Novo Guideline da IDSA sobre diagnóstico e tratamento da Faringite Estreptocócica Em 2012, a IDSA (Infectious Diseases Society of America) publicou uma atualização do seuguideline sobre faringite estreptocócica, o qual nunca havia sido modificado desde a data de sua publicação, em 2002. A faringoamigdalite, ou simplesmente faringite, é uma das formas mais frequentes de IVAS (infecção de vias aéreas superiores), motivando cerca de 15 milhões de visitas médicas por ano nos EUA, ao custo anual total (custos diretos + indiretos) de 224 a 539 milhões de dólares. Estudos epidemiológicos antigos já haviam demonstrado que a imensa maioria das faringites agudas na prática médica é de etiologia VIRAL, e que algo em torno de 5-15% dos episódios em adultos (20-30% em crianças) são causados pelo Streptococcus pyogenes, ou estreptococo do grupo A (ou simplesmente "EGA"). Desse modo, identificar com precisão os portadores de faringite verdadeiramente estreptocócica é essencial, uma vez que esta doença - ainda que na maioria das vezes benigna e autolimitada - merece tratamento antimicrobiano específico! Vários são os benefícios da antibioticoterapia na faringite pelo EGA... Por exemplo: (1) quando o tratamento é ministrado nos primeiros 9 dias após o início do quadro, consegue-se prevenir o surgimento de febre reumática aguda em pacientes predispostos; (2) o tratamento oportuno também previne complicações supurativas locorregionais como abscesso amigdaliano, adenite cervical purulenta, mastoidite e outras consequências nefastas de uma eventual bacteremia pelo EGA (ex.: infecções metastáticas em órgãos e tecidos distantes); (3) o tratamento acelera a resolução dos sinais e sintomas da doença, melhorando a qualidade de vida do paciente (com retorno mais precoce às atividades laborativas), além de interromper a cadeia de transmissão na família e na comunidade. Não se esqueça que a erradicação do EGA num episódio de faringite, curiosamente, NÃO EVITA o surgimento de glomerulonefrite pós-estreptocócica (GNPE)!!! Vale lembrar também que as faringites virais não possuem tratamento específico, inexistindo benefício clínico com o uso de antimicrobianos nesta situação, pelo contrário: além do custo financeiro há risco de paraefeitos medicamentosos e indução de resistência microbiana. De fato, acredita-se que o uso desnecessário de antimicrobianos no tratamento das faringites virais seja um dos mais importantes contribuintes para a expansão do fenômeno de resistência, evento cada vez mais observado em patógenos oriundos da comunidade. Vimos que em crianças cerca de 20-30% das faringites agudas são causadas pelo EGA, porém, estatísticas norteamericanas revelam que por volta de 70% dos casos de faringite aguda atualmente recebem a prescrição de algum antimicrobiano... Vamos nos ater agora às 5 principais perguntas de ordem prática que o guideline responde acerca do tema "faringite pelo EGA". 1) Como confirmar o diagnóstico etiológico? É clássico o conceito de que o quadro clínico, por si só, não possui especificidade suficiente para permitir a confirmação do diagnóstico etiológico de faringite pelo EGA! Em outras palavras, as etiologias virais produzem sinais e sintomas indistinguíveis daqueles associados à infecção por este germe (ver tabela), logo, os exames complementares são imprescindíveis para confirmar a presença da bactéria... É digno de nota, todavia, que o quadro clínico isoladamente PODE permitir o diagnóstico de faringoamigdalite viral! É o caso, por exemplo, em que além dos sinais e sintomas de faringite propriamente dita coexistem manifestações de IVAS em outras topografias, manifestações estas que não podem ser justificadas pelo EGA, como sinais de rinite e laringite (ver tabela de novo). Valor de predição da etiologia inerente ao conjunto de sinais e sintomas Sugerem VÍRUS Conjuntivite Coriza Tosse Diarreia Rouquidão Discreta estomatite ulcerativa Sugerem EGA Idade entre 5-15 anos Inverno ou início da primavera História de exposição a um paciente-fon Início súbito de dor na garganta Febre Cefaleia Exantema tipo "viral" Náuseas/Vômitos/Dor