o problema da obrigação política em thomas hobbes

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY
RIBEIRO - UENF
TÚLIO MELLO TEIXEIRA
O PROBLEMA DA OBRIGAÇÃO POLÍTICA EM THOMAS HOBBES
CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ
OUTUBRO – 2010
7
TÚLIO MELLO TEIXEIRA
O PROBLEMA DA OBRIGAÇÃO POLÍTICA EM THOMAS HOBBES
Dissertação apresentada ao Centro de Ciências
do Homem da Universidade Estadual do Norte
Fluminense Darcy Ribeiro, como parte das exigências
para a obtenção do título de mestre em Cognição e
Linguagem.
Orientador: Professor Dr.º Júlio César Ramos Esteves
CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ
OUTUBRO - 2010
8
O PROBLEMA DA OBRIGAÇÃO POLÍTICA EM THOMAS
HOBBES
TÚLIO MELLO TEIXEIRA
Dissertação apresentada à UENF como parte das
exigências para a conclusão do curso de Pós-Graduação:
Cognição e Linguagem.
Aprovado em: ______/______/______.
COMISSÃO EXAMINADORA:
______________________________________________________________________
Professor e Orientador Dr.º Júlio César Ramos Esteves (UENF - Campos)
______________________________________________________________________
Professor Dr.º Giovanne do Nascimento (UERJ – Cabo Frio )
______________________________________________________________________
Professor Dr.º José Glauco Ribeiro Tostes (UENF - Campos)
______________________________________________________________________
Professor Dr.º Leandro Garcia Pinho (UENF - Campos)
9
RESUMO
O tema central desta dissertação é o problema do fundamento da obrigação política
dos súditos relativamente ao soberano, segundo Thomas Hobbes. Desse modo, em primeiro
lugar, buscamos expor em suas linhas gerais duas correntes de interpretação opostas
prevalecentes na atualidade, a saber, a interpretação secularista, de um lado, e a interpretação
teológica, de outro lado. De acordo com a primeira, o fundamento da obrigação por parte dos
súditos estaria no seu interesse próprio em conformidade com princípios puramente
prudenciais, segundo os quais seria melhor para cada súdito renunciar à liberdade ilimitada
característica do estado de natureza em troca da garantia da preservação da própria vida no
Estado absoluto. Desse modo, segundo os secularistas, Hobbes seria o fundador da filosofia
política moderna, da moderna teoria do contrato social baseado num consenso por parte dos
indivíduos. De acordo com a interpretação teológica, Hobbes não aceitaria que o mero apelo
ao interesse próprio racional por parte dos súditos fosse suficiente para dar conta da
vinculação dos súditos ao soberano, o que ficaria claro no famoso “problema do carona”,
segundo o qual poderia estar no interesse de pelo menos alguns súditos simplesmente fingir
terem entrado no pacto social. Assim, de acordo com a interpretação teológica, Hobbes teria
introduzido elementos da filosofia política tradicional e recorrido ao conceito de fundamento
divino do Estado, de modo que a obrigação política seria vista não como algo de ordem
meramente prudencial, mas como uma obrigação moral, pois a autoridade do Estado na Terra
seria sucedânea da autoridade de Deus no Céu. Em segundo lugar, uma vez expostas essas
correntes de interpretação, buscamos tomar posição a favor da corrente secularista, rejeitando
a incorporação de elementos advindos da fé como elos da submissão e fundamento da
renúncia à liberdade ilimitada por parte dos súditos.
Palavras-chave: Estado de natureza, obrigação política e Estado.
10
ABSTRACT
The main topic of this dissertation is the problem of the foundations of the political
obligation of the subjects, taking into account the sovereign, according to Thomas Hobbes.
This said, in the first place, we tried to expose in its general aspects two different lines of
thought with opposed interpretation prevailing nowadays: the secularist interpretation, on one
side, and the theological interpretation, on the other side. According to the first one, the
foundations of the obligation from the subjects’ part would be in its own interest in
compliance with purely prudential principles, according to which it would be better for each
subject to renounce its unlimited freedom, which is characteristic of the state of nature, in
exchange of the preservation of its own life in the absolute State. This said, according to the
secularists, Hobbes can be considered the founder of the modern political philosophy, the
modern theory of the social contract based in a consensus by the individuals. According to the
theological interpretation, Hobbes would not accept that the mere appeal to the subjects own
interest would be enough to secure the linking of the subjects to the sovereign, which would
be made clear in the famous “problem of the free-rider”, according to which could be the
interest of at least a few subjects to pretend getting in the social pact. This said, according to
the theological interpretation, Hobbes had introduced elements from the traditional political
philosophy and appealed to the concept of the divine foundation of the State, in such way that
the political obligation would not be seen as something of purely prudential order, but as a
moral obligation, for the State authority in the Earth would be succeeding God’s authority in
Heaven. Second, once exposed these lines of interpretation, we looked to take position in
favor of the secularist interpretation, rejecting the incorporation of elements resulting from
faith as links of submission and foundation of the renunciation of unlimited freedom by the
subjects.
Key-words: State of nature, political obligation and State
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................ 7
CAPÍTULO 1 – A TEORIA DA OBRIGAÇÃO POLÍTICA .............11
1.0
1.1
1.2
1.3
1.4
1.5
– O Problema da Filosofia Política Moderna...............11
– Hobbes e o Seu Tempo...........................................15
– O Estado de Natureza ............................................21
– As Leis de Natureza ..............................................25
– O Pacto Social .......................................................31
– O Contrato Social ..................................................34
CAPÍTULO 2 - A FILOSOFIA POLÍTICA ...................................41
2.0
2.1
2.2
2.3
2.4
2.4.1
– A Influência da Ciência Moderna na Filosofia de
Hobbes......................................................................42
– As Causas Primárias e seus Conseqüentes:
Hobbes vs Aristóteles ...............................................46
– Dos Prazeres do Espírito e Bens Visíveis ............ 52
– O Governo..............................................................54
– O Estado Absoluto .................................................58
–- A Religião...............................................................59
CAPÍTULO 3 – AS LEIS CIVIS ....................................................63
3.0
– Das Leis Naturais e o Direito .........................................63
3.1
– O Direito Positivo, as Leis Civis e a Obediência....65
CONCLUSÃO.............................................................................. 73
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................... 75
12
INTRODUÇÃO
Nesta dissertação, procuramos discutir a obrigação política na filosofia política de
Thomas Hobbes. Existem duas correntes interpretativas e incompatíveis referentes ao
fundamento e à fonte da obediência dos homens ao Estado. Ambas as escolas de pensamento
diferem-se pelo cabedal de conhecimento atribuído ou negado aos elementos jusnaturalistas e
teológicos como a essência da submissão dos súditos.
Os secularistas David Gauthier, Michael Oakeshott, Carl Schmit e Leo Strauss
afirmam não existir uma motivação divina para o ato de submissão dos homens à tutela do
Leviatã. Negam a possibilidade de legitimidade divina do poder. Os teológicos A. E. Taylor,
F. C. Hood, Howard Warrender e Thamy Pogrebinschi creem na força das leis divinas,
orientando os indivíduos a serem governados. Deus e os conceitos sagrados são fundamentais
na compreensão da filosofia de Hobbes.
Os laicos concentram no contrato social e nas leis civis a fonte da obrigação. Os
divinistas concordam que as leis divinas são a fonte da adesão ao amparo do Estado. Em
relação ao fundamento, os secularistas acreditam na capacidade deliberativa dos homens para
renunciar ao direito natural e no designio do soberano para criar as leis coercitivas; então, é a
vontade a chave da obrigação. Para os divinistas a fonte da obrigação é o exercício da
autoridade divina.
O antagonismo presente entre as interpretações é estabelecido pela diferença de
pensamento sobre a constituição do elo de obediência entre os súditos e o Estado. Os teóricos
laicos acreditam que o pacto social corresponde ao consentimento racional. O contrato social
e as leis civis estabelecem os direitos, os deveres e criam a organização social, tornando a
adesão irrevogável. Os teológicos defendem os pressupostos da obediência política
originários das leis divinas também conhecidas como leis de natureza. Estas não são regras
explicativas dos fenômenos naturais, pois correspondem às leis da razão e levam à
conscientização de que é conveniente buscar a paz e abdicar da situação selvagem.
A concepção teológica do Estado hobbesiano acredita na organização social
moldada pelo controle externo fundamentado na teoria da autoridade divina. As leis de
natureza, leis divinas ou leis morais são suficientes em si para efetuarem a adesão dos súditos
13
pelo seu preceito. Os indivíduos estariam obrigados a se sujeitarem ao poder soberano devido
à sua crença na eterna lei de Deus, que os torna servos dos reis.
A obrigação compreendida pelo teórico laico vai ao encontro do consentimento
como alicerce do Estado, legitimando-o em consonância com a vontade dos indivíduos em se
entregarem sob a representação de uma autoridade maior do que qualquer outro poder e
capaz de pôr fim à desordem do estado de natureza.
A concepção teológica nos remete a uma espécie de crença do senso comum de que
o homem tem uma obrigação natural com Deus nas suas escolhas, especialmente aquelas
realizadas tendo em vista o Estado representante das vontades populares nos países
ocidentais. Contudo, a ideologia cristã perpassa a crença contrária de que o Estado é, na
realidade, a soma da vontade geral. Portanto, existe uma espécie de obediência da teoria
judaico-cristã nos países ocidentais sem que as pessoas façam uma reflexão crítica e
consciente sobre seu arbítrio.
A importância do tema se deve exatamente à proposta de desconstruir a ideologia
da tradição judaico-cristã, introduzida no pensamento político de Hobbes por autoras como
Thamy Pogrebinschi (2002), desvelando sociocriticamente seu surgimento, sua consolidação
e sua naturalização. A aplicação prática desse estudo resultará num filosofar sobre a velada
obediência que poderemos encontrar bem desenvolvida na obra de Thomas Hobbes. Nesse
sentido, podemos indagar o que faz o homem obedecer à autoridade constituída? A que se
deve esse poder?
A dissertação está estruturada da seguinte maneira:
No capítulo 1, revivemos o tempo de vida do autor, enfatizando os obstáculos ao
pensamento cientificista dotado de uma lógica formal no período, a perseguição aos críticos
da metafísica teológica e explicamos os conceitos hobbesianos referentes ao estado de
natureza, às leis naturais, ao pacto ou contrato social.
Ao sintetizar os conceitos no primeiro capítulo, procuramos definir a real motivação
dos homens a decidirem-se por abandonar o estado de natureza, desconstruímos a crença
teológica da obrigação motivada por leis divinas ou naturais, por uma obediência
estabelecida verticalmente pelo soberano representante das vontades gerais e legítimo
defensor do bem público. O pacto social é autossuficiente pela transferência mútua de
direitos à tutela do poder soberano. É consentido pelos indivíduos em troca da proteção e
defesa contra os inconvenientes da ordem natural. Portanto, originam-se no contrato social os
14
direitos, os deveres civis e a organização jurídica coercitiva. O Estado tem a obrigação de
conservar a paz e o direito.
A justiça só é possível graças à aplicação das leis estabelecidas pela deliberação do
Estado. O emprego da força faz com que sejam realizados os atos de vontade do poder
soberano capazes de manter a ordem social pelas leis reguladoras da convivência e de toda a
sociedade criada após a ruptura definitiva com o estado de natureza.
Existe uma relação dialética sobre aquilo que se constitui como a ação humana no
estado de natureza. As paixões naturais são atos desgovernados movendo os indivíduos; por
outro lado, tem-se a ação governada ou o pensamento designado pela vontade. Contudo, no
estado de natureza, não há garantias quanto ao cumprimento dos acordos celebrados entre os
homens uma vez que sempre haverá a bipolaridade nas intenções humanas.
No capítulo 2, compreendemos a influência da ciência moderna sobre a filosofia
política e social de Hobbes. O homem é um ser empírico e capaz de entender as
conseqüências dos acontecimentos conhecidos. Hobbes supera a mentalidade escolástica,
refutando a teoria aristotélica do primeiro motor imóvel e introduzindo o conceito de causas
primárias. O autor explica a série de eventos causais livre dos determinantes teológicos.
Apresentamos a teoria cognitiva hobbesiana e a renuncia à série de pensamentos
desgovernados e guiados pela imaginação. Os homens tornam-se indivíduos guiados pela
vontade e capazes de deliberar, quando são capazes de compreender as causas fundamentais
dos eventos. Então, compreendendo as causas primárias da barbárie; decidem buscar a paz. O
Estado é fruto da deliberação e o único capaz de assegurar que os acordos celebrados serão
cumpridos.
Para os intérpretes teológicos como Thamy Pogrebinschi (2002), o homem sociável
é derivado da obediência às leis naturais que são também denominadas leis divinas. Este
novo indivíduo criado pela Arte divina distancia-se da sua peculiaridade natural, situando-o
como súdito do soberano. A obrigação dos súditos advém da imposição das leis divinas. Na
realidade, os indivíduos aceitam o código civil por se tratar de uma analogia com as leis de
Deus.
Os intérpretes laicos definem a obediência como a decisão dos indivíduos em
abrirem mão da liberdade natural e serem governados por um poder maior do que o deles.
Nesse sentido, o soberano é o representante da vontade geral e qualificado a regular as ações
15
pelo código civil. O Estado existe para evitar que a barbárie leve à guerra de todos contra
todos.
O objetivo estatal é garantir aos homens a paz, portanto é através do código civil
que as liberdades irrestritas são lapidadas pelas finalidades da república. O homem artificial é
instituído pelo poder único, cuja aplicação e regimento das leis civis coordenam o aparelho
coercitivo, criando os mecanismos de controle externo e cumprindo com o objetivo do pacto
social, que é assegurar a paz e a harmonia na sociedade.
O capítulo 3 elucida a obrigação política fundamentada pelas leis civis. As leis
divinas não são adequadas para o exercício do governo, por não transparecerem aquilo que é
lei propriamente. O soberano é o único com o direito de dizer o que é lei e ordenar o seu
cumprimento, assegurando que o objetivo do Estado (preservar a sociedade civil contra os
inimigos comuns) será cumprido.
No capítulo final, entendemos as leis civis como aquelas que são criadas pelo juízo
sintético do soberano, então são válidas para todos os indivíduos, diferentemente das leis
divinas, que dependem da crença ou da fé e não gozam de fontes confiáveis. As leis civis,
pelo contrário, permitem que os homens vivam em paz e segurança, protegidos pela força do
Estado dos perigos que possam levar-los à morte. O direito de resistência poderá ser evocado
nos casos de violação à vida e à segurança pública, finalidade última do Estado.
16
Capítulo 1
A TEORIA DA OBRIGAÇÃO POLÍTICA
1-O Problema da Filosofia Política Moderna
Antes de passarmos para a análise e discussão dos princípios e teses da filosofia
política de Hobbes, tal como é apresentada no Leviatã, é preciso contextualizá-la no interior
da temática mais geral da filosofia política moderna, da qual Hobbes é uma das expressões
mais importantes.
Podemos dizer que o problema da filosofia política moderna é também o problema
do mundo político, a saber: como é possível legitimar e justificar a limitação das liberdades
individuais por parte do Estado, ou seja, por parte de um ordenamento jurídico-político
constituído por leis que preveem sanções, caso os indivíduos não obedeçam a elas? Em
outras palavras, sob que condições, indivíduos supostamente originalmente livres poderiam
considerar justa a limitação e restrição dessa sua liberdade por uma autoridade externa que os
ameaça com sanções e penalidades em caso de desobediência?
Porém, antes de prosseguirmos, precisamos nos entender aqui sobre o significado da
palavra “liberdade” nesse contexto. Liberdade diz respeito aqui à liberdade externa, à
liberdade do arbítrio, à liberdade que consiste em não sofrer nenhum impedimento externo na
busca de obtenção do que se deseja. Desse modo, ela se distingue da liberdade interna ou
liberdade da vontade, que está relacionada à capacidade de o indivíduo tomar,
autonomamente, posição diante dos seus próprios desejos. A primeira é a liberdade de que se
ocupam a filosofia política e a do direito; a segunda é típica da moral ou ética.
Isso posto, parece que a questão acerca da possibilidade de justificar e legitimar o
Estado tem de ser respondida na negativa, pois o Estado se constitui justamente como uma
restrição externa à liberdade. E é exatamente isso que concluem as utopias sociais em geral.
Contudo, em contraposição às utopias sociais em geral, os teóricos da filosofia política
moderna consideram que a autoridade do Estado e a limitação das liberdades individuais que
17
ela acarreta são, por assim dizer, um “mal necessário”. Eles consideram que uma ordenação
social completamente livre de autoridade externa e capaz de aplicar sanções só é possível,
como escreveu Rousseau, “para um povo de anjos”, mas não para simples seres humanos.
Desse modo, o que deve ser rejeitada não é a implementação de autoridade e leis externas,
mas o autoritarismo e o despotismo. Naturalmente, a questão toda está no estabelecimento de
critérios segundo os quais avaliamos se e quando um determinado ordenamento políticojurídico extrapola em seu direito à limitação e à restrição das liberdades externas e se torna
despótico.
De acordo com o modelo de solução para esse problema propugnado pela escola de
filosofia política dominante, havia até pouco tempo, nos países de língua inglesa, a saber: o
utilitarismo1, segundo o qual um ordenamento político-jurídico será considerado justificado
em sua limitação das liberdades individuais, na medida em que for capaz de maximizar o
bem-estar ou felicidade dos indivíduos a ele submetidos. Na verdade, o princípio utilitarista
foi interpretado de diversas maneiras, mas ele prega, essencialmente, que o máximo bemestar ou felicidade da maioria é uma razão suficiente para considerar justo o Estado, pois a
promoção da felicidade geral seria exatamente a função do Estado. Com isso, o utilitarismo
poderia, por exemplo, vir a admitir como justos ordenamentos político-jurídicos constituídos
por ditaduras militares, desde que trouxessem mais prosperidade e felicidade pelo menos para
a maioria, o que não nos parece correto.
Em contraposição tanto ao utilitarismo quanto às utopias sociais, temos as assim
chamadas teorias do contrato ou, simplesmente, contratualismo, que busca fundamentar e
legitimar o Estado por meio da concepção de um contrato social. Diferentemente do
utilitarismo, que se orienta pelo conceito da felicidade geral e das utopias, que pregam a
abolição do Estado e da coerção externa. O contratualismo põe o foco no conceito da justiça
com que ordenamentos político-jurídicos inevitavelmente restringem a liberdade dos
indivíduos mediante sanções, ou seja, no conceito da justiça política.2 Entre os autores
contratualistas, temos o próprio Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau,
Immanuel Kant e, mais recentemente, John Rawls. Apesar de suas doutrinas apresentarem
1
- Utilitarismo: As atitudes que geram maior bem-estar social são as ações mais úteis. Os utilitaristas usam a cientificidade
guiada pela política para obter retorno. A visão utilitarista explica a sociedade nos séculos XVII e XVIII, a partir de uma
ordem natural sobre o cumprimento de leis regulando as ideias e se opõe aos conceitos morais.
2Em outras palavras, justiça aqui não diz respeito a uma das virtudes dos indivíduos, quando dizemos que uma pessoa é
justa em suas ações para com os outros, mas a uma característica de todo um corpo político. A justiça pode ser muito
diferente nos dois casos, porque o que é justo do ponto de vista do indivíduo pode não sê-lo do ponto de vista do Estado, e
vice-versa.
18
diferenças significativas entre si, há, contudo, pontos de convergência e de semelhança entre
elas que permitem classificá-las como contratualistas. Apresentaremos sucintamente a seguir
alguns desses pontos comuns.
Em primeiro lugar, o ponto de partida dessas teorias é o reconhecimento da
necessidade de legitimação das relações constitutivas do Estado. Isso significa que seus
teóricos levantam questões de caráter normativo, ou seja, sobre o que deve ser, e não
questões empíricas e descritivas, i.e. sobre o que é, existe ou existiu. Por isso, é preciso que
fique bem claro logo de saída, quando eles falam de um “contrato social” ou mesmo de um
“estado de natureza” anterior a esse contrato, não estão pretendendo fazer descrições de
eventos historicamente localizados, mas uma reconstrução racional das condições de um
ordenamento político-jurídico idealmente justo. Numa palavra, o objetivo das teorias
contratualistas em geral é fornecer uma concepção de Estado idealmente justo, com base na
qual poderíamos avaliar o grau de aproximação a esse ideal por parte dos Estados realmente
constituídos no tempo e no espaço.
Em segundo lugar, deve-se observar que, do ponto de vista da compreensão do
homem e do mundo, o contratualismo está dentro da tradição do Renascimento. Isso significa
que a referência última da legitimação do Estado é o indivíduo supostamente originalmente
livre. Ou seja, quem tem o dever de se legitimar é o Estado frente aos indivíduos livres, e não
o contrário. Além disso, como foi observado acima, a liberdade em questão é a liberdade
externa, a liberdade de ação ou liberdade do arbítrio, e não a liberdade interna, a liberdade da
vontade.
