte ou grave ferimento, que podem ter sido reais ou ameaçados.
Pode ter ocorrido uma ameaça à integridade física de alguém ou da própria pessoa.
(2) A resposta da pessoa envolveu horror, impotência ou medo intenso.
Nas crianças isto pode ser expresso por comportamento desorganizado ou agitado.
B. O evento traumático é persistentemente revivido de uma ou de várias maneiras:
(1) As recordações do evento são recorrentes e intrusivas, incluindo imagens,
pensamentos e percepções.
(2) Sonhos aflitivos recorrentes do evento.
(3) Sentir ou agir como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente.
Inclui sentimento de revivência, ilusões, alucinações e episódios de flashbacks
dissociativos.
36
Em crianças, os sonhos podem ser muito amedrontadores sem que seu
conteúdo seja identificável. O conteúdo e aspectos do trauma podem ser expressos
através de jogos repetitivos, ou até mesmo de uma reencenação específica da cena
vivida.
C.
Comportamento
de
esquiva
de
estímulos
associados
ao
trauma
e
entorpecimento da responsividade geral não presente antes do evento traumático.
Podendo haver três ou mais quesitos:
(1) Esforço para evitar qualquer sentimento, pensamento ou conversa associada ao
trauma.
(2) Esforço para evitar locais, pessoas ou atividades que estejam associadas ao
trauma e que a façam recordar.
(3) Incapacidade de recordar algo do evento traumático.
(4) Diminuição do interesse ou da participação por outras atividades significativas.
(5) Sensação de distanciamento com relação às outras pessoas.
(6) Restrição com relação à afetividade.
(7) Sentimentos de um futuro abreviado, não vendo possibilidade de voltar a ter
uma vida normal.
D. Sintomas persistentes de excitabilidade (não presentes antes do trauma). Pode
haver dois ou mais quesitos:
(1) Dificuldade de conciliar ou de manter o sono.
(2) Surtos de raiva ou irritabilidade.
(3) Dificuldade em concentrar-se.
(4) Hipervigilância.
(5) Resposta de sobressalto exagerada.
E. Com relação à duração da perturbação, se for superior a um mês, tendo em vista
os sintomas dos critérios B, C e D.
F. A perturbação proporciona prejuízo no funcionamento ocupacional ou social ou
em outras áreas importantes para a vida do indivíduo, causando um sofrimento
significativo.
37
Segundo a Classificação Internacional de Doenças em sua décima revisão(OMS, 1993) 23, podem-se destacar diferentes categorias diagnósticas relacionadas
a eventos traumáticos: Na categoria “Reações ao estresse grave e transtornos de
adaptação” (F43) são incluídos os transtornos que são considerados respostas
inadaptadas a um estresse grave ou persistente.
A “Reação Aguda ao Estresse” (F43.0)
A- Caracteriza-se por ser um transtorno transitório que ocorre em indivíduo que não
apresenta nenhum outro transtorno mental manifesto, em seguida a um estresse
físico e/ou psíquico excepcional.
B- Os sintomas iniciam uma hora após a exposição ao estressor.
C- É graduada como Leve (F43. 00) quando apenas o critério 1 abaixo é
preenchido. É Moderada (F43. 01) quando o critério 1 é preenchido e há pelo
menos dois sintomas do critério 2. E é Grave quando o critério 1 é satisfeito e há
quatro sintomas do critério 2 ou estupor dissociativo.
D- Quando o estressor é transitório ou pode ser aliviado, os sintomas começam a
diminuir em não mais de 8 horas ou em alguns dias e apresentação de
sintomatologia que inclui a fadiga de combate, o estado de crise e o choque
psíquico.
Critério 1: Os critérios B,C e D para transtorno da ansiedade generalizada são
satisfeitos.
Critério 2: Retraimento da interação social diminui atenção, desorientação aparente,
raiva ou agressão verbal, desespero ou desesperança, hiperatividade inadequada
ou sem propósito, pesar incontrolável e excessivo.
Aparecerão os sintomas dissociativos como redução de consciência quanto às
coisas que estão ao seu redor, desrealização, despersonalização e incapacidade
para recordar algum aspecto do trauma, ou pelo menos três sintomas. Esse
transtorno tem a duração de dois a trinta dias. Passa a reviver o evento traumático
através de sonhos, pensamentos e imagens, passando a evitar situações que
recordem o trauma.
O “Estado de Estresse pós-traumático” (43.1) constitui uma resposta retardada
ou protraída a uma situação ou evento estressante de natureza ameaçadora ou
38
catastrófica. Os sintomas incluem a revivescência repetida do evento traumático
sob a forma de lembranças invasivas (flashbacks), de sonhos ou pesadelos.
Ocorrem num contexto durável de embotamento emocional, de retraimento com
relação aos outros, insensibilidade ao ambiente, anedonia e de evitação de
atividades ou de situações que possam despertar a lembrança do traumatismo. Os
sintomas geralmente se acompanham de uma hiperatividade neurovegetativa, com
hipervigilância, estado de alerta e insônia, associadas freqüentemente a depressão,
ansiedade ou ideação suicida. O transtorno pode apresentar uma evolução crônica
durante anos e proporcionar uma alteração duradoura da personalidade. Estão
presentes outras categorias “Outras reações ao estresse Grave” (F43.8) e “Reação
ao Estresse Grave não Especificada” (43.9).
Buck 48 afirma que, no mais primitivo processo chamado de Emoção I, a meta é
o corpo. Envolve a homeostase e a adaptação do meio corporal interno e a
adaptação do organismo às mudanças externas. Todas as partes do cérebro são
envolvidas no evento traumático, alterando-se sua atividade. Ainda o autor,
distinguiu três estágios de resposta ao estresse:
1. Reação ao alarme: início da mobilização das defesas, incluindo descargas
de adrenalina e noradrenalina na corrente sanguínea e o envolvimento de reações
de fuga ou luta. É um primeiro momento onde tem por objetivo preservar a
integridade do organismo.
Assumpção 46 afirma que na criança, esta fase caracteriza-se pela utilização de
um repertório comportamental limitado e inclui mudanças na expressão facial, nos
movimentos corporais e nas vocalizações com o objetivo de atrair a atenção e o
cuidado.
2. Estágio de Resistência: há uma melhor organização de resistência frente ao
fato estressor. Esta pode eliminar o estresse ou este pode persistir por um tempo
maior, ou ainda, novos mecanismos estressores podem ocorrer. São descritos
mecanismos dissociativos na criança que a afastam dos estímulos externos.
Envolvem distraibilidade, devaneios, fugas, fantasias, despersonalização e, em
casos extremos, catatonia.
39
3. Estágio de exaustão: o corpo vai tendo sua resistência cada vez mais
diminuída e podendo ter até sua morte. O indivíduo reage a esses mecanismos
estressores como “doenças de adaptação”. São exemplos, o aumento da pressão
arterial, os altos níveis de ACTH e corticóides levando até mesmo a formação de
ulcerações. Muitos são os problemas neuropsiquiátricos conseqüentes de estresse
pós-traumático e traumas infantis. A experiência traumática afeta o desenvolvimento
global, interferindo de modo importante no desenvolvimento cognitivo, afetivo, físico,
social e comportamental.
Ainda segundo Buck
21
, no outro sistema denominado Emoção II acontece o
acionamento de um sistema de códigos com características pré-lingüísticas,
fazendo com que se percebam os estados emocionais envolvidos no estímulo. E o
terceiro sistema Emoção III, vinculado aos mecanismos cognitivos, permite que
sejam identificadas as emoções antes que cheguem a pontos incontroláveis, para
que soluções possam ser encontradas, de maneira adaptada, de acordo com a
situação e do estado do organismo em questão. Afirma também que é indissolúvel a
ligação afetividade-inteligência, onde as motivações de caráter afetivo impulsionam
a inteligência, que por sua vez lapida e organiza os impulsos afetivos às
necessidades do organismo em seu processo de adaptação.
A manifestação do estado de ansiedade caracteriza-se pela existência de
algum tipo de ameaça ao bem-estar. Pode estar ligado a uma experiência real ou
sem nenhuma causa aparente. 46
Pagani
47
salienta a importância do comportamento de esquiva e a função do
medo para a preservação do indivíduo e da espécie, mas que por outro lado,
segundo a ação da ansiedade é geradora de muitos transtornos neuróticos e
conforme Bond citado por Pagani47 tem efeito deletério também sobre o
desempenho. Com os estudos de Cannon em 1925, pode-se provar que as
agressões externas e as emoções do indivíduo provocam alterações nos diversos
sistemas do organismo. Seguindo esta linha, o psicólogo Albert Ax em 1953
investigou com polígrafo 43 indivíduos durante estados de medo e raiva. Dentre as
conclusões, destacamos a que se refere mais diretamente sobre o nosso estudo.
Ficou comprovado que há grande variabilidade de resposta entre os indivíduos para
40
um mesmo estado emocional e menor variabilidade intra-indivíduo, ou seja, as
respostas do mesmo indivíduo são similares quando expostos ao mesmo estímulo
duas vezes. 47
Segundo Keleman1, este movimento acontece dentro de um continuum e são
padrões do reflexo do susto. Este padrão é uma ação de auto-regulagem. Uma vez
fixada certa configuração deste padrão, a pessoa passa a ser afetada
somaticamente e emocionalmente, dando origem a autovisões, autopercepções e
auto-imagens de acordo com o funcionamento e organização somática. É o
excessivo não assimilado provocando certo padrão de respostas fixas e
recorrentes. O corpo da experiência do estresse pós-traumático. Na figura 5
apresentamos a ilustração do autor adaptada (Keleman,1992).
Figura 5. A forma corporal é uma declaração lentificada: Da asserção à derrota.
A
B
C
D
E
F
Figura 5 A: Trata-se do momento da interrupção da atividade presente. É uma
postura de alerta, de proteção, que envolve investigação e cautela sem ser
combativo. Há um aumento da atividade excitatória do tônus muscular e uma
alteração na peristalse global a fim de proporcionar suporte ao estado de alerta.
41
Figura 5 B: Aqui começa o distresse com a excitação e pulsação intensificadas. A
estrutura se retesa ainda mais, aumentando a pressão interna, como uma forma de
demonstrar desagrado e na tentativa de estabelecer limites.
Figura 5 C: O padrão de aversão começa com uma prontidão para se desviar de
uma reação de ataque. Permanece na situação, mas começa a se dissociar. É o
começo da desorganização.
Figura 5 D: A excitação diminui, as mãos inativas expressam submissão e surge a
impotência. Não se move e não cede, tende a permanecer fora do contato e a
apresentar respostas de choro e pânico.
Figura 5 E: Caracteriza-se pelo recuo e estado de submissão. A pressão do peito se
reduz. A excitação decai.
