PESQUISA PUBLICIDADE P ersonagens cativantes, jogos, brincadeiras e brindes para colecionar: eles estão todos lá, ilustrando as embalagens ou acompanhando refeições repletas de açúcar, gorduras ou sódio. As velhas artimanhas de apelo ao público infantil permanecem firmes e fortes nas práticas de marketing da indústria de alimentos no país, demonstrando que as companhias não aplicam no Brasil os compromissos assumidos em outros países sobre publicidade para crianças. Foi essa a constatação da pesquisa realizada pelo Idec em parceria com o Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana. As entidades monitoraram as práticas de marketing de doze multinacionais de alimentos que atuam no país e são signatárias de pelo menos um acordo de autorregulamentação de publicidade de alimentos voltados para crianças. As empresas se comprometeram voluntariamente a, minimamente, banir os anúncios de produtos não saudáveis dirigidos a crianças de até 12 anos. Algumas foram além e estabeleceram códigos de conduta próprios, dispondo-se, por exemplo, a não usar personagens licenciados e não fazer qualquer tipo de propaganda dirigida a menores de 6 anos. Na prática, no entanto, foram identificadas propagandas de alimentos ou bebidas para crianças feitas por dez empresas, principalmente por meio de websites. Na confrontação das práticas adotadas com os critérios dispostos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no texto da Consulta Pública (CP) 71/06, sobre publicidade de alimentos, os problemas aumentam. As duas companhias que ficaram de fora da lista inicial, Mars e Unilever, também estariam irregulares se a resolução estivesse em vigor, por usarem personagens ilustrativos em suas embalagens. Além disso, nota-se que algumas empresas adotam padrões bastante flexíveis de tolerância em suas próprias normas. Tais constatações evidenciam a insuficiência da autorregulamentação da publicidade de alimentos e a necessidade de que o governo regulamente depressa o assunto para impedir que as crianças continuem tão vulneráveis. COMPROMISSOS só no papel STOCK.XCHNG Não obstante os acordos de autorregulamentação em todo o mundo, multinacionais de alimentos continuam a bombardear as crianças brasileiras com publicidade de produtos não saudáveis 22 Revista do Idec | Abril 2009 DUPLO PADRÃO Como inúmeros estudos apontam o crescimento da obesidade infantil e a relação da publicidade de alimentos pouco saudáveis com esses índices, a indústria alimentícia viu-se obrigada a tornar públicas normas de autocontrole, antes que o cerco se fechasse de vez em torno das propagandas de seus produtos. Em julho e dezembro de 2007, grandes empresas do setor aderiram a propostas de autorregulamentação nos Estados Unidos (EUA) e na União Europeia (UE), pactuando restringir a propaganda de alguns de seus produtos a crianças de até 12 anos e, ao mesmo tempo, promover opções saudáveis. Em maio de 2008, oito empresas assinaram acordos com a Organização Mundial da Saúde (OMS), dispondo-se a implantar práticas similares em todos os países em que atuam. As doze empresas pesquisadas assinaram pelo menos um desses acordos, comprometendo-se, no mínimo, a não fazer propaganda de produtos não saudáveis. Embora os acordos sejam iniciativas importantes, algumas empresas têm adotado as regras apenas em níveis locais, dando tratamento desigual aos consumidores de diferentes países. O levantamento do Idec e do Instituto Alana verificou que boa parte das companhias divulga no Brasil produtos que, segundo os seus próprios critérios nutricionais ou outros padrões presentes nos acordos, não deveriam ser anunciados, conforme demonstra a tabela à página 25. É o caso do Burger King, por exemplo. A companhia promove o lanche Bkids em seu site (www. burgerking.com.br), Ultrapassa o limite de 560 kcal estabelecido pela empresa para ser anunciado Como foi feita a pesquisa Entre janeiro e fevereiro, técnicos do Idec e do Instituto Alana monitoraram a publicidade de alimentos e bebidas dirigida a crianças durante a