Do que foi dito imediatamente acima, decorre, em terceiro lugar, que o Estado é
compreendido pelos contratualistas como uma restrição ou limitação não natural, ou seja,
artificial, da liberdade natural e originária característica dos indivíduos. Assim, o Estado é
por eles concebido como exercendo uma restrição artificial à liberdade dos indivíduos, e não
como a realização da própria natureza ou télos, ou seja, da finalidade ou fim dos seres
humanos, como o era, por exemplo, para Aristóteles, segundo o qual “o homem é um animal
político”, ou seja, segundo o qual o homem fora da pólis perde sua identidade, pois é algo
totalmente contrário à sua própria natureza.3 Desse modo, para o pensamento político da
Antiguidade clássica, a pergunta pela legitimação do Estado simplesmente não se coloca,
pois seria como se o indivíduo se descaracterizasse sem a política na sua formação. Em
3
- Política - 1253 a 2
19
contraposição a isso, exatamente por conceberem o Estado como constituindo uma restrição
artificial e imposta de fora sobre a natureza do indivíduo, os contratualistas sustentam que o
Estado tem de ser legitimado, que ele tem de se justificar diante do indivíduo.
Isso explica também o sentido de parte do título desse trabalho. Com efeito, quando
Hobbes concebe o Estado como um homem artificial, está justamente expressando o
reconhecimento desse caráter de artificialidade do Estado, ao mesmo tempo em que nutre a
expectativa de que, concebido o mais próximo possível à luz da natureza do próprio homem,
i.e. tendo por base a antropologia, o Estado possa se constituir como justo e legitimado diante
dos seres humanos.
Em quarto lugar, tendo por base esse axioma da liberdade original dos indivíduos, o
contratualismo sustenta que a justificação/legitimação do Estado só poderá ser feita se for
possível obter o assentimento de todos os concernidos igualmente considerados. O Estado
tem de aparecer como igualmente justo aos olhos de cada indivíduo.4
A resposta dos contratualistas ao problema da justificação e legitimação do Estado
obedece geralmente à seguinte sequência: a) Eles começam com a sua concepção do estado
de natureza, ou seja, de uma situação imaginária em que os indivíduos viveriam em
sociedade, mas não numa sociedade civil, isto é, sem o reconhecimento de autoridade e de
leis externas. A partir dessas considerações sobre como seria a situação sem as restrições
impostas pelo Estado, eles concluem então que tal situação seria insustentável por gerar uma
série de consequências nefastas para os próprios indivíduos; b) A solução para essa situação
insustentável parece então consistir na instituição de uma restrição recíproca das liberdades
individuais originárias; c) Mas essa restrição recíproca das liberdades tem de ser
consubstanciada num pacto, num acordo comum, numa palavra, num contrato imaginário,
celebrado por homens livres e que fundaria um Estado que poderia ser considerado como
igualmente justo para todos.
4-
Essa ideia fundamental sobrevive na versão contemporânea do contratualismo, proposta por John Ralws em A Theory of
Justice, mais exatamente, na sua concepção da justiça como “fairness”. – Contudo, poder-se-ia aqui talvez questionar se
seria aceitável aos olhos de indivíduos racionais e lúcidos a concepção de um Estado absolutista, tal como a defendida por
Hobbes, segundo a qual, para garantir a preservação da própria vida, os súditos deveriam abrir mão de todos os meios de
violência e de defesa e depositá-los aos pés do soberano absoluto. Nessa altura, não temos ainda condições de tratar
adequadamente dessa questão, mas poderíamos lembrar a esse respeito que, em face da ameaça de mais ataques
terroristas logo após o 11 de Setembro, os cidadãos americanos, normalmente tão ciosos de sua liberdade e privacidade,
não fizeram grandes objeções à renúncia substancial dessa liberdade em troca da segurança pessoal.
20
As diferenças entre os contratualistas resultam das diferentes concepções do estado
de natureza e, por conseguinte, do tipo de ordenamento político-jurídico necessário para dar
conta dos problemas resultantes daquele estado pré-estatal.
1.1- Hobbes e o seu Tempo
Hobbes faz um estudo etnográfico para explicar a condição nefasta em que vivem
os homens no estado de natureza e elabora uma doutrina contratualista capaz de dizer que
tipo de Estado civil surge para dar conta dos problemas causados pela selvagem guerra de
todos contra todos no estado anterior à sociedade.
Thomas Hobbes, de fato, foi um filósofo político, preocupado em entender como a
sociedade civil se estabelecia e qual a importância de os súditos obedecerem ao poder
concedido ao Estado. Portanto, não existiam correntes intelectuais, no seu momento de vida,
dotadas de ideias capazes de explicar as razões da importância da política para a vida dos
homens movidos até então por suas paixões.
Antes dos estudos de filosofia política de Hobbes, a transferência de poderes dos
súditos para o rei era derivada de uma vontade divina. A Igreja pretendia a unificação da
humanidade dentro de uma cultura cristã e tratou de criar uma fundamentação para justificar
o seu poder na estrutura do Estado. O rei, quando ordenava aos súditos, era imediatamente
obedecido, pois, se ele mandasse matar, era prontamente atendido já que seus poderes eram
divinos.
No Estado medieval, a ordem hierárquica exigia dos súditos que obedecessem ao
Estado em consonância aos preceitos ditados pelos reis e fundamentados por dogmas e
crenças5 estabelecidos por meio da metafísica teológica6. O período da Inquisição, no qual a
Igreja ordenava a morte dos infiéis descumpridores de tais dogmas, foi estabelecido
justamente com a Escolástica7 e perdurou até o Iluminismo. As ordens ditadas pelo soberano
não exigiam um fundamento por justificativa prática, mas por meio da moral cristã
estabelecida pelo clero por meio da intervenção política. Esse pensamento vai ao encontro da
5
-Teo – místico: forma de compreensão do mundo com a explicação mitológica dos fatos.
- Metafísica teológica: Conceitos sobre a sociedade criados por uma explicação teológica do cosmo.
7
-Escolástica: é a filosofia fundada na tentativa de criar uma justificação racional para os dogmas religiosos, ou seja,
interligando a razão com elementos da fé. O pensamento escolástico introduz uma ética cristã, opondo-se à filosofia
clássica e helenística, ao revelar verdades baseadas na crença da providência divina.
6
21
teoria do direito divino formulada na concepção de que a soberania é concedida por Deus.
O jurista Jean Boudin (século XVI), autor da obra Os Seis Livros da República,
afirma que o soberano é escolhido por Deus e os súditos devem prestar obediência somente a
ele. Essa teoria desagrada a Sua Santidade, o Papa, e à ideologia da infalibilidade do seu
poder, cuja intermediação com os homens ocorria perante a Igreja Católica. A teoria de
Boudin afirma uma autoridade divina sustentando o poder concedido ao rei sem a
interferência do clero.
Na concepção do ministro de Luís XIV no século XVII, Jacques Bossuet, numa
obra chamada Poética Segundo as Sagradas Escrituras, a autonomia do Estado advém do
soberano porque este é o próprio Deus. Bossuet afirma o poder do rei como ação de Deus,
isto é, o soberano é a encarnação divina em sua atribuição pessoal.
A superação do clero como elemento fundamental do Estado faz parte do desmonte
institucional promovido pela nacionalização da Igreja à medida que os Estados-nações se
consolidaram. A Igreja, principalmente nos países ocidentais, se reestruturou com a crença de
que os homens têm o livre-arbítrio e guiam-se pela fé na sociedade.
Nicolau Maquiavel criou a ciência política moderna no século XVI com a obra O
Príncipe, atribuindo ao soberano a capacidade de ação política dotada de virtudes e
encarnando a pessoalidade excepcional. Dessa forma, a soberania se faz na sua ação política.
O monarca tem todos os poderes em suas mãos, igualando-se a Deus, contudo não emana de
Deus a obediência dos súditos, mas do emprego da racionalidade para atingir os objetivos do
soberano.
Maquiavel estava preocupado em garantir à Itália a consolidação do Estado-nação e
via a Igreja como a causadora principal da fragmentação do território desse país. Com Roma
no centro da Itália e o poder eclesiástico em franco declínio, ocorre a dissolução da
centralidade da Igreja católica na Europa, após o aparecimento das igrejas nacionais e da
doutrina teológica do protestantismo. O pensamento religioso metafísico, segundo o autor, se
opunha ao racionalismo político pelo qual deveriam se guiar os príncipes para manterem
sólidas as bases dos seus reinados.
Ele empregou o método empírico e dedutivo, com o qual analisou diversos
principados conquistados e arruinados, mantidos pelas armas ou pelas virtudes dos
soberanos. Suas ideias foram dedicadas ao rei numa receita de como controlar o Estado, a fim
de evitar sua dissolução por guerras ou pela fraqueza de poder.
22
O Renascimento trouxe à tona a descoberta de livros que eram proibidos pelos
eclesiásticos. Constituiu-se em uma atitude política de valorizar a ética humana clássica que
se perdeu com o domínio da filosofia revelada pela fé como visão da verdade única do
mundo. É nesse aspecto que o Renascimento é composto pela razão, no sentido cósmico,
genérico e intelectual. No aspecto político, significou o fim da autonomia da Igreja no poder.
O Iluminismo, que se concretiza, a partir do século XVIII, aparece com outras ideias
Com o surgimento de diversos campos de estudos científicos como a fisiologia, a sociologia,
a filosofia como ciência, tivemos uma oposição e uma ruptura com a teologia.
No século XVII, a metafísica teológica como explicação do cosmo ainda iria gerar
questões relacionadas à cosmovisão das verdades da fé; contudo, enfrentou uma mudança de
paradigmas com o surgimento da revolução científica, justamente com as descobertas dos
físicos, matemáticos e astrônomos como Copérnico, Galileu e Newton sobre o universo.
O tempo de Hobbes é igualmente marcado pelo avanço dos estudos das ciências
naturais e a formulação de uma ordem natural. Temos o filósofo Galileu Galilei, com quem o
próprio Hobbes se encontrou em 1636, em uma viagem à Itália, onde conversaram sobre as
descobertas científicas naturais dos movimentos dos corpos ligadas à física e à matemática. O
objetivo de Galileu era explicar a universalidade pelo método de observar os fenômenos que
ocorrem na natureza.
Apesar de Galileu quase ter sido queimado pelo clero, suas ideias serviram como
oposição aos dogmas da Igreja que explicavam tudo pela visão metafísica teológica. As
respostas encontradas por Galileu sobre as causas naturais incomodavam justamente por
estabelecerem uma episteme8, isto é, um conhecimento lógico formal, o que constituía uma
concepção de mundo criada e creditada por uma cientificidade. Antes das respostas
encontradas por ele, todos os fenômenos naturais eram justificados com elementos da fé.
Temos Isaac Newton com a teoria da gravidade, sustentando uma lei física capaz de
dar sentido ao que antes não possuía nenhuma lógica, tal como era estabelecido pela visão
metafísica, ao preencher o sentido com coisas irracionais para explicação de os corpos caírem
obedecendo a preceitos doutrinários explicados por uma lei física (Koyré, 2002).
Todos os grandes intelectuais dos séculos XVI e XVII se dedicaram a sistematizar
princípios por meio de argumentos lógicos. As ideias naturalistas desse período buscavam
compreender o social pelos estudos da física e da astrologia. Assim, poderia parecer
8
-Epistemologia: conceitos dotados de lógica formal que estudam o método de conhecer.
23
impossível um filósofo, apesar da grande influência das ciências naturais, não se deixar levar
pelas inovações do método de observação de fenômenos.
Na realidade, naquele período ainda não havia muito clara a noção de ciência que,
na verdade, era uma vaga concepção que buscava explicar uma coisa que você realmente
consegue observar, como exemplo: nas ciências naturais. Contudo, a cientificidade do
período é dotada de uma apuração de fatos na busca de uma sistematização lógica do
conhecimento.
Por outro lado, a metafísica definida pelo pensamento vago, sem nenhuma
fundamentação prática, empírica e sem uma formalidade lógica e racional, tinha o objetivo de
modificar atitudes e ações. O pensamento da Igreja era definir todas as coisas pela visão
dogmática da crença em Deus.
Dessa forma, a grande ambiguidade pela qual os filósofos do tempo de Hobbes
passavam era, na verdade, a superação de paradigmas da filosofia escolástica com a transição
para o século das luzes, o que relegou o lugar da filosofia a um segundo plano com as leis
físicas e o método das ciências naturais.
Thomas Hobbes estuda, no seu tempo de vida, autores como Euclides e o método
empirista dos cientistas naturais do seu período. É influenciado pelas descobertas biológicas
sobre a circulação do sangue no organismo humano e constrói um idealismo dos povos
nativos da América que, segundo o autor, viveriam sem leis ou poder.
Além do método experimental, uma descoberta revolucionária no campo da biologia
influenciou sobremaneira o status do pensamento filosófico: a descoberta da circulação
do sangue e o mecanicismo biológico. Quando o médico inglês Willian Harvey (15781657) publicou o livro Exercitatio Anatomica de Motucordis et Sanguinis (1628),
expondo a teoria da circulação do sangue, causou mais um forte golpe na tradição
galênica e fixou um ponto cardeal da fisiologia experimental. (Ismar Dias, 2002, p.33).
A obra escrita por Harvey leva Hobbes a compreender o corpo humano como uma
máquina funcional operando num fluxo contínuo do sangue bombeado pelo coração e que
depois de percorrer o corpo todo retorna ao ponto inicial, por isso a metáfora empregada pelo
autor sobre o Estado ser um artifício da criação humana como as peças de uma máquina que
são encaixadas para lhe atribuir vida.
O final do século XVI é marcado pelas constantes guerras entre os Estados-nações
europeus. Em antagonismo aos valores católicos, ocorria a reforma protestante, as disputas
pela hegemonia das rotas comerciais ao redor do mundo, o processo de formação dos
24
Estados- nações europeus e a independência de colônias conquistadas pelas armas. O autor
diz que o medo era seu irmão gêmeo, devido à ameaça de uma possível invasão espanhola à
Inglaterra no momento do seu nascimento.
O século XVI é marcado pelas frequentes conquistas marítimas provocadas pela
expansão mercantilista. A Inglaterra, por ser uma ilha, disputava os mares em busca de
suprimentos que não tinha condição de cultivar. Os espanhóis eram os mais prejudicados com
os constantes saques dos piratas ingleses contra seus navios cargueiros abarrotados de metais
preciosos e especiarias provenientes das colônias orientais e americanas. Portugal, em 1588,
se encontrava sob o domínio do rei Felipe II da Espanha por razão do desaparecimento do rei
lusitano numa batalha no continente africano contra os povos nativos, o que levou a uma
intervenção espanhola e ao domínio da coroa portuguesa.
Os conflitos provocados pelos saques dos piratas ingleses são agravados por
desavenças de posições religiosas entre as duas potências. Os espanhóis, representados pelo
rei Felipe II, apoiavam a Igreja Católica; a rainha Elizabeth II apoiava a causa protestante. A
trama dos espanhóis era depor a rainha Elizabeth II e substituir o trono com a rainha católica
escocesa Maria Stuart. O plano falha com o assassinato de Maria Stuart, e o conflito entre as
nações tem início. Os espanhóis lançam a Invencível Armada contra a ilha anglicana, mas são
derrotados pela astúcia da esquadra britânica ao aproveitar os ventos favoráveis, durante uma
tempestade, para lançar navios incendiários contra a formação dos inimigos.
Portanto, vemos por que nosso autor se deixou dominar pelo medo das constantes
guerras de seu tempo, e isso é decisivo para sua compreensão da estrutura e dos objetivos do
Estado. O método empírico, a mecânica dos corpos fisiológicos e o medo de guerras
permanentes levam Thomas Hobbes a definir uma epistemologia antropológica sobre a
condição humana. O autor procura demonstrar como o Estado, cujo objetivo é garantir a
seguridade pública e eliminar os riscos à preservação da vida dos seus membros, está
organizado pelo aparato jurídico na organização dos indivíduos,
No século XVII, a obra de Thomas Hobbes inaugura uma nova visão sobre os
poderes do clero em relação ao Estado. Hobbes foi o fundador do conceito de Estado
moderno por elaborar uma doutrina explicando o momento em que os homens decidem-se
por aceitarem ser governados. Com isso, rompe com a metafísica teológica e dedica-se a
encontrar a lógica formal da convenção que legitima a organização social e política entre os
homens.
25
Até o pensamento de Hobbes, os argumentos políticos tentavam se desvencilhar da
Igreja como elemento da organização burocrática estatal. Contudo, a Escolástica sempre se
manteve por meio do culto ao livre-arbítrio, ou seja, em justificar que os indivíduos exercem
o pensamento e são donos das suas próprias escolhas, reforçando o vínculo entre a fé e a
obrigação do Estado. Logo, o papel da Escolástica neste período foi garantir que os
elementos metafísicos se compatibilizassem entre os homens e os obrigassem a respeitar as
leis da Igreja por meio das leis de Deus em consonância com o Estado.
Muitos filósofos dos séculos XVII e XVIII passaram a explicar a sociedade pelo
conceito de ordem natural influenciados, pelas leis da física e do método das ciências
naturais. Hobbes se desapega das leis físicas criadas por Galileu e Newton, no que tenciona
outros filósofos a estabelecerem conceitos que regulam o social por princípios naturais.
A teoria de Hobbes ultrapassa e contraria a visão da ordem natural do homem como
animal político, tal como era explicado na teoria aristotélica sobre a origem do Estado na
obra Política. Ele entende que o estado de natureza é violento e que, sem o Estado civil, não
haveria a ordem social.
Hobbes cria uma teoria contratualista, cuja finalidade é explicar a ordem social,
assim como outros filósofos posteriores, dentre os quais podemos citar: Locke, Rosseau e
Kant. Essa teoria surge no momento em que os homens abandonam o estado natural. Do
contrato social, nasce a sociedade civil e política, instituída por um poder centralizador
expresso pelas leis, cujo preceito são deveres, mas só existem na decisão dos indivíduos de
abrirem mão da liberdade natural. Contudo, não são leis físicas, mas leis que regulam a
condição dos homens vivendo em sociedade.
Thomas Hobbes cria uma concepção antropológica para explicar a natureza humana
precedente à sociedade civil. Mesmo não havendo a noção de método etnográfico nesse
período, o autor faz uma idealização do modo de vida humano antes de aceitar o contrato
social. Nesse estágio, o homem é um ser insociável e luta contra outrem por status. A vontade
de poder o move em suas paixões na forma de submeter o maior número possível sob posse.
Posteriormente, outros autores contratualistas usaram o mesmo método. Podemos citar
Rousseau na obra Do Contrato Social, estabelecendo o mito do ‘‘bom selvagem’’.
Hobbes diz que a sociedade é uma invenção da arte humana e que o Estado é um ser
artificial projetado para proteger o homem dele próprio, por isso a frase: ''O homem é o lobo
do homem'', pois, sem leis coercitivas e poder coativo, não viveríamos em sociedade.
26
A interpretação política de Hobbes rompe de vez com a compreensão aristotélica do
homem como animal político, sociável por natureza, que encontra no Estado a sua
autorrealização, devido a uma evolução natural. No pensamento filosófico hobbesiano, o
Estado é uma convenção originada da ruptura do estado de natureza e tem a finalidade de
preservar a vida dos homens dos inconvenientes da guerra de todos.
Na teoria contratualista de Thomas Hobbes, temos como a fonte do Estado o
consentimento. A causa da formação do Estado não é natural, como pensava Aristóteles.
Portanto, existe a necessidade de um poder coercitivo. O Estado hobbesiano é artificial, é
uma invenção humana e a vida em sociedade só é possível após a sua instituição.
1.2- O Estado de Natureza
Thomas Hobbes é um filósofo político do jusnaturalismo ou Direito de
Natureza e defende a ideia de que o homem tem a liberdade de usar seu próprio poder na
manutenção da sobrevivência. Ele é livre para usar o arbítrio sem restrições, conforme sua
razão ordenar, para preservar a vida, empregando todas as artimanhas para essa finalidade.
O estado de natureza para Hobbes é trágico devido aos perigos, pondo em risco a
vida dos indivíduos numa guerra incessante de todos contra todos. A anarquia caracteriza o
homem vivendo por suas inclinações sem restrições.
Com isto torna-se manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem
sem um poder comum capaz de mantê-los todos em temor respeitoso, eles se
encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de
todos os homens contra todos os homens. (Hobbes, 2008, p.109).