Figura 5 F: A bolsa abdominal pélvica colapsa, o diafragma se achata na posição de
expiração, a respiração acontece mais na região abdominal concomitante ao estado
de desesperança e apatia.
Para o autor, o excessivo, a situação traumática, pode vir de eventos internos
ou externos ao indivíduo. Pode ser exemplificado: natureza da disciplina recebida
em casa, a forma de uma família lidar com a sexualidade, efeitos da guerra, abusos
verbais, abusos físicos, entre muitos outros. A intensidade da agressão depende do
momento do desenvolvimento do indivíduo, da freqüência, da fonte (grau de
proximidade) e da duração. Esta seqüência se chama continuum do susto e
estresse: da asserção à derrota. E mostra simultaneamente dois fenômenos: os
padrões do reflexo do susto e os padrões de estresse 1. Ainda Segundo Keleman:
Sobre a Figura 5 na seqüência A, B, C, apresenta:
Na primeira metade do continuum do susto, dois processos estão acontecendo
simultaneamente. O processo de expansão, alongamento e o de voltar-se para fora,
para o ambiente. E o de contração e compressão. Os dois processos se articulam
para promover o movimento de tornar-se maior. Frente ao excessivo contínuo ou
cumulativo, o organismo resiste ou cede. Reagir é tornar-se mais sólido, endurecer,
enrijecer e adensar. É uma forma herdada de reagir à agressão quando esta cria
uma grande excitação interna. Esta intensificação da forma corporal ajuda na
investigação e promove a asserção sobre o acontecimento. Esta resposta de susto
42
inicia com alterações na parte superior do corpo, com rigidez da espinha,
rebaixamento do diafragma, abertura das vias aéreas e represamento dos pulmões,
com a extensão para isolar o estímulo e focalizá-lo, mantê-lo sob vigilância, como
uma postura de proteção. Na seqüência, aumenta o retesamento, o desagrado, o
orgulho. A bolsa abdominal se comprime, o peito sobe em inspiração, os sentidos
se concentram na fonte extressora, a excitação se intensifica e a pulsação dos
órgãos aumenta. É a postura que mostra o desagrado, o estabelecimento de limites
com prontidão para a ação. Sobre a figura 5 C da seqüência, o autor a indica como
sendo o início da dissociação, da desorganização. O indivíduo permanece na
situação e isso provoca rigidez, aversão, medo. Há uma mudança na orientação.
Antes, expansivo, alongado, de frente para o mundo, atento. Agora o padrão de
aversão inicia uma prontidão para se desviar do fato estressor. É um momento de
muita instabilidade e insegurança, não sabe se deve ficar de frente, fugir ou se
dobrar. A tendência é de a pélvis e os pés serem puxados para cima. Mas à medida
que não tenha êxito e o excessivo aumenta, o organismo torna-se mais líquido,
tende a perder a sua forma, diminuindo acentuadamente a peristalse global.
Sobre a Figura 5 D,E,F, coloca:
A segunda metade das posições de susto envolve o movimento de tornar-se
menor. Distorce a contração normal, o movimento do self para dentro e de
afastamento do mundo. As primeiras posturas do continuum do susto são
temporárias e utilizadas para emergências e as últimas são a continuação, a
intensificação e a consolidação das posições em estados tissulares de estresse.
Em seus estudos sobre o reflexo do susto pesquisou sobre a alteração de
sentimentos, emoções, pensamentos, mudança na musculatura, na postura, no
formato do diafragma e na relação do corpo com a linha gravitacional da terra, na
espessura das paredes corporais e distanciamento entre as bolsas. Verificou que as
respostas de estresse fixam o organismo em algum ponto de uma série de
respostas de emergência – excitadas ou inibidas. A pulsação se acelera ou se
reduz afetando toda a interação entre tubos, camadas, bolsas e diafragmas. Se isso
se prolonga, o resultado é uma mudança permanente na forma e no funcionamento
dos órgãos e camadas. A desestabilização temporária pode gerar uma fixação da
43
condição excitatória e não voltar ao ciclo pulsátil normal criando um padrão de
estresse.
Figuras 6 e 7 foram extraídas do livro “Anatomia Emocional” e apresentadas na
forma adaptada 1.
Figura 6. Exemplo de fixação da condição excitatória de asserção sobre o fato
estressor. Ao criar mais forma, estrutura, limites e solidez, o organismo torna-se
overbound.
Figura
7:
Exemplo de fixação da condição excitatória:
derrota frente ao fato extressor. Ao ceder, frente ao excessivo, o organismo
amolece. Ao criar menos forma, menos estrutura, menos limites e um estado mais
44
liqüefeito, o organismo torna-se underbound. Apresenta falta de foco e de
contenção.
VALDIVIA40
coloca que o gênero irá
influenciar o estilo
de defesa e as estratégias de
enfrentamento
da
criança, a disponibilidade e a
utilização do apoio
social e as expectativas de
respostas
recuperação.
estudos
e
a
apontam
Alguns
para a possibilidade de meninas serem mais
sintomáticas do que meninos. A idade também pode influenciar no tipo de resposta
e sintomatologia. Assim, as características da relação familiar, a capacidade dos
pais manejarem a situação traumática, os padrões culturais, as crenças, a
exposição a riscos e o acesso à proteção influenciam na resposta da criança. O
autor propõe que, para se pensar a etiologia, englobando as mais diferentes causas
deste quadro, pode-se pensar na inter-relação de diferentes paradigmas em um
modelo biopsicossocial.
Assim temos a etiologia segundo:
Modelo psicanalítico: que afirma que a experiência do trauma psíquico rompe os
mecanismos de defesa do ego que mobiliza as defesas psicológicas tais como a
projeção, a repetição compulsiva, a negação, a dissociação e a identificação com o
agressor.
Modelo de aprendizagem social: considera que o evento traumático atua como um
estímulo
não
condicionado
que
desencadeia
uma
resposta
reflexa
não
45
condicionada de medo extremo e percepção cognitiva de estar indefeso. Este
modelo ressalta que os sinais cognitivos, afetivos, fisiológicos e ambientais que
acompanham o evento traumático passam a ser os estímulos condicionados que
desencadeiam as respostas condicionadas em forma de sintomas de Transtorno do
Estresse Pós-Traumático.
Modelo neurobiológico: amplo e refere-se a múltiplas trocas neurofisiológicas e
neurobiológicas que ocorrem em resposta ao trauma. A resposta inicial de
hiperativação ativaria o sistema simpático como forma de preparação para a “fuga
ou luta”, o que é um sistema menos amadurecido nas crianças do que nos adultos,
e possivelmente em crianças pequenas esta ativação tenderia melhor a alertar seus
cuidadores. Em caso de persistir a ameaça traumática sem a criança poder contar
com ajuda, a resposta se modifica passando para um estado de congelamento ou
imobilização, com possibilidade de dissociação e resposta de derrota com ausência
de reação emocional, indiferença ao mundo externo, possivelmente acompanhado
de evitação, embotamento e tendências fantasiosas.
Somente agora está se compreendendo sobre o impacto da massiva
liberação de neurotransmissores (noradrenalina, serotonina, dopamina, GABA) e do
fator liberador de corticotrofina com a ativação do hipotálamo-hipófise-suprarrenal.
Pode-se pensar nas alterações funcionais e estruturais que ajudam a explicar as
seqüelas em longo prazo do trauma psíquico nos cérebros em desenvolvimento. 40
Um trabalho de revisão de Câmara Filho JW & Sougey EB 49 realizado na
Universidade Federal de Pernambuco, desenvolve as questões da comorbidade do
Transtorno do Estresse Pós-Traumático de forma minuciosa e didaticamente
interessante. Dividem a sintomatologia em três grupos: a hiperexcitabilidade
psíquica, a reexperiência traumática e a relacionada ao comportamento de esquiva
e de distância emocional.
Hiperexcitabilidade
psíquica:
Diz
respeito
a
sintomas
generalizados
que
anteriormente seriam reflexos de uma excitação fisiológica extrema em resposta a
estímulos. Uma vez em contato com estímulos-trauma, aparecem outras reações
como tonturas, cefaléias, parestesias, sudorese, “formigamentos”, constrição
46
precordial, taquicardia mudança no padrão de respiração e insônia. Também a
irritabilidade pode aumentar até alcançar a explosividade. Estão sempre em
hipervigilância, constantemente verificando o ambiente, com respostas exageradas
de
sobressalto,
agindo
como
se
esperassem
pelo
pior.
A
resposta
musculoesquelética súbita varia de uma simples contração até a organização de
posturas de defesa como resposta a estímulos inócuos. Há ao mesmo tempo uma
generalização do medo, passando do estímulo à ação sem tempo para a reflexão,
com pouca ou nenhuma avaliação do estímulo e incapacidade de modular
respostas.
41
Reexperiência traumática: No indivíduo pós-traumatizado estão presentes as
lembranças intrusivas e recorrentes, vivenciando a experiência de forma
contemporânea. Além disso, as lembranças apresentam-se de forma fixa, sem
modificações produzidas pelo tempo e são carregadas de forte componente
emocional e afetivo, com intenso sofrimento e estado de angústia. As lembranças
irrompem mesmo através de pequenos estímulos que conseguem reativar as
memórias com muita semelhança, ou seja, nitidez e intensidade do acontecimento
traumático. O estímulo pode ser do mais específico ao mais genérico, como por
exemplo, o fato de estar chovendo, de tocar o telefone ou outros. Os estímulos
criam uma atmosfera na qual o indivíduo não se sente seguro mesmo que estiver
em ambiente protegido e depois que as lembranças aparecem, não são facilmente
interrompidas. As lembranças, freqüentemente encontram-se fragmentadas por
dissociação primária e podem estar guardadas em fragmentos sensoriais com
pouco ou nenhum componente de linguagem. Com a elaboração psíquica da
experiência estes fragmentos tendem a integrar, a ponto de formar uma narrativa do
acontecimento. Estas lembranças fragmentadas podem estar em imagens, odores,
sensações físicas, barulhos ou emoções. Os autores colocam a palavra
“reexperiência” quando falam do acesso por parte do paciente aos estímulos e às
lembranças e afirmam que pode aparecer sob forma de sonhos ou na forma de
flashback, cujo revivescimento pode incluir, com pouca freqüência, até alucinações
visuais ou auditivas e despersonalização. 49
47
Alguns pacientes com Transtorno do Estresse Pós-Traumático apresentam
quase sempre sem perceber a tendência a reexposição compulsiva a novas
situações que possam vir a ser traumáticas, de certa forma semelhante à cena
inicial. A criança demonstra esta questão através dos jogos repetitivos (evocam o
trauma, contém aspectos sombrios, não se modificam com o tempo) e em
adolescentes traumatizados observam-se comportamentos de risco (delinqüência,
uso de drogas de adição ou vida sexual de risco). Em adultos que sofreram
violência e/ou abuso no contexto familiar aparece a tendência da repetição na
busca e na escolha da parceria quando adulto, e assim repetir no convívio as
mesmas atitudes. 49
Esquiva e distanciamento emocional: A esquiva aparece como um mecanismo de
defesa contra os estímulos que possa desencadear lembranças que provocam o
aparecimento dos sintomas intrusivos, o aumento da ansiedade, da angústia e do
sofrimento. Neste sentido, a esquiva se dá em relação a sentimentos, conversas,
situações, pensamentos e qualquer atividade associada ao trauma. As estratégias
para se conseguir o intento podem ser óbvias ou sutis, adaptativas ou inadequadas.