abdominal Inflamação restrita às tonsilas e faringe Exsudato em placas Petéquias no palato Adenite cervical anterior dolorosa Exantame "escarlatiniforme" Pois bem, que exames devem ser utilizados? Existem duas opções principais no dia-a-dia: (1) teste rápido para detecção de antígenos do EGA (daqui em diante chamado apenas de "teste rápido"); (2) cultura. Ambos são coletados por meio do swab de orofaringe. O swab se parece com um grande "cotonete" utilizado para "raspar" a superfície da mucosa... A coleta deve ser feita especificamente nas duas tonsilas (ou nas fossas tonsilares, em pacientes previamente submetidos à tonsilectomia) e também na parede posterior da orofaringe. Na criança ou no adulto, um teste rápido positivo finaliza o diagnóstico etiológico, sendo desnecessário coletar cultura nesta situação. O motivo é que uma cultura positiva não mudaria a conclusão diagnóstica ou a conduta, já que até o momento não há razão para se realizar um antibiograma do EGA isolado no dia-a-dia pois seu perfil de sensibilidade permanece notoriamente estável há décadas. Quando o teste rápido é negativo, mas a dúvida clínica persiste, está indicado confirmar sua negatividade através da cultura do swab, pelo menos em pacientes pediátricos!!! O motivo é que um diagnóstico etiológico preciso é muito mais relevante nessa faixa etária, já que o emprego de antimicrobianos pode evitar o surgimento da febre reumática aguda... Em adultos, por outro lado, um teste rápido de OF negativo não requer confirmação obrigatória por cultura!!! Nestes indivíduos, a probabilidade pré-teste de etiologia estreptocócica é mais baixa, e de qualquer forma a chance de febre reumática, também, é excepcionalmente reduzida... A dosagem de anticorpos anti-exoenzimas estreptocócicas (ex.: ASLO, anti-DNAse B) não é útil para o diagnóstico de faringite pelo EGA! O motivo é que sua positividade durante a fase aguda da doença mais provavelmente reflete contato prévio com a bactéria, e pacientes que nunca tiveram contato com este agente provavelmente ainda não produziram os referidos anticorpos neste momento... Uma "viragem sorológica" (aumento nos títulos de anticorpos em dosagens seriadas) sem dúvida confirma o diagnóstico etiológico, porém, esta é uma estratégia diagnóstica retrospectiva, pois a "viragem" só acontece 3-8 semanas após o início do quadro, permanecendo os títulos elevados ao longo dos próximos meses... A dosagem de anticorpos antiexoenzimas estreptocócicas, por outro lado, é importante para o diagnóstico das complicações não-supurativas TARDIAS da faringite estreptocócica (ex.: febre reumática, glomerulonefrite), pois títulos elevados destes marcadores confirmam a ocorrência recente de infecção por esta bactéria! Os primeiros 9 dias de doença que constituem a "janela de oportunidade" para se evitar o surgimento de febre reumática aguda com o tratamento antimicrobiano, por conseguinte, seriam perdidos se nos valessemos de tal estratégia para o diagnóstico da faringite aguda... 2) "Quem" deve ser submetido à pesquisa do diagnóstico etiológico? Bom, com certeza já deu pra perceber que qualquer paciente com indícios clínico-epidemiológicos de faringite não-estreptocócica (ver tabela anterior) não precisa ser submetido aos exames para diagnóstico do EGA! A indicação de rastrear um paciente (adulto ou criança) deve se basear na presença de sinais e sintomas clínicos que sugiram verdadeiramente a possibilidade de tal diagnóstico etiológico. Vale ressaltar que crianças com < 3 anos de idade a princípio não devem ser rastreadas, pois tanto a incidência de faringite pelo EGA quanto a incidência de febre reumática aguda são extremamente baixas nesta faixa etária, de acordo com as estatísticas (isto é, existe uma baixa probabilidade pré-teste, que objetivamente gira em torno de 6%, ao contrário dos 20-30% observados em crianças mais velhas)... Exceção é feita às crianças com < 3 anos de idade que desenvolvem faringite na presença de um irmão ou outro parente com infecção laboratorialmente confirmada pelo EGA: se for demonstrado que elas também se infectaram pelo EGA (ex.: