XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 O QUE MOVE PROFESSORES A APRENDER? SIGNIFICADOS E IMPLICAÇÕES DO PIBID NA FORMAÇÃO CONTINUADA Isabel Maria Sabino De Farias RESUMO O texto discute a experiência de formação continuada vivida por professores da Educação Básica inseridos no Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID) na construção/consolidação da identidade profissional. Esta ação federal, que incorpora como co-formadores de futuros professores, docentes atuantes na rede pública de ensino (professores supervisores), propicia oportunidades de novas aprendizagens e crescimento. Os significados e as implicações desse processo são objeto de análise da presente reflexão, que inicia com o exame das orientações provenientes da CAPES, promotora do PIBID como política de valorização do magistério. Segue tecendo considerações sobre a necessidade de processos formativos que fomentem a capacidade reflexiva e a produção do conhecimento na prática profissional, advogando abordagens centradas na cognição situada e em metodologias de ação em contexto, compreendidas como fundamentais para o desenvolvimento de uma profissionalidade docente voltada para a autonomia. A perspectiva dos professores supervisores do PIBID acerca dos significados e implicações da experiência de formação continuada vivida é destacada com apoio em dados empíricos provenientes de investigação qualitativa que abrangeu 25 escolas da rede pública estadual de ensino, no nordeste brasileiro. Os relatos indicam que os docentes da escola básica estão redescobrindo o mundo acadêmico, do qual a maioria estava distante desde o término da formação inicial. Destacam o prazer do contato com a universidade, sentem-se reconhecidos em sua competência e experiência profissional. O contato com futuros colegas (licenciandos) tem proporcionado ‘oxigênio’ novo em sua relação com o trabalho, estimulado a revisão das práticas pedagógicas e, sobretudo, assegurado oportunidades de aprendizagem. Aprender aparece nos depoimentos como necessário a valorização social e crescimento profissional, emergindo o interesse na retomada dos estudos em nível de pós-graduação. Palavras-chave: PIBID – Formação continuada – Aprendizagem – Significados – Autonomia profissional 1 Introdução O aprender tem constituído o desígnio das reformas educacionais e o escopo das variantes políticas ideológicas da organização escolar para a mudança e a inovação desde os anos 1990 no Brasil, reacendendo o debate sobre o professor, sua aprendizagem e seu desenvolvimento profissional. Embora este regresso esteja ancorado em um consenso discursivo acerca dos princípios basilares necessários à profissão docente, as proposições que dão forma Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.005163 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 às reformas educativas em curso não chegaram ainda a ser congregadas no funcionamento das instituições escolares. Ora, se em países avançados as reformas têm se dado mais no plano ideológico do que na prática, o que dizer de países como o Brasil, cuja tradição de “desvio” (DAMATTA, 1997) da noção de cidadania tem eivado a própria cultura, fazendo dela uma característica nacional? Mesmo reconhecendo tais traços da cultura política e educacional brasileira, argumenta-se que eles não autorizam o discurso da impossibilidade, razão pela qual no presente trabalho discute-se a experiência de formação continuada vivida por professores da Educação Básica inseridos no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) na construção/consolidação de sua identidade profissional. Esta iniciativa federal incorpora como co-formadores de futuros professores docentes atuantes na rede pública de ensino (identificados como professores supervisores), propiciando a esses profissionais oportunidades de novas aprendizagens e crescimento. Com esta prática o programa objetiva incentivar estes professores a se tornarem “protagonistas nos processos de formação inicial para o magistério” (BRASIL. Decreto nº 7.219/2010, Art. 3º, inciso V) e “contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à formação dos docentes” (Inciso VI). Este propósito, melhor dizendo, a perspectiva dos professores da escola básica acerca da concretização desse intento de valorização docente apresenta-se como fio condutor das reflexões sistematizadas