Na guerra nada é considerado injusto, não há noção de justiça. Os indivíduos são
iguais em força, em astúcia e temem que outro venha lhes roubar os bens ou causar-lhes o
mal, pois todos são capazes disso. O caos instalado entre os indivíduos na luta pela satisfação
das necessidades vitais traz consequências nefastas. Hobbes (2008, p.109) afirma: ''de modo
que na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a
competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória.''
No estado de natureza, não existe ordem, por isso o conceito de liberdade natural
27
decorre da total ausência de regras, impossibilitando uma organização jurídica coercitiva.
Sem governo, os indivíduos seriam motivados pelas paixões e encontrariam limites pelo
choque de forças com seus rivais. Os homens, vivendo na pura barbárie, são caracterizados
por Hobbes como selvagens, insociáveis e dotados de uma natureza agressiva capaz de
colocar a vida dos seus semelhantes em risco na luta pelas satisfações pessoais.
A ausência de mecanismos de controles externos proporciona aos indivíduos o
estabelecimento de um tipo de liberdade hostil ligada à ânsia de poder, ou seja, existe a
vontade de ser o homem mais poderoso. É esse o desejo que motiva a ruína já que, sendo
todos iguais e astutos na mesma proporção, não existe um único ser capaz de sobressair-se
sobre os demais de acordo com a própria natureza.
O uso do poder pessoal é empregado subjetivamente por cada um dos homens na
satisfação das suas paixões, não existe um compromisso entre eles de usarem moderadamente
suas forças. Cada qual trama para subjugar outros ao seu poder pessoal e não existe paz
quando se pretende estabelecer laços familiares ou de propriedade, pois a falta de segurança e
de meios de preservação da integridade física torna os laços de sociabilidade impossíveis.
Não existe no estado de natureza o acatamento de um juízo comum, apenas o uso
indiscriminado da força de acordo com a capacidade de julgamento individual sobre o que é
melhor para si. Os homens, não sendo sociáveis por natureza, não necessitam de regras para
sobreviverem e boas maneiras para tratarem seus iguais. Havendo a disputa por bens
externos, não podemos dizer que haja uma distribuição proporcional ou a racionalidade de
uma justiça comutativa ou distributiva9.
O estado de natureza é, para o homem, um espaço de estratégias e armadilhas para
ver qual deles obteria maior sucesso ao deter o maior número de bens pessoais concentrados
ao seu próprio status. O emprego da racionalidade na busca dos fins individuais é uma prova
da motivação por impulsos desmedidos, porque não existe a satisfação pela alocação de
recursos ou um plano de controle sobre eles. O autor afirma que os homens disputam esses
bens e tramam no seu íntimo o agir para tal finalidade ser obtida com melhor êxito diante de
seus rivais.
9
- O conceito hobbesiano de justiça se refere às ações. A justiça distributiva remete-se à equidade e à imparcialidade do
julgamento por um árbitro. A justiça comutativa relaciona-se ao cumprimento dos acordos pactuados e dos contratos
estabelecidos entre os indivíduos.
28
Por liberdade entende-se, conforme a significação própria da palavra, a ausência de
impedimentos externos, impedimentos que muitas vezes tiram parte do poder que cada
um tem de fazer o que quer, mas não obstar a que use o poder que lhe resta, conforme o
que seu julgamento e razão lhe ditarem. (Hobbes, 2008, p.112).
No estado de guerra, os indivíduos não gozam da plenitude de serem livres, pois a
ausência de regras impossibilita o convívio e a cordialidade, isto é, os inconvenientes
causados pela guerra impedem a propriedade e a garantia de suas vidas. O homem torna-se o
seu carrasco porque sem leis todos têm direito a todas as coisas. Não existe posse de terra,
bens e sequer o homem conta com uma formação familiar. No estado de natureza, apenas as
paixões impulsionam as ações humanas, o que acarreta a guerra permanente, devido à
ausência de impedimentos externos.
Hobbes afirma não existir um plano de governo no estado de natureza porque cada
um se autogoverna como a sua razão lhe indicar mediante a ausência de impedimentos e na
satisfação de desejos. Os homens têm direitos iguais sobre todas as coisas, podendo empregar
seus esforços como bem desejarem na busca de satisfação das necessidades vitais e para
protegerem-se dos inimigos.
E dado que a condição do homem (conforme foi declarado no capítulo anterior) é uma
condição de guerra de todos contra todos, sendo neste caso cada um governado pela sua
própria razão, e nada havendo de que possa lançar mão que não lhe ajude na preservação
da sua vida contra os seus inimigos, segue-se que numa tal condição todo homem tem
direito a todas as coisas, até mesmo aos corpos uns dos outros. (Hobbes, 2008, p.112).
A lei de natureza não é a ‘’conditio sine qua non’’ para estabelecer o pensamento
da importância da imparcialidade no julgamento, por isso não institui uma república, mas
provoca a vontade de mudança de um estado sem leis para uma atitude regulada pelas leis
civis. O desejo de uma vida sem inconvenientes motiva a renúncia ao direito a todas as coisas
na renegação do poder pessoal pela busca da paz. Cabe às leis morais o despertar consciente
da necessidade de mecanismos de controle que assegurem eficazmente uma organização
coercitiva.
As convenções que sejam firmadas segundo um contrato de confiança recíproca – quando
portanto nenhumas das partes cumpre prontamente o que lhe compete -, se por acaso
29
ocorrer a qualquer uma delas uma justa suspeita, são inválidas no estado de natureza. Pois
aquele que primeiro cumprir – devido à perversa disposição da maior parte dos homens,
que perscrutam sua própria vantagem sem se importarem se os meios são corretos ou
errados – expor-se-á a vontade maldosa daquele com quem contratou. (Hobbes, 2002, p.
44).
No estado de natureza, não existem conceitos de bem e mal, de justiça e injustiça e
de certo e errado. Não há restrição e todos podem tudo, mesmo que venham a roubar, a
matar e a contradizer os princípios e valores dos outros. Não há o princípio da imparcialidade
das ações e atos referentes ao cumprimento dos pactos efetivados entre os indivíduos.
O segundo aspecto que radicaliza o contexto da liberdade é a ausência de consenso sobre
o que é o bem ou mal, isto é, a ausência de regras que determinem e tornem possível a
efetivação de um domínio moral. Cada qual julga o bem e o mal na profusão dos seus
desejos e de suas experiências mundanas. ( Bernardes, 2002, p.37).
A busca pela paz transforma-se em uma meta ou um objetivo comum, devido às
consequências da grave crise no estado hipotético estabelecido pelo autor, denominado
estado de natureza. O caos leva ao desejo de buscar a paz na certeza de que haverá a
segurança e a estabilidade para a conservação da vida.
As leis de natureza predispõem às virtudes morais tais como: a justiça, a paz e a
caridade. Contudo, não tratam da equidade entre os homens já que Deus os dotou das
mesmas capacidades naturais. O homem no estado natural adquire consciência das virtudes
morais por meio do preceito estabelecido pela reta razão, ao passo que conhece as leis
naturais eternas e as põe gradativamente no lugar antes preenchido pelas suas paixões.
Como a razão declara que a paz é uma coisa boa, segue-se, pela mesma razão, que todos
os meios necessários para a paz igualmente o são; e, portanto, que a modéstia , a
equidade, a confiança, a humanidade, a misericórdia, (que demonstramos serem
necessárias para à paz) são boas maneiras ou hábitos bons, isto é, virtudes. Em
consequência, a lei ordena também como meios para a paz, que tenhamos bons modos, ou
seja, que pratiquemos as virtudes: e por isso ela é dita lei moral. (Hobbes, 2002, p. 72).
São as leis de natureza que formam uma conscientização nos indivíduos de que é
preciso organização para pôr fim à barbárie, mas elas em si não encerram os elementos
fundamentais para alicerçarem a república. Hobbes acredita que são uma sistematização
racional dos homens, sugerindo que tenha qualidades virtuosas. Contudo, não são
30
suficientemente capazes de gerarem a sociedade civil.
1.3- As Leis de Natureza
As leis de natureza não são leis que explicam a física, a química e os princípios
naturais. Elas são leis provenientes da razão natural. Os homens interagiam por impulsos
desmedidos na anárquica condição de guerra do estado de natureza e não tinham a noção de
justiça em suas consciências particulares. O caos provocado pela ausência de regras comuns
transformava as virtudes morais em princípios indicativos da necessidade dos laços de
coercibilidade.
Os indivíduos, vivendo no estado de natureza, percebem que é preciso pôr fim aos
perigos do caos perpétuo; pois, à medida que os homens decidem não mais viverem sem
segurança, eles ainda não possuem um poder comum capaz de protegê-los. As leis de
natureza chamadas de leis morais ou divinas são recíprocas no desejo de buscarem a paz, mas
como fazê-lo sem garantias de justiça já que, no estado de natureza, as paixões egoísticas
sufocam os laços de cordialidade?
As leis de natureza existem‘’in foro interno’’ nos homens e indicam um vazio que
precisa de preenchimento para pôr fim à discórdia. A lacuna começa a ser solucionada no
despertar para a essencialidade de poder comum. Apesar de ser egoísta e impulsionado pelas
paixões, o homem utiliza a reta razão para superar o estado de natureza, por isso ele sabe que,
se persistir na luta pela sobrevivência, jamais alcançará a paz.
As leis de natureza são regras gerais coibindo os homens de destruírem suas vidas
ou privá-los dos meios de preservá-las. Os indivíduos não se entregam completamente,
devido à possibilidade de exposição aos perigos de vida nos casos em que os pactos sejam
desrespeitados. Os princípios equitativos expostos nos preceitos das leis de natureza são
anulados na iminência de riscos à vida, comum onde não há justiça comutativa.
Hobbes (2008, p. 113) estabelece as duas primeiras leis da natureza explicando o
processo de formação da dinâmica social. Os homens, à medida que concordam com essas
leis, tornam-se conscientes da importância de aderirem ao pacto social. A primeira lei
fundamental da natureza, que é um preceito ou regra da reta razão diz: ‘’que todo homem
deve se esforçar pela paz de todos os modos, mas caso não consiga pode recorrer às
31
vantagens da guerra. ’’ A segunda lei de natureza: ‘’todo homem concorda na medida em que
considere necessário para a paz e proteção da própria integridade física, em resignar o direito
a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que
aos outros homens permite em relação a si mesmo. ‘’
A sociedade, na teoria de Hobbes, é uma organização estabelecida por uma
convenção entre cidadãos. As leis de natureza não criam os elos que unem os homens, por
meio de virtudes morais, mas os tornam predispostos a procurar a paz, a justiça, a equidade.
As leis de natureza adquirem sua importância ''in foro interno'', porque não temos a garantia
de que, sem um poder comum todos, os indivíduos vão cumpri-las.
Caso não houvesse a necessidade de um poder comum, poderíamos afirmar que as
leis de natureza seriam elementos imprescindíveis à obediência dos súditos e às leis civis do
Estado. Contudo, sempre vai haver o peso da recusa entre os indivíduos em aderirem às leis
de natureza no estado natural, já que a condição nefasta advém dos males do próprio homem
agindo por honra, por glória, por egoísmo e por todas as paixões naturais como fins.10
A viabilidade das leis de natureza está no nível da conscientização dos
inconvenientes, pois soberano no estágio anterior à ordem social faz com que as virtudes
morais adquiram seu valor na exata medida em que todos se tornem cúmplices. Mas, no caso
de não cumprimento das partes, as leis de natureza não são capazes de coibir as paixões
humanas. Não são leis publicas e escritas, mas são referentes ao desejo que os homens
possuem de alcançarem a paz em plena segurança.
Mas – como, em sua maior parte, os homens, ainda que eventualmente reconheçam tais
leis, devido a seu perverso desejo de vantagens imediatas, são totalmente inaptos para
observá-las-, se porventura alguns, mais humildes que os demais, viessem a exercer
aquela equidade e disposição de se mostrarem úteis que a razão ordena, certamente não
estarão sendo racionais adotando uma tal atitude caso os outros não se portem da mesma
forma. Aliás, assim não conseguirão paz para si mesmos, mas uma certíssima e pronta
destruição, e portanto quem cumprir a lei se tornará presa fácil de quem a viola. Por
conseguinte, não se deve imaginar que a natureza (ou seja, a razão) obrigue os homens no
estado de natureza a observar todas aquelas leis, se outros não as respeitarem. Enquanto
isso, estamos obrigados a uma disposição mental no sentido de cumpri-las, qual elas
foram feitas. E disso devemos concluir que a lei de natureza sempre e em toda parte
obriga ''in foro interno'', ou na corte da consciência, mas nem sempre ''in foro externo'', e
neste apenas quando puder ser cumprida com segurança.. (Hobbes, 2002, p.70).
10
- O ''problema do carona'' formulado por Thamy Progrenbschi (2002) justifica a insatisfação de alguns indivíduos com a
efetivação do contrato. Estes são levados junto com a maioria e estão opostos à sociedade civil, justamente por não
reconhecerem benefícios na associação.
32
A essência da lei de natureza, apesar de ser semelhante a um dos dez mandamentos
bíblicos expresso na proposição ''Ama ao próximo como a ti mesmo'' e complementado pelo
Evangelho com ''não faças ao outro aquilo que não gostarias que outrem te fizesse’’, na
realidade é empregado pelo autor como um pensamento assertivo de reciprocidade com o
qual justamente garante que os homens guiem suas ações por princípios morais e não se
deixem guiar por suas paixões naturais.
Porque as leis de natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia, a piedade, ou em
resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam) por si mesmas, na ausência do
temor de algum poder que as faça ser respeitadas, são contrárias às nossas paixões
naturais, as quais nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas
semelhantes. (Hobbes, 2008, p. 143).
Portanto, as leis da natureza não são suficientes por si mesmas para garantirem o
cumprimento do pacto, pois sempre haverá a desconfiança e a impunidade nos casos de
desrespeito, já que não existe um poder comum no estado de natureza, ou seja, nada que
concretamente garanta a paz.
Quando se faz um pacto em que ninguém cumpre imediatamente a sua parte, e uns
confiam nos outros, na condição de simples natureza (que é a condição de guerra de todos
os homens contra todos os homens), a menor suspeita razoável torna nulo esse pacto. Mas
se houver um poder comum situado acima dos contratantes, com direito e força suficiente
para impor o seu cumprimento, ele não é nulo. (Hobbes, 2008, p 118).
Caso as leis de natureza fossem imprescindíveis para a infraestrutura da república,
realmente não haveria a necessidade de entender quais são os elementos de efetivação do
pacto social. Este é a transferência mútua de direitos, logo obriga o homem a abdicar do
direito natural a todas as coisas pela paz, pois o elo unindo-o socialmente é fruto de uma
obediência garantida pelas leis civis do Estado.
As leis de natureza não restringem as paixões naturais por não haver um poder
coibindo as ações em caso de violação; portanto, ocorre a parcialidade do ato quando não
temos uma legislação preexistente punindo tais situações, o que leva cada um a tender para o
seu próprio lado. Então, aquilo que tomo como correto não exige um mediador para dizer o
que é correto, sigo a minha inclinação e nada mais. Todas as ações humanas no estado de
natureza são provocadas por atos parciais visando à satisfação pessoal, já que atendem apenas
33
às paixões irrefletidas da subjetividade na busca da sobrevivência.
O primeiro aspecto do estabelecimento da equidade é a aplicação do princípio da
imparcialidade, ou seja, dizer aquilo que a lei ordena, independente da vontade dos agentes e
sem favorecimento. O estabelecimento de uma legislação comum a todos estabelece aquilo
que é o ato correto. Em oposição às paixões naturais, impedem de sermos parciais, visando
ao proveito próprio. Somente numa sociedade civil regrada, os magistrados, legítimos
representantes do poder soberano, podem dizer a quem pertence o direito e para isso devem
ser imparciais.
Não existe uma neutralidade no pensamento hobbesiano, como dito pelo autor no
capítulo XV. Os homens são obrigados a cumprir seus pactos mediante o poder soberano. É
necessária a justiça capaz de dizer a quem pertence o direito, o que só ocorre com a
imparcialidade no julgamento de um juiz que recorre à lei para aplicar uma sentença.
Numa controvérsia de fato, dado que o juiz não pode dar mais crédito a um do que a outro
(na ausência de outros agrupamentos), precisa dar crédito a um terceiro, ou a um terceiro
e a um quarto, ou mais. Caso contrário a questão não pode ser decidida, a não ser pela
força, contra a lei de natureza. (Hobbes, 2008, p. 135).
As leis de natureza visam à paz; as leis civis garantem uma ordem estabelecida pela
judicatura. Na ausência de um poder que as faça serem respeitadas, temos uma situação
anômica. As regras estabelecidas são obrigatórias e, se não são levadas a sério, instala-se a
crise.
Que todo o indivíduo é juiz das boas e más ações. Isto é verdade na condição de simples
natureza, quando não existem leis civis, e também sob o governo civil nos casos que não
estão determinados pela lei. Mas não sendo assim é evidente que a medida das boas e das
más ações é a lei civil, e o juiz legislador, que é o representante da república. (Hobbes,
2008, p. 273).
Hobbes preocupa-se em descrever uma transposição do homem, de um estado
anárquico para a sociedade civil. No estado selvagem, o indivíduo pode tudo fazer
impensadamente, sem comprometimento com a legalidade, a justiça, a noção de bem e mal.
A ordem social, pelo contrário, é regrada e justificada pelo bem público em detrimento do
34
individualismo garantido pelos direitos naturais a todas as coisas.
Na esfera social, há a supressão do individualismo, o que faz com que exista a
sociedade na própria coercitividade elaborada pela imparcialidade das leis, ou seja, dizer
aquilo que é correto que façamos sem discriminar outrem, de acordo com o princípio de
equidade. A sanção é a garantia de cumprimento do acordo mútuo, pois todos os homens são
iguais perante as leis.
Hobbes acredita que a parcialidade dos julgamentos individuais compromete os
laços de justiça entre os homens, pois qualquer um que aplicasse as leis naturais para
justificar uma pretensão o faria a seu favor. Portanto, é preciso um poder maior e imparcial
capaz de, através da formulação das leis, dizer a quem pertence a razão do litígio para pôr fim
à má-fé nos casos de lide.
O princípio da imparcialidade encontra-se seguro pela aprovação de leis que
regulem os fundamentos essenciais à existência da justiça na sociedade civil, pois só teremos
uma ação ilícita e uma conduta antissocial se houver uma sanção para ela. Nos outros casos,
não havendo por parte do estatuto civil uma lei regulando a conduta, poderá ser aplicada a lei
de natureza de acordo com o julgamento individual.
Poderíamos imaginar o problema do 'free-rider' ou do 'carona', defendido por
Thamy Progrebincshi (2002), formulado da seguinte maneira: se após a passagem do estado
de natureza para a sociedade civil os indivíduos que não estivessem satisfeitos com os
benefícios garantidos pelo Estado resolvessem voltar ao estado anterior? Thamy argumenta
que a obrigação dos súditos é anterior ao pacto social e que os indivíduos são compelidos a
aceitar as ordens do soberano por uma obediência às leis morais ou divinas que são as leis de
natureza. Portanto, o contrato social é relegado a um compromisso anterior, regulado pela
autoridade divina sobre os homens.
Os indivíduos insatisfeitos com a sociedade civil tenderiam ao regresso à barbárie,
mas não o fazem porque estão obrigados moralmente a aceitar o Estado civil pelas leis de
natureza, que são leis divinas. Contudo, resta-nos indagar sobre o fundamento do Leviatã e a
essencialidade de suas leis que são decretadas. Todos devem cumprir, ou seja, o Estado não
pede permissão a cada um para tomar uma decisão, o poder é único e sua revogação é
impossível, pois visam ao benefício proporcionado pelo pacto, que é a seguridade contra os
inimigos comuns.
35
A finalidade principal do Estado é a de que os homens cumpram com os seus pactos
celebrados, isso porque o contrato é realizado entre os próprios homens, tornando-os
impotentes em prol do poder comum acima deles. Sem o soberano, a sua validade não seria
garantida. A efetividade daquilo que se compromete a ser feito é resguardada na força do
Estado. O descumprimento de uma das partes acarreta a obrigação desfeita e cabe o apelo,
nos casos de lide, ao arbitro oficial, ou seja, ao aparato judicial do Estado.
As leis de natureza não bastam para preservar a paz (…) disso podemos inferir que não
basta um homem compreender corretamente as leis naturais para que, só por isso,
tenhamos garantida a sua obediência a elas; e por isso, enquanto não houver garantia
contra a agressão cometida por outros homens, cada qual conserva seu direito primitivo à
autodefesa por todos os meios que ele puder ou quiser utilizar, isto é, um direito a todas
as coisas, ou direito de guerra. E basta para que alguém cumpra a lei natural, que
mentalmente esteja disposto a abraçar a paz quando ela se mostrar viável. (Hobbes, 2002,
p. 91).
