Medicamentos Similares e Genéricos: Biodisponibilidade Relativa e

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Medicamentos Similares e Genéricos: Biodisponibilidade Relativa
e Contexto Regulatório do Cenário Brasileiro Atual
Natália Patrícia Batista Torres, Farmacêutica pela Universidade Federal de Minas Gerais,
Especialização em Vigilância Sanitária pela Universidade Católica de Goiás/IFAR. E-mail:
[email protected]
Izabela Nunes Chinchila, Orientadora, Farmacêutica industrial pela Universidade Federal de Minas
Gerais, Especialista em Análise de Registro de Medicamentos pela Universidade Franciscana –
UNIFRA, Brasil. Especialista em Vigilância Sanitária e Epidemiológica pela Universidade de Ribeirão
Preto – UNAERP, Brasil. Especialista en Regulación Sanitaria Mexicana pela Universidad
Intercontinental, México. E-mail: [email protected]
RESUMO
O presente trabalho é uma revisão sobre a situação dos medicamentos genéricos e similares no Brasil
no que diz respeito aos estudos de biodisponibilidade relativa/bioequivalência e ao crescimento do
mercado de genéricos. Analisou-se a evolução histórica, os marcos regulatórios dos últimos anos e
suas consequências no que se refere ao mercado e à saúde pública. Questionou-se a importância de
uma discussão acerca da intercambialidade entre genéricos e sobre os limites de aceitação exigidos nos
estudos de biodisponibilidade relativa de alguns medicamentos de índice terapêutico estreito.
Constatou-se que apesar da evolução já alcançada ainda há muito que se fazer, principalmente no que
se refere à intercambialidade dos genéricos e similares entre si. Sugeriu-se também que a faixa de
aceitação dos medicamentos de índice terapêutico estreito seja reduzida.
Palavras-chave:
Bioequivalência.
Genéricos.
Similares.
Biodisponibildade
Relativa.
Intercambialidade.
ABSTRACT
This paper is a review about the situation of generic and similar drugs in Brazil with regard to relative
bioavailability / bioequivalence and growth of the generics market. It presents the historical evolution
of the drug such as its legal landmarks and its consequences related to market and public healthy.
Besides that, the importance of interchangeability between generic medicines was discussed. Concerns
about the acceptance limits for narrow therapeutic index drug bioequivalence were also made. It was
found that despite the progress already achieved much remains to be done, especially regarding the
interchangeability of generic and similar. It was also suggested that the acceptable range of drugs
narrow therapeutic index is reduced.
Keywords: Generics. Similar drugs. Interchangeability. Bioavailability. Bioequivalence.
1 INTRODUÇÃO
Em 1971, foi promulgada no Brasil a Lei nº 5772, que instituía o Código da
Propriedade Industrial, e declarava que os medicamentos eram insumos não passíveis de
patenteamento. A partir disso, qualquer substância ativa descoberta podia ser copiada por
similaridade. Tal fato levou à inserção dos medicamentos similares no Brasil, satisfazendo a
necessidade da população de medicamentos a preços mais acessíveis. Em 1976, foi
promulgada a Lei nº 6360 que assegurava o registro de medicamentos similares a outros já
registrados desde que satisfizessem as exigências estabelecidas. Essas exigências consistiam
apenas em comprovar que o medicamento similar possuía o mesmo princípio ativo, com a
mesma indicação terapêutica, nas mesmas concentrações, forma farmacêutica e via de
administração que o medicamento inovador, já que naquela época ainda não existia o conceito
de medicamento referência (BRASIL, 1971, 1976; FERNANDES et al., 2011).
Houve, nas últimas décadas, um enorme crescimento no registro de medicamentos
similares, diante das exigências pouco rígidas que eram feitas até alguns anos atrás (GEYER,
2006). Muito comum até hoje é a prática da bonificação por parte dos laboratórios produtores
de similares (venda de dois pelo preço de um) e a “empurroterapia” por parte das farmácias,
visto que a margem de lucro para esses medicamentos é muito maior que para os demais
(FERNANDES et al., 2011). Um estudo realizado por Barberato e colaboradores, nas cidades
de Campinas e Sorocaba, demonstrou que a margem de lucro de medicamentos similares pode
chegar a 236%, fator determinante para que os proprietários de farmácia estimulem mais a
venda dessa categoria em relação aos genéricos e de referência (BARBERATO et al., 2007).