Às vezes pode ter amnésia psicogênica ou seletiva, denotando o sintoma de
natureza dissociativa. Dentre as estratégias, o paciente tende a reorganizar a vida
de modo a evitar os estímulos que desencadeiam os sintomas intrusivos. Neste
sentido, o paciente passa a centralizar o trauma em sua vida, e conseqüentemente,
o comportamento de esquiva torna-se mais forte.
49
2.9 O PAPEL DA PSICOTERAPIA NA REORGANIZAÇÃO DA MEMÓRIA
TRAUMÁTICA
Segundo Kapczinski
50
há evidências clínicas que sugerem que as
conseqüências, em longo prazo, de abuso em crianças são diferentes da
experiência de uma catástrofe natural ou outro trauma vivenciado quando mais no
início da fase adulta. O que podemos fazer uma conexão entre a importância da
fonte extressora e da idade de maturação do abusado. A natureza do evento
traumático, o número de exposições, sua vulnerabilidade, a reação frente ao
48
estressor, o tipo de persuasão do estressor, a reação da rede de apoio frente à
situação e após, os valores da rede familiar e social, a educação, o ambiente
(controlador ou estimulante) a reação do indivíduo após o evento traumático, a
fenomenologia do transtorno com o passar do tempo.
Para van der Kolk 51, as memórias traumáticas são complexas, heterogêneas e
se modificam com o tempo.
Segundo Peres e Nasello
52
a memória traumática do Transtorno do Estresse
Pós-Traumático é o componente central e muito adequado aos estudos da
neuroimagem funcional. As metodologias para indução temporária dos sintomas
nos indivíduos com este transtorno têm obtido êxito confiável com relação às
mudanças psico-neurofisiológicas. Os achados têm se mostrado relevantes ao
entendimento
de
anormalidades
neuroatômicas,
estruturais
e
funcionais
associadas.
2.9.1 Estudos estruturais em neuroimagem do TEPT
Os estudos de Bremner
53
e Stein
54
demonstram a associação do Transtorno
do Estresse Pós-Traumático crônico com a redução do volume do hipocampo.
Encontraram significativas reduções no volume hipocampal esquerdo em adultos
que sofreram abuso sexual durante a infância. Outros estudos não invalidam esta
hipótese e sugerem que estas diferenças podem estar associadas ao aumento dos
sintomas de dissociação e a interpretação errônea das informações em relação a
ameaças. 52,55
Sapolsky
56
coloca que a atrofia induzida do hipocampo, acontece com picos
repetidos e prolongados de excesso de glicocorticóides e/ou aminoácidos
excitatórios.
Segundo Hull
57
o papel fundamental do hipocampo é o de atuar no processo
de integração, síntese, aprendizagem e na avaliação das experiências. Acredita-se
que o hipocampo seja o responsável pela origem de um mapa cognitivo que
categorize a experiência e a conecte com outras informações autobiográficas
58
.
Neste sentido, um bloqueio em sua função integrativa pode estar associado à
49
fragmentação da experiência traumática, através dos odores, sensações corporais e
sons. 51
Peres
52
coloca que pode estar associado também aos lapsos de memória e a
expressão irregular das emoções.
2.9.2 Estudos funcionais em neuroimagem do TEPT
Estudar os circuitos neurais envolvidos no transtorno é o objetivo dos estudos
neurofuncionais. A heterogeneidade dos sintomas e a diversidade dos achados nos
estudos sugerem a possibilidade da inexistência de um único circuito neural
subjacente. 52
Lanius et al
59
sugerem que as diferenças na conectividade cerebral entre os
sujeitos com ou sem Transtorno do Estresse Pós-Traumático acontecem no âmbito
do não verbal da evocação de memórias traumáticas em sujeitos com transtorno do
estresse pós-traumático. Em estudos com mulheres que foram abusadas
sexualmente durante a infância e durante a evocação de memórias traumáticas,
apresentaram decréscimo da atividade no córtex pré-frontal e cíngulo anterior.
De uma forma geral os estudos apresentam também uma hipoperfusão
sanguínea no córtex pré-frontal dorso-lateral, hipocampo e a área de Broca. As
áreas com hiperperfusão foram o giro para-hipocampal e do cíngulo posterior e da
amídala. 52
2.9.3 O papel da psicoterapia
Brewin et al
60
apresentaram a teoria da representação para classificação das
memórias traumáticas que envolvem a participação ou a ausência da participação
do hipocampo. As memórias traumáticas hipocampo-dependentes apresentam
estrutura narrativa, são verbalmente acessíveis, podem ser editadas e geralmente
apresentam a expressão emocional e sensorial menos intensas. As memórias
traumáticas hipocampo não dependentes são involuntariamente acessadas,
apresentam expressão emocional intensa e sensações vívidas, se caracterizam
50
pela pouca interface de comunicação com outras memórias autobiográficas, não
tem estrutura narrativa desenvolvida e são situacionalmente acessíveis.
Segundo Peres
61
51,60
a psicoterapia pode influenciar o desenvolvimento de um
novo padrão narrativo da memória traumática, com representação neural
compatível com a memória emocional declarativa. O momento da recuperação de
memórias traumáticas ocorre em um estado alterado de consciência e de
importante expressão emocional. Isto independe se são obtidas de forma
espontânea ou provocada, mas uma vez modificado o estado de consciência, a
percepção do mesmo evento também segue mudado e, portanto, haverá uma nova
interação com o contexto do trauma. Transformar os fragmentos mnêmicos, a
memória situacional (não hipocampo-dependente) em uma memória emocional
autobiográfica (hipocampo-dependente) deve ser o objetivo das abordagens
psicoterapêuticas a fim de promover a integração do evento traumático e a
reconstrução de uma narrativa. 61
Para Stanley Keleman
20
, o corpo é capaz de acessar e de moldar suas
próprias experiências através de fina captação do presente. Através da exposição
assistida, a qual sua metodologia dos cinco passos é fundamentada, é capaz de
promover o acesso ao próprio princípio organizador do humano. Sugere que este
protocolo
permite
a
transformação
dos
acontecimentos
vivenciados
e
experienciados como excessivos, as memórias traumáticas fragmentadas, em
acontecimentos assimiláveis, com perspectiva de compreensão e aprendizagem.
Através da neuroimagem funcional é possível identificar as mudanças do fluxo
sanguíneo encéfalo compatíveis a alterações ocorridas na cognição proporcionadas
pela psicoterapia
62
. Neste sentido, as terapias de exposição imaginária para
reconstrução cognitiva de eventos passados tem tido muita atenção por parte da
ciência psicológica. E a neurociência explica que a chave para o processo de
transferência e integração dos fragmentos mnêmicos é a exposição assistida. 60
É recomendado que os psicoterapeutas de vítimas de trauma tenham
qualificação para trabalhar tais aspectos, que estejam sensíveis às emoções e aos
estados alterados de consciência, pois são aspectos imprescindíveis à moldagem
da formação da memória
61
. Assim sendo, as respostas aos traumas são
51
influenciadas pelas crenças emocionais, independentemente da precisão no
processo das lembranças e das falsas memórias. Configurado como uma memória,
seu conteúdo emocional é também uma representação dos referenciais internos do
indivíduo
63
. Então o psicoterapeuta não deverá evitar ou negar esta mistura de
memórias e, ao contrário, ter a competência para usá-las de forma favorável para o
processo de reconstrução terapêutica da memória. 64
3. HIPÓTESE
O abuso sexual na infância pode desencadear situações de estresse agudo e
de estresse pós-traumático, com fragmentação da experiência e, portanto, da
memória traumática, influenciando na sexualidade destas pessoas e contribuindo na
gênese dos transtornos da dor sexual (vaginismo e dispareunia).
52
4. OBJETIVOS
-Investigar, por meio da revisão da literatura, os fatores que estão envolvidos na
etiologia dos transtornos da dor sexual de causa não orgânica.
- Por meio de um estudo de caso, estabelecer as correlações teóricas com o tema.
53
5. MÈTODOS
A metodologia foi desenvolvida para contemplar o tema e será explanada a
seguir em duas etapas.
5.1 METODOLOGIA DA BIBLIOGRAFIA PESQUISADA
Os artigos foram pesquisados nas seguintes bases de dados cruzando os
unitermos:
Vaginismus X sexual abuse: 11
Child X sexual abuse: 4235
Abuso sexual infantil: 12
Pedophilia: 726
Pedofilia: 4
Parafilia: 1
Vaginismo: 2
54
Paraphilia: 3764
Vaginismus: 344
Female X sexual dysfunction: 7796
Vaginismus X sexual dysfunction: 149
Vaginismo X disfunção sexual: 2
Posttraumatic stress disorder: 17065
Estresse pós-traumático: 29
Posttraumatic stress disorder X sexual abuse: 1332
Estresse pós-traumático X abuso sexual: 1
Female X sexual function: 33216
Pedopliles X paraphilia: 95
A identificação de artigos na PUBMED resultou em: child sexual abuse (1366);
pedophilia (577); paraphilia (3793); vaginismus (182); vaginismus sexual abuse (4);
sexual
dysfunction
female
(6841);
sexual
dysfunction
vaginismus
(144);
posttraumatic stress disorder (12.471); posttraumatic stress disorder sexual abuse
(1035).
A identificação de artigos no SCIELO resultou em: abuso sexual infantil (12);
pedofilia (4); parafilia (1); vaginismo (2); vaginismo abuso sexual (zero); disfunção
sexual vaginismo (2); estresse pós-traumático (29); estresse pós-traumático abuso
sexual (1).
A identificação de artigos no MEDLINE resultou em: child sexual abuse (2869);
pedophilia (149); paraphilia (71); vaginismus (162); vaginismus sexual abuse (7);
sexual dysfunction female (955); sexual dysfunction vaginismus (5); posttraumatic
stress disorder (4594); posttraumatic stress disorder sexual abuse (297).
As buscas foram efetuadas entre outubro de 2006 e julho de 2007.
Os critérios de inclusão de artigos foram:
Artigos cujos temas contemplassem os objetivos desta pesquisa.
o Estudos com o formato de revisões sistemáticas ou narrativas abrangentes,
metanálises, populacionais e transversais.
55
o Artigos escritos nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola.
o Consideramos os publicados nos últimos vinte anos.