programação infantil dos canais SBT, Globo, Discovery Kids e Cartoon Network, e visitaram os websites das empresas analisadas. O objetivo foi comparar as práticas publicitárias das multinacionais alimentícias com os compromissos que tais empresas firmaram internacionalmente e com os padrões propostos para regulamentação da publicidade. A pesquisa avaliou ainda a composição nutricional dos produtos, de acordo com os critérios da Anvisa, e a existência de apelo infantil nas embalagens. As empresas pesquisadas foram Burger King, Cadbury Adams, CocaCola, Danone, Ferrero, Kellogg, Kraft Foods, Mars, McDonald’s, Nestlé, Pepsico e Unilever. Revista do Idec | Abril 2009 23 PUBLICIDADE Excede o volume de gorduras e não atinge o “padrão kraft” para vitaminas e minerais Quase todas as companhias pesquisadas mantêm sites com divulgação de produtos com jogos e brincadeiras atrativos a crianças de todas as idades, como a Cadbury Adams e a Danone, por exemplo. A Cadbury promove o chiclete Bubaloo (www.bubaloo.net), mesmo com o compromisso nos EUA de cessar a publicidade do produto, que tem 80% de açúcar; a Danone tem uma página para o marketing do Danoninho (www.danoninho. com.br), sendo que o alimento não atende ao seu próprio critério nutricional. Um relatório da Consumers International (CI), divulgado em março, aponta que a utilização de Evento discutiu publicidade de alimentos Os resultados da pesquisa com as maiores empresas alimentícias que atuam no Brasil fomentaram as discussões da mesa-redonda promovida pelo Idec e o Instituto Alana sobre as práticas de publicidade e marketing de alimentos e bebidas dirigidas para crianças. O evento, que ocorreu no dia 10 de março em São Paulo (SP), fez parte das comemorações do Dia Mundial do Consumidor (15 de março) e seguiu o tema eleito pelas entidades filiadas à Consumers International para a data. O debate girou em torno da necessidade de regulamentação nacional da publicidade de alimentos para crianças e abordou a sua relação com o crescimento da obesidade infantil. Participaram da mesa representantes do Ministério da Saúde, professores da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), além de representantes do setor publicitário. 24 Revista do Idec | Abril 2009 páginas on-line é uma tendência entre as multinacionais alimentícias. Segundo a entidade, a internet, além de ser uma forma de manter as campanhas de marketing frente às restrições nas mídias tradicionais, é um veículo a que as crianças dedicam cada vez mais tempo, em detrimento da televisão. Uma das poucas empresas que anunciou adotar a mesma conduta em todos os países em que atua, a Nestlé, contraditoriamente, foi a que apresentou irregularidades de forma mais escancarada. A companhia faz promoção de seus produtos atrelada ao filme da Xuxa, celebridade admirada pelas crianças. Também foi identificada propaganda do Estrelitas Mel Cereal Matinal na televisão durante a programação infantil, além de outras formas de marketing do cereal Snow Flakes, do biscoito Passatempo e da bebida láctea Chamyto, todas com potencial de atingir crianças menores de 6 anos de idade, em desacordo com o compromisso da própria Nestlé. NADA SAUDÁVEIS A Anvisa discute a regulamentação da publicidade de alimentos desde 2006, por meio da Consulta Pública (CP) 71, que expõe o entendimento da agência sobre alimentos não saudáveis e prevê uma série de regras para a promoção desses produtos, como a proibição do uso de personagens e brindes. Os critérios da Anvisa serviram de parâmetro para avaliar a composição nutricional dos produtos nos quais foram identificadas propagandas, pois foram estabelecidos com embasamento científico. As empresas ainda mantêm o velho truque dos brindes nas embalagens para atrair as crianças. Os casos mais notórios são os lanches infantis do McDonald’s e do Burger King, mas há outros exemplos, como o chocolate Kinder Ovo, da Ferrero. A utilização de personagens também é comum, verificada praticamente em todos os produtos, inclusive nos das empresas em