O jovem e suas preferências musicais: revisão de

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O jovem e suas preferências musicais: revisão de
literatura
Mikely Pereira Brito
[email protected]
Resumo: O presente trabalho consiste em uma pesquisa em andamento cujo objetivo é compreender
quais são os fatores que influenciam na construção das preferências musicais de alunos de ensino médio
da cidade de Vitória – ES. Serão investigados na pesquisa alunos de escolas de nível médio da rede
pública e privada de ensino de Vitória – Espírito Santo. Como instrumento de coleta de dados será
aplicado aos alunos das escolas selecionadas um questionário no formato semiaberto. A pesquisa está
sendo desenvolvida com base em pesquisas bibliográficas nas áreas de preferência musical, educação
musical, juventude e contemporaneidade e afins, a fim de construir um referencial teórico consistente
que permita analisar os dados coletados de maneira confiável. A escolha do tema em questão ocorreu a
partir da constatação de que é fundamental para o docente conhecer o perfil do jovem atual, incluindo
suas práticas musicais, seus objetivos quanto à música e suas preferências musicais. Tais saberes
poderão colaborar com a elaboração de estratégias de ensino de música, através da utilização de
repertórios que despertem o interesse dos alunos, e, além disso, leve-os à ampliação do seu background
musical.
Palavras-chave: preferência musical; fatores de influência; juventude.
Introdução
O interesse em pesquisar aspectos relacionados à preferência musical do
jovem se dá, inicialmente, pela constatação de que é fundamental para o docente
conhecer o perfil do jovem atual, incluindo suas práticas musicais, seus objetivos
quanto à escuta musical e suas preferências musicais. Pesquisas já apontaram que há
um hiato entre o repertório de conhecimento dos alunos e aquele utilizado em sala de
aula pelos professores. Acreditando-se que tal configuração não é ideal, trabalhos de
pesquisadores como Arroyo (2000), Swanwick (2003), Queiroz (2004) e Queiroz e
Marinho (2009) vêm apontando a necessidade de se levar em consideração o
background cultural/musical dos alunos na elaboração do planejamento escolar.
Questões relacionadas às preferências musicais têm sido objeto de interesse
de pesquisadores de diversas áreas, como a psicologia, a sociologia e a educação
musical. Diversos fatores são apontados como condicionantes na formação dessas
preferencias, e alguns deles serão explanados nesse trabalho, tais como: familiaridade,
complexidade e audição repetitiva; influências sociais e culturais; personalidade do
ouvinte; uso da música; gênero; classe social e idade.
A partir da temática escolhida para abordagem nessa pesquisa, pretende-se
colaborar para trabalhos futuros que se proponham à elaboração e à sugestão de
repertórios a serem aplicados nas escolas de ensino médio de Vitória, visando
despertar um maior interesse e ao mesmo tempo contribuir para o crescimento cultural
dos alunos.
O jovem na contemporaneidade
Considerando-se que essa pesquisa se propõe a investigar aspectos
relacionados às preferências dos jovens, torna-se relevante buscar entender a
juventude contemporânea, bem como discutir possíveis definições e discussões sobre
o tema, encontradas na literatura.
Uma abordagem mais objetiva procura definir o jovem a partir de sua idade
ou período escolar. A lei nº 12.852, de 05 de Agosto de 2013, institui o Estatuto da
Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, princípios e diretrizes das políticas de
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juventude e o Sistema Nacional de Juventude. Ela considera jovens pessoas com idade
entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade, estando a adolescência
compreendida entre 15 (quinze) e 18 (dezoito) anos (BRASIL, 2013).
Pais (1990) afirma que a sociologia da juventude tem seguido duas
tendências para categorizar a juventude. A primeira a define como um conjunto de
indivíduos pertencentes a uma determinada fase de vida, focalizando, aqui, aspectos
mais homogêneos e uniformes, visto que o foco está na faixa etária. A segunda
considera a juventude como um conjunto social diversificado, abrindo espaço para a
formação de diferentes culturas juvenis, a partir de diferenças quanto à classe social,
situação econômica, interesses e oportunidades.
Essa última tendência permite abordagens mais subjetivistas, que
procuram compreender a juventude como um conceito mais complexo e aberto.
Para Fanfani (2000):
A adolescência e a juventude são construções sociais. Em outras palavras, são
"classes de idades" que, apesar de possuírem uma base material biológica, têm
também diversas representações históricas relativamente arbitrárias. Na
realidade, o que "existe", [...] é um contínuo de idade. É a sociedade que
produz determinados "cortes" e "rupturas" no fluxo do tempo. Sabemos que
existem crianças e adolescentes, adolescentes e jovens, mas essas fronteiras
que marcam os limites não têm uma sinalização material ou objetiva. Os
limites sociais são sempre imprecisos e variáveis. [...] Nem todos os que têm a
mesma idade participam da mesma "classe de idade", já que nem todos os
coetâneos compartilham as mesmas características e experiências vitais
(formar família, trabalhar, ter independência econômica, estudar, etc.)