teste rápido positivo), estará indicado o emprego de antimicrobianos (cujo intuito, neste caso, será encurtar a duração da doença, e não propriamente evitar a febre reumática, que como já dissemos é incomum neste grupo etário)... Mas vai tentar coletar um swab de orofaringe "de qualidade" numa criança pequena não colaborativa (isto é, um swab que seja representativo e tenha maior probabilidade de detectar o agente causal da faringite)... "Acertar" as tonsilas e a parede posterior da orofaringe sem tocar nas demais partes da cavidade oral é uma verdadeira façanha em tal contexto, que requer paciência, habilidade, experiência e muita força para segurar a cabecinha do "nenê"... Não se indica de rotina a pesquisa do EGA em contactantes domiciliares de um caso confirmado de faringite estreptocócica, somente em situações especiais que serão comentadas na pergunta nº 5 logo mais adiante... 3) Como tratar a faringite estreptocócica confirmada? Dado seu espectro antimicrobiano mais estreito (o que reduz a chance de seleção de cepas resistentes), bem como seu relativo baixo custo e pequena probabilidade de efeitos adversos graves - além é claro, de sua comprovada eficácia na infecção sintomática pelo EGA - as drogas de escolha são a penicilina ou a amoxicilina. Pacientes alérgicos à penicilina podem receber uma cefalosporina de 1a geração (ex.: cefalexina), desde que a alergia à penicilina não seja uma reação de hipersensibilidade imediata do tipo 1 (reação "anafilática")... Em ambas as situações a duração do tratamento deve ser de 10 dias, tempo médio suficiente para erradicar o estreptococo da orofaringe! Outras opções terapêuticas válidas são: (1) clindamicina ou claritromicia, também por 10 dias; (2) azitromicina por apenas 5 dias. Vale dizer que a penicilina pode ser ministrada pela via oral (penicilina V) ou pela via parenteral, esta última na forma de penicilina G benzatina (o famoso "benzetacil"), uma estratégia, diga-se de passagem, comprovadamente custo-eficaz realizada em dose única no momento do atendimento... 4) É válido ministrar terapias adjuvantes como AINEs, glicocorticoides, AAS ou antitérmicos/analgésicos no tratamento da faringite estreptocócica? Pra começo de conversa, não podemos nos esquecer que o AAS (ácido acetilsalicílico) deve sempre ser evitado em crianças com menos de 15 anos de idade que se apresentam com um quadro de infecção respiratória aguda, mesmo que haja indícios da presença do EGA... Pacientes com < 15 anos infectados pelo vírus Influenza (que poderia ser a verdadeira causa da infecção, a presença do EGA representando apenas o estado de "portador") possuem risco elevado de desenvolver a temível síndrome de Reye quando expostos ao AAS! Até hoje não sabemos os verdadeiros mecanismos fisiopatológicos subjacentes a tal associação, mas a experiência contida na literatura consolidou a idéia de que o AAS deve ser evitado neste contexto específico, o que levou à eliminação virtualmente completa da síndrome de Reye do dia-a-dia da prática médica. Anti-inflamatórios não-esteroidais (AINEs) e drogas antitérmicas/antipiréticas como paracetamol (acetaminofeno) e dipirona são úteis e seguras no tratamento adjuvante ("sintomático") da faringoamigdalite pelo EGA. Elas promovem alívio dos sinais e sintomas de inflamação local e sistêmica (dor, febre, mal-estar etc), restaurando mais rapidamente o bem-estar do paciente... Os glicocorticoides, por sua vez, NÃO SÃO recomendados como terapia adjuvante de rotina no guideline da IDSA, apesar de serem comprovadamente eficazes em reduzir a dor e a inflamação da garganta... O motivo é que drogas menos "problemáticas" são igualmente eficazes com este intuito, logo, não haveria porquê correr os riscos do tratamento corticoterápico se dispomos de alternativas mais seguras e tão eficazes quanto. Tratamentos tópicos (ex.: gargarejos, pastilhas ou sprays contendo anestésicos locais) podem ser utilizados, mas deve-se ter cuidado com seu emprego em crianças pequenas, pelo risco de engasgo. 