A internacionalização ativa e a balança comercial

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Furtado, João. “A internacionalização ativa e a balança comercial”. São Paulo: Folha de São
Paulo, 27 de março de 2002. Jel: F
A internacionalização ativa e a balança comercial
JOÃO FURTADO
O artigo publicado pela Folha em 16 de fevereiro sobre a oportunidade de uma política de
substituição de importações ("Tendências/Debates", pág. A3) suscitou indagações e cobranças
(gentis, mas cobranças) sobre três temas: 1) o vínculo entre a vulnerabilidade externa e as ameaças
à estabilização; 2) as relações entre substituição de importações e promoção de exportações; e 3) a
internacionalização ativa da economia brasileira. Este artigo trata do terceiro desses temas.
O Brasil foi uma economia fechada? Diz o saber convencional que sim, que abrimos a economia só
em 1990. Meia verdade: era difícil importar, mas nenhum país importante foi tão aberto aos
investimentos e às multinacionais como o Brasil. Nem Austrália, Canadá e Espanha, muito abertos
ao
IDE
(investimento
direto
estrangeiro),
alcançaram
os
nossos
níveis.
A internacionalização da economia brasileira nos anos 90 acrescentou a dimensão comercial
(importações) a essa abertura aos investimentos. Mas deixou de lado a dimensão ativa, dos
investimentos externos brasileiros. Isso representa uma fragilidade importante (que apenas agora,
tardiamente
e
de
forma
muito
tímida,
começa
a
ser
corrigida).
O investimento das empresas dos países avançados no exterior fornece saída rentável para capitais
abundantes; e acrescenta-lhes mercados dinâmicos. Essa internacionalização dificilmente poderia
ser imitada pelas empresas brasileiras: os seus capitais são caros e escassos; e o seu mercado, se não
refreado, tende a crescer mais rapidamente do que o dos países avançados. Então, para que
internacionalizar-se ativamente, penetrar outros mercados? Se nem capital para as empresas
atuarem aqui nós temos...
A economia brasileira está assimetricamente internacionalizada. Cedemos o nosso mercado, mas
não conquistamos outros. Compramos produtos cujo valor médio é de US$ 0,55 por quilo, mas os
que vendemos alcançam 40% desse valor médio. E o que isso tem a ver com aquilo? Muito,
muitíssimo.
Quando o Brasil exporta calçados, de quem é -quase sempre- o comando da operação? Do
comprador externo, bem plantado aqui, com um "trader". Quando o câmbio se desvaloriza, ele paga
os mesmos reais ao fabricante e no país ingressam menos dólares. Fosse o capital nacional o
controlador da operação, seria ele a receber essa "margem". Pelo menos uma empresa de calçados já
está na rota de vender de fato. Os EUA barram as exportações de suco ou de aço, barram produtores
estrangeiros. Seria diferente se os exportadores brasileiros de laranja, implantados na Flórida,
combinassem produção local com importações de suco originário do Brasil, algo que eles estão
apenas começando a fazer. A nossa balança comercial em cosméticos é deficitária -em largas
proporções com países avançados, compensadas parcialmente pelos superávits com países menos
desenvolvidos. A única exceção vem dos países nos quais as firmas brasileiras possuem franquias,
uma forma barata de internacionalização ativa.
Além das três funções implícitas no parágrafo precedente, há pelo menos duas outras que a nossa
internacionalização ativa cumpriria. A primeira é conquistar tecnologia para a promoção da nossa
capacidade, abreviando um aprendizado que é longo e incerto. Quando um fabricante de
automóveis da Malásia pretendeu abreviar esse caminho, foi ao Reino Unido e comprou 80% de um
pequeno fabricante local, com um centro de P&D que alavancou a capacidade tecnológica, a marca
e o prestígio da empresa. Algumas empresas brasileiras, com elevado faturamento, poderiam
alavancar-se analogamente comprando empresas menores com capacidade tecnológica. Elas
serviriam de canal de entrada em novos mercados, possivelmente com produtos de valor superior, e
ajudariam na substituição de importações.
A segunda função é comprar mercados. Sim, mercados compram-se. Nos últimos anos, quantas
multinacionais não compraram empresas no Brasil pelos seus mercados, não pelas fábricas?
Recentemente, uma grande empresa química brasileira comprou uma pequena empresa de um dos
maiores grupos do mundo. Trata-se de uma fábrica dedicada a um produto novo, cuja produção não
alcançava estabilidade e dava prejuízo. A empresa brasileira comprou a fábrica, para fechá-la, e
guardou a carteira de clientes, abastecidos com produção brasileira. O valor do negócio não alcança
a dezena de milhão de dólares, mas graças a ele a empresa brasileira deverá vender por ano, no
mercado mundial, algo em torno de US$ 30 milhões. Mesmo que o mercado não cresça muito, ao
final de dez anos essa aquisição terá resultado em "entradas" (exportações acumuladas) de divisas
de 30 vezes as "saídas" (o investimento lá fora).
A internacionalização exclusivamente passiva da economia brasileira é um fato antigo, cujos efeitos
eram atenuados por elevadas proteções comerciais. A abertura, os déficits e os desequilíbrios pedem
medidas complementares, de apoio à internacionalização ativa de empresas brasileiras. Algumas já
deram os primeiros passos -que o apoio seja consistente.
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