A Lei nº 9787 de 1999 instituiu o medicamento genérico e trouxe consigo os seguintes
conceitos:
Medicamento de referência – produto inovador registrado no órgão federal
responsável pela vigilância sanitária e comercializado no País, cuja eficácia,
segurança e qualidade foram comprovadas cientificamente junto ao órgão federal
competente, por ocasião do registro;
Medicamento genérico – medicamento similar a um produto de referência ou
inovador, que se pretende ser com este intercambiável, geralmente produzido após a
expiração ou renúncia da proteção patentária ou de outros direitos de exclusividade,
comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade, e designado pela DCB
(Denominação Comum Brasileira) ou, na sua ausência, pela DCI (Denominação
Comum Internacional);
Medicamento Similar – aquele que contém o mesmo ou os mesmos princípios
ativos, apresenta a mesma concentração, forma farmacêutica, via de administração,
posologia e indicação terapêutica, preventiva ou diagnóstica, do medicamento de
referência registrado no órgão federal responsável pela vigilância sanitária, podendo
diferir somente em características relativas ao tamanho e forma do produto, prazo de
validade, embalagem, rotulagem, excipientes e veículos, devendo sempre ser
identificado por nome comercial ou marca (BRASIL, 1999).
Com a Lei 9787/1999, o advento dos medicamentos genéricos no Brasil trouxe
consigo uma legislação altamente exigente para garantir sua intercambialidade com o
medicamento referência, garantindo assim a tríade segurança, eficácia e qualidade para a nova
classe de medicamentos. Intercambialidade é um termo usado em engenharia para a troca de
um produto original por outro fabricado por um concorrente, desde que atenda às mesmas
especificações técnicas e tenha o mesmo desempenho. Em farmacologia, indica a
possibilidade de substituição de um medicamento por outro, equivalente terapêutico ao
receitado pelo prescritor (RUMEL, 2006).
Essa nova regra levou a uma revisão das exigências de registro de similares, passando
a serem cobrados os testes de equivalência farmacêutica e biodisponibilidade relativa também
para essa categoria regulatória, a partir da RDC 133/2003, além dos genéricos, que já eram
obrigados a apresentar estes testes na submissão do registro desde sua criação em 1999. Para
os medicamentos similares já comercializados, foi elaborada a resolução 134/03, que dispõe
sobre a adequação dos medicamentos já registrados. Essa norma fixou que até a data de
vencimento da segunda renovação, todos os similares devem ter comprovado serem
bioequivalentes com o medicamento de referência, ou seja, até o fim de 2013 (FERNANDES
et al., 2011; RUMEL et al., 2006; BRASIL, 2003a; BRASIL, 2003b).
Tendo em vista que um medicamento de referência pode ter dezenas de genéricos e
similares, a intercambialidade entre eles é um assunto de suma relevância, para que seja feita
de forma segura e o tratamento leve aos resultados terapêuticos desejados (LOPES et al.,
2010).
O objetivo deste trabalho é discorrer sobre a situação atual relacionada a
intercambialidade de medicamentos genéricos e similares. A partir disso, pretende-se analisar
se é realmente possível haver também a intercambialidade entre medicamentos genéricos e
entre medicamentos similares quando se tratam de produtos que apresentam índice terapêutico
estreito.
2 METODOLOGIA DA PESQUISA
Para a construção desse trabalho de revisão bibliográfica, foram selecionados livros,
artigos e leis tendo como descritor de busca “intercambialidade”, “medicamentos similares”,
“medicamentos genéricos”, “bioequivalência” e “biodisponibilidade relativa”. Os artigos
foram pesquisados na base de dados da Bireme, por meio dos serviços da Medline, Scielo e
Lilacs, no portal de periódicos CAPES, Pubmed, além de pesquisas em sítios eletrônicos.