Hobbes demonstra que os riscos incessantes inerentes à vida levam os homens a
tenderem à autodefesa e fatalmente instala-se o estado de guerra. Sem uma seguridade
possibilitando a preservação da vida e da integridade física, cada qual tem o direito a todas as
coisas e o direito de empregá-las do melhor modo na preservação da sua própria
sobrevivência. A paz é uma busca interior motivada pelo desejo de melhoria na qualidade das
condições de vida no sentido de longevidade e fim do medo de um ataque surpresa de rivais.
As leis de natureza não obrigam os homens a seu cumprimento, pois o medo
constante de ataques rivais levam os homens a terem desconfiança. Somente sob a proteção
do Estado os homens se sentiriam realmente seguros, pois cessariam os efeitos da
desconfiança entre os indivíduos. O efeito proporcionado pelo poder coercitivo do Leviatã
adverte que a república não pode ser governada pelo poder espiritual, senão se dissolve em
guerra civil. O poder soberano é projetado para garantir a paz e a concórdia.
36
1.4- O Pacto Social
A ausência de governo no estado de natureza ilustra o quadro de crise provocado
pelos riscos à vida na anárquica situação de conflito. O autor está preocupado em demonstrar
o perecimento e o sofrimento dos indivíduos na guerra generalizada.
Hobbes estima que a desconfiança e a instabilidade no estado de natureza tornam os
homens improdutivos e inaptos a cooperar uns com os outros, porque lhes faltam justamente
as qualidades essenciais à cordialidade e ao respeito quanto aos bens do labor pessoal. É
impossibilitada a propriedade pelo excesso de valor da honra no desrespeito alheio. Somente
uma força superior os garantiria contra as mazelas da condição de competição inspirada pelas
paixões naturais.
Portanto, tudo aquilo que se infere de um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo
de todo homem, infere-se também do tempo durante o qual os homens vivem sem outra
segurança senão a que lhes pode ser oferecida pela sua própria força e pela sua invenção.
Numa tal condição não há lugar para o trabalho, pois o seu fruto é incerto;
consequentemente não há cultivo da terra, nem navegação, nem uso das mercadorias que
podem ser importadas pelo mar, não há construções confortáveis, nem instrumentos para
mover e remover as coisas que precisam de grande força; não há conhecimento da face da
terra, nem cômputo do tempo, nem artes, nem letras; não há sociedade; e o que é pior de
tudo, um medo contínuo e perigo de morte violenta. E a vida do homem é solitária,
miserável, sórdida, brutal e curta. (Hobbes, 2008, p. 109).
O pacto social pleno e autossuficiente é provocado pelo desejo de superação da
guerra, isso motiva a renuncia da liberdade natural. A convenção marca a passagem do estado
de natureza para a sociedade civil. Os homens decidem por sair do estado de natureza.
Associam-se, desejando evitar os inconvenientes provocados pela sua vontade de lutar.
A iniciativa dessa atitude é o resultado da posição consciente dos homens, no estado
natural, da importância de terem uma associação pela paz. A obra hobbesiana não contempla
apenas uma visão nefasta do homem, traz por meio da teoria política dentro da sociedade
questões regulando a vivência dos indivíduos e seu acesso a bens primários e secundários que
antes eles não possuíam, como por exemplo: a família, a propriedade, o trabalho e outros.
A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de os defender das invasões dos
estrangeiros e dos danos uns dos outros, garantido-lhes assim uma segurança suficiente
para que, mediante o seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e
viver satisfeitos, é conferir toda a sua força e poder a um homem , ou a uma assembleia
37
de homens como portador de suas pessoas, admitindo-se e reconhecendo-se cada um
como autor de todos os atos que aquele que assim é portador de sua pessoa praticar ou
levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e à segurança comuns, todos
submetendo deste modo as suas vontades à vontade dele, e as suas decisões à sua decisão.
(Hobbes 2008, p. 147)
O medo constante e a instabilidade emocional causados pela insegurança
transformam a capacidade individual em instinto de sobrevivência e autodefesa. Hobbes
aponta quais seriam as paixões que levariam os homens a decidirem-se por melhorias de vida
ao invés de se digladiarem em campos de batalha na ausência de paz.
As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo
daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável e a esperança de as
conseguir por meio do trabalho. E a razão sugere adequadas normas de paz, em torno das
quais os homens podem chegar a um acordo. Essas normas são aquelas a que em outras
situações se chamam leis de natureza. ( Hobbes, 2008, p. 111).
A lógica hobbesiana, ao criar o conceito de pacto social, é pôr fim à metafísica
teológica preestabelecida aleatoriamente pela Igreja com a filosofia escolástica. Hobbes
elabora um sistema de direitos e deveres como o objetivo para a reivindicação e a obrigação
dos súditos diante do Estado, ou seja, o poder concedido ao soberano não o isenta de garantir
à sociedade civil a seguridade, pois essa é a finalidade do pacto e a razão de ser estabelecido
entre os homens.
A sociedade civil vai além da esfera metafísica teológica e constrói uma doutrina
contratualista. Define quais são as funções do soberano e por quais motivos os súditos podem
evocar o direito de resistência, mesmo o Estado sendo forte e independente.
A regulação das vivências é produzida para evitar a volta ao caos do estado de
natureza. A coerção é a ordem, pois, sem o Estado, não haveria intersubjetividade e
organização política para a formação da sociedade civil regulada.
E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar segurança a
ninguém. Portanto, apesar das leis de natureza (que cada um respeita quando tem vontade
de as respeitar e quando o poder fazer com segurança), se não for instituído um poder
suficientemente grande para a nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente
confiar, apenas na sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros.
Em todos os lugares aonde os homens viviam em pequenas famílias, roubar-se e espoliarse uns aos outros sempre foi um comércio, e tão longe de ser considerado contrária à lei
de natureza que quanto maior era a espoliação conseguida maior era a honra adquirida.
(Hobbes, 2008, p.144).
38
A lógica do pacto social estabelecido é criar laços firmes de proteção e seguridade
no convívio entre os homens no contexto da sociedade civil. Pensar em uma teoria da
autoridade divina como legítima na conservação da obediência dos súditos é reafirmar o
próprio estado de guerra, já que as leis de natureza ditas leis divinas não exercem uma força
coativa e coercitiva autênticas, pois não são válidas e obrigatórias e muito menos são
punitivas nos casos de violação do preceito.
Os poderes são concedidos a um único homem e são irrevogáveis para que se evite a
própria ruína da república. O poder soberano encarna a vontade coletiva e representa a
coletividade numa só pessoa, o soberano legítimo. O pacto é uma convenção marcando a
associação entre os homens e é autossuficiente, porque todos concordam que, sem um poder
único, não haveria a ordem social.
De modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: autorizo e transfiro o meu
direito de governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a
condição de transferires para ele o teu direito, autorizando de uma maneira semelhante
todas as suas ações. (Hobbes, 2008, p. 147).
A república é uma instituição coletiva. Ao mesmo tempo, suprime as liberdades
individuais concedidas pela liberdade natural irrestrita e ilimitada em prol da vida
estabelecida pelo Estado, por isso cria uma situação de ordem social. O Leviatã, apesar de ser
uma figura do monstro bíblico, não é projetado para justificar uma ordenação divina, pois
tem uma finalidade específica, que é a paz e a defesa. Como Hobbes (2008, p. 147) nos diz:
“é esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes)
daquele Deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus imortal, a nossa paz e defesa”. A
metáfora empregada pelo autor refere-se à ordem estabelecida pelo homem.
A transposição de uma mentalidade que pressuponha inexistência de regras para
uma consciência de sociedade regrada impõe limites bem estipulados aos súditos e daí sim
podemos dizer que temos uma obediência bem clara às ordens do Estado, ou seja, uma
situação de legalidade.
A essência da república, a qual pode assim ser definida: uma pessoa de cujos atos uma
grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por todos
como autora, de modo que ela pode usar a força e os recursos de todos, da maneira que
considerar conveniente, para assegurar a paz e defesa comuns. (...) Àquele que é portador
dessa pessoa chama-se soberano, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os
demais são súditos. (Hobbes, 2008, p.148).
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Hobbes diz que só se formam repúblicas: ou conquistadas pela força natural, ou por
meio de pactos consentidos. As repúblicas políticas são autorizadas por uma convenção que
legitima o pacto social. Então, podemos dizer que os homens viverão em paz e seguridade ao
passo que cumpram com seus pactos uns com os outros, pois, caso contrário, o poder
soberano está autorizado a fazê-los cumprir pelo uso da força.
1.5- O Contrato Social
No estado de natureza, a completa inexistência de instituições políticas eficazes, de
leis, de poderes coercitivos e coativos leva à desordem e, tragicamente, à guerra de todos. O
ato racional de adesão ao contrato social é provocado na superação dos inconvenientes do
estado natural. O autor formula as duas primeiras leis de natureza como o fundamento do elo
entre os homens e, consequentemente, do pacto social. Entretanto, elas por si não são
suficientes para mantê-lo, porque sempre haverá o risco de retorno ao estado de guerra.
Os mecanismos externos de controle têm a finalidade de zelar pela ordem instituída,
cuja força se encontra nos poderes concedidos ao Estado. As ações contrárias às leis civis
serão punidas pela aplicação da sanção prevista.
A justiça comutativa afirma a equidade da lei e a importância do estatuto
estabelecido e veta a violação do contrato mútuo celebrado. As regras criadas pela sociedade
civil são obrigatórias para todos os indivíduos, pois representam a manifestação da livre
decisão e da vontade na renúncia da liberdade irrestrita em prol da convivência e
coercibilidade criada no Estado civil e de direito.
Os indivíduos não são compelidos a aceitar o Estado quando o vínculo é referente ao
de força natural, caso o fosse, poderíamos dizer que são obrigados a aceitar os mecanismos
de controle impostos pelo uso do poder coativo do Estado. Hobbes, ao contrário, defende a
posição de que os indivíduos aderem ao contrato social em troca da conservação da
seguridade e paz, então temos um consentimento para a autorrealização. O direito civil é a
liberdade dos súditos na sociedade; as leis são garantias de cumprimento dos contratos
realizados entre eles.
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A república, tal como é elaborada em sua teoria, é uma instituição política, o que
também nos remete a uma invenção da arte humana. Hobbes admite que as leis são uma
produção humana e são elaboradas pela autoridade concedida ao soberano, nesse sentido são
válidas para os membros da sociedade civil.
Porém, alguns intérpretes acreditam que os homens estão submetidos e obrigados aos
poderes estabelecidos pelo Estado por uma teoria da autoridade divina do rei, isto é, o Deus
imortal é aquele que com suas leis comandaria a vontade do poder soberano. Os homens
obedeceriam ao poder único pelas leis divinas. Os estudiosos teológicos acreditam que exista
na obra de Hobbes uma autoridade divina acima do soberano, o que colocaria a doutrina
contratualista hobbesiana em um segundo plano.
Os intérpretes divinistas, como Thamy Progrebinsch (2002), defendem que as leis
de natureza são também as leis divinas, e os homens se obrigariam a submeter-se ao Estado
antes mesmo de firmado o contrato recíproco entre eles. A autora cita o último parágrafo do
capítulo XIII para rebater os intérpretes que acreditam que o contrato é uma fonte de
obrigação. Essa passagem nós já citamos no tópico referente ao pacto social. A autora
teológica continua sua explanação ao assumir o pensamento de que há uma confusão sobre o
fundamento do contrato e da obediência.
Paixão e razão parecem se confundir como se confundem os fundamentos do contrato e
da obediência. O medo, o desejo e a esperança – paixões analisadas no capítulo VI do
Leviatã – têm povoado as mais diversas interpretações do contrato social hobbesiano. A
razão que sugere normas de paz ou de leis de natureza que levam os homens ao contrato
consiste ainda em objeto de indagação por parte dos comentadores de Hobbes. Que razão
é esta? Uma razão ética ou teológica? Razão humana ou Divina? É isso que se tentará
analisar ao identificar-se essa razão, que também se denomina leis de natureza ou normas
de paz, com a idéia de autoridade divina. (Thamy Progrebinsch, 2002, p.105).
O que Thamy indaga é que há outro fundamento do Estado, comprometendo
Hobbes com a metafísica teológica do período, porque o autor não teria desvencilhado a
submissão estabelecida pelo contrato social dos vínculos estipulados pelas leis de natureza,
sendo estas o fundamento único de toda a estrutura de poder. As leis de natureza
estabeleceriam a obrigação política entre os indivíduos e o poder soberano. Sendo divinas,
pressupõem uma obediência a Deus anterior à autoridade do Estado civil e ao pacto social.
41
O cumprimento das leis de natureza ocorreria previamente ao aparecimento do
direito positivado. Após a criação da sociedade civil, as leis de natureza seriam incorporadas
ao estatuto civil na consonância entre ambas.
Porém, será que é apenas essa obrigação primária ao soberano, derivada do contrato, a
que Hobbes se referia? Ou será que, a partir dessa afirmação, pode-se chegar a um
fundamento anterior dessas leis, ou seja, será que a sua obrigatoriedade está contida e
outro fundamento que não o próprio poder soberano? (…) Ora, é evidente ao longo do
Leviatã a preocupação hobbesiana com o surgimento de novas e outras religiões. Hobbes
quer assegurar a religião cristã, o que melhor então do que criar um Estado a partir de
princípios de obediência teológicos? A obediência à palavra divina e a segurança da
manutenção da cristandade assumem a forma de obediência ao Estado. O que é mais
eficiente então senão identificar as leis com a vontade de Deus?'' (Thamy Progrenbinsch,
2002, págs 107 e 111).
Vemos que são muitas as indagações de Thamy ao tentar estabelecer outro
fundamento para o Estado civil, criando uma interpretação para o problema da obrigação na
teoria hobbesiana. A autora salientou que as leis de natureza obrigam os súditos pelas leis de
Deus, mas, como fazer isso numa sociedade civil, na qual os direitos dos cidadãos é que são
assegurados e não as suas crenças ou a sua fé.
O contrato social emancipa os homens do estado de natureza bélico. A filosofia
política contratualista hobbesiana trata de uma doutrina, explica a origem do governo no
momento em que os indivíduos entregam-se à tutela do poder soberano. Após o contrato
social, deu-se a transferência dos poderes pessoais para o poder único do Estado soberano,
encarnando a representação das vontades gerais.
Portanto, para que as palavras justo e injusto possam ter lugar, é necessária alguma
espécie de poder coercitivo, capaz de obrigar igualmente os homens ao cumprimento de
seus pactos, mediante o terror de algum castigo que seja superior ao benefício que
esperam tirar do rompimento do pacto, e capaz de confirmar propriedade que os homens
adquirem por contrato mútuo, como recompensa do direito universal a que renunciaram.
(Hobbes,2008, p. 124).
Hobbes elabora o contratualismo como sistematização doutrinária para explicar o
momento em que os indivíduos aceitam superar o estado de natureza, estabelecendo uma
ordem social assegurada pelo Estado. Sugere a organização da sociedade e a obediência ao
poder do Estado como forma de evitar o regresso à barbárie do estado de natureza. A origem
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do contrato está no consentimento e ocorre à medida que os indivíduos cedem sua liberdade
irrestrita, isto é, abrem mão das vantagens da guerra em troca da preservação da vida, para
serem comandados por um poder único e soberano.
Pois se conseguíssemos imaginar uma grande multidão capaz de consentir na observância
da justiça e das outras leis de natureza, sem um poder comum que mantivesse a todos em
respeito, igualmente conseguiríamos imaginar a humanidade inteira capaz de fazer o
mesmo. Nesse caso não haveria, nem seria necessário, nenhum governo civil ou
república, pois haveria paz sem sujeição. (Hobbes, 2008, p. 145).
O poder do Estado está acima de qualquer outro e estabelece as leis coercitivas e
coativas. Hobbes acredita que é preferível um poder absoluto, centralizado no rei, à
possibilidade de anarquia, portanto somente o soberano sanciona a lei. O monarca é isento
das próprias leis civis, pois suas decisões são acatadas para evitar os conflitos da ausência de
lei. Contudo, o direito de resistência é evocado nos casos em que as leis que os protegem na
sociedade política são insuficientes para evitarem o estado de perigo à vida. O contrato é
mantido por um poder único e capaz de gerar uma organização coercitiva na sociedade.
O soberano de uma república, quer seja uma assembleia ou um homem, não se encontra
sujeito às leis civis. Como tem o poder de fazer e revogar as leis, pode, quando lhe
aprouver, libertar-se dessa sujeição, revogando as leis que o estorvam e fazendo outras
novas: por consequência, já antes era livre. Porque é livre quem pode ser livre quando
quiser. Além disso, a ninguém é possível estar obrigado perante si mesmo, pois quem
pode obrigar pode libertar; logo, quem está obrigado apenas perante si mesmo não está
obrigado. (Hobbes, 2008, p.227).
O poder do Estado é único e absoluto justamente para que não haja mais dúvidas
quanto ao que deverá ser cumprido por todos os homens. Somente o poder soberano pode
burlar as leis, pois é ele que as aprova ou as outorga, tendo em vista a preservação do
contrato social. Os objetivos do Estado são a preservação da vida, da propriedade, da
integridade física e dos riscos de retorno à barbárie. O poder único existe no ato de
impossibilitar que seja feita a vontade individual e particular de qualquer indivíduo. O Estado
suprime as liberdades individuais em benefício do bem público.
Diferentemente do que Thamy propõe, Hobbes diz que o soberano não está
43
obrigado às leis civis. Se as leis de natureza são asseguradas pelo soberano por meio das
sanções civis, então ele não se obriga ''in foro externo'' às leis divinas, que são as leis civis
em consonância com as leis de natureza. Como o próprio Hobbes disse, não há paz sem
sujeição, logo só nos resta afirmar que somente é realizada a vontade do poder único e não
aquilo que são supostamente as ordens de Deus.
O soberano está isento de cumprir as leis civis, pois está acima delas na sociedade.
Nem mesmo ''in foro interno'', haveria a possibilidade de ele cumprir as leis de natureza. Os
súditos cumprem o que o soberano ordena, mas o que pode revogar o contrato é o risco à
vida, coisa que suscita uma grande dúvida sobre a real condição do que seria melhor para o
bem público.
Numa situação de risco à sociedade civil, cabe ao soberano decidir o que fazer.
Portanto, como ele poderia se sujeitar e também a seus súditos aos preceitos das leis naturais,
nos casos em que declara guerra aos inimigos comuns? Não há neutralidade no Estado, e suas
ações visam à manutenção do contrato social, caso contrário volta-se à condição de guerra
civil.
O poder soberano é aquele que decide todas as questões pertinentes à seguridade
social e legisla para ordenar a condição anárquica, portanto goza de uma força ilimitada e
está acima de todos os outros poderes para essa finalidade. Caso um grupo de rebeldes queira
implantar uma situação de risco à seguridade, cabe ao Estado usar sua força para pôr fim a
ela. Isso ocorre nas situações de risco à vida em que só o Estado deve usar sua força na
proteção de todos, pois ele é a soma dos interesses coletivos.
É o soberano que decide quando uma lei será benéfica ou será abusiva para os seus
súditos visto que os súditos decidem acatá-la somente se não desrespeitar os seus direitos
inalienáveis. Se um poder paralelo interferir contra a sociedade civil, o Estado, efetiva sua
estrutura na finalidade de impedi-lo de se manter.
Os instrumentos empregados na seguridade pública são constituídos pelas leis civis
e órgãos públicos, portanto as ações contra os mecanismos de controle externos violam
preceitos da sociedade organizada pelo poder soberano e são duramente contidos. Por outro
lado, se não forem, podem destruir a república.
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Acontece por vezes também que no governo meramente civil há mais do que uma alma,
como, por exemplo, quando o poder de arrecadar impostos (que é a faculdade nutritiva)
depende de uma assembleia geral, o poder de conduzir e comandar (que é a faculdade
motora) depende de um só homem, e o poder de fazer leis (que é a faculdade racional)
depende do consenso acidental não apenas daqueles dois, mas também de um terceiro.
Isto coloca em perigo a república, às vezes por falta de consenso para boas leis, mas
sobretudo por falta de alimento que é necessário para vida e para o movimento. Pois,
muito embora alguns percebam que tal governo não é governo, mas divisão da república
em três facções, e a chamem de monarquia mista, a verdade é que não é uma república
independente, mas três facções independentes, não uma pessoa representante, mas três.
No Reino de Deus pode haver três pessoas independentes sem quebra da unidade no Deus
que reina, mas, quando são os homens que reinam e estão sujeitos à diversidade de
opiniões, isso não pode acontecer. (Hobbes, 2008, p. 279).
