Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 10 - Nº 31 / 1º Semestre 2010 Por uma outra internacionalização das cidades brasileiras Marcos Xavier A modernização normativa e tecnológica do território tem permitido a inserção seletiva de cidades brasileiras em complexos circuitos espaciais produtivos no âmbito internacional. A reformulação do Estado brasileiro desde os anos 1990 tem acentuado este processo na medida em que este repassa aos entes federados, no caso brasileiro, estados e municípios, as prerrogativas relativas à promoção do desenvolvimento. Em nome da produtividade e da competitividade, governos estaduais e municipais buscam reestruturar seus territórios com o intuito de atrair inversões, sobretudo advindas de grandes grupos transnacionais. Dadas as condições desiguais herdadas da divisão territorial e internacional do trabalho levadas a cabo pelos planos nacionais de desenvolvimento que marcaram a segunda metade do século xx, há uma acentuada seletividade neste processo. Os lugares considerados pelo Estado e pelas empresas como sendo mais aptos, passam a se constituir como nós de uma rede que tende a excluir o resto do País do atual processo modernizador e a afrouxar os laços regionais. As desigualdades socioespaciais são agravadas em nome de uma guerra dos lugares em que as redes de cooperação e solidariedade orgânica sedem espaço à inserção competitiva nas redes de produção. A internacionalização das cidades brasileiras não é um fato novo. A justaposição de zonas ligadas entre si, mas em níveis diferentes que constituíram a economiamundo capitalista entre os séculos xv e xviii levou à formação de espaços regionais e centros urbanos cuja organização e razão de existir resultavam da forma como, então, se articulavam ao mercado mundial. O resultado foi a configuração de um território arquipélago com subespaços pouco articulados entre si e fortes laços com a economia internacional. Após o desenvolvimento industrial com forte atuação estatal focado no mercado interno, novo impulso à internacionalização das economias regionais e urbanas emerge no final do século xx. Um impulso que emana de uma situação que combina as possibilidades propiciadas pela revolução científicotecnológica, o ambiente mais competitivo em que se inserem as grandes corporações ao nível mundial, a capacidade que estas mesmas empresas adquirem de deslocalizar suas plantas produtivas e a cobrança por menos Estado. Acrescenta-se a estes fatores a emergência de um discurso localista de desenvolvimento e a descentralização político-administrativa propiciada, no caso brasileiro, pela Constituição Democrática de 1988. A possibilidade de atuação das empresas hegemônicas simultaneamente em diversas parcelas do planeta leva a uma concorrência sem freios ou fronteiras. A guerra entre as empresas cria também a guerra 18 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 10 - Nº 31 / 1º Semestre 2010 entre os lugares. Desta forma, um conjunto seletivo de cidades brasileiras, em sua maior parte situadas nas regiões Sudeste e Sul, integra-se ao mercado internacional ora ampliando suas atividades de exportação, ora recebendo plantas industriais ou empresas de serviços que as articulam a uma complexa rede internacional produtiva. Esta política tende a gerar um processo de desintegração do território na medida em que organiza alguns de seus subespaços para torná-los produtivos atendendo às demandas de competitividade de um reduzido número de empresas oligopolistas. Se, por um lado, estes subespaços são integrados aos circuitos internacionais, por outro lado, antigos laços regionais são afrouxados. Ademais, são projetos pouco capazes de dar respostas às reais necessidades locais ou de contribuir para a reformulação de um projeto nacional preocupado com a equidade social e territorial. Outros caminhos de integração são possíveis e as iniciativas internacionalistas voltadas a constituir redes de fortalecimento de gestões democráticas podem se contrapor ao engajamento voltado a tratar a cidade como se esta fosse uma empresa cujo maior objetivo é a eficácia e a competitividade. Longe de ser algo inerte, o território, considerado como a somatória da sociedade e sua base material de existência, não se amolda completamente às vontades exclusivas do mercado. Ele também pode permitir que outras razões falem mais alto, fazendo com que a competitividade ceda lugar a uma integração mais solidária entre os lugares. Fato que depende da vontade e da criatividade política. Marcos Xavier é Doutor em Geografia pela Unicamp e professor do Bacharelado em Relações Internacionais da FASM. 19