3 DISCUSSÃO
De acordo com dados divulgados pela Gerência Geral de Medicamentos (GGMED) da
ANVISA, e como se pode observar no Gráfico 1, no ano 2000 existiam no mercado brasileiro
62 fármacos, 137 genéricos e 758 apresentações registradas. Em 2011 esses números saltaram
para 390 fármacos, 3236 genéricos e 18562 apresentações (BARBANO, 2012). Após 12 anos
da implantação dos genéricos no Brasil eles já respondem por mais de 20% das vendas em
unidades (FERNANDES et al., 2011). Além disso, o segmento dos genéricos cresceu 21% de
janeiro a maio de 2012, registrando 264 milhões de unidades comercializadas, alcançando a
marca recorde de 26% de participação de mercado e com previsão de chegar a 30% até o final
do ano (VALÉCIO, 2012). Em países como Espanha, França, Alemanha, Estados Unidos e
nos do Reino Unido, onde o mercado de genéricos se encontra mais maduro, a participação
desses medicamentos é de 30%, 35% e 60% respectivamente às três últimas referências
(FERNANDES et al., 2011).
20000
18000
16000
Numero de fármacos
registrados
14000
12000
Numeros de genericos
registrados
10000
8000
Numero de apresentaçoes
registradas
6000
4000
2000
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Gráfico 1: Crescimento no registro de medicamentos genéricos
Fonte: GGMED-ANVISA
Com essa enorme gama de opções no mercado, os profissionais prescritores têm
dificultada sua escolha quanto ao melhor tratamento para o paciente. Os profissionais de
saúde não são preparados na vida acadêmica para diagnosticarem a necessidade terapêutica do
paciente para associarem os medicamentos de melhor custo/benefício (RUMEL et al., 2006).
A aprovação de um medicamento pela ANVISA baseia-se na tríade: segurança,
eficácia e qualidade (RUMEL et. al., 2006). Com a criação do medicamento genérico pela Lei
9787/99, veio uma série de exigências bastante rígidas para garantir que essa classe de
medicamentos fosse intercambiável com os medicamentos de referência já existentes no
mercado. Para que um genérico possa substituir um medicamento de referência ele precisa
comprovar sua equivalência terapêutica e biodisponibilidade relativa (BRASIL, 1999).
A equivalência farmacêutica entre dois medicamentos relaciona-se à comprovação de
que ambos contêm o mesmo fármaco (mesma base, sal ou éster da mesma molécula
terapeuticamente ativa), na mesma dosagem e forma farmacêutica, o que pode ser avaliado
por meio de testes in vitro (STORPIRTIS et al., 2004).
Já a biodisponibilidade relativa é definida pela RDC 17/2007, que dispõe sobre o
registro de medicamentos similares, como o quociente da quantidade e velocidade de
princípio ativo que chega à circulação sistêmica a partir da administração extravascular de um
preparado e a quantidade e velocidade de princípio ativo que chega à circulação sistêmica a
partir da administração extravascular de um produto de referência que contenha o mesmo
princípio ativo (BRASIL, 2007b). Portanto, o estudo de biodisponibilidade relativa consiste
na demonstração de que os parâmetros farmacocinéticos do medicamento genérico e seu
respectivo medicamento de referência estão contidos no intervalo de confiança de 90%
(IC90%) dentro do limite de 80% a 125%. Isto significa que para serem aceitos como
bioequivalentes, os valores extremos do intervalo de confiança de 90% para a razão das
médias geométricas ASCteste/ASCRef (Área sob a curva do teste/Área sob a curva do
referência) e as Cmáx teste/Cmáx Ref (Concentração máxima do teste/Concentração máxima
do Referência) devem ser > 0,8 e < 1,25 (YACUBIAN, 2007).
Porém, para certos medicamentos, pequenos ajustes de dosagem podem afetar a
eficácia ou implicar em toxicidade do produto, o que nos leva a questionar se a margem
estabelecida não deveria ser um pouco mais estreita, garantindo assim uma uniformidade
maior entre os produtos, ou ainda que houvesse margem diferenciada para determinados tipos
de medicamentos. O Health Canada, departamento do governo do Canadá, com
responsabilidade pela saúde pública nacional, por exemplo, reduziu a margem de variação
aceitável nos estudos de bioequivalência dos medicamentos de janela terapêutica estreita.
Além disso, o teste de biodisponibilidade relativa só garante a intercambialidade entre o
genérico/similar e o de referência, não garantindo que dois similares, por exemplo, serão
intercambiáveis entre si (RUMEL et al., 2006).