no presente texto. Precisamente, indaga-se: como os professores da escola básica envolvidos nesse programa sentem-se em relação a esta experiência? Que contribuições esta experiência formativa aporta em relação ao modo como concebem e desenvolvem sua ação profissional? A compreensão dessas inquietações se apóia em elementos conceituas e empíricos, este último proveniente de estudo exploratório qualitativo (FARIAS; BEZERRA, 2012) realizado junto a 37 professores supervisores do PIBID atuantes em 23 escolas públicas de ensino médio distribuídas em 11 municípios cearenses. Os relatos dos professores supervisores, que participam do programa atuando em diferentes áreas do conhecimento, foram colhidos por meio de entrevista semi-estruturada, permitindo desvelar perspectivas acerca do significado dessa iniciativa na vida profissional desses docentes. 2 Tempos difíceis na formação de professores – desafios do PIBID Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.005164 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 É recorrente questionamentos em torno dos conteúdos teórico- metodológicos abordados no Ensino Superior quanto à sua eficiência e contribuições na intervenção educacional, principalmente no âmbito da sala de aula. Material pedagógico, espaço físico, proposta pedagógica, condições de trabalho, dificuldades de aprendizagem, entre outros elementos, esbarram em limites presentes no processo de ensino e de aprendizagem. Esta situação tem gerado ansiedade no futuro professor, que se depara com desafios envolvendo a relação professor e aluno, professor e família, professor e escola, professor e sociedade. Cobranças cada dia mais intensas, advindas da complexidade da modernidade, dos conflitos familiares e dos resultados das avaliações externas, espreitam o professor em formação. O tempo didático, a rigidez do currículo e a cultura pedagógica do Ensino Superior tornam problemática e complexa esta expectativa social, restringindo o desenvolvimento de uma formação pedagógica que atenda as necessidades de um tempo em intensa metamorfose, produzindo profissionais com práticas fragilizadas no âmbito da docência (deficiência no domínio conceitual, no planejamento, na avaliação, na capacidade de problematização, intervenção, inovação e mudança). Ganha corpo argumentos que defendem a superação de pacotes didáticos como forma de fazer ensino e despertar aprendizagens, advogando uma formação baseada na investigação, na articulação da formação inicial, indução e formação em serviço, na inserção de futuros professores na escola, no desenvolvimento de culturas colaborativas (NÓVOA, 2009; IMBERNÓN, 2004; FARIAS, 2006). O Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID), criado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), entra em cena nesse contexto, tendo como objetivo colaborar com projetos pedagógicos de formação de novos professores mediante a difusão de experiências e inovações no processo de formação inicial. O exame dos editais do PIBID (2007, 2009, 2010 e 2011) relativos aos processos seletivos dos projetos institucionais evidencia como sua diretriz motora a aproximação universidade e escola no desenvolvimento de práticas formativas pautadas no binômio teoria e prática, vínculo percebido como estratégico para estimular o interesse pela docência, inserir estudantes de graduação no cotidiano de escolas da rede pública de educação, promover a integração entre Educação Superior e Educação Básica, qualificar a formação acadêmica, elevar a qualidade da escola pública e valorizar o magistério, objetivos explícitos do programa. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.005165 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Embora seja nítido o foco na superação de problemas presentes no processo de ensino e de aprendizagem, os objetivos estabelecidos pela CAPES para nortear a formulação de projetos institucionais de formação de futuros professores explicitam o interesse em fomentar avanços na construção de uma docência de qualidade, ao tempo que situa a escola como lócus privilegiado dessa formação e os seus professores como partícipes necessários nessa tarefa. Os delineamentos gerais do PIBID postulam a aproximação do futuro professor ao campo de trabalho, à escola e seus profissionais, por meio de diferentes estratégias pedagógicas, de modo que