A sociedade civil está organizada na coercitividade jurídica do Estado, fundamentada
pelo contrato social, cujos efeitos não inibem a evocação do direito de resistência que ocorre
quando existe a violação ou abuso de poder do Estado diante dos direitos inalienáveis como a
vida. Portanto, acreditamos que a obediência dos súditos deriva-se do aparelho estatal
incluindo a judicatura implementada na garantia da validade contratual. A soberania advém
da convenção legitimada por uma organização política.
A transferência mútua de direitos é aquilo a que se chama Contrato (...) Um dos
contratantes pode, de sua parte, entregar a coisa contratada, e deixar que o outro cumpra a
sua parte num momento posterior determinado, confiando nele até lá. Nesse caso, da sua
parte o contrato chama-se pacto ou convenção. (...) Resignar-se a um direito
simplesmente renunciando a ele, ou transferindo-o para outrem. Simplesmente
renunciando, quando não importa em favor de quem irá redundar o respectivo benefício.
Transferindo-o, quando com isso se pretende beneficiar uma determinada pessoa ou
pessoas. Quando de qualquer destas maneiras alguém abandonou ou adjudicou o seu
direito, diz-se que fica obrigado ou forçado a não impedir àqueles a quem esse direito foi
abandonado ou adjudicado o respectivo benefício, e que deve, e é seu dever, não tornar
nulo esse seu próprio ato voluntário e que tal impedimento é Injustiça e dano dado que é
sine jure, pois se transferiu ou renunciou ao direito Dano ou injustiça, nas controvérsias
do mundo, é de certo modo semelhante àquilo que nas disputas dos escolásticos se chama
absurdo. Porque tal como nestas últimas se considera absurdo contradizer aquilo que
inicialmente se sustentou, assim também no mundo se chama injustiça e dano desfazer
voluntariamente aquilo que inicialmente se tinha voluntariamente feito. (...) A matéria ou
objeto do pacto é sempre alguma coisa sujeita a deliberação (porque fazer o pacto é um
ato da vontade, quer dizer, um ato, da deliberação); portanto sempre se entende ser
alguma coisa futura, e que é considerada possível cumprir por aquele que faz o pacto. (...)
Um pacto em que eu me comprometa a não me defender da força pela força é sempre
nulo. Porque ninguém pode transferir ou renunciar ao seu direito de evitar a morte, os
ferimentos ou o cárcere (o que é o único fim da renúncia do Direito), e, portanto a
promessa de não resistir à força não transfere nenhum direito em pacto algum, nem é
obrigatória. (...) Antes da sociedade civil, ou em caso de interrupção desta pela guerra,
nada há que seja capaz de fortalecer um pacto de paz a que se tenha anuído, contra as
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tentações da avareza, da ambição, da concupiscência, ou outro desejo forte, a não ser o
medo daquele poder invisível que todos cultuam como Deus, e na qualidade de vingador
da sua perfídia. ( Hobbes, 2008, págs:114,115,121 e 122).
A república é instituída, e o poder soberano cria as leis civis estabelecendo o Estado
de direito, pela capacidade de apaziguar os conflitos provocados pelo estado de natureza. A
ordem é uma criação artificial, porque é legislado por um homem detentor das decisões
universais para o bem público.
Os homens percebem que a paz é uma conquista e que, vivendo por impulsos
desmedidos, não se sentiriam protegidos das suas próprias forças, que são empregadas na
busca de bens necessários à sobrevivência. A guerra é o empecilho do desenvolvimento do
homem em sociedade. Somente tendo seus direitos assegurados pelo Estado, poderiam atingir
uma ordem plena contra os males de sua própria condição antropológica.
A sociedade civil regrada por lei é uma invenção do homem artificial, pois a força
do emprego da lei como dever e obrigação gera os laços profundos da organização da
sociabilidade, bem como o não cumprimento envolve a exclusão do indivíduo transgressor do
convívio social.
O Estado tem a obrigação de conservar a paz e o direito. Caso não existisse o
Leviatã, os homens voltariam a se autogovernar, retrocedendo ao estado de natureza.
Portanto, o Estado deve garantir a sociedade civil. É nesse aspecto que o poder soberano
representa a vontade de cada um, cabendo até o uso da força pelo Estado para manter a
seguridade social contra inimigos comuns.
A religião não desempenha o papel de fio condutor da obediência, das leis, da justiça
e da equidade. Assim, todos os indivíduos, mesmo aqueles que têm uma crença ou uma fé
nas leis divinas, estão submetidos à organização coercitiva do Estado. A liberdade dos
súditos é condicionada ao que possa ser feito conforme as leis criadas para garantir a ordem
social, pois a sociedade civil não é cerceada pelas paixões, mas pela reta razão dos homens
no cumprimento do pacto celebrado.
Os súditos que não tenham recebido uma revelação segura e certa relativamente à vontade
de Deus, feita pessoalmente a cada um deles, devem obedecer como tais às ordens da
república. Porque se os homens tivessem a liberdade de tomar por mandamentos de Deus
os seus próprios sonhos e fantasias, ou os sonhos e fantasias de determinados indivíduos,
dificilmente haveria dois homens capazes de concordar quanto ao que são os
mandamentos de Deus, e além disso, por respeito a eles, todos desprezariam os
mandamentos da república. (Hobbes, 2008, p.245).
46
A liberdade criada pelo Estado concede aos indivíduos a livre-iniciativa, pois existe
a vontade popular em se respeitar o uso da força na finalidade de preservar as leis
garantidoras da ordem social. Contudo, cabe a cada um julgar por si aquilo que considerar
uma virtude moral ou um ato ilícito, pois as leis de natureza sempre existiram ''in foro
interno'' e auxiliaram os homens no cumprimento e na formulação da judicatura.
A passagem de um estado natural para uma ordem social regrada por leis impõe a
limitação das liberdades dos homens em função de uma obediência exterior guiada por um
poder soberano.
As leis não são para constranger a existência dos homens mas servem para dirigi-los,
protegê-los contra si mesmos e contra os outros, com a finalidade de que reine a paz.
Portanto, a liberdade dos súditos, uma ampla esfera da liberdade real, é assegurada pela
própria lei, ou seja, pelo silêncio da lei. (Sérgio Wollmann,1993, p.92).
Em Sérgio Wollmann (1993), a liberdade civil é condicional, pois os indivíduos são
coagidos pela lei a obedecer ao poder soberano. O direito de resistência é cabível somente se
existe o risco de violação da preservação da vida, pois, sem a iminente situação em que uma
lei ou ato venham a provocar riscos a outrem, não existe na teoria hobbesiana o direito de
resistir à pretensão estabelecida verticalmente pelo poder soberano. As leis estabelecidas pelo
Estado geram os laços de coercibilidade e não provocam a ruptura de todo o aparato
estabelecido pela república.
Podemos concluir que Hobbes afirma que, se houver uma facção do poder, a
república ruirá, então o poder do Estado deve ser absoluto para conduzir ao bem público. Os
súditos estão sujeitos às leis da república, mas estas não são puras leis acidentais, são regras
fundamentadas racionalmente, visando aos fins pelos quais a sociedade civil deverá ser
mantida e conservada a sua soberania.
47
Capítulo 2
A FILOSOFIA POLÍTICA
2- A Influência da Ciência Moderna na Filosofia de Hobbes
O conceito de causa envolve a conexão entre uma cadeia de eventos no tempo e no
espaço. A segunda diz-se que é o efeito, a partir da primeira. O homem possui em essência a
peculiaridade de descobrir os eventos causais por meio da experiência, isto é, quais os
possíveis efeitos ocorridos para sucessão da série; só ele é dotado da condição lógica de
entendimento dos acontecimentos averiguados, sendo-lhe peculiar procurar uma explicação
sobre a boa ou má fortuna.
A série de eventos causais pressupõe um antecedente para as consequências dos
efeitos. Remete-se ao princípio da causalidade, ou seja, às relações possíveis entre as coisas.
Investigar um evento é pensar o antecedente que o provocou e intuir uma resposta
interessante, sendo esta comprovada pela repetição, se ocorrer a consonância com seu
resultado esperado. Definir uma causa por meio do princípio lógico é compreender seu
consequente, essa é uma peculiaridade do raciocínio empírico hobbesiano. Hobbes (2008,
p.93): ‘’o homem, por seu lado, observa como um evento foi produzido por outro e recorda
os seus antecedentes e consequentes’’. O autor define a memória como a capacidade de
recorrer às abstrações possíveis dos eventos analisados no tempo.
Os homens extraem experiências das suas memórias, recordando-as. Hobbes é
empirista, pois entende que, pela interpretação dos efeitos das sequências causais passadas,
os indivíduos se tornam conhecedores dos efeitos possíveis e sagazes em relação às suas
expectativas inferidas da relação causal dos eventos da série.
Porque na sensação de uma mesma coisa percebida ora se sucede uma coisa, ora outra,
acontece com o tempo que ao imaginarmos alguma coisa não há certeza do que
imaginaremos em seguida. Só temos a certeza de que será alguma coisa que antes, num
ou noutro momento, se sucedeu àquela. (Hobbes, 2008, p.24, 2ºpar.).
48
Hobbes compreende que as ações passadas são recordadas pelos homens, quando
eles aplicam essa experiência às suas ações presentes e conduzem seus desígnios com mais
certeza do que antes. Ele também faz a distinção entre o homem racional, dotado de
recordações e lembranças, e os outros animais incapazes de serem sagazes, pois na natureza
não existem fatos passados, mas tão somente as ações presentes. As recordações são
realizadas na mente humana e não existem ''in foro externo''.
Hobbes defende a posição de que os homens utilizam suas mentes para criarem
sequências lógicas (discurso mentais), sendo estes capazes de expressarem-se por
proposições (discurso em palavras). Hobbes (2008, p.24, 1º par.) diz: ‘’Por sequência, ou
cadeia de pensamentos, entendo aquela sucessão de um pensamento a outro, que se denomina
(para se distinguir do discurso em palavras) discurso mental.’’
Na sequência de pensamentos, que é a sucessão de uma coisa a outra, podemos ter
uma resposta lúcida às questões ou podemos nos perder neste discurso mental. Os indivíduos
que não desvendam ou estão impossibilitados de descobrir as verdadeiras causas das coisas
supõem causas e deixam-se guiar pelo desconhecido. O devaneio não representa a realidade e
é definido por Hobbes como uma cadeia de pensamentos desgovernados.
A barbárie é a própria situação de desgoverno, por isso os indivíduos preferem não
confiar uns nos outros, Temos, por outro lado, a sequência lógica de discurso mental que põe
fim à ilusão e alicerça a doutrina política hobbesiana. O autor apresenta a motivação para o
governo na compreensão da realidade.
Esta cadeia de pensamentos, ou discurso mental, é de dois tipos. O primeiro é
desgovernado, sem designio, e inconstante, não havendo nenhum pensamento apaixonado
para governar e dirigir aqueles que se lhe seguem, como fim ou meta de algum desejo, ou
outra paixão. ( Hobbes, 2008, p.24, 3ºpar.).
Todo pensamento sem governo desencadeia problemas, portanto este é o lado
egoísta do ser humano motivado por orgulho, egoísmo e individualidade. A guerra gera a
discórdia e o sentimento de honra ao vencedor; a traição de Cristo custou 30 moedas, que foi
o preço pago pelo beijo de Judas em sua face, identificando-O aos soldados romanos.
Portanto, há na natureza humana um sentimento avesso aos princípios.
49
A segunda (refere-se ao tipo sequência de pensamentos) é mais constante por ser
regulada por algum desejo ou desígnio. Pois a impressão feita por aquelas coisas que
desejamos ou tememos é forte e permanente, ou (quando cessa por alguns momentos) de
rápido retorno. É por vezes tão forte que impede e interrompe o nosso sono. (Hobbes,
2008, p.25, 2º par.).
Nesta segunda sequência de pensamentos, o autor diferencia a cadeia de
pensamentos desgovernados por um outro tipo de discurso mental, sendo este motivado pelo
desejo ou pelo desígnio. Neste ponto, Hobbes está definindo que a série causal do indivíduo
está sendo comandada por um motivo ou inclinação para a ação.
A sequência causal motivada pelo impulso é guiada pela busca do prazer de
satisfazer apenas as suas vontades fisiológicas. A segunda sequência causal é motivada pelo
desígnio, para tanto o elemento primordial desta corrente de pensamento é a inclinação que o
levou a fazer a ação que abrirá a série de eventos previstos.
A cadeia de pensamentos regulados é de duas espécies; primeira, quando, de um efeito
imaginado, buscamos as causas ou os meios que o produziram, e esta espécie é comum ao
homem e aos outros animais; a outra, ao imaginarmos seja o que for, buscamos todos os
possíveis efeitos que podem por essa coisa ser produzidos ou, por outras palavras,
imaginamos o que podemos fazer com ela, quando a tivermos. Desta espécie só tenho
visto indícios no homem, pois se trata de uma curiosidade pouco provável na natureza de
qualquer criatura viva que não tenha outras paixões além das sensuais, como por
exemplo, a fome, a sede, a lascívia e a cólera. Em suma, o discurso do espírito, quando
um desígnio o governa, nada mais é do que uma busca, ou faculdade de invenção, que os
latinos denominam ‘sagacitas’ e ‘solertia’, uma descoberta das causas de algum efeito
presente ou passado, ou dos efeitos de alguma causa passada ou presente. (Hobbes, 2008,
p.26, par. 1º).
Há duas cadeias regulares: uma comum aos homens e outros animais irracionais
que são aquelas manifestas por impulsos, isto é, refere-se às causas que motivaram a série de
pensamentos a serem satisfeitas em acordo às inclinações fisiológicas. Porém, Hobbes diz
que somente os homens têm a capacidade de associar os efeitos dessas séries causais pelo
discurso do espírito, buscando compreender e inventariá-las, isto é, sobressaindo-se ao puro
instinto. Assim, os indivíduos agem racionalmente, verificando fatos passados e presentes,
bem como ruins ou bons, e compreendem os efeitos das causas possíveis. O homem se
50
distingue dos outros animais ao observar como um evento foi produzido por outro e recordar
seus antecedentes e consequentes.
Hobbes entende que existem ''causas primárias'' para a série de eventos
comandada pelo processo mental. O homem, usando a sua capacidade de memorizar tais
efeitos, sente-se confiante para prever os seus consequentes. A cadeia de pensamentos formase empiricamente e é determinada pelos antecedentes que irão compor a série dos efeitos
causais. Os indivíduos entendem os efeitos da coisa e pressupõem aquilo que vai ocorrer para
as mesmas sequências causais.
Ao analisar a sequência de eventos no tempo, extraem a experiência possível para
agirem. A série retrocede ‘in foro interno’ a favor daquele que a recorre, mas não avança
porque não é possível saber o futuro. O homem emprega o método empírico na prevenção de
situações e também na realização de ações. O uso racional, para Hobbes, está na alocação e
organização das informações obtidas pela experiência.
Mas isto é certo: quanto mais experiência das coisas passadas tiver um homem, tanto
mais prudente é, e as suas expectativas raramente falham. Só o presente tem existência na
natureza; as coisas passadas têm existência apenas na memória, mas as coisas que estão
por vir não têm existência alguma, sendo o futuro apenas uma ficção do espírito,
aplicando as sequências das ações passadas às ações que são presentes, o que é feito com
mais certeza por aquele que tem mais experiência, mas não com a certeza suficiente (...)
um signo é o evento antecedente do consequente e, contrariamente, o consequente do
antecedente, quando consequências semelhantes foram anteriormente observadas. E
quanto mais vezes tiverem sido observadas, menos incerto é o signo. ( Hobbes, 2008,
p.27).
Quanto mais vezes uma mesma sequência de eventos for observada, mais provável
se torna a conexão dos signos correspondentes. Podemos dizer: Se amanhã chover, não fará
sol. Isso se refere ao fato de nos antepormos ao fato e prevermos o seu consequente. Bem
como: Se amanhã fizer sol, não choverá. Hobbes está afirmando que os homens, por terem a
capacidade de recordar os antecedentes que levaram a tal consequência e por sistematizarem
determinadas situações pela observação e pelos testes vivenciados, podem recordá-los a todo
instante por meio da memória e supor o que acontecerá, caso venha a ocorrer a mesma série
prevista. Os indivíduos tornarão as suas expectativas assertivas se puderem decifrar a série
causal dos eventos e chegarem a uma proposição lógica.
51
Hobbes sabe que o mundo se originou no tempo e no espaço, preocupa-se em
averiguar a validade do evento, deixando-o retroceder até que chegue à causa primária do
efeito da série. As respostas encontradas pelos homens podem ser duas: a primeira seria
aquela que é compatível com a dos seres irracionais, isto é, as causas e os fins que a
produziram. A segunda é o conhecimento dos efeitos possíveis produzidos pela coisa,
empregando o método empirista para compreender os fins em que podemos inteirá-la;
Hobbes denomina essa investigação de ''discurso do espírito'', que é governada pelo designio
e se trata de uma invenção humana.
Hobbes compreende que a sociedade civil não é regulada e explicada por leis
naturais. A concepção política de que as ações políticas justificam seus meios e necessitam
de um retorno compõe a visão utilitarista que entende o social a partir de conceitos extraídos
de princípios oriundos da ordem natural, opondo-se aos conceitos morais como princípios
reguladores do convívio e sociabilidade. Hobbes procura explicar por meio da sua
cientificidade as leis que regulam o social e as ações. Se determinado ato vai trazer prejuízos
para a sociedade, pela compreensão dos efeitos das causas podemos gerar uma base coerente
capaz de possibilitar a contestação dos princípios metafísicos teológicos.
2.1- As Causas Primárias e seus Consequentes: Hobbes
VS Aristóteles
A cosmologia é a explicação das causas sem uma lógica formal ou cálculo,
respaldada por argumentos puramente especulativos. A visão cosmológica pretendia gerar
teorias para explicar o mundo como totalidade, ou seja, justificar todas as coisas de maneira
metafísica. Os metafísicos discordam do princípio da causalidade, pois acreditam poderem
conhecer as coisas por meio de uma resposta abrangente sobre o problema, sem consultarem
a série dada pelo evento no tempo e no espaço. Portanto, os metafísicos pretendem livrar o
princípio da causalidade das amarras da experiência possível. Por outro lado, a teoria
hobbesiana entende o homem como agente que busca, diante da compreensão dos efeitos
52
provocativos das consequências, chegar a uma causa primária para a coisa em si,
compreendê-la e questionar, o porquê.
A ideia aristotélica do primeiro motor imóvel11, entendida pelo pensamento
medieval, refere-se à concepção de que, se mergulhássemos na série causal dos eventos,
chegaríamos à explicação de que a origem do universo se encontra em Deus. Encontraríamos
para todas as coisas do universo um primeiro motor, ele próprio não criado, mas que gerou
toda a série dos eventos causais, isto é o ''Deus aristotélico'' na teoria medieval.
É o começo de todas as coisas, tudo se move e se altera. Toda alteração e todo
movimento exigem uma causa, isto é, alguma coisa que os torne possíveis. Contudo, essa
alteração e esse movimento que dão origem a todas as outras coisas, na teoria aristotélica,
não são explicados por leis ou princípios. Mas, extraem sua validade pela argumentação
metafísica.
Aristóteles afirma que não pode haver um regresso ao infinito das causas, por isso
tem que haver um primeiro motor e ele próprio motor movido. Então, por que tem que haver
um primeiro motor e por que as causas não podem ser infinitas? Porque, se formos
regredindo infinitamente às causas, encontraremos vários motores e não um único. Na
concepção escolástica aristotélica, a ação é espontânea porque advém da alma, ou seja, não é
determinada por nenhuma outra ação ou outra causa anterior.
Um corpo inerte não possui movimento. É preciso alguma coisa agindo sobre ele
para que ele saia do estado de repouso e mova-se. A física explica que uma força provoca o
impulso que leva ao deslocamento, retirando-o do estado inerte. A concepção aristotélica
sobre a razão de o corpo inerte mover-se é uma lei metafísica, porque não tem uma força
agindo sobre o objeto, mas toda a alteração partiu de Deus, pois ele é o primeiro motor. A
sequência causal é iniciada por esse primeiro motor, sendo ele próprio o início de toda a série
posterior.
Entretanto, a mudança não vem do nada e é necessária alguma explicação para
sabermos a alteração. A experiência possível na resolução de dúvidas quanto à explicação
dos eventos causais é aquilo que leva ao homem a renegar a sua apatia sobre as causas
naturais e utilizar a reta razão. Hobbes retira o centro do pensamento eclesiástico e o transfere
11
- Metafísica, Livro XI.
53
diretamente para o homem como ser que é capaz de reconhecer os efeitos que são possíveis
para a série causal do evento, assim tem explicações pensadas e não cosmológicas.