Para que sejam equivalentes farmacêuticos, a RDC 16 de 2007, que dispõe sobre o
registro de genéricos, diz que os excipientes podem ou não ser idênticos ao medicamento de
referência (BRASIL, 2007a). Portanto, dois produtos podem ser considerados bioequivalentes
mesmo possuindo formulações diferentes em relação à composição qualitativa e quantitativa
dos excipientes. Componentes como amido e outros desintegrantes costumam favorecer a
dissolução, porém, outros como talco e estearato de magnésio, que atuam como lubrificante e
deslizante respectivamente, dificultam a dissolução e não devem ser adicionados em grandes
quantidades. Mesmo que duas formulações sejam consideradas equivalentes farmacêuticas no
teste in vitro, elas podem ser reprovadas no teste in vivo, representado pela bioequivalência,
devido às características de absorção do fármaco ou ao planejamento do estudo de
bioequivalência (STORPIRTIS et al., 2004).
Como os excipientes da formulação genérica não tem que ser os mesmos da
formulação de referência e nos testes de bioequivalência o medicamento é administrado em
uma única dose, muitos especialistas questionam se estes compostos inertes podem afetar a
distribuição, metabolismo ou absorção quando ocorre a administração de múltiplas doses, ou
se as concentrações séricas podem ser maiores que o de referência (LEWEK, 2010).
Quando os genéricos são aprovados no teste de bioequivalência só é comprovada a
intercambialidade entre o genérico de determinada empresa e fabricado sob determinadas
condições em um determinado local de fabricação, com o medicamento de referência. Não se
pode dizer que há intercambialidade entre dois genéricos, podendo haver divergência na
eficácia terapêutica ou ainda ocorrer eventos adversos em alguns pacientes. Geralmente, a
prescrição por nome genérico não assegura que o tratamento terá continuidade sempre com o
mesmo produto. Nas compras em hospitais públicos, que ocorrem de acordo com o menor
preço, deveria haver uma política de aviso aos fornecedores para que mantenham um estoque
estratégico de alguns produtos para pacientes crônicos, evitando problemas que possam ser
atribuídos à intercambialidade. Nos hospitais psiquiátricos, por exemplo, essa seria uma
medida muito válida (RUMEL et al., 2006).
O ponto crítico dessa questão é que não se pode afirmar que existe intercambialidade
entre dois medicamentos genéricos ou similares. Os pacientes não são orientados a utilizarem
sempre um genérico do mesmo laboratório, na maioria das vezes substituindo por um
genérico de outro laboratório e até mesmo por um similar (LOPES, 2010).
A Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos realizou em 2004
uma pesquisa com uma amostra de 900 consumidores de quatro capitais brasileiras e os
resultados indicaram que 30% dos consumidores não sabiam o que era medicamento similar e
78% não sabia o que era medicamento referência. Revelou também que 88% dos
consumidores optam pelo preço mais baixo e 76% respeita a prescrição. Apenas 19% citaram
o genérico como primeira escolha e 12% escolhem segundo a opção do balconista ou
farmacêutico (RUMEL et al., 2006).
Lopes (2010) realizou um estudo de metanálise comparando dados dos estudos de
bioequivalência de medicamentos contendo hidroclorotiazida e enalapril. Foram feitas as três
possibilidades de combinação entre três estudos de hidroclorotiazida, sendo que uma delas
demonstrou que não poderia haver intercambialidade. Já com o enalapril oito estudos foram
selecionados gerando 28 combinações das quais quatorze não foram intercambiáveis entre si.
Esses dados mostram que este assunto merece especial atenção, pois os anti-hipertensivos são
usados por uma parcela bastante expressiva da população brasileira, na maioria das vezes
mais idosa e que já fazem uso de outros medicamentos. Além disso, apenas para os dois
princípios ativos selecionados para o estudo mencionado acima, foram encontradas no
mercado 59 produtos diferentes, boa parte disponibilizada no Programa Aqui Tem Farmácia
Popular. Considerando que são medicamentos de uso contínuo, a determinação da
intercambialidade entre estes medicamentos seria de grande importância do ponto de vista
clínico (LOPES, 2010).