possam compreender seu papel social e conhecer as características do lugar em que desempenharão suas atividades profissionais. O programa reconhece os professores atuantes na escola básica como sujeitos com saberes legítimos e com condições de apoiar e fomentar a aprendizagem de novos colegas, constituindo-os como co-formadores de futuros professores. Dentro desta ótica, pode-se dizer que o programa abre caminhos para a aprendizagem da docência numa perspectiva de “dentro da profissão”, conforme defendido por Nóvoa (2009), estimulando situações de aprendizagem que possibilitem questionar e refletir sobre as práticas disciplinares e pedagógicas existentes, bem como o sentido constituído acerca da prática de ensino. Estas certamente são orientações com as quais, a princípio, não parece haver discordância. Grosso modo, é possível mesmo dizer que na realidade social desse início de século XXI ninguém, pelo menos em sã consciência, discorda da necessidade e importância de “saber fazer bem o dever”, para recorrer aos termos de Rios (2001, p. 87). Mas qual dever? Quem define o dever a ser cumprido, quem estabelece o horizonte a ser perseguido? Tais indagações, que estão para além da mera divagação/digressão filosófica, nos impõem a tarefa do escrutínio do significado e implicações do PIBID, considerando o cenário social, econômico e cultural em que este programa ganha visibilidade e espaço na prática social, especialmente na prática educativa. Articulação entre teoria e prática, capacitação em serviço, aproveitamento da formação e de experiências de ensino, inovação e desenvolvimento profissional são algumas das palavras-chave que recheiam o consenso discursivo sob o qual se desenrola a reforma e a política destinada à formação de professores no contexto brasileiro nesses últimos decênios visando alinhá-la às exigências da realidade social. Há de se esperar Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.005166 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 que tais elementos conceituais se manifestem nas ações encaminhadas pelo Poder Público, entre as quais se encontra o PIBID. Com efeito, termos e expressões que matizam o discurso da reforma educativa em curso são facilmente identificados no texto do Decreto nº 7.219/2010 que institui o PIBID, denotando certa sintonia com tais ordenamentos. Por outro lado, e contraditoriamente, os objetivos do PIBID abrem possibilidades para uma formação mais sólida e qualificada, reflexiva e crítica do que as políticas educacionais usualmente têm vislumbrado para a formação inicial destinada ao magistério da Educação Básica. Como protestar metas como “elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de licenciatura, promovendo a integração entre educação superior e educação básica” (BRASIL. Decreto nº 7.219/2010, item III) ou “contribuir para a articulação entre teoria e prática...” (BRASIL. Decreto nº 7.219/2010, item VI)? O tom provocativo da indagação alerta para a necessidade de práticas organizadas de vigilância epistemológica dos princípios norteadores das práticas formativas na concretização das políticas destinadas a formação de professores neste início de século XXI, em particular aqueles relativos ao PIBID, objeto de atenção desta análise. 3 O que move a busca de novas experiências profissionais entre docentes da Educação Básica? Motivações e percepções sobre a atuação no PIBID Atualmente no cenário editorial nota-se uma produção vasta de literatura sobre a importância de se considerar os elementos subjetivos, socialmente construídos e partilhados, que mobilizam a educação e o conhecimento da docência. Dessa literatura especializada sobre a docência e sua formação, seja ela continuada ou inicial, destacamse nomes de pesquisadores internacionais como Tardif (2010) e Sacristán (1999). Também no âmbito nacional Therrien (2006), Mizukami e Reali (2010) são referências no trato da temática. Entre os elementos subjetivos Sacristán (1999) observa que “a intencionalidade é condição necessária para a ação, compreender esse elemento dinâmico e motor é fundamental para qualquer educador, especialmente em um contexto de valores imprecisos e de rotinas estabelecidas diante de desafios importantes que exigem respostas comprometidas” (SACRISTÁN, 1999, p.33). A intencionalidade, conforme Therrien (2006), também é evidenciada nas