Os critérios de exclusão foram:
o Artigos repetidos nas bases de dados.
o Artigos que não agregassem informações adicionais e relevantes aos
objetivos desta pesquisa.
Alguns livros foram consultados sobre a temática pesquisada.
5.2 RELATO DE CASO
Para melhor compreensão optamos pelo relato de um caso, com o enfoque
psicoterapêutico na conexão somático-emocional do comportamento, através do
conteúdo das palavras, emoções, memórias, imagem corporal e pensamentos,
conectados por ações musculares.
a-Sujeito
Paciente do sexo feminino, 25 anos de idade, solteira, branca. Iniciou o atendimento
psicoterápico com esta psicóloga em outubro de 2006 e encerrou o mesmo por
motivo de mudança da cidade de residência.
b-Formato do Relato de Caso
A anamnese foi realizada e houve a explanação da evolução de 13 sessões de
psicoterapia, com 50 minutos de duração. Serão destacados os pontos relevantes
do processo psicoterapêutico estabelecendo correlações teóricas com a literatura
científica contemporânea e como caráter ilustrativo serão apresentados quatro
somagramas.
c- Somagrama
56
São imagens somático-emocionais retratadas através de desenhos nas quais
são projetadas as qualidades da experiência interna, sentimentos da história
pessoal internalizada, tornando visível o estado somático-emocional do indivíduo. É
uma forma de mapear o passado através da exposição imaginária e do registro
gráfico de uma configuração somática. Revela áreas de conflito do passado e
promove o acesso a memórias traumáticas. São visualizações emocionais que
permitem o contato com o próprio processo formativo 20.
Posteriormente o tema será discutido e finalmente as conclusões deste estudo.
6. RESULTADOS
o Identificação
B., feminino, 25 anos, nascida em São Caetano do Sul, São Paulo, solteira,
classe média alta, religião católica não praticante, cirurgiã-dentista.
o Queixa Principal
Impossibilidade e/ou dificuldades em se engajar numa relação sexual com
penetração. Relaciona a variação do grau de dificuldade (contração ou não
expansão da musculatura da vagina, dor, falta de lubrificação, anorgasmia) à
qualidade de vínculo com o parceiro. Também apresenta como queixa a
necessidade de encontrar uma forma nova de se relacionar com as pessoas por
sentir que a forma atual está causando sofrimento.
o História da moléstia atual
A paciente sofreu abuso sexual aos seis anos de idade. O molestador era
seu padrinho e tio-avô por parte de mãe. Imagina que ocorreu por mais de seis
meses e menos de um ano.
57
Segundo ela, no início eram carinhos, com o tempo, ele permanecia sentado
numa cadeira e a colocava de costas, quando então colocava o pênis na entrada da
vagina. Para ejacular dizia que ia “soltar o leite” (SIC).
Percebia-se confusa e brava. Segundo suas palavras: “.. ele não corria atrás
de mim então eu nunca pensei em correr dele...”. Não gostava, mas aceitava. A
mãe a deixava na casa dos padrinhos à tarde. Lembra que muitas vezes chorava e
pedia para ele parar. Nas reuniões e almoços em família ela não o cumprimentava e
era repreendida pela mãe por esta atitude. Terminou o período de abuso quando
contou para a mãe. Esta pediu para que B. colocasse um fim na história.
Aos 13 anos, aproximadamente, assistiu a um filme pornográfico e entendeu
o que havia lhe acontecido. Diz ter se tornado um moleque até os 18 anos. Jogava
basquete com a turma do irmão e só se interessava por jogar bola.
Começou a se perceber menina quando falavam com ela sobre a
necessidade de ser mais feminina. Decidiu então fazer dança do ventre e aos 20
anos teve seu primeiro relacionamento afetivo quando então beijou na boca.
Diz que escolhe homens que são fracos. Homens que não ofereçam perigo.
Conta que seu primeiro relacionamento foi com um rapaz que mais tarde soube que
assumiu ser gay. Com o segundo teve sua primeira transa (sic) e não sentiu nada
de bom. O terceiro namorado era virgem e “gostosinho” (sic). Foi algo sem
compromisso.
Disse que com o namorado P. sente ser o único que lhe inspirou confiança
suficiente para entrar num motel. Ressalta que nunca poderá ser penetrada por trás
porque muitas lembranças são ativadas.
Contou para os namorados a história do abuso e contava com a ajuda para
superar seus problemas sexuais. Cada um a seu modo demonstraram compreender
seu problema sexual, mas alega não ter sido suficiente para conseguir manter
relações sexuais com penetração (sic).
o História Pregressa
58
Os pais de B., embora casados, viviam praticamente separados. O pai se
ausentava por longos períodos do Brasil, à trabalho. Nunca demonstraram
intimidade física, carinho ou beijo na boca.
Para a mãe sexo é safadeza, coisa de animal, imundice, sujeira e falta de
vergonha. Nunca conversam sobre isso e B. diz que não se sentiria à vontade para
ler algum artigo sobre sexualidade, mesmo que em seu quarto.
O irmão atualmente reside nos Estados Unidos, faz doutorado em Física e teve
poucas namoradas. B. suspeita da possibilidade dele ter algum problema sexual ou
de relacionamento.
A mãe entrou em depressão com o nascimento do primeiro filho porque sentia
muita solidão. Conta que o pai, executivo de uma multinacional, passou muitos anos
viajando para o exterior. Quando se aposentou, passou a dar aula e consultoria. Ele
sempre se empenhou em trabalhar muito porque sua infância foi cercada de
carência afetiva e financeira e tinha medo de que isso pudesse acontecer com a
família. A mãe dele morreu quando tinha sete anos e foi criado morando cada dia
na casa de uma irmã. A mãe de B. o ensinou a se vestir direito depois que casaram,
entre outras coisas. Até hoje ele não sabe do abuso. Na época passava muito
tempo viajando. A mãe diz que se ele soubesse a mataria ou se separaria pelo fato
dela ter escondido.
O pai, estando pouco presente na casa por cerca de 20 anos, atribuiu o
cuidado dos filhos à esposa. Mantém um vínculo cordial, porém sem intimidades
com todos. É visto como provedor e trabalhador. Desde que voltou a residir de
forma constante com a família, vem apresentando desmaios e sintomas que
sugerem depressão. As causas físicas não foram diagnosticadas até o momento.
Os médicos enfatizam a possibilidade da causa ser estresse emocional.
B. está formada há dois anos. Geralmente trabalha no consultório de algum
profissional bem mais velho, já estabilizado e conhecido no ramo. Em 2006 iniciou
uma especialização de dois anos em implante. Em 2007 iniciou o curso e residência
em cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial.
Anamnese Sexual
59
Diz sentir vergonha e culpa com relação a sexo, à fantasias e à masturbação.
Evita qualquer tema ou programa de televisão que aborde isso em casa. Diz que a
mãe sempre a chamou de putinha (sic) sem ela fazer nada, imagine vê-la
assistindo ou lendo algo relacionado.
Interessa-se por aproximação e intimidade física. Gosta de preliminares tais
como carícias, afagos, beijos, abraços.
Apresenta-se extremamente disponível para o afago e o contato físico em
ambientes que impeçam a continuação de uma intimidade que resulte em
penetração. Em ambientes com privacidade, aumenta sua ansiedade interferindo na
possibilidade e na qualidade do contato físico.
Refere que fica excitada com lubrificação quando não há iminência de
penetração. O processo de aproximação que envolve carícias, afagos, beijos,
abraços é interrompido por imagens de cenas ou por sensações de angústia que
interferem negativamente na interação sexual no que diz respeito à excitaçãolubrificação. Refere não ter orgasmo.
Na medida em que o parceiro se excita, cresce o medo e aumenta o desejo de
se esquivar. Depende também do grau de intimidade, do perfil psicológico do
parceiro, do humor da paciente e do local. A vontade de se esquivar sempre
acontece, só varia o grau de intensidade. Geralmente sente mais tensão e dor do
que excitação nas relações sexuais.
Há a necessidade de um grande esforço do casal para encontrar um ritmo para
lidar com a dor e também de restringir ou selecionar posições devido à associação
com a cena traumática.
Quando sente que não vai conseguir prosseguir na interação sexual, e isto
pode acontecer mesmo antes de tirar a roupa, pode começar a chorar e a sentir
medo, o que a faz pedir para o parceiro parar. Por isso precisa de um parceiro
confiável e que já saiba do trauma. Parece que contar sobre o trauma o torna mais
confiável (sic). Acredita que se o homem for mais velho, mais experiente e um
temperamento mais seguro, na cama terá menos paciência (sic). Refere que com
P., que tem sua idade, o clima é mais favorável, ele é bem mais paciente. Este fato
a faz acreditar que ele seja do tipo “fraco” porque demonstra suas inseguranças.
60
Há cerca de dois anos, consultou uma ginecologista que diagnosticou como
vaginismo sua dificuldade sexual. A partir de então, tentou superar esta disfunção
com a convicção de que poderia revertê-la com sua obstinação e com a
compreensão de seu parceiro (sic).
Mesmo com parceria fixa não utilizava nenhum método anticoncepcional.
Refere excessivo desconforto vaginal quando fez uso de camisinha, caracterizado
por um tipo de alergia e coceira.
o Tratamentos já realizados e resultados
Psicologia: Relata que na puberdade foi levada pela mãe à duas psicólogas. Ficou
em psicoterapia por poucas sessões. Na primeira, a psicóloga falava mal da mãe e
não se sentiu bem para continuar. Na segunda não deu continuidade porque não
gostou.
Ginecologia:
Recebeu
um
diagnóstico
de
vaginismo.
Não
apresenta
acompanhamento ginecológico periódico. Em março do presente ano foi
encaminhada à ginecologista para consulta de rotina e orientação sobre métodos
anticoncepcionais.
Oftalmologia: Com seis anos de idade passou a ter miopia, posteriormente catarata
e há alguns anos fez duas cirurgias para deslocamento de retina.
o Instrumentos utilizados:
Anamnese
Somagrama 8
o Impressões diagnósticas
Vaginismo F52. 5
Transtorno Orgásmico Feminino F52. 3
Estado de Estresse Pós-traumático F 43.1
61
o Evolução
Outubro de 2006 - 1ª Sessão
O corpo de F.N. revelava uma trajetória de experiências denunciadas através
dos desencontros de sua estrutura física. Seus olhos azuis cintilavam buscando
contato, um olhar sensível que correspondesse ao encontro. Nesta primeira sessão,
chegou bem depois do início, visivelmente agitada e ansiosa. Corpo longilíneo,
cabeça pequena, pescoço fino e apertado, pele alva, ombro estreito, peito pequeno,
membros compridos distribuídos em aproximadamente 1,75m, além do salto
altíssimo. Este conjunto dava a impressão de pertencer a diferentes pessoas ou de
ter diferentes idades. Partes do corpo eram grandes, moles, soltas e partes
pequenas, secas e afinadas. A base, pélvis e pernas, tendiam para uma expansão
no ambiente, muita porosidade, pouco tônus, inchadas, pouca capacidade de
contenção. Os braços estavam prontos para o abraço.