Algumas drogas possuem a peculiaridade de ter um índice terapêutico estreito (ITE),
ou seja, a diferença entre a concentração tóxica mínima difere menos de duas vezes da
concentração eficaz mínima. Não se encontram muitas publicações que tratem da
bioequivalência para esses medicamentos, mas autoridades como a European Commission e a
World Health Organization and Therapeutic Goods Administration da Austrália dizem que a
faixa de aceitação deve ser reduzida para os estudos de bioequivalência dessas drogas
(WARD, 2011).
Membros da American Association of Clinical Endocrinologists (AACE), da
American Thyroid Association (ATA) e da The Endocrine Society (TES) fizeram um
levantamento de dados a partir de informações geradas em observações clínicas ligadas a
efeitos adversos ou disponibilidade de produtos para os médicos que tinham pacientes em uso
de levotiroxina. Foram relatados 198 casos de efeitos adversos, dos quais 89,4% estavam
relacionados à troca do produto prescrito. Em 91,6% dos casos, a troca havia sido feita pela
farmácia sem o conhecimento do médico. Cinquenta e quatro casos (27,3% dos efeitos
adversos reportados) de efeitos graves, como arritmias, isquemia miocárdica e fraturas
osteoporóticas, foram relatados e 96,3% deles estavam associados à troca do preparado
prescrito de levotiroxina por outro. A substituição mais frequente foi a do produto de marca
por um genérico (HENNESSEY et al., 2010)
Em julho de 2011, o Comitê Consultivo para a Ciência Farmacêutica e Farmacologia
Clínica do FDA (Food and Drugs Administration) fez algumas recomendações com novas
definições para as drogas ITE, novos parâmetros para os ensaios de potência e novos
desenhos de estudo para drogas como a levotiroxina. Como ainda existem dúvidas quanto à
intercambialidade das formulações de levotiroxina existentes, é recomendável que os médicos
aconselhem seus pacientes a evitarem a troca do medicamento em uso e sugere-se a dosagem
de TSH (Thyroid-Stimulating Hormone) seis semanas após qualquer mudança de formulação
(WARD, 2011). No Brasil ainda não se tem nenhuma postura semelhante, mas já é o
momento de a ANVISA atentar para uma mudança nos parâmetros exigidos para a aprovação
dos estudos de bioequivalência dessas drogas, evitando assim, impactos negativos na saúde
pública.
Um estudo realizado mediu tendências no comportamento de prescritores quando
ocorriam mudanças clínicas ao se intercambiarem medicamentos. Mais da metade dos
prescritores se declarou contra os genéricos. Para os neurologistas, quando os pacientes que
utilizavam o medicamento referência, os efeitos adversos relacionavam-se à história natural
da doença ou a não adesão ao tratamento, enquanto que para os pacientes que utilizavam o
genérico, as intercorrências foram atribuídas à troca (RUMEL et al., 2006).
Yacubian (2007) discutiu aspectos relacionados à biodisponibilidade e bioequivalência
de medicamentos genéricos no tratamento da epilepsia. As drogas antiepilépticas possuem
características que as tornam difíceis de serem substituídas, como índice terapêutico estreito,
pouca solubilidade e cinética não linear em água. Para essas drogas seria apropriado exigir
limites de bioequivalência mais estreitos. Além disso, o fato dos medicamentos dessa classe
serem bioequivalentes não significa que eles sejam intercambiáveis. A autora cita um fato que
ocorreu com duas formulações de fenitoína em que foi comprovada a bioequivalência em
indivíduos saudáveis, em jejum. Quando a mesma dose (100mg) foi administrada após uma
refeição rica em gorduras houve uma diferença de 13% na biodisponibilidade de uma em
relação à outra. Essa diferença levou a uma diminuição de 37% nas concentrações
plasmáticas, levando a uma queda dos níveis de fenitoína para valores abaixo do terapêutico
em 46% dos pacientes (YACUBIAN, 2007).