Hobbes vai refutar a religião e, consequentemente, o Deus único como fundamento
para os eventos causais e afirmar a religião como secundária para a efetivação da sociedade
civil. A política é referente ao caminho legítimo e eficaz para termos assegurada a paz.
Hobbes nos diz que apenas há efeitos possíveis para uma causa e aqueles que mergulham na
série infinitamente sem levar em consideração que os eventos são conhecidos pelos homens e
não são cosmológicos encontram-se sensibilizados à teoria aristotélica do primeiro motor
imóvel. O modelo hobbesiano é o de causa-ação e é válido para as relações humanas.
Este medo perpétuo que acompanha os homens ignorantes das causas, como se
estivessem no escuro, deve necessariamente ter um objeto. Quando portanto não há nada
que possa ser visto, nada acusam, quer da boa quer da má sorte, a não ser algum poder ou
agente invisível. Foi talvez neste sentido que alguns dos antigos poetas disseram que os
deuses foram criados pelo medo dos homens, o que, se aplicado aos deuses (quer dizer,
aos muitos deuses dos gentios), é muito verdadeiro. Mas o reconhecimento de um único
Deus eterno, infinito e onipotente pode ser derivado do desejo que os homens sentem de
conhecer as causas dos corpos naturais, e as suas diversas virtudes e operações, mais
facilmente que do medo do que possa vir a acontecer-lhes nos tempos vindouros. Pois
aquele que de qualquer efeito que vê ocorrer infira a causa própria e imediata desse
efeito, e depois a causa dessa causa, e mergulhe profundamente em direção à busca das
causas, deverá finalmente concluir que necessariamente existe (como até os filósofos
pagãos confessavam) um primeiro motor. Isto é, uma primeira e eterna causa de todas as
coisas, que é que os homens significam com o nome de Deus. (...) porque a filosofia e
doutrina de Aristóteles foi levada para a religião pelos escolásticos. Pois daí vieram à tona
tantas contradições e absurdos que acarretaram para o clero uma reputação tanto de
ignorância como de intenção fraudulenta. (Hobbes, 2008, p.94 e p. 105).
Hobbes faz uma ironia daqueles que buscam explicações para os corpos naturais e
sua cientificidade no reconhecimento do Deus único e eterno. As razões desconhecidas e
avaliadas pela cosmovisão levam os homem a mergulhar na série até chegar ao motor imóvel,
sem desenvolver as habilidades de averiguar os eventos pela experiência, o que os faz crer e
ter fé na ficção.
A segunda crítica é a separação que Hobbes faz entre as capacidades intelectuais
dos homens e dos animais. Os homens em busca de status promovem no estado de natureza a
barbárie. Somente no homem moderno encontramos a capacidade de entender os efeitos
54
possíveis das causas primárias e descobrir os seus consequentes; os animais agem por
impulso e tão somente sofrem os efeitos das causas.
A série de eventos é determinada pelo antecedente que pressupõe uma causa
possível, não acontecem efeitos contracausais. Os efeitos se justificam pelo modelo causaação e a série se estende até o alcance da memória dos indivíduos.
Há a preocupação em fazer a distinção entre os homens e os animais, ou sociedade
e natureza. Notamos em sua obra, além do conceito de Estado elaborado pelo autor, também
uma visão antropológica do homem e sua peculiar formação.
O indivíduo, no estado de natureza, é guiado apenas pela aquisição de bens e status
e se torna um ser isolado. Portanto, não difere dos animais irracionais na luta pela
sobrevivência; mas, devido à sua capacidade de conhecer os efeitos possíveis da coisa, é
capaz de superar esse estado de mediocridade e elevar-se a uma categoria acima de todos os
outros seres.
Na teoria ética aristotélica, os homens não são livres para pensar os fins. Ele
entende a condição humana determinada pela natureza, ou seja, é dela que temos a
capacidade de receber o conhecimento e este é aperfeiçoado e apurado pelo hábito. No livro
Ética a Nicômaco, Aristóteles (2007) defende a ideia de que o homem é capaz de pensar os
meios e não os fins, pois estes são completamente determinados pela natureza humana. O
indivíduo é determinado pelos meios, pois não tem uma previsão dos melhores fins.
Portanto, cada proposição deverá ser recebida dentro dos mesmos pressupostos, pois é
característica do homem instruído buscar precisão, em cada gênero de coisas, apenas até o
ponto que a natureza do assunto permite, do mesmo modo que é insensato aceitar um
raciocínio apenas provável da parte de um matemático, e exigir demonstrações científicas
de um retórico. (Aristóteles, 2007, p.19).
No âmbito hobbesiano, a natureza humana está em pensar as causas e efeitos para
o consequente e dessa forma guiar as ações. Hobbes define como os homens podem
manifestar seu lado bom e mau. Contudo, há sempre um efeito previsto e visado pelos
homens, sendo estes motivados pelas consequências de seus desejos, tanto os reprimidos
quanto aqueles manifestos. O estado de natureza iguala os homens pelo emprego da razão na
obtenção de bens, mesmo os mais fracos conseguem superar a força dos mais fortes, então
pelas paixões tem-se um estado de conflito. Os homens não são bons por natureza, precisam
antes de um poder maior do que eles próprios capaz, de torná-los sociáveis.
55
Hobbes afirma que os indivíduos são dotados das mesmas capacidades físicas. É a
‘sagacitas’ ou a apuração dos efeitos possíveis para as causas que os distinguem dos outros
animais quanto aos signos causais. Os conhecimentos das causas primárias e a obtenção de
respostas sobre seus efeitos permitem que o homem deduza quais serão seus atos em vista de
possíveis consequentes; portanto, empregar a ação vai sempre no sentido de poder alcançar
os bens visíveis em detrimento dos males que possam se tornar obstáculos. Pressupõe que os
indivíduos conheçam os meios e guiem-se quanto aos fins, o que remete a uma concepção de
ação referente às decisões de acordo com a vontade.
Na deliberação, o último apetite ou aversão imediatamente anterior à ação ou à
omissão desta é o que se chama vontade, o ato (não a faculdade) de querer. Os animais, dado
que são capazes de deliberações, devem necessariamente ter também vontade. A definição de
vontade vulgarmente dada pelas escolas, como apetite racional não é aceitável. Porque, se
assim fosse, não poderia haver atos voluntários contra a razão. Pois um ato voluntário é
aquele que deriva da vontade, e nenhum outro.
Hobbes considera que tanto os homens quanto os animais são capazes de
deliberações, ou seja, fazer ou omitir uma ação. Sendo assim, ambos dotados de vontades.
Contudo, o homem tem a capacidade de buscar bens visíveis pelo seu empenho e não
puramente pelo instinto de sobrevivência.
O agir dos indivíduos é definido pela capacidade de agir em relação àquilo que se
delibera. Portanto, a vontade e o empenho, não a razão, levam os homens a agirem ou
omitirem, já que existem boas e más ações. Os animais não se importam quanto aos fins, pois
guiam-se por vontades fisiológicas.
Como na deliberação os apetites e aversões são suscitados pela previsão das boas ou más
conseqüências e sequelas da ação sobre a qual se delibera, os bons ou maus efeitos dessa
ação dependem da previsão de uma extensa cadeia de conseqüências, cujo fim muito
poucas vezes qualquer pessoa é capaz de ver. Mas até o ponto em que se consiga ver que
o bem dessas conseqüências é superior ao mal, o conjunto da cadeia é aquilo que os
autores chamam bem visível ou manifesto. Pelo contrário, quando o mal é maior do que o
bem, o conjunto chama-se mal visível ou manifesto. (Hobbes, 2008, p.57, 2º par.).
Os homens, nas suas deliberações, preveem os consequentes das suas ações, ou
seja, já existe uma coadunação com base em fatos transcorridos e em relação ao bem visível.
Portanto, é válido acrescentar um compromisso social nas ações realizadas pelos indivíduos.
A condição de chegar ao final da série é remota, mas os homens pesam suas decisões em
56
detrimento total dos aspectos maléficos do bem desejado. Hobbes, contudo, entende a
importância de compreender objetivamente aquilo que realmente se busca.
Hobbes acredita que a capacidade de desejar algo tem uma consonância com o
amor, já a aversão é o oposto e identifica-se com o ódio. O simples ato de desejar não é o
objeto e o mesmo acontece com a aversão, que não é o objeto. O amor e o ódio são os
próprios objetos.
Então, o conceito da satisfação está em antagonismo àquilo considerado
desagradável. São polos opostos. Ou se consegue algo bom, ou ruim. Quanto mais a ação for
benéfica e amável, maior é a graça do indivíduo.
Não há mensura do bem, mas a
possibilidade de alcançá-lo através do labor. O que torna a ordem social possível é a
regulamentação dos acordos estabelecidos e a proteção da sociedade mediante as ameaças
externas.
Contudo, não existe a preocupação do Estado em zelar pelo planejamento da
qualidade de vida dos indivíduos. Seu papel é a proteção e defesa da sociedade civil como
um todo. Hobbes introduz o conceito de ação voluntária12 referente à chance que o homem
possui por meio do labor em construir laços familiares, sociáveis e adquirir propriedade. Os
indivíduos buscam com mais vontade aquilo que amam e se distanciam dos males a que têm
uma aversão.
As funções vitais comuns a todos os animais são aquelas caracterizadas como um
movimento de geração e evolução da espécie. O apetite e o desejo referem-se a essas ações e
são comuns a todos os animais, pois os movem pelo instinto e significam aproximação. Ao
contrário, a aversão é o afastamento. O segundo tipo de movimento é aquele chamado
voluntário, porque depende de um estímulo da imaginação para ser ativado. São exemplos: o
ato de correr, andar, falar e outros relacionados à mente para guiá-la e induzi-la
.
12
-Hobbes está interessado em saber a motivação do homem em viver na sociedade. A ação voluntária explica a dedicação
ao labor e detrimento da constante busca por status no estado de natureza.
57
2.2- Dos Prazeres do Espírito e Bens Visíveis
O utilitarismo é substituído na teoria hobbesiana pelo conceito de ação voluntária.
Os homens, ao dedicarem seus esforços ao labor, têm a possibilidade de alcançar os bens
visíveis. Os acordos celebrados entre eles são resguardados pelo direito. A ação é coordenada
e indiferente às paixões impulsivas e peculiares aos indivíduos na situação de barbárie.
No estado natural, não há propriedade, sequer a noção de justiça ou daquilo que é
bom ou mau, então não existe uma satisfação completa das necessidades, mas a constante
disputa. A luta pela sobrevivência é igual para todos e apenas se difere em relação ao
conhecimento dos efeitos das causas que os motivam a agir.
Portanto, o prazer (ou deleite) é a aparência ou sensação do bem, e o incômodo ou
desprazer é a aparência ou sensação do mal. Consequentemente, todo apetite, desejo e
amor é acompanhado por um deleite maior ou menor, e todo ódio e aversão, por um
desprazer e ofensa maior ou menor. (Hobbes, 2008, p. 49, 1ºpar.).
Hobbes está estudando as sensações dos homens e seus sentimentos. Os prazeres
dos sentidos são aqueles advindos do corpo, ou seja, tudo o que é causado pela sensação
física e que se torna agradável. De acordo com Hobbes (2008, p.50): ‘’dentre os prazeres ou
deleites, alguns derivam da sensação de um objeto presente, e a eles pode-se chamar prazeres
dos sentidos’’.
O segundo tipo de prazer provém do espírito e relaciona-se a um fim previsto
empiricamente, cuja finalidade é a alegria, a concórdia, a sociabilidade e outros. Os animais
movem-se apenas pelos efeitos que os compelem a saciar os prazeres corporais e os homens
satisfazem, não apenas os prazeres do corpo, mas aqueles advindos do espírito, adquiridos
pela experiência possível dos efeitos das causas.
Outros prazeres ou deleites derivam da expectativa provocada pela previsão do fim ou
consequências das coisas, quer essas coisas agradem ou desagradem aos sentidos. Estes
são os prazeres do espírito daquele que extrai essas conseqüências, e geralmente recebem
o nome de alegria. (Hobbes, 2008, p. 50, 2º par.).
58
O homem, na teoria hobbesiana, maximiza sua preocupação em assegurar os laços
profundos das relações sociais, pois no estado de natureza não existia a possibilidade de
satisfazer os deleites do espírito devido à insegurança desse estado bélico. A distinção entre
ordem natural e social novamente está estabelecida; quando temos a separação dos elementos
de prazer que movem os homens e os animais na busca de satisfação. Os homens aceitam que
é preciso um compromisso com a ordem social na aquisição de bens; em contraposição, os
animais maximizam a ação por bens.
Hobbes prova que somente o homem é capaz de investigar a causa, chegar a uma
conclusão coerente, elaborar a previsão da cadeia desses eventos na série e empregar nas suas
ações pelos bens visíveis. Os animais não são capazes de relembrar suas experiências
passadas, porque não têm memória, por isso são determinados a agir pelo instinto ou prazeres
dos sentidos. Somente o homem é dotado da capacidade investigativa pelo pleno
conhecimento das causas primárias.
As causas determinadas pelo instinto fogem do juízo porque são sem nexo, fio
condutor do pensamento. e levam ao domínio natural das ações. O desgoverno se dá quando
não temos uma noção de bem e mal, certo e errado, justo e injusto. É o momento em que os
indivíduos se assemelham aos outros animais, porque não são lógicos e os impulsos os
tornam selvagens. O preceito da organização advém do espírito e não da sua singular
característica humana natural.
Os elementos que impõem uma sociabilidade são advindos da vontade dos
indivíduos e do conhecimento das experiências possíveis, ou seja, os efeitos que são
produzidos pela ação, tendo estes as consequências previstas, o que incumbe os homens de
moldarem seus atos e se empenharem em fazer o designio do espírito. A qualificação para
que não seja mais praticada nenhuma violação contra outrem advém da vontade geral em
abdicar dos prazeres puramente carnais.
O desejo de saber o porquê e como chama-se curiosidade, e não existe em nenhuma
criatura viva a não ser no homem. Assim, não é só pela razão que o homem se distingue
dos outros animais, mas também por esta singular paixão. Nos outros animais, o apetite
pelo alimento e outros prazeres dos sentidos predominam de modo tal que impedem toda
e qualquer preocupação com o conhecimento das causas, o qual é uma lascívia do espírito
que, devido à persistência do deleite na contínua e infatigável produção de conhecimento,
supera a fugaz veemência de qualquer prazer carnal. (Hobbes, 2008, p. 52, 2º par.).
59
Além dos prazeres que são provocados pelos sentidos do corpo ou pelo espírito, o
autor irá fazer uma ligação desses prazeres com a possibilidade de obtenção do objeto do
desejo, isso forma uma nova cadeia, unindo-o ao movimento denominado por sentimento.
Hobbes (2008, p. 50, 3º par.) ‘’Estas paixões simples chamadas apetite, desejo, amor,
aversão, ódio, alegria e tristeza recebem nomes diversos conforme a maneira como são
consideradas’’. Há neste movimento um duplo viés: ora o sentimento almejado pode ser uma
coisa boa, ora uma coisa má. Isso é o que classifica os sentimentos em coisas boas ou ruins.
2.3 – O Governo
As ações desgovernadas reforçam o quadro de insociabilidade, já que
desencadeiam um mal. Com isso, nos deparamos com a dura realidade da natureza humana,
pois cada qual busca o que é melhor para si.
A concepção hobbesiana sobre os costumes não remete a um valor da pequena
moral, pois, sem regras claras, não há convívio. Os costumes tratam de qualidades que dizem
respeito à vida comum em paz e unidade. O autor afirma a possibilidade de o governo
efetivar os mecanismos externos de controle. O indivíduo que não põe freio ao seu impulso
ou cadeia de pensamento desgovernado pode ferir aquilo que é um desejo comum, ou seja,
procurar a paz.
No estado de natureza, os indivíduos eram livres, contudo não eram motivados por
sentimentos nobres. O constante estado de ameaça em que viviam os tornava inseguros. Os
homens eram livres quando agiam, mas a natureza os fez iguais a todos os animais, então
seus impulsos guiados pelo desejo os levavam à busca da satisfação por bens que lhes
garantissem status.
Empregavam sua iniciativa na busca de sobrevivência. A não concórdia pela
satisfação dos bens primários levava a uma disputa pela sobrevivência, consequentemente à
guerra de todos contra todos pelas funções vitais. Os homens estavam em risco, devido à
violência instalada nas disputas pelos bens garantidores da vida.
No estado de natureza, não há família nem trabalho e não existem regras claras que
coordenem as ações. Hobbes (2008, p. 112): ‘’e dado que a condição do homem (conforme
60
foi declarado no capítulo anterior) é uma condição de guerra de todos contra todos, sendo
neste caso cada um governado pela sua própria razão’’.
Os homens possuem direitos naturais, inatos e ninguém pode violá-los. Caso haja
essa possibilidade, os homens podem recorrer ao seu próprio poder para defender-se, como
podem utilizar a razão para obter os fins necessários à vida. A liberdade é sem limites e
estabelecida pela natureza, entre o choque de forças.
Os homens viventes em ausência de regras estão sob o medo constante, o que
incapacita a recusa da liberdade natural. A cada um é permitido externar atos de acordo com
a razão. Os homens são livres de vínculos ou impedimentos, pois nada lhes impõe sanções. A
regra universal na ordem natural é preservar os direitos naturais com o emprego da força
física.
A manifestação dos sujeitos, proporcionada pelo desejo ou vontade, encontra no
livre acordo o caminho pela criação do Estado. Os homens aceitam a criação de leis comuns,
por não terem garantias de que todos cumpriram com aquilo que é apenas um desejo
manifesto de abandonar a guerra perpétua em que se encontram. O Estado lhes garantirá o
convívio em sociedade ao abdicarem dos direitos naturais. Os indivíduos podem usar seu
conhecimento para possuírem bens particulares essa é a lógica formal das ações dos homens.
O Direito consiste na liberdade de fazer ou omitir, ao passo que a lei determina ou obriga
a uma dessas duas coisas (...) a matéria ou objeto do pacto é sempre alguma coisa sujeita
a deliberação (porque fazer o pacto é um ato da vontade, quer dizer, um ato, da
deliberação); portanto sempre se entende ser alguma coisa futura, e que é considerada
possível cumprir por aquele que faz o pacto. (Hobbes, 2008, p. 120, 2º par.).
Na sociedade civil, os indivíduos não são racionais para agirem, optando por meio
de uma escolha por fazer aquilo que é certo ou bom; agem pela vontade, que é delimitada no
ato ou na omissão, porque são coagidos pela força de um poder maior que os faz renunciar
aos males previstos. Eles perdem sua autonomia diante das inclinações que os levam a agir
ou omitir.
A filosofia política hobbesiana expõe o fato de que os indivíduos no estado
natureza são tão ingênuos, a ponto de serem ludibriados por quem julguem superior ou mais
sábio. O desconhecimento da verdade impõe a visão metafísica sobre a origem de todas as
causas em Deus. Desse modo, o homem não tem que questionar a autoridade daqueles que se
61
dizem sábios. A carência de cientificidade sobre os efeitos das causas transforma os
indivíduos em meros seres passíveis de sofrerem qualquer tipo de punição injustificada.
A falta de ciência, isto é, a ignorância das causas, predispõe, ou melhor, obriga os
homens a confiar na opinião e autoridade alheias. Porque todos os homens preocupados
com a verdade, se não confiarem na sua própria opinião, deverão confiar na de alguma
outra pessoa a quem julguem mais sábia que eles próprios e não considerem provável que
queira enganá-los (...) a ignorância das causas e da constituição original do direito, da
equidade, da lei e da justiça predispõe os homens para tomarem como regra das suas
ações o costume e o exemplo, de maneira que consideram injusto aquilo de cuja
impunidade e aprovação podem apresentar um exemplo, ou (como barbaramente lhe
chamam os juristas, os únicos que usam esta falsa medida) um precedente. ( Hobbes,
2008, p. 89-90, par. 3º).
Hobbes busca compreender a formação e a importância do Estado e o modo como
ele foi instituído. Para tanto, argumenta em sua visão científica as finalidades que dispõe os
homens a confiarem no conjunto de ações cabíveis ao governo, para preservar os direitos
inalienáveis dos indivíduos. O autor questiona o estado de guerra e o utiliza como atributo de
responsabilidade do Estado na conservação da ordem, na própria proteção e soberania. O
direito é instituído como meio de obter a aplicação da justiça e dizer o que é a lei.
O poder soberano estabelece uma série de regras para a manutenção da
sociabilidade, portanto nosso autor está pressupondo, no ''Leviatã'', a criação de uma
organização social, na qual os indivíduos não mais estarão livres para agirem por sua própria
deliberação e vontade, independentemente das leis impostas pelo Estado.
As leis estabelecidas regulam ações na satisfação dos desejos; as regras de
sociabilização e de comportamento punem os atos maus visíveis, sendo o homem compelido
pela coercitividade a relacionar-se para a proteção de todos.