articulações entre os saberes que transcorrem e validam a práxis educacional. Posicionamentos sobre o que motivou a inserção de professores da escola básica no PIBID podem ser considerados tendências da intenção dos professores de Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.005167 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Educação Básica participantes do Programa. Em geral eles assinalam uma convergência de interesses relacionados à identificação com a proposta do programa, à retomada do contato com a universidade e às condições de trabalho mais atraentes, conforme buscou-se explicitar nos fragmentos selecionados: [...] primeiro vou falar uma coisa bem prática, certo? [...] claro que todos se interessaram também pelo valor da bolsa e a redução de horas aulas. Agora, é claro que a gente não pode esquecer o fator mais importante que é a identidade com o projeto. Eu me tornei professor porque, como eu te disse, minha mãe era professora, por mais que eu tente sair do magistério, alguma coisa me prende (Professor 1 - Filosofia). O que me motivou [...] se fosse só a bolsa eu diria, mas eu abandonei atividades que me rendiam mais valor do que a bolsa para ficar no projeto, por exemplo, aulas no interior me davam muito mais dinheiro. O que me chamou atenção foi a possibilidade de fazer um trabalho que eu nunca tinha escutado desde o tempo de faculdade. Eu estudei nas três, UNIFOR, UECE e UFC, e eu nunca tinha tido a oportunidade de ouvir essa preocupação com a docência. Eu queria adquirir experiência nisso, até porque é do meu interesse futuramente, pesquisar na área de ensino de física, a docência de física, no mestrado ou no doutorado. Eu gosto muito disso. (Professor 23 - Física). Foi pra manter esse vínculo com a universidade, fazia tempo que eu estava afastado da universidade. (Professor 9 - Letras). (Grifou-se). Os docentes, como quaisquer outras pessoas, têm uma história própria, sonhos, raízes, encantos e desencantos, pois vivem o seu tempo, atuam em lugares determinados e em condições concretas. É na ciranda da vida cotidiana – pessoal e profissional – que eles se produzem. Esta compreensão é basilar na explicitação dos significados das motivações apresentadas pelos professores supervisores, as quais evidenciam a necessidades de ampliação e diversificação dos contextos de aprendizagem profissional. Esta é uma demanda legítima, considerando com Sarmento (2009) que a aprendizagem da profissão se desenrola em múltiplos contextos, desde a família e as instituições de formação inicial, incluindo também experiências ‘quase formais”, processos de mobilidade profissional, convivência com os pares e o trabalho. Esses contextos não são único nem excludentes. Entende-se ainda que sua diversificação pode favorecer a constituição de dispositivos práticos na produção e renovação da profissionalidade docente. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.005168 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 É importante frisar que os 37 professores em foco nesse estudo constituem um grupo misto de profissionais, com ascendência masculina (21 homens), configuração que reflete a ênfase dada às áreas da Matemática e Ciências nos editais do PIBD. Nem todo são licenciados, embora esta seja a formação predominante. Verificouse ainda que o tempo de experiência no magistérios entre eles é bastante variado. Um grupo de 30 docentes tem entre 7 e 19 anos de sala de aula, sendo possível dizer, recorrendo às formulações de Huberman (1992), que eles se situam na fase da “diversificação”. Face à consolidação de um certo repertório pedagógico que lhes permite desenvolver seu trabalho com maior segurança, eles se sentem mais encorajados para alçar vôos, experimentar outras experiências no âmbito da prática educativa. Outro grupo menor (7 professores) encontra-se na fase de entrada na carreira que, se fortemente marcada pela “descoberta” e “confrontação com a complexidade da situação profissional”, também é movida pelo desejo de fazer a diferença, pelo sabor do desafio. Em contexto de introdução de inovações estes dois momentos do ciclo de vida profissional concorrem positivamente para sua efetivação, uma vez que o primeiro agrega profissionais que se encontram numa fase em que tendem a buscar eficácia, enquanto o segundo é composto por pessoas com abertura e disponibilidade