Um estudo envolvendo nove pacientes foi apresentado no Congresso Europeu de
Epilepsia, realizado na Finlândia em 2006. Foram apresentados os resultados de um estudo
farmacocinético de lamotrigina realizado na Dinamarca. Compararam-se os padrões
farmacocinéticos de formulações de lamotrigina de referência e genéricas. Os indivíduos
relatavam problemas quando havia substituição de formulações ou seus médicos suspeitavam
de sua existência devido à ocorrência de intoxicações ou falta de eficácia (evidenciada pela
ocorrência de crises epilépticas). Foram avaliados os parâmetros Cmáx, Cmín e a AUC (área
sob a curva) em amostras coletadas a cada 3 ou 4 horas durante 24 horas. Um paciente de 25
anos de idade com comprometimento neurológico e epilepsia com crises focais e
generalizadas e que fazia uso de lamotrigina na dose de 500 mg/dia em monoterapia
queixava-se que, após a substituição da formulação de referência por uma formulação
genérica, passou a apresentar maior instabilidade na marcha e quedas repetidas tendo
apresentado fratura de crânio e hematoma extradural consequentes a uma delas. Suspeitou-se
de ataxia decorrente da preparação com maior biodisponibilidade. Estudos farmacocinéticos
da formulação de referência e da mesma formulação genérica anteriormente administrada com
controle de níveis séricos após duas semanas mostraram que a formulação genérica
apresentou biodisponibilidade significativamente mais elevada. O diagnóstico clínico final foi
de ataxia induzida pela formulação genérica. É importante ressaltar que, naquele país, em
decorrência da demonstração das consequências graves de substituição das DAE (Drogas
Anti-Epilépticas), as autoridades governamentais aceitaram novos limites de bioequivalência
para DAE (90 a 110%) (YACUBIAN, 2007; NIELSEN, 2008). Mesmo com essa medida,
duas pessoas com epilepsia estiveram em situações de risco, sendo determinado que para os
pacientes com índice terapêutico individual estreito deveria manter-se a formulação original,
estando o farmacêutico terminantemente proibido de realizar a troca (GUILHOTO et al.,
2009).
Ainda relacionado aos anti-epilépticos, uma análise realizada no banco de dados de
notificações da farmácia pública de Ontário, no Canadá, no período de 2002 a 2006, revelou
que os pacientes usuários dessas drogas retornam mais aos medicamentos de referência do
que os usuários de outras classes de medicamentos. Foram observados também aumentos
consideráveis dos níveis séricos de lamotrigina após a substituição do medicamento de
referência pelo genérico. Outra constatação foi a de que a redução de custos relacionada ao
uso do genérico foi menor que o esperado (GUILHOTO et al., 2009).
Um estudo realizado no Brasil aplicou um questionário a 731 pessoas com
epilepsia acompanhadas em ambulatórios de neurologia em seis centros médicos de
atendimento terciário, a maioria (96,1%) atendida no Sistema Único de Saúde (SUS). O
questionário consistia em 18 questões de múltipla escolha, quatro relacionadas a dados sóciodemográficos e 14 sobre o conhecimento das formulações de drogas anti-epilépticas (de
referência, genéricas e similares) e da evidência de mudanças clínicas durante a troca. Uma
porcentagem de 60,6% dos entrevistados desconhecia a diferença entre medicamentos de
referência, genéricos e similares. Somente 52,4% disseram ter recebido a droga prescrita pelo
médico no ato da compra, sendo que para o restante, provavelmente houve trocas na farmácia
e 19,74% não sabia essa resposta. Durante o último ano, 25,6% respondeu que recebeu
diferentes formulações (principalmente carbamazepina e valproato), e 14,5% relataram escape
de crises após a troca (carbamazepina, valproato e lamotrigina), Com esses resultados, a Liga
Brasileira de Epilepsia considerou que a prescrição de drogas anti-epilépticas genéricas é
racional apenas em casos recém-diagnosticados e que só se justifica a substituição por um
genérico ou similar em pacientes cujas crises não estejam controladas. Já naqueles que estão
livres de crises, a troca deve ser evitada e qualquer mudança de medicamento deve ser
avaliada pelo médico prescritor (GUILHOTO et al., 2009).
Nos EUA, foram reportados problemas relacionados à troca de anti-depressivos de
referência por um genérico. De fato, o FDA cita alguns psicotrópicos que não podem ser
intercambiáveis com os genéricos, como amitriptilina, perfenazina e venlafaxina, por não
serem bioequivalentes em todas as doses (LEWEK, 2010).