Hobbes (2008, p. 87, 4º par.) ‘’O medo da opressão predispõe os homens à
antecipação ou a buscar ajuda na associação, pois não há outra maneira de assegurar a vida e
a liberdade ’’. Um dos motivos que levam os homens à guerra é o medo, então a associação é
o melhor modo de preservar a vida.
A seguridade é justamente a garantia de que as suas ações estarão limitadas pelo
poder absoluto, ou seja, nada está acima do poder do soberano nem mesmo os desejos e
inclinações. Hobbes admite apenas o direito de resistência nos casos em que o poder do
Estado viole os direitos naturais dos indivíduos dado que a motivação de renúncia a todas as
coisas é a proteção física e a paz.
62
Do mesmo modo que a prudência é uma suposição do futuro, tirada da experiência dos
tempos passados, também há uma suposição das coisas passadas tiradas de outras coisas
(não futuras, mas) também passadas. Pois aquele que tiver visto por que graus e fases um
Estado florescente primeiro entra em guerra civil e depois chega à ruína, à vista das
ruínas de qualquer outro Estado suporá uma guerra semelhante e fases semelhantes ali
também. Mas esta conjectura tem quase a mesma incerteza que a conjectura do futuro,
sendo ambas baseadas apenas na experiência. (Hobbes, 2008, p.28, 1ºpar.).
O governo prudente é aquele que analisa e constrói um modelo comparativo entre
situações ocorridas com outros Estados. Por exemplo, o caso de Estados falidos e arruinados
no pós-guerra ou na guerra civil. Desse modo, sempre que os homens lutam uns com os
outros, podem inferir que o Estado derrotado será destruído pelo vitorioso. O autor entende
que o governo não deve almejar a guerra pelo simples interesse, a menos que tenha de
defender os interesses do bem público e preservar a sociedade civil. À ação legítima não cabe
contestação. É pelo Leviatã que os indivíduos estão protegidos da insegurança natural.
A doutrina hobbesiana entende que o indivíduo tem a vontade e delibera por
consentimento em renunciar a seu direito natural, portanto não está alienado no momento do
pacto social. Podemos afirmar que antes do consentimento inexistiam leis e regras, porque
não podíamos ter a confiança naquilo que fosse celebrado apenas na força da fé individual.
Hobbes entende que os homens possuem um encadeamento de pensamentos
coerentes (discurso mental), mas, sem o poder do Estado, os indivíduos seriam enganados
pelos que se dizem intelectualmente superiores ou sábios. O governo é uma forma de se ter
um consenso pelo bem público e que deve ser cumprido pelo Estado.
Quando se faz um pacto em que ninguém cumpre imediatamente a sua parte, e uns
confiam nos outros, na condição de simples natureza (que é uma condição de guerra de
todos os homens contra todos os homens), a menor suspeita razoável torna nulo esse
pacto. Mas se houver um poder comum situado acima dos contratantes, com direito e
força suficiente para impor seu cumprimento, ele não é nulo (...) numa república civil,
em que foi instituído um poder para coagir aqueles que do contrário violariam a sua fé,
esse temor deixa de ser razoável. Por esse motivo, aquele que mediante o pacto deve
cumprir primeiro a sua parte é obrigado a fazê-lo. ( Hobbes, 2008, p.118- 119).
Hobbes acredita na força que o pacto precisa ter para superar a desconfiança e a
deslealdade. O poder de punir também inibe a iniciativa de descumprimento dos pactos
celebrados. Nesse sentido, o autor afirma a essência da sociedade civil ser os laços humanos;
em contraste, o estado de natureza impossibilita a confiança nos outros indivíduos,
justamente pela inconstância de cumprimento das regras concordadas e da própria palavra.
63
Enquanto perdurar a indecisão quanto à renúncia dos direitos naturais, o pacto não
pode ser legitimado, já que ninguém é obrigado a privar-se dos meios de defender a sua vida
e fazer aquilo que for necessário para mantê-la. É pela conservação da vida que o Estado é
alicerçado, logo as leis civis são elaboradas exclusivamente para manterem os pactos
firmados pela vontade dos indivíduos em renunciarem ao estado de guerra anterior.
Em suma, podemos dizer que os homens aceitam o governo desde que tenham
assegurado o direito à vida. Os pensamentos desgovernados levam às paixões humanas
nocivas ao espírito. Os que não se deixam governar são os animais sem memória dos efeitos
perversos na ruína da sociedade civil, são os que desconhecem os efeitos das causas e podem
almejar o regresso ao estado natural.
2.4- O Estado Absoluto
Bobbio (1997) analisa o desenvolvimento político do Estado apontando as
principais filosofias sobre a sua formação e a sua constituição desde o período medieval até a
modernidade. A sociedade medieval, baseada no sistema feudal, não possuía uma noção de
acumulação de riqueza, a mão de obra estava presa à terra e não havia uma produção de bens
ligada à técnica de produção.
A sociedade medieval, dividida entre servos e aristocratas, era pluralista, pois as
fontes do direito se originavam de diversos ordenamentos jurídicos diferentes (igrejas, feudos
e servos) e sem um critério definido de aplicação. Os poderes do rei no período medieval
descendiam das teorias de predestinação, apoiados por uma ética religiosa. O estado medieval
é caracterizado pelo poder máximo que um homem ou um grupo de homens tem sobre os
outros, derivado do fato de que ele é a manifestação do poder de Deus.
A ruptura com a sociedade medieval multipolarizada centraliza o poder nas mãos
de um único governante: o soberano. A formação de um estado nacional e uma igreja
nacional ruem com a pretensão de uma universalidade institucional da Igreja e do Estado.
O nascimento dos burgos faz florescer os Estados-nações cada vez mais protegidos
e delimitados por territórios; portanto o sistema feudal entra em crise enfraquecido pelos
seguintes fatores: o poder único, o desenvolvimento dos centros urbanos, a liberação da mão
de obra dos campos e o surgimento de técnicas de produção.
64
As transformações que levaram a uma nova etapa denominada modernidade iniciase com a superação do Estado Medieval baseado no sistema feudal. O Estado na
modernidade se desenvolve buscando garantir a propriedade e o acúmulo de riquezas, numa
visão pré-capitalista.
Sendo assim, teve de reformular todo o ordenamento jurídico pluralista do período
anterior, dividido entre diversas estruturas de poder. Na modernidade o ordenamento jurídico
válido é o do Estado, isto é, não há nenhum poder acima dele, isso torna o Estado absoluto,
pois unifica todas as fontes de produção jurídica na lei, expressa pela vontade do monarca.
O principal filósofo político representante do Estado absoluto é Hobbes, que
acredita que a fonte do direito é a vontade do soberano, pois essa se autoafirma pela oposição
ao direito consuetudinário. O homem se encontra inseguro e só o Estado pode garantir a sua
sobrevivência.
No maquiavelismo, temos a concepção amoral e antiética com a sua formulação da
teoria racional do Estado. O príncipe está acima das leis e livre dos vínculos morais que
delimitam a ação. O estado nacional só é possível com a consolidação do poder absoluto.
Porém, não encontramos um vínculo entre o poder soberano e a justiça.
Os ideais liberais e democratas surgem como uma antítese ao poder absoluto
porque o poder estatal absolutista não permitia nenhum outro poder acima do poder do
monarca, pois era centralizado e antropocêntrico.
2.4.1- A Religião
A formulação do conceito político de Estado expressa a transferência dos direitos
inalienáveis ao resguardo do poder soberano. O engano é acreditar que os indivíduos estão
presos a uma justificação cosmológica ou metafísica para alicerçarem o poder soberano.
Logo, ficam alienados no momento de transição entre o estado de natureza e a formação do
Estado consentido pelo pacto social.
Os animais são apenas impulsivos. Os homens são dotados de impulsos e da
capacidade lógica. O autor diz que só os homens possuem sinais da religião. Hobbes atribui à
religião uma qualificação natural sobre os eventos causais. Na realidade, ele se opõe aos
valores eclesiásticos, introduzindo conceitos políticos e criando uma doutrina lógica para o
65
pensamento humano, cujo objetivo é livrar o homem da visão cosmológica na qual Deus
originaria todas as causas. O conhecimento humano das sequências causais, apesar de
limitado no transcorrer do tempo futuro, forma, segundo o autor, uma relação entre o sujeito
e o objeto acontecido e vivenciado; na medida em que esta capacidade se encontra no espaço
e no tempo.
A religião desorganiza a sociedade por não alicerçar o mecanismo que garanta os
princípios reguladores do convívio, o que agrava a diferença de opiniões e o dissenso sobre
aquilo que é o correto. O problema da decadência religiosa é moral e político, já que não
existem elementos em sua doutrina para assegurar a confiabilidade da palavra de Deus data
aos homens e para manter intacta a estrutura do Estado.
Na medida em que a falta de virtude dos pastores fez a fé faltar no povo; e em parte
porque a filosofia e doutrina de Aristóteles foi levada para a religião pelos escolásticos.
Pois daí vieram à tona tantas contradições e absurdos que acarretaram para o clero uma
reputação tanto de ignorância como de intenção fraudulenta e levaram o povo a revoltarse contra eles, como na França e na Holanda, quer de acordo com sua vontade, como na
Inglaterra. (...) De modo que posso atribuir todas as mudanças de religião do mundo a
uma e mesma causa, qual seja, sacerdotes desprezíveis, e isto não apenas entre os
católicos, mas até naquela Igreja que mais presumiu de Reforma. (Hobbes, 2008. p. 105).
A política, na interpretação de Hobbes, está presente em todos os casos de
instituição da religião natural. O pensamento hobbesiano nos ensina a enxergar a participação
das leis civis na busca de um caminho seguro para a conduta das ações na ordem social.
Contudo, agora será o Estado que indicará quais serão os legítimos representantes dessa
instituição, aprovará os códigos vigentes e tornará públicas as críticas ao poder eclesiástico.
Hobbes compreende a aprovação racional da lei como um processo social, o
estatuto é um código, a regra máxima que impõe os limites das ações dos homens e coordena
os comportamentos padrões sugeridos pelos valores e pela moral. A força da sua aplicação
submete os indivíduos à sanção punitiva, desde que a conduta ilícita tenha sido comprovada
pelo código vigente. Há os casos em que determinada lei não teve aplicação, portanto sem lei
não há lide, ou seja, se não há um reprovação social da conduta, não pode haver uma
pretensão irresistível. O magistrado não é capaz de aplicar uma sentença sem antes haver
uma lei escrita e sancionada pelo soberano.
O autor propõe uma ênfase sobre a força da lei e deixa claro seu desapego aos
dogmas metafísicos impostos durante tanto tempo ao povo e que geraram profunda crise na
66
Europa, porque os Estados se comprometeram com governos alicerçados por religiões e por
elementos contrários à racionalidade dos seus súditos, portanto esse pacto não têm validade.
Pois, considerando que toda religião estabelecida assenta inicialmente na fé de uma
multidão em determinada pessoa, que se acredita não apenas ser um sábio, capaz de
conseguir a felicidade de todos, mas também, ser um santo, a quem o próprio Deus
decidiu declarar de forma sobrenatural a sua vontade, segue-se necessariamente que,
quando aqueles que têm o governo na religião se tornam suspeitos quanto à sua sabedoria,
à sua sinceridade ou ao seu amor, ou quando se mostram incapazes de apresentar sinal
provável da revelação divina, nesse caso a religião que eles desejam manter torna-se
igualmente suspeita e ( sem o medo da espada civil) contradita e rejeitada. (Hobbes, 2008,
p.102).
O pensamento lógico hobbesiano é desfeito de crenças e acredita na importância
de legitimar um único poder soberano isento de dogmas. Segundo Hobbes (2008, p. 86, 4º
par.), ‘’O desejo de conhecimento e das artes da paz inclina os homens a obedecer a um
poder comum, pois tal desejo encerra um desejo de ócio, consequentemente de proteção
derivada de um poder diferente do seu próprio ’’. Consiste no fato de que as ações políticas
do Estado são apenas para a garantia dos direitos inalienáveis tidos estes como civis. Caso
haja uma violação do poder absoluto voltaríamos ao estado de guerra entre os homens. A
outra importante ação do governo é a defesa do Estado contra a invasão dos outros Estados,
portanto, em Hobbes, o Leviatã tem sua legitimidade garantida contra a ordem natural no
estado de selvageria anterior.
Porque a fé interior é por sua própria natureza invisível, e conseuüentemente está isenta
de qualquer jurisdição humana, ao passo que as palavras e ações que dela derivam, na
medida em que violam nossa obediência civil, constituem injustiça perante Deus e os
homens. Assim, considerando que o nosso Salvador negou que o seu reino fosse deste
mundo, e que ele disse não ter vindo para julgar, mas para salvar o mundo, ele não nos
sujeitou a lei alguma a não ser as da república; quer dizer, os judeus à lei de Móises (que,
como disse – MT 5 – não veio para destruir, mas para realizar), e as outras nações às leis
dos seus diferentes soberanos, e todos os homens à leis de natureza. (Hobbes, 2008, p.
439).
Hobbes deixa claro que as leis de Deus deixadas aos homens não representam nada
além de fé. São leis divinas, mas não têm alcance sem a judicatura. Somente as leis
elaboradas pelo Estado são coercitivas, justo que o reino de Deus está no céu e na terra
somente o poder soberano estabelecido é dotado dos poderes plenos para governar. O autor
também se preocupa em afirmar que os indivíduos devem se preocupar com as leis da
república, porque estas são obrigatórias e a elas estamos sujeitas, pois o reino de Deus só
67
existe após a morte e durante a vida nada vale. Portanto, as controvérsias serão julgadas pelos
magistrados de acordo com a lei civil e não será permitido o recurso a outros estatutos
inválidos, exceto para os casos em que não haja lei estabelecida.
Além disso, a missão da qual Cristo nosso Salvador encarregou os seus apóstolos e
discípulos foi a de proclamar o seu Reino, não presente, mas vindouro; ensinar a todas as
nações a batizar aos que acreditassem (...) nem obrigá-los à obediência pela espada. Em
tudo isto nada é poder, mas apenas persuasão. Eles não tinham a missão de fazer leis, mas
a de obedecer e ensinar obediência às leis existentes; consequentemente não podiam fazer
dos seus escritos cânones obrigatórios, sem a ajuda do poder civil soberano. Portanto, as
Escrituras do Novo Testamento só se tornam leis quando o poder civil legítimo assim o
quis. E nesse caso o rei ou soberano também faz delas uma lei para si mesmo, com o que
se sujeita, não ao doutor ou apóstolo que o converteu, mas ao próprio Deus, e a seu filho
Jesus Cristo, de maneira tão imediata como o fizeram os próprios apóstolos. (Hobbes,
2008, p. 440).
Hobbes defende que os homens devem obedecer à lei civil. Caso não o façam, serão
punidos pela sentença estabelecida. A interpretação única das escrituras sagradas cabe ao
soberano e ele faz as leis que bem entender, usando a sua interpretação ou discurso mental
para empregá-las na forma coativa ao povo. Contudo, o autor não diz que são cópias fiéis do
Novo Testamento, e sim, que são objetos de estudo transformados segundo a tendência e
interesse do monarca. Hobbes defende que o poder soberano está acima da própria
interpretação escrita no Novo Testamento realizada pelos apóstolos e discípulos de Cristo.
A Bíblia é uma compilação, ou seja, são vários livros escritos por discípulos ou
apóstolos de Cristo ou aqueles que contam suas histórias após a conversão ao cristianismo.
No caso da aprovação em leis, cabe ao poder soberano decidir a interpretação correta sobre o
que foi escrito no Novo Testamento. Portanto, não existe a neutralidade, ou seja, o soberano
dita as leis que forem convenientes para assegurarem os interesses da sociedade civil e livrála dos perigos do estado de natureza.
68
Capítulo 3
AS LEIS CIVIS
3- Das Leis Naturais e o Direito
As leis de natureza são regras incoercitivas quando aplicadas externamente, mas
tornam os indivíduos conscientes da importância da sociedade. Seu preceito é estabelecido
''in foro interno'' e não tem alcance e efetividade se não há uma organização jurídica
coercitiva tornando realmente válidos os pactos firmados.
Porque tudo o que os homens conhecem como lei, não pelas palavras de outros homens,
mas cada um através da sua própria razão, deve ser válido para a razão de todos os
homens, o que não pode acontecer com nenhuma lei, a não ser a lei de natureza.
(Hobbes, 2008, p. 231).
As leis de natureza criam nos homens um juízo analítico, válido enquanto representação
pessoal expressa oralmente. Elas regulam parte dos atos individuais, mas não são essenciais
para o convívio harmônico. Enquanto preceito jurídico, são insuficientes para estruturar toda
a ordem social.
Os homens, quando empregam sua razão para tomar decisões acerca dos atos
praticados, levam em conta uma aprovação social do comportamento que julgam em comum
ser aquele ideal para a vida coletiva; então, as leis de natureza ressaltam a importância do
lado sociável dos indivíduos, mas não dão conta de amarrar os princípios à certeza de que
sempre a harmonia e a paz serão contempladas, com a preservação dos acordos firmados.
O fundamento da sociedade está na proteção mútua estabelecida pelo pacto. No
momento em que o soberano declara uma ordem, temos a certeza daquilo que é a finalidade
pela qual o acordo das partes é comum.
A sociedade não se autorregula, isso porque não é perfeita. Para solucionar os casos
de incompatibilidade de interesses ou descumprimento das leis, aplica-se o direito aos casos
concretos, cuja finalidade é apaziguar os conflitos e estabelecer o cumprimento da ordem
social.
69
Por ser um juízo analítico, afirma a pessoalidade, cuja força advém da aprovação
racional em coletividade. Contudo, a lei válida é estabelecida pelo Estado civil. Os casos em
que não existem leis previamente regulando a questão não são tidos como ilícitos. Os
estatutos punitivos e distributivos são aqueles em que já há a formulação de leis que regulem
as ações delituosas. Somente o soberano pode fazer uma lei justamente para evitar a anarquia,
portanto é a única fonte de direito legítima.
O juízo sintético é aquele que diz o que é a lei vigente, pois resguarda para si o
poder que suprime as liberdades individuais na formulação de leis ou princípios. O Estado
torna a liberdade restrita, porque, se cada homem empregasse sua razão para sancionar leis,
não mais existiria consenso sobre o que é justo.
O juízo sintético formula a lei comum a todos. Amplia o conhecimento,
corresponde a uma criação humana respaldada na cientificidade, cujo objetivo é regular as
ações e o comportamento, já que obriga todos a procurarem conhecer o que a lei ordena que
seja cumprido verticalmente na submissão ao poder soberano.
As leis civis representam a vontade geral, pois os anseios de paz e de justiça são os
elementos que a todo o momento devem estar preservados pelo direito. Nos casos em que as
leis não vão ao encontro do fundamento da república, os indivíduos podem recorrer ao direito
de resistência por violar àquilo que foi previamente acordado por todos os homens em
comum, que é a paz.
O princípio básico de reciprocidade elaborado por Hobbes “não faças ao outro o que
não consideras razoável que seja feito por outrem a ti mesmo” guia os ditames da lei de
natureza. É o elemento de reconhecimento da conduta moral no respeito dos direitos do outro
em si por meio de uma relação resguardada, ou seja, se fizeres o mal receberás uma punição
na mesma proporção de tua ação. Desse modo, a lei de natureza tem uma força sancionadora
na medida em que garante os princípios básicos para a convivência.
Que um homem concorde, quando outros também o façam, e na medida em que tal
considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em resignar ao seu direito a
todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade
que aos outros homens permite em relação a si mesmo (...) é esta a lei do Evangelho: Faz
aos outros o que queres que te façam a ti. E esta é a lei de todos os homens. (Hobbes,
2008, p. 113, 2º par.).
Elas são exteriorizadas por palavras e atos, expressam uma conjuntura entrelaçando
as perspectivas, os objetivos e os propósitos que devem ser observados em consonância com
70
a igualdade de condições. A pessoa da república ao elaborar a judicatura, na qual todos estão
sujeitos ao dever de cumprir, ou seja, o código civil o faz atendendo e respeitando os
elementos coercitivos dentro da sociedade.
O Estado cria a ordem social e esta estabelece a convivência por meio do elo
jurídico. Neste momento, não existe mais a situação de resguardo pessoal, porque todos são
compelidos a aceitar as regras estipuladas.
O direito positivo é o único aplicado aos casos de lide13. A racionalidade, na
intenção do legislador, está sujeita a uma justificação das demandas da sociedade e nesse
sentido ao fundamento do Estado. Contudo, podemos concluir que o direito deve ser dado
àqueles que o obtêm em conformidade com os princípios vigentes na sociedade.