para propostas novas (FARIAS, 2006, p. 122). A adesão do professor a uma proposta nova é fundamental para sua concretização e êxito, decisão que, entre outros aspectos, envolve o conhecimento acerca da ação a ser desenvolvida. Os depoimentos dos professores supervisores evidenciam que estes possuem informações chave sobre a proposta do programa e sua estrutura, reconhecem-no como uma ação federal de abrangência nacional com foco na iniciação à docência, tendo em vista estimular a opção pelo magistério entre os licenciandos e valorizar a profissão. Este entendimento está expresso em sínteses como: “[...] acredito que a principal tarefa seja essa: tornar o magistério mais atraente, um pouco mais envolvente para esses jovens que estão saindo da universidade” (Professor 5 - Filosofia); “[...] é prepará-los para a docência no dia a dia, na sala de aula, na escola, para quando terminar o curso eles possam decidir: eu quero ser docente, eu me sinto preparado” (Professor 11 - Matemática). O desconhecido e o não compreendido tendem a gerar reações adversas a iniciativas diferenciadas e que rompem com práticas já consolidadas pela experiência profissional. Os professores da educação básica que atuam como coformadores no PIBID relataram situações de enfrentamento desse sentimento na escola, ressaltando a Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.005169 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 importância do diálogo no esclarecimento dos receios e na discussão das expectativas, como mostra o trecho transcrito: Ah! Olha, de inicio o programa sofreu uma certa rejeição dos colegas. Nós fizemos uma reunião, chamamos a coordenadora para explicar a proposta do PIBID. Alguns professores argumentaram que não entendiam o projeto [...]. A proposta [..] era completamente diferente do que nós professores e os próprios alunos tinham conhecimento. Eles pensavam que seria só mais um grupo de alunos para pegar experiência e tal. Não foi isso: os licenciandos participaram da vida ativa da escola. [...] Depois dessa conversa a proposta foi muito bem aceita e, em pouco tempo, não demorou muito tempo para que todos os professores já conhecessem os “pibidianos” e todos eram tratados como colegas, como se estivessem trabalhando para o Estado. (Professor 13 - Física). A situação descrita revela embates que, de um modo ou de outro, se faz presente nos contextos em que o PIBID se desenvolve, confirmando a centralidade do professor nos processos que intervém sobre a cultura pedagógica da escola e de seus profissionais numa perspectiva de mudança. Como ressaltado noutro texto (FARIAS, 2002, p.98), é imponderável o papel dos professores no processo de mudança na educação mas, também é certo que, além de sua competência técnica, política e humana, também reclama “escolhas que envolvem relações de poder e de autoridade, valores e finalidades éticas e políticas que transcendem o individual” (FERNANDES, 2000, p.83). O engajamento ou não dos professores às novas propostas é mediatizado por elementos de julgamento que os ajudam a balizar seus benefícios, desvantagens, ganhos, perdas, condições efetivas de trabalho, exigências pedagógicas e cognitivas em relação a sua atuação. Enfim, eles sentem necessidade de operacionalizar seu significado. A compreensão da relevância do PIBID na formação de professores transparece em afirmativas como: “Eu não tive um PIBID [...], eu entrei na sala de aula como profissional sem nenhuma prática, não foi fácil” (Professor 35 - Matemática); “Hoje os alunos têm uma oportunidade de ser um profissional melhor, com mais condições de enfrentar as situações da profissão” (Professor 29 - Matemática). Os relatos dos professores supervisores evidenciam uma visão crítica e positiva em relação ao programa, em boa parte fundada nas lacunas atualmente sentidas por estes profissionais em relação às suas trajetórias iniciais de formação. O posicionamento a seguir é expressivo dessa assertiva: Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.005170 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Como eu te falei, a crítica que eu fazia não é mais válida: de rompimento, da não participação da academia na vida da escola. Esse é um projeto que a meu ver cumpre coisas que eu não tive a oportunidade de vivenciar. [...] Eu e a grande maioria dos professores da minha geração “para atrás”, vamos dizer assim, nós fomos jogados em sala de aula. [...] Quem ficou é porque se apaixonou [...]