A cabeça parecia apertada e com muita excitação no olhar. Alternava suas
expressões ficando ora arrogante, ora sensível, ora controladora. Tentava lidar com
as emoções que despertavam neste nosso primeiro encontro, buscando conter a
inundação de sensibilidade. O olhar sempre penetrante com a hipervigilância
ininterrupta.
Trouxe uma carta para eu ler. Descreveu-se nela como uma pessoa que tem
medo de errar, de decepcionar e de ser “mediana” (sic). Referiu não acreditar nas
pessoas e muito menos nos elogios. Geralmente se via respondendo de forma
brusca, incisiva, ríspida e autoritária com a tendência de buscar a perfeição de seu
desempenho e das pessoas ao redor. Quando recebe alguma crítica geralmente
sente vergonha, culpa ou irritabilidade. Disse demonstra uma falsa força que tendia
a afastar as pessoas. Querendo ajudar os outros, a paciente disse reprimir seus
verdadeiros sentimentos com tendência a se adequar aos desejos dos outros.
Atualmente percebe-se agitada, triste, confusa, sem acreditar nas pessoas,
cobrando-se demais também e não sabendo como agir para mudar isso.
62
Novembro de 2006 - 2ª Sessão
Encontra-me na recepção sorridente, com os braços abertos e me dá um longo
e delicado abraço. Curva-se para compensar a nossa diferença de altura. Este seria
a forma de iniciarmos nosso encontros.
Diz ter pensado muito no que conversamos. “Nossa, pensei tanto que acho
que vou ter que fazer quinzenal para dar tempo de eu fazer o que conversamos”
(sic). Pergunto de onde vem esta necessidade de sair fazendo e ela diz que precisa
romper com velhas estruturas.
Contou sobre seu relacionamento, recém terminado com P. Ela se coloca
sempre dando bronca, provando que ele era desonesto, que mentia. Ela no
comando, ele subjugado. Ele com saudade de uma ex-namorada. Ela dizendo que
em função da limitação de sua condição sexual jamais poderia ficar de “quatro” para
ele.
Narra
momentos
do
relacionamento
com
seu
ex-namorado
onde
impreterivelmente estava sempre certa. Ele sempre errado, fraco, mau caráter,
pouco comprometido, traidor, evasivo.
B. esperava que eu concordasse com suas atitudes, interpretações e
conclusões. Mostrava-se ansiosa em compartilhar sua história com alguém.
Pergunto antes que ela continuasse:
P- Como seria para você não estar sempre certa?
T- Um alívio. (sorri) É difícil estar ou achar que sempre se está certa.
T- Em partes. Mas também pode ser estranho se perceber não certa sempre. O
coração pode ficar aliviado, mas e a cabeça?
P- Uma confusão, um choque.
T- Em nosso caminho iremos passar por questões as quais acredita estar 100%
certa. Mas pode ser que não seja sempre assim.
P- É. ( olha-me pensativa)
T- Nosso cuidado, meu e seu, é para que isto não seja tão difícil a ponto de você
não querer continuar. Velhas estruturas, como você disse, podem precisar de
reorganizações, mudanças na compreensão dos acontecimentos.
P- Você me convenceu. Você tem razão. (sorri toda expansiva)
63
Novembro de 2006 - 3º Sessão
Chegou muito ansiosa com a possibilidade de fazer a prova para ingressar na
residência em bucomaxilofacial. Também disse que estava com muita saudade do
ex-namorado P.
Conta que a mãe é depressiva há 22 anos. Lembra-se da mãe na infância
deitada no sofá. Ela se esforçava para fazer as coisas da casa. Hoje fala que os
filhos são tudo, que não podem casar e ir morar longe. “Eu sou o moleque da casa,
sou muito parecida com meu pai”.
Diz que o padrinho (perpetrador) também tentou abusar de uma prima. Elas
conversaram sobre isso na adolescência. Ele teve uma filha que engravidou aos 11
anos de idade. “Eu queria me distanciar, mas sempre ficava próxima para ver se ele
estava pegando outra criança. Tinha vontade de denunciar, de ir para a polícia”
(sic). Há três meses o padrinho faleceu. Até neste dia diz não ter sentido paz em
sua vida.
Refere que a mãe sabe que faz psicoterapia, mas não sabe de seu problema
sexual. O pai não sabe nem da psicoterapia. A mãe paga a psicoterapia de forma
escondida com o dinheiro do pai. Conversamos sobre a relação entre o pai, a mãe e
os filhos. A distância entre os pais, o apoio que os filhos se tornaram para a mãe na
ausência do pai, o retorno do pai e da importância dos filhos deixarem espaço para
o casal.
A paciente dá um valor especial quando conversamos sobre algo que não
sabia ou que não havia percebido daquela forma anteriormente. A paciente parece
buscar aprovar o conteúdo de nossas conversas. Este fato sugere que ela tem a
vontade de confiar em mim, mas tem razões para não confiar nos adultos.
Apresentava esta ambivalência.
Falamos da importância que dava aos detalhes dos nossos encontros,
procurando estabelecer uma relação comigo de menos desconfiança.
Falamos sobre as características e sintomas das pessoas que sofrem de
depressão e sobre a necessidade da psicoterapia e da medicação sob cuidados de
bons profissionais.
64
Foi proposta uma pequena reflexão, através de algumas perguntas, sobre a
forma víncular dos membros da família.
B. foi falando sobre o abuso sexual aos poucos em cada sessão.
Deliberadamente não organizei uma seqüência. Foi abordado com a paciente o
transtorno de preferência do padrinho, a definição de parafilia e de pedofilia.
Novembro de 2006 - 4ª Sessão
Começa, pouco a pouco, a demonstrar certa irritabilidade frente à postura de
vítima que a mãe se coloca e faz críticas ao relacionamento de submissão que a
mãe tem com a avó.
Conta que o P. é muito parecido com um ex-namorado que virou gay, sempre
culpando os outros. Gostaria de conhecer os sinais que mostram quando o namoro
está bom ou não. Acha que por causa do trauma não consegue enxergar. Quando
vê já está dentro e não consegue mais se perceber. Encontrou um amigo de
infância que a está paquerando. Diz não ter interesse, mas que teme não conseguir
dizer “não” porque não sai a voz.
Ao ser perguntado para a paciente como ficava sem voz, B. começa a fazer
contato com a cena e a se puxar para cima (alongar o tronco ao mesmo tempo
recuar) afinando as estruturas e enrijecendo. Os ombros vão se apertando,
diminuindo o peito, a respiração diminui, parece ir congelando, a mão direita esboça
um ligeiro movimento como se tivesse a intenção de afastar a pessoa imaginada e a
esquerda se protege colocando a palma na barriga. Diz sentir-se muito apertada e
coloca-se no canto da sala. Ao voltar fazer o contato com a cena traumática, a
cabeça desvia para a esquerda e o olhar vai junto para esquerda e para baixo. Diz
sentir a garganta fechar e então as palavras não saem, nada se move. Escorre uma
lágrima.
Relembra que o padrinho a chamava num canto para fazer carinho. Ele não
corria atrás dela, então ela não corria também (sic). Foi explanado sobre a sedução
do pedófilo, o vínculo da confiança que ele tinha na família, e o lugar de prestígio
que ocupava. Também, sobre o fato da criança de seis anos não ter repertório que
a auxilie na distinção entre os tipos de toques e seduções. Como também não
65
poderia ter imaginado tal doença mental se até mesmo os adultos da família não o
tratavam assim.
Ela chora copiosamente, fica muito vermelha ao mesmo tempo me foca e
absorve cada palavra. Diz que faz a imagem pequena do somagrama porque era
assim que se sentia. Segue ouvindo emocionada, como se estivesse ouvindo pela
primeira vez o que lhe aconteceu. Desenha os somagramas abaixo (figura 8 e 9).
Figura 8. Somagrama.
66
Figura 9. Somagrama.
67
Salienta que criança não deveria ficar excitada. Demonstrando sentir culpa por ter
se excitado, de ter achado prazeroso de alguma forma. Contextualizo a sexualidade
no desenvolvimento da criança e da excitação que é saudável.
Diz que P. foi o único que lhe inspirou confiança. Em outros relacionamentos
ela beija e seduz se estiverem num lugar que sabe que não poderá ter uma relação
sexual. Se for para o motel “trava” na hora e pode até começar a chorar (sic). Com
o P. não aparecem muitas imagens da cena traumática, na maioria das vezes
nenhuma, mas com outros parceiros era constante.
Novembro de 2006 - 5ª sessão
Chegou bem sorridente e porosa, aberta para o ambiente. Diz que eu a
“quebrei” na sessão passada, que eu consegui que ela mostrasse sua fragilidade.
Começou a falar que é super aberta com as pessoas (abre os braços).
Proponho biodramatizar. Procura alguém assim para se relacionar nos ambientes,
quando não encontra começa a murchar o peito, mas não fecha os braços. Então
68
começa a sentir vergonha de estar tão aberta sem ser correspondida. As mãos são
requisitadas para proteger os olhos do contato, põe e tira (menina envergonhada).
Conversamos sobre como é estar super aberta aos ambientes, o que tem de
bom e o que tem de ruim. Biodramatizamos juntas estar no ambiente com os braços
bem abertos e os sentimentos que esta forma fazia-nos acessar. Experimentou um
pouco e diz que era muito feliz assim porosa. Fala da alegria de estar super aberta,
do sorriso, do abraço. Depois de um tempo começa a relatar algumas situações que
não funcionam tão bem em função desta super abertura para o ambiente.
Enfaticamente diz que não quer mudar. Desenha seu terceiro somagrama (figura
10). Para fazer algumas anotações sobre seus sentimentos ela sente dificuldades
pela super exigência em querer ter uma ótima produção. Faz contato com os
sentimentos e reclama da qualidade dos traços, fala que não consegue fazer
diferente e começa a brincar para atenuar. Percebe a imaturidade dos traços e sorri.
Fala sobre a Xuxa, que é uma pessoa bem sucedida profissionalmente e que
não teve relacionamentos duradouros. Enfatiza que gosta da música “Lua de
Cristal”. Conversamos sobre os diferentes caminhos das pessoas, dos diferentes
estilos, das diferentes profissões e do prazer de viver como desejamos. F. diz que
não tem parâmetros e que precisará entender o que é normal e o que não é.
Falamos que podemos pensar no que é ético e no que não é, e não em certo e
errado. Terminou a sessão dizendo que não falou tudo o que gostaria de contar.
Figura 10. Somagrama.
69
70
Dezembro de 2006 - 6ª sessão
Chegou de salto alto, vestida de preto. Destacavam o rosto e o pescoço alvos.