Devido ao grande número de fabricantes de genéricos, tanto nos Estados Unidos
quanto em outros países, o FDA tem enfrentado dificuldades para garantir a qualidade de
todos os genéricos. Em setembro de 2008, proibiu a importação de trinta genéricos fabricados
pelo Rambaxy Laboratories devido a problemas de fabricação em duas unidades da indústria.
E mesmo com uma rede de segurança tão forte, não se pode dizer que a população americana
está livre do risco de consumir um genérico de qualidade questionável. Em 2001, a patente do
Prozac foi a primeira dos antidepressivos mais novos a cair, fazendo seu preço cair
consideravelmente. Um caso típico descrito foi o de um paciente que após anos de
estabilidade emocional com o uso de Prozac, relatou tristeza 16 dias após a substituição por
Fluoxetina genérica (JEFFERSON, 2009).
Por outro lado, um estudo de meta-análise foi realizado por Kesselheim e
colaboradores em 2008, após identificar 47 artigos contendo 9 subclasses de medicamentos
cardiovasculares dos quais 38 eram estudos controlados randomizados. Equivalência clínica
foi observada em 100% dos estudos com beta-bloqueadores, 91% dos estudos com diuréticos,
71% dos estudos com bloqueadores dos canais de cálcio, 100% dos estudos com agentes anti-
plaquetários, 100% dos estudos com estatinas, 100% dos estudos com inibidores da enzima
conversora de angiotensina e 100% dos estudos com alfa-bloqueadores. Esses dados indicam
que não há superioridade dos medicamentos de referência em relação aos genéricos usados no
tratamento de doenças cardiovasculares. Apesar disso, uma expressiva parcela dos editoriais
possuem uma visão negativa da intercambialidade. Um dos motivos apontados pelo autor para
esse fato é que os médicos podem estar baseando suas opiniões em experiências de baixa
confiabilidade científica. Outra explicação sugerida é que as conclusões podem ser distorcidas
devido às relações financeiras das editoras com as grandes indústrias farmacêuticas, uma vez
que em quase nenhum dos estudos foi possível identificar a fonte de financiamento. O autor
também sugere que para limitar a desconfiança infundada em relação aos genéricos, mídias
populares e jornais científicos devem selecionar mais suas publicações, para que elas sejam
realmente baseadas em evidências científicas seguras e não levem o médico/paciente a
optarem pela terapêutica mais cara em detrimento do medicamento genérico (KESSELHEIM
et al., 2008).
Em 2010, foi realizada uma comparação entre as características farmacocinéticas de
duas formulações de liberação modificada de nifedipino. Ambos os produtos utilizavam
sistema osmótico para liberação do princípio ativo. O produto de referência foi o Adalat XL
comprimidos 60mg (Bayer Healthcare AG, Leverkusen, Germany), com um sistema de
bomba de bicamada, enquanto a formulação teste foi o genérico Nifedipino 60mg
comprimidos de liberação prolongada (Mylan Pharmaceuticals ULC, Etobicoke, ON,
Canada) com um sistema de bomba monocamada. A curva concentração versus tempo
demonstrou que após a administração de uma única dose em 26 indivíduos em jejum os picos
de concentração e área sob a curva das duas formulações eram comparáveis. Porém, os perfis
das curvas são diferentes: o produto teste tem um longo período de retardamento atingindo o
pico de concentração mais tardiamente e a fase de platô do teste é mais curta que a do
referência. Além disso, a separação dos dois perfis de concentração é demonstrada pelas
AUCs fortemente divergentes registradas 9 horas após a administração da droga. Esse
exemplo mostra que os dois parâmetros atualmente utilizados para avaliar bioequivalência
não são suficientes para comparar produtos de liberação prolongada. Sugere-se para
medicamentos desse tipo o uso do cálculo parcial da área sob a curva, em tempos
determinados de acordo com o perfil farmacocinético de cada droga, garantindo-se que as
formulações serão realmente bioequivalentes (ENDRENYI; TOTHFALUSI, 2010).
