artigo A pegada de carbono na pecuária Brasileira: oportunidades e desafios V ocê já deve ter ouvido as seguintes frases ou algo parecido: “Pare de comer carne, agindo assim você estará contribuindo para evitar emissões relacionadas à pecuária, o grande vilão do efeito estufa”. Porém, uma visão mais equilibrada sobre o assunto precisa levar em conta o impacto ambiental da produção de carne - que existe, assim como qualquer atividade humana - mas também a grande oportunidade que a pecuária representa, especialmente no Brasil, para ajudar a reduzir a emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa (GEE). Em primeiro lugar, é preciso pensar na importância relativa das fontes de GEE. No Brasil, o último levantamento feito considerando todas as fontes de emissão de GEE foi elaborado a partir de dados do período 1990-1994. Nesta época, a agricultura e pecuária representavam 20% das emissões, a indústria e queima de combustíveis nos transportes totalizavam 25%, enquanto o desmatamento respondia por 55% das emissões. As tão faladas emissões de metano entérico pelo gado representavam 9% do total. Portanto, se um vilão precisava ser apontado em relação às emissões de GEE no Brasil, seria o desmatamento, e não a atividade pecuária. A figura começa a mudar quando avançamos no combate ao desmatamento. Apesar de não termos dados mais recentes sobre as emissões do país – um inventário nacional atualizado deve ser publicado em breve – sabemos que o ritmo de desmatamento tem diminuído. Considerando-se que ao mesmo tempo o país vem desenvolvendo sua base industrial, aumentando sua frota de veículos e se firmando como uma potência agropecuária, é natural que estas outras fontes ganhem uma importância outrora ofuscada pelo desmatamento. Com um rebanho em expansão, a pecuária pode se tornar a bola da vez – e agora com justiça - neste novo cenário de emissões. 10 Dr. Marcelo Valadares Galdos Mestre em Gestão de Recursos AgroAmbientais pelo Instituto Agronômico de Campinas e Doutor em Ciência do Solo pela ESALQ/USP. Parece ameaçador para o setor? Aí é que mora a oportunidade. Nossa realidade na pecuária brasileira é a mais propícia possível para aprimorar processos. Apesar de termos tecnologia de ponta em produção de carne há muito tempo em uma parte significativa do rebanho, ainda há muito espaço para melhorias na eficiência do processo. Ainda há muitas áreas de pastagens subutilizadas, com baixas ocupações de animais, baixas taxas de conversão de carne e longos tempos de permanência no pasto. Pastagens degradadas ou em processo de degradação são abundantes em várias regiões do país. Mas o que isso significa em termos de emissões de GEE no Brasil? Volto neste ponto mais adiante. Antes, é preciso destacar uma tendência mundial na discussão sobre o aquecimento global movida principalmente pelo meio corporativo. A chamada avaliação de ciclo de vida, que é uma análise dos impactos ambientais ao longo de toda a cadeia produtiva de um determinado produto, ganha destaque. Sua versão mais restrita ao aquecimento global, ou seja, a soma de todas as emissões de gases do efeito estufa ao longo do ciclo de vida de um produto é chamada de pegada de carbono, do inglês “carbon footprint”. Trata-se de emissões de dióxido de carbono (CO2, o mais conhecido dos gases do efeito estufa), mas também de metano (CH4), óxido nitroso (N2O, que por sinal nem contem carbono) e outros gases com potencial de contribuir para o efeito estufa. Cada um destes gases tem um potencial de aquecimento global diferente, mas para facilitar a contabilidade, são convertidos em uma unidade comum, o equivalente em CO2. A principal pergunta respondida por um levantamento da pegada de carbono é: quantas unidades de equivalente em CO2 foram emitidas para produzir uma unidade deste produto? E no final das contas, para quê saber a pegada de carbono de um produto? Basicamente, é preciso medir para gerenciar. Uma vez que tenhamos um diagnóstico do impacto no aquecimento global, é possível desenvolver ações concretas para reduzir estas emissões. Considerando toda a cadeia produtiva da carne, grande parte das emissões na parte de processamento e transporte está relacionada ao consumo de energia elétrica e queima de combustíveis. Como já temos uma matriz energética limpa, as maiores oportunidades para redução estão no campo. É possível produzir mais carne, em menos tempo, em uma área menor, reduzindo, assim, as emissões por unidade de produto. Práticas como a recuperação de pastagens degradadas, o melhoramento genético do rebanho, a integração lavoura-pecuária e diversos níveis de confinamento podem aumentar a eficiência de produção. Intensificando a produção, um importante serviço ambiental é prestado: a disponibilização de áreas para outros usos, como produção de outros alimentos e de biocombustíveis, evitando a abertura de novas áreas em biomas com vegetação nativa. Esta é a oportunidade de inverter a imagem da pecuária de atividade geradora de desmatamento para uma atividade que, ao melhorar sua eficiência, ajuda a evitar o desmatamento. No contexto de aquecimento global, há várias outras oportunidades para a pecuária brasileira cumprir um papel positivo. Cerca de 25% do biodiesel produzido hoje no Brasil provem do sebo animal, um subproduto da produção de carne. Quando produzidos de forma sustentável, os biocombustíveis têm emissões mais baixas do que os combustíveis fósseis correspondentes. As emissões do diesel fóssil que deixa de ser consumido (e importado) precisam ser computadas como uma vantagem da produção de biodiesel de sebo. É essencial reconhecer que a produção de carne, assim como qualquer outra atividade humana, tem impactos ambientais. A redução de emissões pelo desmatamento e o crescimento da pecuária no país vão trazer o foco para as emissões relacionadas à produção de carne. No entanto, as oportunidades para redução das emissões na pecuária são maiores do que qualquer outro setor da economia brasileira, utilizando tecnologias apropriadas às nossas condições e já disponíveis. Portanto, não pare de consumir carne, ou se for preciso, que não seja por razões ligadas ao aquecimento global. P 11