O Estado emprega o direito positivo para comandar todos os poderes por meio das
funções executivas, legislativas e judiciárias. Ele estabelece as cobranças de impostos, a
preservação da propriedade, a segurança dos homens e, consequentemente, a preservação das
vidas, os laços matrimoniais e todas as instituições pelas quais os indivíduos recorrerem para
a regulação dos direitos e deveres.
O direito divino não é aplicado à sociedade apenas existe pela fé e o
autorregulamento impostos pela crença interior, portanto não são leis14 no sentido literal do
termo.
3.1- O Direito Positivo, as Leis Civis e a Obediência
A lei é a ordem expressa pela autoridade do soberano civil sobre todos os demais
indivíduos pertencentes à sociedade civil. Somente o monarca ou a assembleia soberana
aprovam as leis obrigatórias.
Hobbes entende que o soberano, ao elaborar as leis, o faz para assegurar aquilo
que ficou estabelecido pelos indivíduos, ou seja, ter assegurada a paz. O soberano equilibra
os pratos da balança proporcionalmente entre a aplicação da força e os princípios que
conduzem ao consentimento efetivado no momento do pacto. O livre-arbítrio regula-se nas
13
- Lide- refere-se às demandas ou litígios submetidas a um arbítrio, ou seja, é uma pretensão irresistível julgada pelo
magistrado.
14
- De acordo com a definição do Dicionário Enciclopédico de Teoria e de Sociologia do Direito a palavra Lei é a regra
imperativa de caráter geral, emanada do detentor da autoridade dentro de um grupo social, imposta exteriormente ao
homem e sancionada pela força pública.
71
leis impostas pelo Estado. As esferas individuais são substituídas pelo poder único capaz de
comandar as vontades coletivas.
A lei é uma ordem direta e diferencia-se de um pedido formal ou de um conselho.
Também não se faz cumprir por simples força do destino ou acaso, uma lei encontra seu
poder na coação, isto é, na pena aplicada àqueles que ousaram desrespeitá-la. A punição é
aplicada de acordo com as sanções previstas no estatuto. Hobbes é claro quanto ao
estabelecimento de uma ordem social regrada pelas leis civis criadas e inventariadas pelo
poder soberano e único.
A obediência à lei é direta, isto é, trata-se de um compromisso de obrigação. Se
existe um código é porque existe um poder soberano a quem se deve obediência. Por se
tratar de uma ordenação, quem a desrespeitar será punido. A força do Estado advém da lei,
sendo esta capaz de tornar a sociedade coercitivamente unida. Hobbes define o que é a
obediência às leis civis.
Entendo por leis civis aquelas leis que os homens são obrigados a respeitar, não por
serem membros desta ou daquela república em particular, mas por serem membros de
uma república. Porque o conhecimento das leis particulares é da competência dos que
estudam as leis dos seus diversos países, mas o conhecimento da lei civil é de caráter
geral e compete a todos os homens. (Hobbes, 2008, p.225).
Thomas Hobbes não acredita que seja possível conciliar a convivência humana em
paz e reciprocidade benevolente sem leis capazes de tornar o pensamento social consciente
sobre a judicatura, isto é, daquilo que seja o conceito de justiça. No estado de natureza o lado
mau dos indivíduos se manifesta nas suas paixões desenfreadas e a inexistência de leis
impossibilita o surgimento da sociedade.
O Estado é uma organização jurídica coercitiva, o homem artificial é composto de
poder coativo e coercitivo, utilizado como mecanismo de controle que é efetivado para
manter o contrato social. O homem, mesmo estando em sociedade, age sob a tutela da lei.
Caso cometa infrações contrárias às normas do direito positivado, sofrerá sanções.
A lei civil é para todo súdito constituída por aquelas regras que a república lhe impõe,
oralmente ou por escrito, ou por outro sinal suficiente da sua vontade, para usar como
critério de distinção entre o bem e o mal, isto é, do que é contrário à regra. (Hobbes,
2008, p. 226).
72
As leis civis são uma invenção da arte humana e regulam a vida em sociedade;
emanam de uma fonte única e soberana, com a qual os homens regulam suas vivências. A lei
é o alicerce e a estrutura da sociedade e todos os indivíduos estão sujeitos à sua validade e
aplicabilidade nos casos de violação. Nesse sentido, o poder do Estado representa o poder
coercitivo na soma das vontades coletivas expressas pela sua autoridade absoluta. A lei é
igual para todos os homens de um mesmo Estado.
A ordem social só é possível quando é resguardada pela força da lei, já que o
homem no estado de natureza é um ser insociável, porque é movido por paixões na luta pela
sobrevivência. O caos instalado na ordem natural é a comprovação de que, sem mecanismos
de controle, retorna-se à guerra permanente. Portanto, a sociedade é plena na medida em que
os homens formam uma convenção pela associação. O pacifismo advindo com o fim do
estado de natureza é assegurado pelo Estado. Os inconvenientes somados na ordem natural
impossibilitam os indivíduos de constituírem famílias, de terem acesso à propriedade e de
viverem em segurança, devido ao risco de morte.
O poder emanado pelo soberano, na realidade, é a fonte do direito, cujo respeito é
uma obrigação. Na terra, portanto, não existe nenhum outro reino que possa se equiparar em
poder e força ao Estado. A razão convencional emana o consentimento para o poder soberano
governar. A soma das vontades legitima o pacto, e o poder soberano é aquele que encarna a
responsabilidade de assegurar o desejo de segurança e a proteção da vida.
O soberano representa a soma das vontades coletivas, entretanto, para evitar que a
diferença de opiniões traga prejuízos à ordem convencional, temos a tendência do Estado
imposta verticalmente sobre todos os membros da associação, para aprovar o código civil.
O poder único do rei cria as condições de convívio e regula as ações. Temos, então,
o Estado como legítimo representante da coletividade. Contudo, o Leviatã suprime as
liberdades individuais, porque a razão particular empregada na elaboração das leis cabe
exclusivamente ao poder soberano.
A vontade do soberano é empregada para elaborar as leis. Após a promulgação de
uma ordem da república, ninguém poderá se opor à razão expressa na forma de lei. O direito
de resistência é evocado se houver porventura alguma ordem contrária aos preceitos pelos
quais os homens pactuaram. O rei cumpre o papel de proteger a vida e gerar a segurança dos
seus súditos contra os inconvenientes que os façam retroceder à ordem natural anterior.
Hobbes (2008, p.115) diz: ‘’ninguém pode renunciar ao direito de resistir a quem o ataque
73
pela força para lhe tirar a vida, pois é impossível admitir que com isso vise algum benefício
próprio. ’’
O cumprimento da lei é renunciar à liberdade irrestrita e ser governado pelo poder
soberano. A obrigação de fazê-lo é a consonância da vontade ao código civil vigente.
Segundo Hobbes (2008, p.230): ‘’ o que faz a lei não é aquela jurisprudência, ou sabedoria
dos juízes subordinados, mas a razão deste nosso homem artificial, a república, e suas
ordens.''
Hobbes manifesta e sua inaptidão aos costumes e afirma a obrigação advinda da lei,
sua força e refuta a jurisprudência, que corresponde às decisões reiteradas dos tribunais.
O autor está afirmando uma única fonte emanante do código em vigor proveniente à
razão do soberano. Não é advinda de outros tribunais e das justificativas transmitidas sobre
os casos transitados nas cortes. A razão do soberano diz o que é a lei e não se submete às leis
divinas já que depende apenas da vontade do juízo sintético do soberano.
Um juiz não poderá recorrer à analogia das sentenças nos casos reiterados nos
tribunais. Hobbes diz que o magistrado, ao empregar o juízo sintético para publicar uma
decisão, é obrigado a justificá-la pelas regras do estatuto. As leis escritas são mutáveis, mas
sua aprovação depende do Estado, ou seja, quando o monarca é obrigado a inutilizar ou
sancionar uma nova lei para a proteção dos valores e princípios da sociedade.
Os magistrados ou juízes são os que julgam a pretensão e dão a sentença de acordo
com a lei atual. Ao proferir a sentença, o magistrado o faz em nome do Estado. Se o juiz
julga um caso com erro, a sua decisão não corresponderá ao estatuto vigente, logo não há
legitimidade.
O código civil é aprovado indo ao encontro da proteção da sociedade civil. Nas
decisões dos magistrados, há uma aplicação da lei ao caso que está sendo julgado e o
indivíduo só será condenado caso seu ato seja considerado ilícito, como é previsto pelos
códigos civis estabelecidos pelo Estado como uma conduta atípica, ou seja, contrária às
normas consideradas sociais pelo comportamento padrão.
Sabemos que a lei é geral a todos os homens subordinados à república, portanto sua
formulação é vertical, mas sua aplicabilidade é horizontal, situando-se acima das
consciências individuais. Os indivíduos não escolhem obedecer à lei. Eles são coagidos a
fazê-lo. O Estado para Hobbes, ao impor as leis pelo poder que lhe foi consentido, proíbe
74
uma ação contrária ao direito positivo que sustenta todo aparato em que se encontra
estruturada a sociedade civil.
A lei só pode ser escrita. As leis que não se encontram no papel e são transmitidas
oralmente não possuem o mesmo valor das leis escritas. A validade dos estatutos depende da
racionalidade empregada pelo soberano e a garantia desta é o timbre de certificação da
república. As leis não podem prescrever o absurdo, consequentemente estão sujeitas a um
preceito lógico. Uma sanção equivalente ao dano provocado pelo descumprimento. A lei que
não condiz com a realidade não possui eficácia, pois não se comprovará nos estatutos
posteriores. Explica Hobbes (2008, p. 231): ‘’ porque toda lei que seja escrita, ou de alguma
maneira publicada por aquele que faz lei, só pode ser conhecida pela razão daquele que lhe
obedece, portanto é uma lei de natureza e não apenas civil.’’
Thomas Hobbes compreende a aprovação racional da lei como um processo social.
O estatuto é um código, a regra máxima que impõe os limites das ações dos homens e
coordena os comportamentos padrões sugeridos pelos valores morais que impeçam a barbárie.
A força da sua aplicação submete os indivíduos à sanção punitiva, desde que a
conduta ilícita tenha sido comprovada pelo código vigente. Se não há uma reprovação social
da conduta, não pode haver uma pretensão irresistível. O magistrado não é capaz de aplicar
uma sentença sem antes haver uma lei escrita e sancionada pelo soberano.
A lei civil se encontra acima das leis de natureza, já que os conflitos normalmente
iniciam-se devido às disparidades bipolares da racionalidade dos indivíduos. A lei soberana
existe para afirmar os direitos civis, resolver e apaziguar a rivalidade, que é uma
característica das paixões humanas, somar e representar as vontades coletivas e apoiar a
preservação da sociedade. Afirma Hobbes (2008, p.235): ‘’a interpretação da lei de natureza
é a sentença do juiz constituído pela autoridade soberana, para ouvir e determinar as
controvérsias que nela se fundam, e consiste na aplicação da lei ao caso em questão’’.
Os magistrados, antes de uma sentença, devem uma justificação à sociedade. Assim,
ao aplicarem à lei aos casos transitados em julgado, fazem-no em consonância com o código
civil por ser a consciência máxima dos homens submetidos ao Estado. O juiz interpreta e
estuda os códigos vigentes para que sua decisão não contrarie as leis estabelecidas pelo
soberano. Cabe ao juiz observar o preceito e a validade da lei ao caso em questão, cuja
finalidade é acertar na aplicação da sentença.
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Portanto, se alguém tem um caso de dano fundado na lei de natureza, quer dizer, da
equidade comum, a sentença do juiz que possui por delegação autoridade para examinar
tais causas constitui, nesse caso individual, suficiente confirmação da lei de natureza.
Pois, embora a opinião de quem professa o estatuto das leis seja útil para evitar litígios,
trata-se apenas de uma opinião: é ao juiz que compete dizer aos homens o que é a lei,
depois de ter escutado a controvérsia. (Hobbes, 2008, p.233).
Hobbes enfoca a necessidade de os magistrados se comprometerem com os
objetivos e a função do Estado. As controvérsias geradas na lei de natureza, que não são
reguladas pelo código civil, serão estudadas e ganharão uma sentença razoável à equidade
comum.
A sociedade evolui amadurecendo certos assuntos em acordo à lei civil, que pode
condená-la ou não. As leis de Deus são imutáveis, mas não orientam as decisões nem os
tratados de paz porque não conseguem efetivá-los. Hobbes se opõe à jurisprudência, inclusive
de outros códigos válidos socialmente não reconhecidos como lei. Estes seriam a analogia da
lei, mas não ampliariam seu conhecimento.
A falácia está nos casos em que a aplicação da sentença ocorre por analogia de
princípios. As leis não escritas e imutáveis sempre existirão, mas as sentenças errôneas são
insustentáveis, portanto o juiz precisa conhecer a síntese da lei e seu objetivo para fazer a
correta aplicação do código civil. As controvérsias fundadas pela bipolaridade só são sanadas
caso se faça a justiça. Os homens recorrem de decisões insanas se um outro magistrado puder
lhe mostrar o verdadeiro sentido da lei.
Pois embora uma sentença errada dada pela autoridade do soberano, caso ela a conheça e
autorize, nas leis que são mutáveis, seja constituição de uma nova lei, para os casos em
que todas as mais diminutas circunstâncias sejam idênticas, nas leis imutáveis, como as
leis de natureza, tal sentença não se torna para o mesmo ou outros juízes, nos casos
semelhantes que a partir de então possam ocorrer. Os princípios sucedem-se uns e outros,
e um juiz passa e outro vem; mas nem um artigo da lei de natureza passará, porque ela é a
eterna lei de Deus. (Hobbes, 2008, p.236).
O julgamento das controvérsias envolve um estudo profundo dos estatutos vigentes. O
poder que cabe ao juiz de sentenciar está em consonância ao zelo da aplicação da justiça
distributiva e comutativa dos casos transitados em julgado, a devida aplicação da lei evita
litígios na aplicação da regra vigente.
O juiz deve dizer o que é a lei. As sentenças são justas na medida em que o
magistrado compreende a síntese do seu preceito em consonância aos objetivos do Estado. As
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sentenças errôneas são falácias determinadas por princípios pessoais aplicados aos casos em
julgado e não àquilo que é a lei civil propriamente.
As sentenças aplicadas erroneamente constituem-se na analogia do magistrado ao caso
julgado, portanto as outras decisões dadas pelos tribunais irão confirmar seu erro, pois as leis
são fundamentadas nos estatutos válidos e devem ser cumpridas. Portanto, os estatutos devem
zelar pelo acordo da sociedade.
A lei de natureza e a lei civil contêm-se uma à outra e têm igual alcance. Porque as leis de
natureza, que consistem na equidade, na justiça, na gratidão e outras virtudes morais
destas dependentes, na condição de simples natureza (conforme já disse no capítulo XV)
não são propriamente leis, mas qualidades que predispõe o homem para paz e a
obediência. Só depois de instituída a república elas efetivamente se tornam leis, nunca
antes, pois passam então a ser ordens da república. (Hobbes, 2008, p.227).
Hobbes considera as leis de natureza como um juízo de valor. uma qualificação do
homem enquanto código moral, que os auxilia na conduta correta. Contudo, na ausência das
qualidades morais, a lei civil é obrigatória de qualquer modo. No descumprimento da lei
civil, o Estado exerce seu poder para manter a ordem. As leis naturais, ao contrário, afirmam
os modos assertivos, guiando a consciência por princípios. São auxiliares no caminho até a
aplicação do direito civil e somente este concretiza a legalidade.
O consentimento dos indivíduos é pleno porque as leis alicerçam o Estado,
sintetizando as leis morais, garantidas pela instituição da república. Então, são leis que
ninguém pode violar; pois, se assim o fizerem, estarão cometendo um ato injusto ou imoral.
A força coercitiva das leis de natureza se dissipa quando não há uma boa vontade
para o seu cumprimento. Por exemplo: Se a lei não escrita não prejudica a outrem, é dotada
dos elementos morais de justiça e equidade. É lei de natureza e sua obrigação vale igualmente
para todos. Nesse caso devem uma obrigação ao código civil elaborado pelo Estado por não
se oporem aos seus ditames.
A lei requer uma ação do Estado para que seja aplicada em cumprimento aos fins
cabíveis. A lei de natureza não é considerada imediatamente lei. As leis civis é que são
elaboradas para preservar a sociedade civil e a ordem, uma vez que seu cumprimento é
inviolável.
Numa república, a interpretação das leis de natureza não depende dos livros de filosofia
moral. Sem a autoridade da república, a autoridade dos escritores não basta para
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transformar em leis as suas opiniões, por mais verdadeiras que sejam. Tudo o que escrevi
neste tratado sobre as virtudes morais, a sua necessidade para obtenção e preservação da
paz, embora seja evidentemente verdadeiro, não passa por isso a ser imediatamente lei. Se
o é, é porque em todas as repúblicas do mundo faz parte das leis civis. (Hobbes, 2008,
p.235).
As leis civis são imprescindíveis no desempenho dos objetivos do Estado. São
elementos de preservação da paz e da segurança pública. Devem regular a sociedade civil,
concedendo os direitos e organizando a judicatura. Formam o ordenamento político e social,
auxiliando na coercitividade e nos mecanismos de controle; portanto, são fundamentais para
a existência da república.
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CONCLUSÃO
Nesta dissertação vimos que as leis de natureza ou as leis divinas não formam a
obrigação dos súditos. A essência das leis de natureza contidas no preceito ‘’não fazer aos
outros aquilo que não gostaria que outrem lhe fizesse’’ na verdade constitui-se apenas como
uma doutrina espiritual tal como Confúcio ou o Evangelho relatam, pois não são capazes
efetivar os laços de reciprocidade na sociedade.
O fundamento que compõe as leis de natureza é, na realidade, um conceito vazio,
sem a espada civil capaz de regular e dizer o que é a equidade comum, a justiça e a lei. O
autor entende-as como qualidades que predispõem os homens às virtudes, mas como na
natureza humana não há apenas boas virtudes, nada pode garantir que esses preceitos sejam
cumpridos. Portanto, cabe aos homens renderem-se à tutela do Leviatã, cuja finalidade é
defendê-los do retorno ao estado de barbárie em que viviam.
As verdades reveladas pela fé mostram como os homens criam uma ilusão por
crenças. A lei de Deus, na realidade, representa um assentimento, mas não exerce sobre os
homens o dever de seu cumprimento. Se os dogmas religiosos bastassem, para tornar viável a
obrigação política, não seria preciso a elaboração do código civil. O Direito é a liberdade; a
lei é a ordem na sociedade civil.
O idealismo hobbesiano mostra a vida do homem sem a justiça e a força da
república como elementos de efetivação da coercibilidade. Na natureza, os indivíduos se
encontram em constante insegurança e o medo é causado pela luta de todos contra todos pela
disputa dos bens externos.
Hobbes entende que o homem, vivendo no estado natural, está preocupado em
assegurar apenas seu próprio prestígio, sucesso e glória. O estado natural pressupõe a
ausência de leis. O estado de discórdia possibilita aos indivíduos uma liberdade natural isenta
de determinações exteriores, já que são livres para tomar suas próprias decisões.
A liberdade irrestrita é incontrolável e inibe as chances reais que os indivíduos têm
de viverem em paz e concórdia entre si. A todo momento, temem um ataque do vizinho à sua
propriedade e família, e isso os força a elaborar os meios de se autodefenderem empregando
seu esforço nesta finalidade.
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A convenção cria as condições para a efetivação do contrato social e marca a
passagem da ordem natural para a ordem social. Thomas Hobbes entende que a legitimidade
do poder soberano está na transferência recíproca dos poderes individuais, pelo acordo mútuo
entre os indivíduos. Logo, a teoria política hobbesiana preocupa-se em definir a forma pela
qual o poder único é exercido no estabelecimento da ordem social.
As leis criadas pelo poder único consentido e representante da vontade geral na
sociedade garantem os direitos dos cidadãos. Acreditamos que o poder soberano exerce uma
tendência, portanto rompe com o estado de neutralidade e parcialidade das leis de natureza. O
poder é estabelecido com a finalidade de regular os interesses e está acima de qualquer outro
que se oponha à sua posição.
A guerra de todos é uma consequência da ausência do Estado como defensor dos
interesses da sociedade civil, diante das ameaças ao alicerce e à finalidade da república. O
Estado possibilita que a sociedade civil se organize por meio das leis elaboradas de acordo
com a vontade do soberano.
O Estado em Hobbes é uma organização jurídica coercitiva, capaz do exercício dos
poderes: legislativo, executivo e judiciário. A obediência dos súditos é estabelecida pela
convenção que legitima o poder soberano, criando a sociedade civil. O Estado é representado
na organização jurídica estabelecida por meio da obrigação dos súditos às leis civis.
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