Desde a inserção dos medicamentos similares até a adoção do sistema de genéricos, o
ponto central da questão sempre foi oferecer alternativas aos medicamentos de referência a
custos menores. O fato de genéricos e similares serem mais baratos deve-se à economia
relacionada a não se ter de gastar com o desenvolvimento de uma nova molécula e com testes
clínicos, já que essas etapas já foram realizadas pela empresa produtora do medicamento
inovador. Além disso, o investimento em marketing é muito menor, pois não é necessário
fazer uma divulgação expressiva de cada formulação, a publicidade para os genéricos deve ser
do tipo institucional, procurando-se fazer uma associação entre características de qualidade e
confiança na indústria produtora. A divulgação do nome da indústria é o ponto-chave dessa
publicidade e utiliza mídias diversas, como televisão, eventos esportivos e reuniões científicas
(FERNANDES et al., 2011).
Para garantir que os genéricos e similares realmente tenham preços mais baixos,
existem normas para a sua precificação: o preço de fábrica dos similares não pode ser superior
ao preço de fábrica do referência e, para os genéricos, o preço de fábrica não pode ser superior
a 65% do preço de fábrica do referência correspondente. Sendo assim, observa-se que há
maior restrição legislativa à precificação dos genéricos, o que faz com que o lucro com a
venda de similares costume ser maior (FERNANDES et al., 2011).
Para finalizar, Fernandes e colaboradores (2011) propõem um exercício mental
interessante:
considerando
dois
medicamentos
genéricos,
ambos
aprovados
como
bioequivalentes em seus respectivos estudos. O primeiro localizou-se, em termos de razão das
médias geométricas, a 80% do medicamento de referência; o segundo localizou-se, no mesmo
parâmetro, a 125% do inovador. Apesar de não ser previsto na legislação a comparação entre
dois
genéricos,
no
caso
exemplificado
pode
haver
uma
grande
diferença
na
biodisponibilidade. Houve uma diferença de mais de 56% do segundo em relação ao primeiro.
E comparando-se o primeiro em relação ao segundo, o primeiro estaria 34% abaixo. Esses
resultados hipotéticos podem ocorrer na realidade e podem ser o que leva alguns prescritores
e usuários a desconfiar da qualidade de genéricos de alguns laboratórios (FERNANDES et al.,
2011).
4 CONCLUSÃO
É inquestionável que o Brasil evoluiu bastante nos últimos anos no que se refere à
regulação de medicamentos. O advento dos genéricos trouxe medicamentos de menor custo
para o paciente sem que se perdesse em qualidade, eficácia e segurança. A regulação de
similares também acompanhou essa evolução, trazendo um olhar mais atento e exigente. É
fato que, por Lei, somente o medicamento genérico pode ser intercambiado, mas na prática,
considerando as vantagens comerciais dos similares e que desde 2003 exige-se que
apresentem no registro e/ou na renovação as mesmas comprovações dos genéricos –
Equivalência Farmacêutica e Estudo de Bioequivalência, quando aplicável – estes são
preferencialmente vendidos uma vez que normalmente as empresas oferecem maiores
vantagens comerciais quando um similar é vendido.
Visto que o número de formulações disponíveis no mercado tem aumentado
consideravelmente ao longo dos anos, a questão da intercambialidade entre genéricos e até
mesmo entre similares não mais pode ser negligenciada e deve ser discutida o quanto antes,
pois pela revisão apresentada, pôde-se notar que os pacientes, muitas vezes, não utilizam
sempre o genérico de um mesmo laboratório durante todo o transcurso de um tratamento,
trocando-o até mesmo por um similar e esta conduta muitas vezes compromete a eficácia do
tratamento, apesar da comprovação de bioequivalência no ato do registro de todos os
medicamentos genéricos e similares frente a um medicamento de referência.
Uma das questões que foi levantada neste trabalho refere-se aos limites de aceitação da
bioequivalência serem os mesmos quanto se tratam de medicamentos de índice terapêutico
estreito. Foi demonstrada que uma das causas de possíveis falhas em tratamento pode ter
relação com este fato.
Assim, outra situação que não pode mais ser adiada é a redução dos limites de
aceitação para a bioequivalência de medicamentos de índice terapêutico estreito, como já
fizeram alguns países como Canadá e Dinamarca. Mesmo havendo a redução, a
intercambialidade para essa classe de medicamentos deve ser cuidadosamente avaliada pelo
prescritor. A troca pode levar à desestabilização de diversos pacientes, pressionando o sistema
de saúde e gerando gastos ao invés da economia que se espera dos medicamentos genéricos.
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