. Eu sou um físico, eu sou licenciado pela necessidade da SEDUC, mas eu sou físico de formação. A academia não te ensina a ser didático, o PIBID indiretamente, sem ninguém falar você percebe que vai ter que melhorar a sua prática porque tem o convívio com futuros colegas que estão chegando despreparados, então você precisar melhorar a sua didática, eu tive que melhorar [...]. O PIBID me propiciou uma análise melhor do professor que eu sou. E eu acho que muitos colegas também já comentaram isso comigo. Por que uma coisa é você jogar uma fórmula no quadro e vai embora... O PIBID proporciona isso para a gente também. (Professor 23 – Física). O foco na prática, no que acontece no contexto de trabalho e no diálogo entre pares em momentos distintos do ciclo de vida profissional é identificado pelos professores supervisores como caminho necessário à sua formação continuada. Na perspectiva dos professores supervisores as experiências proporcionadas pelo PIBID possibilitam, ao mesmo tempo, que os licenciandos e eles vivenciem colaborativamente processos de consolidação e revisão dos saberes profissionais. Contribui, por conseguinte, para a promoção de aprendizagens apoiadas na articulação teoria e prática, percebida como necessária à produção de uma profissionalidade coerente com os desafios da prática educativa escolar em um mundo sem fronteiras, cada vez mais marcado pelo avanço tecnológico. 4 Por onde passa a formação continuada por dentro da escola? Os professores supervisores e o protagonismo vivido no PIBID Que ações, situações e condições vivenciadas pelos professores da Educação Básica participantes do PIBID evidenciam uma atuação protagonista desses docentes? A análise dos depoimentos de 37 professores supervisores envolvidos nas propostas desenvolvidas em parceria com 5 instituições públicas cearenses de ensino superior (UFC, IFCE, UECE, UVA, URCA) traz indicativos acerca da questão. É unânime entre os professores supervisores o registro de um forte interesse em contribuir com a formação de futuros colegas de profissão. Nota-se nos seus discursos satisfação com o reconhecimento da escola como espaço-tempo da formação e de suas experiências e saberes como substrato importante da aprendizagem profissional. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.005171 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Sentem-se estimulados e valorizados. O fragmento selecionado é emblemático desse sentimento entre os professores: Eu nunca digo faça isso ou faça aquilo sabe? Eu eu acredito que cada professor forma-se com a sua experiência cotidiana. Um professor está sempre em formação no meu ponto de vista. Então eu só digo para eles: “olha eu passei por isso, já tive essa experiência”. Vou conversando com eles, fico sabendo como é que eles agiriam para resolver uma dada situação. Me sinto gratificado, estou gostando muito de estar fazendo este papel que eu vejo como o vínculo, a ponte que está ligando os meninos que saem da universidade a escola. (Professor 27 Química). (Grifou-se). Emerge como elemento sensível desse sentimento o reconhecimento social da competência dos professores que atuam no contexto escolar, manifesto nas frequentes referências ao conhecimento que detêm da realidade da escola pública, na preocupação em orientar os primeiros passos dos licenciandos no trabalhos, valorizando tanto o planejamento, o estudo contínuo, atitudes e posturas no ambiente profissional, quanto a criatividade e a inovação das práticas de ensino. Os professores supervisores relatam assumir a tarefa da coformação de novos docentes com alegria e muita “responsabilidade”, expressão bastante presente nos seus depoimentos. Revelam que este exercício tem possibilitado aprendizagens não vividas em outros momentos já trilhados de formação continuada. Nesse sentido destacam a retomada da convivência com a vida acadêmica, a revisão de pensamento, saberes e fazeres, como mostram os fragmentos a seguir: [...] eu lembro... quando eu comecei eu não tinha alguém em sala que depois fosse me dizer: “ah, você melhora nisso, você melhora naquilo”. Então, hoje eu percebo que a prática, a pedagogia, a didática, ela faz parte do nosso trabalho como professor. Eu estou aprendendo bastante com isso porque todo professor tem que, sempre, diariamente, reavaliar a sua prática. Com o PIBID eu percebo que o professor tem que ser um aluno também [...]