que não foi constatada outra prática de marketing infantil. A Mars estampa um personagem nas embalagens de MM’s e a Unilever na do sorvete Frutilly. Se a resolução da Anvisa estivesse em vigor, todas as empresas pesquisadas estariam irregulares. Personagem atrativo às crianças deveria estar proibido A análise nutricional de alguns produtos foi prejudicada pela falta de informação nas embalagens acerca da quantidade de açúcar. Pelas regras atualmente em vigor (RDC 360/03 da Anvisa), o açúcar não precisa ser discriminado, bastando identificar a quantidade total de carboidratos. O Idec considera essa omissão uma lacuna importante da legislação brasileira, que precisa ser sanada. Todas as vezes em que foi possível avaliar a composição dos produtos, no entanto, constatouse que eles não são saudáveis de acordo com os padrões da Anvisa. No caso da Kellogg, verificou-se que a empresa adota limites muito flexíveis em sua autorregulamentação. Os Sucrilhos, por exemplo, são considerados saudáveis pelos critérios da empresa, e por isso podem ser divulgados, segundo suas regras. No entanto, se o produto for confrontado com o padrão nutricional da Anvisa, tem consideráveis doses de açúcar e sódio. As comparações demonstram, mais uma vez, a necessidade de a agência regulamentar logo a publicidade de alimentos, já que, a depender da boa vontade das empresas, as regras não costumam sair do papel. Resultado geral Empresa Tem publicidade?1,2 Descumpre sua autorregulamentação? Descumpre a proposta a Anvisa?3 Burger King Empresa diz que o produto é saudável, mas tem excesso de sódio e açúcar Empresas respondem FOTOS GILBERTO MARQUES sendo que a composição nutricional do produto ultrapassa o limite de calorias (560 kcal) estabelecido pela própria empresa para os produtos que anuncia. A Kraft também comete a mesma contradição ao manter um site de promoção dos biscoitos da linha Trakinas (www.trakinas. com.br), não saudáveis de acordo com seus próprios critérios. O biscoito Trakinas Power sabor flocos, por exemplo, excede os limites de calorias, gorduras totais e saturadas, e não atinge a quantidade de vitaminas e minerais recomendada pela empresa para ingestão diária. O Idec enviou cartas a todas as empresas com o resultado individual das pesquisas e solicitou esclarecimentos sobre sua conduta. No entanto, até o fechamento desta edição somente cinco companhias haviam respondido: ● Cadbury Adams: afirma que entre as regras de seu código interno de publicidade está a “estrita observância das leis de cada país onde atua”. ● Danone: diz que a “Danone do Brasil Ltda.” não é signatária dos acordos internacionais e não tem obrigação de aplicá-los. ● Ferrero: afirma que a companhia não mantém tratamento diferenciado entre os consumidores brasileiros e os estrangeiros. Além disso, diz que sua comunicação publicitária no país não contradiz as regras do acordo europeu, alegando que o site do “Kinder Ovo” é de “caráter institucional”, não publicitário. Cadbury Adams Coca-cola Danone Ferrero Kellogg Kraft Foods Mars (personagem próprio) McDonald’s Nestlé Pepsico Unilever (personagem próprio) Televisão, internet, rádio, mídia escrita etc. 2 Em relação às empresas Mars e Unilever, não é possível afirmar que não fazem publicidade direcionada para crianças, mas sim que não se coletou esse material no período da pesquisa 3 Se a norma colocada em consulta pública (CP 71) estivesse em vigor 1 ● Kellogg: reafirma que segue seu próprio critério nutricional para a publicidade dos alimentos, conforme constatado na pesquisa. Entretanto, não comenta as discrepâncias entre o seu padrão e o da Anvisa. A empresa diz ainda que o site dos Sucrilhos “visa estimular atividades físicas, cuidado com o meio ambiente, alimentação balanceada e convívio social”, e que o personagem “Tony” (tigre) é o símbolo da marca e tem “caráter totalmente educativo”. ● Mars: alega que os personagens que ilustram as embalagens de MM’s e a publicidade do produto são direcionados ao público adulto. Revista do Idec | Abril 2009 25