Iniciou a sessão falando sobre a sensualidade das saias. Ao sair de casa falou ao
pai que iria à sessão de acupuntura. O que é verdade, só que mais no final da
tarde.
Diz que o jeito dela ser, muito expansiva, faz com que os homens entendam
errado. Com o primeiro namorado, quando ele passava a mão em sua bunda ela
ficava paralisada. Anos depois ele “virou” gay (sic). Com o segundo namorado
transou, porém refere não ter sentido nada. Queria transar para ver como era. Com
o terceiro namorado, era mais experiente do que ele e se sentiu mais à vontade. Ele
era virgem, “gostosinho” (desejo). O relacionamento foi sem compromisso. Diz ter
planejado essas experiências para ela evoluir. Diz sentir desejo.
Dezembro de 2006 - 7ª sessão
Fala muito sobre a especialização que faz, de como ela determina, de como
resolve sozinha. Saiu com dois professores e outras alunas. Na hora de pagar a
conta que um deles a agarrou. Diz que o ambiente de implante e na residência é
masculino, compara à cirurgia da medicina. Disse que uma aluna foi fazer fofoca na
direção do curso e que os professores pensaram que tinha sido ela. Pediram que
ela fosse se desculpar com os professores como se ela tivesse sido a culpada por a
terem seduzido.
Falo sobre alguns pontos em comum com a situação do abuso na infância. Ela
chora e conta que se sente culpada pelo que ocorreu. Não fez nada para evitar. A
mãe disse que o padrinho já havia tentado seduzi-la na infância, mas que ela (a
mãe) não quis.
Falamos sobre o significado da colocação da mãe, culpando a filha, ainda
criança, pelo abuso sexual e isentando o padrinho, adulto, da responsabilidade. Ela
questionou sobre o fato da mãe já saber que ele era assim e mesmo assim levá-la
na casa dele para passar as tardes.
Começa a oscilar entre sentir culpa e a possibilidade de não ser sua culpa.
Falamos sobre como é uma criança de seis anos, como vê o mundo (Lua de Cristal
71
da Xuxa), como se relaciona com os adultos, do que depende para amadurecer
emocionalmente, que ainda não aprendeu a ler e a escrever, do fato de não estar
madura para saber diferenciar o que é certo e errado com relação às questões
sexuais, aos tipos de carinhos e que o abuso acontece porque a criança não tem
escolha.
Relembra de como teve que sair desta situação sozinha. Começa a chorar e
disse que estava acostumada a achar que devia se resolver sozinha. Fala que
achava aquilo tudo muito estranho, era muito confuso Ela pedia para ele parar e ele
não parava. Lembra que nos almoços em família ela passou a se recusar de
cumprimentá-lo provocando desaprovação por parte da família. Até que um dia
contou para a mãe e esta mandou B. falar para o padrinho parar e também dizer
que já havia contado para a mãe. Fala que a mãe não a ajudou. Ao falar do
padrinho perpetrador levava as mãos nos olhos expressando vergonha.
Conta que a mãe a deixava na casa da tia-avó. Esta cozinhava bem, a família
era italiana e que todos moravam perto. Enquanto a esposa cozinhava, o padrinho,
tio-avô, abusava dela. Usa a expressão “me comeu”.
Diz que tudo isso está muito difícil pois não consegue aceitar que não é
culpada. Eu coloco que não é preciso fazer força para mudar este pensamento, mas
que ela deixasse essa conversa como uma possibilidade. O segredo mantido pela
mãe acentuava o sentimento de culpa.
B. se inflama, diz que vai falar para todos o que aquele homem fez. Quando
ele estava na UTI para morrer queria ter feito isso. Não conseguiu falar nada nem
para ele. Acredita que tenha abusado do neto também, atualmente com 16 anos. O
vê como um bebê, veste até as roupas do avô. Manifesta o desejo de ajudar as
vítimas. A manutenção do pacto do silêncio faz com que B. intensifique a expressão
de raiva quando fala da experiência traumática.
Em função das festas de final de ano, combinamos um intervalo nos
atendimentos de 15 dias.
Janeiro de 2007 - 8ª sessão
Chega muito sorridente e carinhosa. Diz que estava com saudades.
72
Conta que está com muita dor de estômago. Tem estado muito ansiosa com a
prova de ingresso para residência. O P., ex-namorado passou a R2. Atribui grande
importância profissional e pessoal.
Fala que agora está entendendo o que é psicoterapia, que quando faz força
contra é mais difícil, mas que agora que está entendendo passou a ser mais fácil.
Mudou dentro dela. “Tem coisas que conversamos que ficam muito forte dentro de
mim” (sic).
Conversamos sobre como ela está se sentindo para a prova e para ela me
mostrar (biodramatizar). B. abriu bem os braços. Pedi para imaginar ela chegando
para fazer a prova e ao encontro com o ex-namorado que não via ha meses.
Quando faz a forma aberta para o ambiente referiu um maior aperto na altura do
estômago.
B.- É muito aberto para essa situação. No estômago está o medo, a expectativa. Na
cabeça “tô maluca” com a cobrança. No peito a saudade e a ilusão “P.”
Psic.- A questão é reconhecermos como estamos para viver a situação. Como
estamos fazendo o que estamos fazendo. Experimente ir sentido vários graus de
abertura. Vamos diminuir um grau e sentir o que provoca.
Desenha o somagrama (figura 11).
B- É muito aberto ainda. Nossa dá um frio!
Psic.- Essa abertura dá medo. Experimente ir procurando uma certa abertura para o
ambiente que dê menos medo.
B.- Quando eu fecho não me sinto bem.
Psic.- Como você se sente?
B.- Sozinha.
Psic.- Você fechou mais do que gostaria. Experimente um certo lugar entre estes
dois extremos.
B.- Acho que aqui não me dá dor de estômago.
Psic.- Sente o tubo menos apertado.
B.- Eu sei que é aberto, mas estou sem dor. Deixa experimentar eu pensar de novo
na situação...Ai não. Tô com braço de “pidona”. Se ele (P.) estiver com outra, assim
não dá. (dobra um pouco o braço)
73
-É ficou melhor assim... Nossa! A minha dor sumiu!
Figura 11 .Somagrama.
74
Janeiro de 2007 - 9ª sessão
75
Chegou muito sorridente e carinhosa. Abraça-me por um longo tempo. Movese com lentidão e instabilidade. Novamente chama-me a atenção os saltos
altíssimos.
Fala que está feliz porque está conseguindo ter um comportamento
profissional e pessoal melhor. Aponta estar mais flexível e menos impulsiva.
Está ansiosa porque passou na 1ª fase da prova para residência em
bucomaxilofacial. Se passar as fases seguintes acontecerá uma grande mudança
em sua vida, começando pela residência.
Fala que nunca tinha conhecido psicóloga, que ela entendia o que eu falava.
Confidencia o medo que tinha de eu acusar a mãe dela pelo abuso. Diz estar
aliviada por eu nunca ter feito isso, pois o que aconteceu não poderá ser mudado.
Pede minha ajuda para ficar menos ansiosa para a entrevista que fará no dia
seguinte.
Entreguei uma cópia do Capítulo 1 do livro “Sexualidade Humana e seus
Transtornos” que aborda mitos, preconceitos e outros temas relacionados à
sexualidade. Ela guarda e diz que não se sente à vontade para ler em sua casa,
pois tem medo de ser surpreendida pela mãe.
Março de 2007 – 10ª sessão
B. passou nas etapas para a residência e está “ficando” com o P. (sic).
Passou a morar em São Paulo, próximo ao hospital. Refere estar vivendo conflitos
difíceis com a mãe e imagina que ela está com medo de perda da proximidade e do
controle.
Enfatiza que cada uma está precisando cuidar da própria vida. Diz que achava
que a mãe era a pessoa mais certa, que tudo o que a mãe dizia era o mais certo e
que agora vê que não é bem assim. “Agora começo a ver as coisas com os meus
olhos” (sic).
Segundo B., sua mãe fala que sexo é coisa de animal. E sempre a chamou de
puta, putinha como se ela tivesse seduzido o padrinho.
Março de 2007 - 11ª e 12ª sessões
76
Chega chorando no consultório. A mãe a chamou de puta, putinha, vadia e
vagabunda. A agrediu fisicamente e pela primeira vez B. se defendeu, não recuou,
falou, se posicionou frente à mãe e frente ao pai.
Não pode contar do abuso ao pai porque não quer ser responsabilizada pelos
acontecimentos que este fato poderia provocar.na família. Imagina numa piora do
estado de saúde do pai ou a separação dos pais.
Mudou-se para o apartamento. Sente tudo muito estranho. Diz que se o P. não
estivesse lá talvez ela não aguentaria. Vivem grudados. Sente muito ciúmes de uma
ex-namorada dele que também estuda lá.
Está tentando aprender a lidar com os professores e as questões hierárquicas.
Acha diferente essa coisa de chegar em casa e encontrar tudo como deixou.
Tem o lado bom de ninguém invadir sua privacidade, mas também tem o lado de
ficar tudo desorganizado.
Tentamos organizar horários que sua escala permitisse a continuação da
psicoterapia. Os atendimentos tornaram-se cada vez menos freqüentes.
A paciente, agora com espaço, privacidade e companheiro, passou a ter mais
momentos de intimidade. P. no ano anterior teve um episódio de depressão.
Abril de 2007 – 13ª sessão
Em abril já estava um pouco mais ambientada no hospital. Ficou muito
assustada quando pensou estar grávida. Encaminhei-a à uma ginecologista.
Também foi a oportunidade para conhecer métodos anticoncepcionais e tirar
dúvidas. Não usa camisinha pelo desconforto que sente.
B. e P. estão “dando um tempo” no relacionamento. Ela alega estar cansada
de tanta pressão. Necessita estudar, o namorado quer transar, o ambiente
competitivo da residência, o apartamento novo, o susto da possível gravidez, a
doença do pai, a família do L. que não quer que eles namorem (sic).
Com relação aos seus pais, sente-se menos aflita. Agora fala naturalmente
quando vai poder ir à casa deles. “Gosto de dormir na minha casa. Não na casa da
minha mãe, mas no meu apartamento”.
77
Refere perceber o quanto a psicoterapia a ajudou, porém precisará parar
devido à grande distância do local novo de moradia. Falamos sobre este momento
de como ela organizou uma forma de viver que viabilizou experimentar o mundo a
seu modo e a experimentar-se também.
Ela diz que agora que entende melhor o que lhe aconteceu no passado deseja
viver sem que ninguém lhe diga como. Comprou um cachorrinho para lhe fazer
companhia. Fala do filme “Legalmente Loira” que é “babaca”, mas que é bacana
(sic). A forma de ser inteligente, boa profissional e meiga ao mesmo tempo.