5) Pacientes com episódios repetitivos de faringite aguda podem ser carreadores crônicos do EGA? Não está indicado repetir o teste rápido ou a cultura de OF - pelo menos não de forma rotineira - após o término do tratamento de uma faringite comprovadamente estreptocócica, com o intuito de confirmar a erradicação ou não do germe... Podemos tomar essa conduta em situações muito especiais conforme será descrito adiante... Todavia, de um modo geral, se dentro de semanas ou meses após o surto inicial o paciente apresentar um novo episódio de faringite aguda cujas características clínico-epidemiológicas sejam compatíveis com etiologia estreptocócica, aí sim com certeza devemos proceder mais uma vez à pesquisa do diagnóstico etiológico, conforme já explicado anteriormente. Quando essa pesquisa se mostra novamente positiva, diversas possibilidades devem ser aventadas... A mais provável explicação para o fato - segundo as estatísticas baseadas em estudos que utilizaram métodos mais apurados como a genotipagem molecular da bactéria - é que o paciente apresente uma NOVA INFECÇÃO por uma NOVA CEPA DO EGA (isto é, a nova infecção é causada por um microrganismo geneticamente distinto do primeiro, que foi adquirido por reinfecção na comunidade). Outra possibilidade é que o paciente seja de fato um carreador crônico do EGA, porém, assintomático com relação a esta bactéria, sendo os episódios recorrentes de faringite de natureza exclusivamente viral! A ocorrência de um novo surto infeccioso pela mesma cepa anterior do EGA é muito pouco provável, ainda que não seja um evento de todo impossível... Assim, na vigência de repetidos episódios de faringite aguda com evidências laboratoriais da presença do EGA, devemos mais do que nunca avaliar com extremo cuidado as características clínico-epidemiológicas da infecção, de modo a decidir se vale a pena ou não ministrar novo curso de antimicrobianos (considerando como mais provável a hipótese de nova infecção por cepa diferente, o que autoriza o tratamento antimicrobiano)!!! Se a suspeita clínica for de portador crônico e assintomático da bactéria, sendo as faringites intercorrentes de natureza viral, a princípio não há indicação de tratamento antimicrobiano para erradicação da bactéria, pelos seguintes motivos: (1) o ATB não resolve a faringite viral, (2) a literatura sugere que estes indivíduos (que podem representar até 20% das crianças em idade escolar durante o inverno) possuem baixa probabilidade tanto de transmitir a bactéria quanto de desenvolver complicações supurativas e não supurativas relacionadas ao EGA, logo, pra que dar ATB a eles???... Ora, mas então não temos que fazer nada quando se suspeita de "portador crônico e assintomático" do EGA??? Não é bem assim... A verdade é que podemos considerar a confirmação objetiva deste diagnóstico (com cultura ou teste rápido em períodos assintomáticos) e instituição de antibioticoterapia específica visando à erradicação do EGA nas seguintes situações especiais: Na vigência de um surto comunitário de febre reumática aguda e/ou GNPE. Na vigência de um surto de faringite aguda numa comunidade fechada ou parcialmente fechada (ex.: quartéis, presídios ou outras instituições de longa permanência). História pessoal ou familiar de febre reumática aguda. Ansiedade extrema de membros da família com relação ao fato de um indivíduo ser portador crônico do EGA. Quando a tonsilectomia está sendo considerada somente pelo fato de um indivíduo ser portador crônico do EGA. Vale destacar que os esquemas antimicrobianos para erradicação do EGA num portador assintomático são diferentes dos esquemas recomendados para o tratamento da infecção aguda confirmada! A penicilina e a amoxicilina isoladas, curiosamente, são menos eficazes em erradicar o germe em portadores assintomáticos!!! Assim, em seu lugar podemos utilizar: (1) clindamicina por 10 dias, (2) penicilina + rifampicina por 10 dias, (3) amoxicilina + clavulanato por 10 dias, (4) penicilina G benzatina IM dose única + rifampicina oral por 4 dias... Fonte: Clinical Practice Guideline for the Diagnosis and Management of Group A Streptococcal Pharyngitis: 2012 Update by the Infectious Diseases Society of America.