. Eu lembro que quando eu saí da Universidade e cheguei na escola, assim como eles, aquela empolgação de mostrar que a gente sabe, que a Matemática é tudo. [...]. Pra mim tá sendo uma aprendizagem muito boa. Como professor, a gente aprende realmente a parar para pensar e ver: será que com a minha prática, realmente, os alunos tão aprendendo, tá tendo efeito em sala? (Professor 11- Matemática). Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.005172 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Por exemplo, eu sei que vou ter alunos da universidde sob minha responsabilidade aqui na escola aí você jáfica pensando: “Poxa...que aula que eu vou dar? [...]. Eu não posso dar um aula qualquer, eu também sou formador, tenho que ser exemplo. A relação com a universidade me permite estar ligado também a outras questões que não são discutidas aqui na escola. (Professor 5 - Filosofia). Antes de participar do PIBID as minhas aulas eram mais tradicionais, [...], eu falava bastante e os alunos ouviam mais ainda. E depois do PIBID, por conta das atividades desenvolvidas e das discussões, eu hoje procuro falar menos e explorar mais os meus alunos, utilizo textos, xerox de jornal ou revista de assuntos atuais, de temas polêmicos, digamos assim. Não era assim. Eu melhorei, aprendi bastante. (Professor 9 Letras). (Grifou-se) Os professores supervisores, docente da rede pública de Educação Básica, evidenciam forte compromisso ético-profissional em contribuir para o desenvolvimento de uma formação diferenciada daquela por eles vivida. Eles relatam investimentos sistemáticos de aprimoramento de seus conhecimentos, com ênfase na construção de práticas de colaboração e troca de experiência, bem como no exercício de pensar sobre sua ação pedagógica, revendo posições, pensamentos e práticas acerca do ensinar, do aprender e do papel do professor nesse processo. Sentem-se produtores de espaços e modos de ação favoráveis ao rompimento da cultura do individualismo na prática educativa numa perspectiva de unidade entre teoria e prática. A (re)descoberta do mundo acadêmico é recorrente nos discursos de todos os professores supervisores do PIBID, os quais registram que a inserção no programa tem reavivado um contato que, para muitos, estava bastante distante. Eles falam do prazer com o contato com a universidade, seus professores e licenciandos. A convivência com futuros professores tem servido para oxigenar sua relação com o trabalho, bem como a proximidade com docentes universitários tem proporcionado a retomada de atividades como a orientação acadêmica, elaboração de artigos e participação em eventos científicos. Tais iniciativas também têm despertado os Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.005173 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 professores para a importância do currículo lattes em suas vidas profissionais, aflorando o interesse por estudos em nível de pós-graduação stricto sensu. Os depoimentos dos docentes da Educação Básica inseridos no PIBID instiga afirmar que este programa vem dando forma à ideia da escola como lugar de formação e desenvolvimento profissional, assim como espaço de reflexão. A análise mostra que os professores coformadores do PIBID são movidos pelo desejo de valorização social, entendendo que isso implica no reconhecimento de sua competência profissional, do sentido de continuum e de metamorfose que envolve a formação e a identidade docente. Aprender é assumido, no caso desses docentes, como componente central da profissionalidade necessária ao exercício do magistério na atualidade. Eles parecem dispostos a realizar esta tarefa, embora também compreendam que ela implica na constituição de uma rede de apoio institucional mais sólida, que lhe assegure, tempo, espaço e perspectivas de melhoria da carreira. Esta, sem dúvida, tarefa inadiável. Referências BRASIL. Decreto nº 7.219, Dispõe sobre o Programa Institucional de Iniciação à Docência – PIBID e dá outras providencias de 24 de junho de 2010. Disponível em: http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/b110756561cd26fd03256ff50061 2662/b8c57e4cbf755f198325774d005e61b9?OpenDocument. 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