Despedimo-nos combinando um reencontro no futuro.
7 DISCUSSÃO
A sexualidade está interligada com a personalidade global do indivíduo,
afetando seu desenvolvimento, funcionamento e comportamento.
10
Tem um papel
estruturante na organização do psiquismo . 11
O abuso sexual é um fenômeno transgeracional que tem sido considerado um
grave problema de saúde pública, devido aos altos índices de incidência e às sérias
conseqüências para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social da vítima e de sua
família.
38,36
A mulher é a vítima preferencial (80,9%), onde 36,2% das crianças
tinham entre 5 e 10 anos de idade no início dos abusos 36.
78
Para que o desenvolvimento da criança aconteça, é importante que a mãe ou a
figura materna reconheça o grau de dependência e se adapte, de forma a atender
suas necessidades. Quanto maior for seu grau de dependência para como adulto
na fase da experiência traumática, maior será o impacto dos acontecimentos sobre
ela.6
A mãe de B., não reconheceu o grau de dependência no sentido de
proporcionar o cuidado necessário a fim de garantir seu pleno desenvolvimento.
Esta a levava para passar as tardes sob a guarda do padrinho (tio avô) o qual já
sabia ser sedutor de jovens, uma vez que afirmou à filha posteriormente, também
ter sido abordada por ele. Na ocasião enfatizou o fato de não ter cedido à sedução
dele. Esta afirmação sugeriu à B. que deveria ter feito o mesmo, e que, portanto era
a responsável pelo abuso.
Além de ter sido exposta a situação de perigo iminente aos seis anos, foi
oferecida desde o nascimento, para ser batizada pelo perpetrador. Podemos
também apontar que as mudanças de comportamento apresentadas pela paciente
na época do abuso, como isolamento e agressividade para com o padrinho, não
foram
suficientes,
aparentemente
para
causar
qualquer
desconforto
ou
preocupação à mãe.
O pai trabalhava no exterior e pouco vinha para casa. O padrinho ocupava o
lugar do pai. A maioria dos abusos contra crianças e adolescentes ocorre no
ambiente familiar, realizados por pessoas próximas e que desempenham o papel de
cuidador delas.
36
É denominado intrafamiliar ou incestuoso, mesmo não havendo
laços consangüíneos.
11
Nestes casos a vítima oferece pouca resistência porque a
criança é ensinada a desconfiar de estranhos e a ser obediente aos adultos
conhecidos. 36
A definição de abuso sexual inclui a interação cuja vítima esteja sendo usada
para estimulação sexual do perpetrador através de contato físico como toques,
carícias, sexo oral ou relações com penetração (digital, genital ou anal) ou sem
contato físico, tais como voyeurismo, assédio e exibicionismo.
36
O tipo de abuso
que B. lidou tinha uma certa configuração: A fase da sedução, onde o padrinho se
valia de seu papel para acuá-la, acontecia frente a frente. O perpetrador manipulava
79
a situação até imobilizá-la pela confusão de e sentimentos: o que ele representava,
o que era carinho, se era certo desobedecer. A mãe a deixava sob seus cuidados,
ele tinha um prestígio na família, ela não tinha escolha, não tinha como dizer “não” e
esta interação provocava excitação sexual. E quando iniciava a interação sexual
propriamente dita a colocava de costas para ele.
Na síndrome da adição a criança preenche o pólo passivo, coisificada e pronta
para ser consumida proporcionando excitação sexual e alívio da tensão ao
perpetrador.
36
Um objeto de um jogo perverso o qual coloca a sexualidade a
serviço de necessidades não somente sexuais, deixando marcas profundas no
psiquismo das vítimas.
39
As crianças que sofreram abuso sexual afirmam não
terem sido favoráveis à situação, buscavam evitá-la ou manifestavam falta de
compreensão para com a experiência. 36
A mãe é a pessoa mais procurada para a busca de ajuda
36
. O fato de B. ter
buscado ajuda junto à mãe, não significou o término da violência. A inversão de
papéis vítima-sedutor promovida pelo adulto a quem recorre acrescenta sofrimento
à dor do descrédito à violência física e moral
39
. De fato, novamente, não foi
reconhecido seu grau de vulnerabilidade e dependência aos seis anos de idade,
quando a mãe manda a filha falar para o padrinho-perpetrador parar com o abuso
sexual. Também não foi perguntado sobre os detalhes do abuso, não aconteceu a
notificação para a polícia ou nenhum outro movimento que demonstrasse que o ato
do padrinho era criminoso. Também não aconteceu nenhum fato que demonstrasse
que B. era a vítima.
A ‘Síndrome do segredo’ é mantida pela família incestuosa para manter o
status quo existente à custa de ameaças e barganhas à criança
36,39
. A vítima tende
a se calar por sentir culpa pela participação na interação sexual, por se sentir
responsável pelo abuso, por sentir forte apego pelo abusador, por medo das
conseqüências e da desintegração da familiar.38 A criança é vítima e testemunha do
abuso sexual cujas conseqüências poderão ser tão ou mais intensas que o próprio
abuso, o que gera mais angústia.
39
Até no momento da morte do padrinho perpetrador , quando B. tinha 25 anos,
ela não se sentia autorizada a falar sobre o assunto, manteve algumas conversas
80
sobre o abuso com uma prima e com três namorados. Em sua família o assunto
continua em segredo. O que a motiva a mantê-lo é o fato de a mãe ter depressão
há 20 anos e o pai também com episódios de desmaios. Teme pela saúde dos pais,
por causar um problema importante na vida familiar e pela possibilidade de
dissolução da família. Sua mãe muitas vezes enfatizou a importância do silêncio
como fator mantenedor da estabilidade de seu papel no seio familiar. Geralmente,
os filhos percebem as mães como não afetivas e não protetoras de si mesmas,
deles e com características de grande dependência. 31
O irmão de B., dois anos mais velho, reside em outro país. Ele sabe do abuso
e também mantém o segredo. A paciente manifesta inconformidade com o silêncio
ao qual foi submetida na época. Afirma que o perpetrador fez outras vítimas na
família.
As experiências na infância são armazenadas de forma a organizar confiança
no ambiente ou, ao contrário, a dificultar a construção da mesma.
6
As vítimas de
abuso sexual apresentam alterações na percepção quanto à confiança interpessoal.
A base para a consolidação do processo de vinculação saudável, baseado no afeto
e na confiança, é rompida devido à violência. 36
O prazer e a excitação que as crianças possam vir a experimentar na interação
com o perpetrador, contribui para sentimentos contraditórios, aliados à dor e à
angústia. Acreditam serem culpadas pelo abuso e tendem a pensar que são ruins e
diferentes das outras crianças, repercutindo negativamente na auto-estima. 39
O impacto negativo do abuso sexual para o desenvolvimento cognitivo, social,
físico e afetivo é demonstrado por vários estudos. Depressão, transtornos de:
ansiedade, alimentares, dissociativos, de hiperatividade, e déficit de atenção, de
aprendizagem, comportamentais, de personalidade borderline, fóbicos, ideação
paranóide, entre outros, são descritos pelos autores. 36, 37
Estima-se que entre 85% a 90% dos pacientes com problemas psiquiátricos
foram vítimas de maus-tratos na infância, com predominância do abuso sexual. As
repercussões na saúde mental de crianças que sofreram abuso antes dos treze
anos são duradouras. 37
81
O desempenho sexual depende da integração dos níveis biológicos,
psicológico e social. 11 O corpo é um processo biológico enriquecido de experiências
do vivido. 16
O quadro psíquico da paciente demonstra ser complexo, apresentando
disfunções sexuais ao longo da vida, repercutindo no prognóstico e no tratamento.
A resposta sexual da paciente apresenta-se com prejuízo no desenvolvimento do
ciclo e, conseqüentemente na satisfação sexual.
As impressões diagnósticas do presente estudo indicam que a paciente
apresenta: Vaginismo F52. 5, Transtorno Orgásmico Feminino F52. 3 e Estado de
Estresse Pós-traumático F 43.1.
Esta classificação, apesar de apontar a origem psicogênica, é restrita quanto à
definição, deixando margem a diferentes interpretações, conforme o caso clínico. O
aspecto em “... a entrada do pênis é impossível ou dolorosa” confirma que pode
ocorrer a entrada do pênis e que esta acontece com dor. A dor está prevista no
vaginismo e, portanto não precisa ser referida como dispareunia. Esta classificação
não inclui a dificuldade interpessoal que promove, entre outros aspectos que
influenciam e são influenciados pela experiência.
O DSM-IV- Manual de Diagnóstico e Estatística, em sua quarta edição
(APA,2000) apresenta-se mais abrangente, inclui a interferência de espasmo no
intercurso sexual, coloca sobre o sofrimento ou dificuldade interpessoal e direciona
na exclusão de outras perturbações, porém não esclarece a questão da dor.
Com tantas questões relevantes que compõe a história da paciente, onde os
sintomas
se
interconectam
apresentando
uma
teia
de
acontecimentos,
experiências, circunstâncias, interpretações, escolhas, esquivas, que torna difícil a
tarefa de reconhecer e organizar todos os aspectos segundo a definição proposta
pela classificação internacional de doenças, demonstrando que muito precisa ser
compreendido sobre este fenômeno.
Sabe-se que o vaginismo está associado à violência sexual na infância e a
fortes tabus religiosos 11. Além de ter sofrido abuso sexual, a mãe de B. condenava
toda demonstração de afeto e de desejo sexual. Freqüentemente usava expressões
como “...sexo é coisa de animal...”, “...quem gosta disso é puta, vadia, vagabunda...”
82
(SIC). Por várias vezes chamou B. por estes nomes. O valor das aprendizagens em
família na etiologia também deve ser enfatizado, tais como: homem não oferece
segurança e são ameaçadores, a expressão dos sentimentos não é tolerada,
intercurso sexual é ruim, mas o homem precisa e a mulher é obrigada.
31
As pacientes com vaginismo são geralmente fóbicas à penetração vaginal,
porém sexualmente responsivas
28
. Esta disfunção refere-se a uma tentativa de
proteção contra a possível fusão ou destruição pela representação paterna, como
uma prevenção contra invasões de limites e manutenção da integridade de seu
corpo e de seu self. 31
A escolha do parceiro sofre a influência da internalização do relacionamento
com o sexo do perpetrador, tendendo escolher parceiros com características de
agressividade passiva (63,6%). B. enfatiza ser primordial que seu parceiro seja
passivo e colaborador. Refere preferir homem do tipo fraco e manipulável em
detrimento a homens experientes e decididos pelo fato destes serem pouco
pacientes, exigentes e apresentarem tendência à dominação. Tais características
influenciam suas escolhas. O fato de imaginar um contato sexual mais íntimo com
um homem que apresente características de dominação, a paciente refere aumento
de ansiedade e de angústia. Não se sentir no controle do encontro é fator
predisponente e mantenedor de tais sintomas.
A questão da capacidade de confiar em alguém é especialmente importante
de ser investigada, principalmente em pessoas do mesmo gênero que o perpetrador
26
. B. apresenta tendência de controlar as situações, de ser autoritária e exigente
consigo e com o outro. Refere não confiar nas pessoas. Ao mesmo tempo coloca
possuir uma ‘falsa força’. Percebe-se confusa, insegura, sensível, envergonhada e
frágil. Coloca como um obstáculo em seus relacionamentos a dificuldade de falar
‘não’. Refere sentir-se confusa quanto ao que é apropriado e ao que não é
apropriado.
A manutenção de um relacionamento afetivo-sexual para a mulher com
vaginismo pode resultar numa experiência devastadora para si mesmo e para o
parceiro. Depende também da dor que a penetração pode ocasionar para ambos, a
reação à disfunção da mulher, à vulnerabilidade psicológica e sexual do parceiro e
83
ao desenvolvimento de impotência secundária ou de outros sintomas e a reação da
mulher frente aos acontecimentos e reações do parceiro
28
. B. experimenta
dificuldades quanto à manutenção de seu relacionamento com o parceiro a ponto
de terminarem o relacionamento por se sentirem exauridos e frustrados. A
necessidade em controlar e a tendência à dominação não se restringem ao
encontro sexual.
O impacto do abuso sexual depende de fatores combinados e envolve
mudanças no comportamento. Tais fatos dependem da existência de fatores de
risco do funcionamento familiar, a forma do abuso, a idade de maturação do
abusado, a duração e a freqüência, os recursos emocionais dos cuidadores, o
acesso ao tratamento, os recursos sociais, a rede de apoio social e afetiva, a
reação dos outros (família, par, amigos), a responsabilidade pelo abuso, as
conseqüências para a família, a reação do indivíduo após o evento traumático e
com o tempo .36, 50
Crianças vítimas de abuso sexual apresentam relativa vulnerabilidade para o
desenvolvimento neuropsicológico, sendo o transtorno do estresse pós-traumático a
psicopatologia decorrente mais citada . 36
O reconhecimento do quadro de transtorno do estresse pós-traumático é
importante tanto pelo comprometimento como pela prevalência.
47
A sintomatologia do transtorno do estresse pós-traumático pode ser dividida
em três grupos: hiperexcitabilidade psíquica, reexperiência traumática e esquiva e
distanciamento. 49
A paciente apresenta hiperexcitabilidade psíquica que envolve hipervigilância
associada ao controle do ambiente e das interações relacionais, respostas
exageradas de sobressalto e generalização do medo. Estes sintomas são
apresentados pela paciente de forma recorrente, passando do estímulo para a ação
sem modular as respostas apropriadamente para o contexto. Pode-se ressaltar que
seu estado de hipervigilância está associado à possibilidade de controlar os
ambientes e as interações relacionais. Desta forma, o encontro sexual passa
também por este critério. O desenvolvimento de miopia, posteriormente catarata e
descolamento de retina sugerem estar associados ao quadro de hipervigilância.
84
Com relação a reexperiência traumática vivenciada pela paciente, as lembranças
apresentam-se de forma fixa, carregadas de componente emocional e afetivo, com
sofrimento e angústia. Há estímulos associados (fragmentos sensoriais) os quais
reativam as memórias com semelhança (nitidez e intensidade) ao evento
traumático. Quando as lembranças aparecem, não são facilmente interrompidas. A
paciente utiliza-se de esquiva e distanciamento aos estímulos associados
(ambiente, perfil de personalidade do homem, posição sexual, temas de conversas,
entre outros) às lembranças que possam provocar o aparecimento de sintomas
intrusivos, potencializando o comportamento de esquiva em sua vida.
Há uma seqüência de ações e reações do homem frente a situações
excessivas, de extrema ameaça. Inicia com alguma situação que o deixa ansioso,
sem perspectiva momentânea de alívio e em seguida, passa a fazer movimentos
violentos e desordenados. Ao ficar exposto à mesma situação por um período
prolongado, pode até deixar de movimentar-se e a entrar num estado de
imobilidade
e
passividade
45
.
A
experiência
emocional
humana
mostra
homogeneidade racial e geográfica quanto à evocação do medo e da ansiedade 46.
Pode ser chamada de síndrome geral de adaptação com três fases sucessivas
chamadas de alarme, resistência e exaustão
47,48
. Envolve a homeostase e a
adaptação do meio corporal interno e a adaptação do organismo às mudanças
externas. O cérebro está com a atividade alterada no envolvimento com o evento
traumático 48. A idade pode influenciar no tipo de resposta e sintomatologia assim, a
resposta inicial de hiperativação como forma de preparação para a “fuga ou luta”
pode aparecer de forma menos amadurecida em crianças.40
Figura 12. O corpo da experiência do estresse pós-traumático. 1
85
Figura 13. Somagramas da paciente ao reexperienciar a cena traumática de forma assistida
em sessão de psicoterapia.
A
B
No somagrama A, a paciente escreve: ‘Expande o pulmão com ar dentro,
estômago contrai, postura de defesa, vagina contrai, pernas e braços não sinto, a
cabeça fica sem pensamento, olhar vigilante, contrai a garganta, mas a voz não
sai’. A fixação de certa configuração dos estágios do continuum do susto podem ser
verificadas uma vez que a posição inicial figura 2A refere aspectos descritos nos
critérios apontados pelo autor do esquema descrito na figura 1, tais como:
expansão, voltar sua atenção para o ambiente, tornar-se mais sólida, enrijecer
frente à grande excitação interna. Esta intensificação da forma corporal ajuda na
investigação e promove a asserção sobre o acontecimento. A resposta de susto
inicia com alterações na parte superior do corpo, com rigidez da espinha,
rebaixamento do diafragma, abertura das vias aéreas e represamento dos pulmões,
com a extensão para isolar o estímulo e focalizá-lo, mantê-lo sob vigilância, como
uma postura de proteção. 1
Ao reviver a cena traumática e expressá-la no somagrama B, a paciente
apresentou expressão emocional intensa com as sensações vívidas, sem estrutura
narrativa. No final comenta “...desenhei-me pequena porque era assim que eu me
86
sentia.”. A configuração do somagrama 2B aponta semelhança com a posição da
segunda metade do continuum do susto que envolve os seguintes aspectos: não se
move e não cede, tende a permanecer fora do contato com resposta de choro, o
movimento do organismo é o de tornar-se menor, mais líquido e as mãos aparecem
como inativas denotando submissão. 1
As memórias traumáticas hipocampo-dependentes apresentam estrutura
narrativa, são verbalmente acessíveis e geralmente apresentam
expressão
emocional e sensoriais menos intensas. Ao passo que as memórias traumáticas
hipocampo não dependentes, apresentam expressão emocional intensa e
sensações vívidas com pouca interface de comunicação, sem estrutura narrativa e
situacionalmente acessíveis
60, 61
. Estes estudos sugerem uma possível semelhança
com os conteúdos dos somagramas A e B.
A abordagem psicoterapêutica e médica tem se mostrado ideal para no
tratamento das disfunções sexuais femininas, ainda mais quando a parceria é
incluída neste processo. O contexto no qual a mulher experimentou sua sexualidade
é tão importante quanto sua fisiologia, e esta integração é essencial para orientar o
tratamento e a terapia medicamentosa
35
. O principal obstáculo para o tratamento
do vaginismo é o padrão fóbico da paciente, tornando o medo da cura maior que
seu sofrimento físico e psicológico. 28
Futuras pesquisas poderão contribuir para o estudo dos aspectos envolvidos
na etiologia e na manutenção dos transtornos da dor sexual que interferem
negativamente na receptividade sexual feminina.
87
8 CONCLUSÕES
A partir da revisão de literatura e do estudo de caso relatado, pode-se afirmar
que o presente tema apresenta aspectos que potencializam a reflexão.
A revisão de literatura proporcionou uma ampla pesquisa a partir de estudos
sobre abuso sexual na infância e de suas conseqüências para o desenvolvimento
afetivo e social da vítima. Dentre as psicopatologias associadas, o estresse agudo e
o transtorno do estresse pós-traumático foram as mais citadas.
Estes dados conduziram o presente estudo a pesquisas e revisões
bibliográficas sobre o transtorno do estresse pós-traumático os quais apresentaram
aspectos semelhantes, contudo sob diferentes perspectivas. Tais aspectos
interconectados influenciaram a reflexão e, concomitantemente, na investigação do
estudo de caso.
88
A fixação de um padrão de respostas apresentadas no transtorno do estresse
pós-traumático tornou-se relevante devido à sua conexão com o transtorno da dor
sexual através das memórias traumáticas hipocampo não-dependentes e pela
interferência negativa na receptividade sexual feminina.
No que diz respeito aos fatores envolvidos na etiologia do transtorno da dor
sexual não devido a uma condição médica, o relato de caso constituiu-se numa
consolidação de diversos indicadores que confirmaram a hipótese de que o abuso
sexual na infância pode desencadear situações de estresse agudo e de estresse
pós-traumático, com fragmentação da experiência e da memória traumática,
contribuindo na gênese do vaginismo e da dispareunia.
ANEXO
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE MEDICINA
ESPECIALIZAÇÃO EM SEXUALIDADE HUMANA PELO INSTITUTO DE
PSIQUIATRIA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidada para participar, como voluntária, em uma pesquisa (estudo de
caso). Após ser esclarecida sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo,
assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do
pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será penalizada de forma alguma. Em caso
de dúvida você pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da USP.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto:
Memórias traumáticas fragmentadas: estudo sobre as relações entre os
transtornos da dor sexual e o transtorno do estresse pós-traumático.
Pesquisador Responsável: Salete Cortez Astolfo
Telefone para contato (inclusive ligações a cobrar): (011) 3421-xxxx e 9914-xxxx
Orientador: Giancarlo Spizzirri

Descrição da pesquisa, objetivos, detalhamento dos procedimentos, forma de
acompanhamento:
89
O presente estudo tem como objetivo estabelecer os aspectos e as congruências
da etiologia do vaginismo. Apresentar estas correlações através de um estudo de
caso. A hipótese apresentada é a de que o estresse pós-traumático decorrente do
abuso sexual é um fator de risco para a ocorrência de transtorno da dor sexual.
O período do relato de caso será sobre seis meses de psicoterapia, garantido o
sigilo sobre o nome ou qualquer aspecto que possa expor sua identidade. Também
é de direito retirar o consentimento a qualquer tempo sem qualquer prejuízo da
continuidade do acompanhamento psicoterápico.
 O benefício deste estudo de caso:
1- Ampliar o estudo sobre os transtornos da dor sexual.
2- Correlacionar sua etiologia ao diagnóstico de estresse pós-traumático.
Salete Cortez Astolfo
CRP 06/32622-4
1
2
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