(FANFANI, 2000, p. 6).
De acordo com Sposito (1997), a maior parte das pesquisas relacionadas ao
tema entende que a juventude consiste em um tempo de “transição da heteronomia da
criança para a autonomia do adulto” (p. 38). Porém, não há um consenso quanto à
maneira que se dá essa passagem, sua duração e suas características. Isso devido às
diferenças significativas entre indivíduos de distintas classes sociais, gêneros, etnias,
bem como entre a vida urbana e a rural (SPOSITO, 1997).
Carrano e Martins (2007) argumentam que enxergar o jovem como um ser
em transição para a vida adulta, ou mesmo como um sujeito dotado de problemas
‘comuns à idade’ impede que eles sejam reconhecidos como capazes de criar, serem
saudáveis e produtivos, inclusive produzindo cultura.
Os autores destacam a heterogeneidade da juventude, ressaltando a
existência de diferentes modos de ser jovem, em contraposição aos discursos
frequentes nas mídias, que tendem a homogeneizar o jovem com uma cultura definida
dentro de uma determinada época.
Dayrell (2007) classifica como preconceituosa a visão atribuída à juventude
como seres projetados apenas para o futuro, bem como outros estigmas tendenciosos
a ver o jovem “na perspectiva da falta, da incompletude, da irresponsabilidade, da
desconfiança, o que torna ainda mais difícil para a escola perceber quem ele é de fato,
o que pensa e é capaz de fazer” (DAYRELL, 2007, p. 50).
Santos (2012, p. 18) corrobora com esse discurso, e afirma que:
Algumas vezes, definimos o jovem com jargões já bem conhecidos: “O jovem
é o futuro do país!” Será que pensar a juventude resume-se somente em olhar
para o futuro, esquecendo-se do tempo presente em que ela se encontra? É
importante se levar em conta que, o fato de não considerarmos o jovem
pertencente ao presente, por vezes dificulta as tentativas de nos
aproximarmos deles (SANTOS, 2012, p. 18).
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O entendimento da diversidade de modos de viver a juventude é
fundamental para o docente e o pesquisador. Mauger (apud Sposito, 1997) defende a
impossibilidade de recorrer a apenas uma categoria jovem que se imporia de modo
igual a todos os pesquisadores. Até porque, cada um lança um olhar diferente, e se
propõe a estudar a juventude segundo enfoques teórico-metodológicos e perspectivas
disciplinares diferentes.
Para Carrano e Martins (2007), a multiplicidade de grupos e expressões
juvenis permite pensar não em juventude, mas em “juventudes”, como resultado da
existência de grupos diferentes que se expressam e se organizam a partir de interesses
específicos e realidades próprias. Os autores também abordam a necessidade de uma
constante atualização das definições de juventudes.
Daí a importância de trabalhos atuais relacionados aos jovens. É bastante
improvável que o pesquisador enxergue a realidade da juventude nos dias de hoje sem
realizar comparações com suas próprias experiências, bem como expectativas de
identificação de similaridades com as vivências de sua geração, ou mesmo de gerações
anteriores. Mas não se deve esperar que os comportamentos sejam os mesmos, ainda
que os contextos sejam similares. É imprescindível uma constante abertura ao diálogo,
com vistas à com compreensão e à aceitação de uma nova configuração na forma de
pensar, agir e ser do jovem.
O jovem e a música
A música ocupa um lugar de relevância na vida e no cotidiano dos
indivíduos, em especial dos jovens. É o principal produto cultural consumido pelos
jovens, não apenas no Brasil (DAYRELL, 2001). Ela está presente nas atividades de
lazer, e também em contextos diversos, formais ou informais. Eles escutam, participam
de grupos diversos, vocais e instrumentais, bandas, se inscrevem em aulas de
instrumentos e criam suas próprias canções (PALHEIROS, 2004; ARROYO, 2007).
Dayrell (2001) reforça:
Nesse âmbito, a música é a atividade que mais os envolve e os mobiliza. Muitos
deles deixam de ser simples fruidores da música e passam também a ser
produtores, formando grupos musicais das mais diversas tendências,
compondo músicas e letras, apresentando-se em festas e eventos, criando
novas formas de mobilizar os recursos culturais da sociedade atual além da
lógica estreita do mercado (DAYRELL, 2001, p. 4).
E complementa:
A música acompanha os jovens em grande parte das situações no decorrer da
vida cotidiana: música como fundo, música como linguagem comunicativa
que dialoga com outros tipos de linguagem, música como estilo expressivo e
artístico; são múltiplas as dimensões e os significados que convivem no
âmbito da vida interior e das relações sociais dos jovens, sendo mais vivida do
que apenas escutada. (DAYRELL, 2001, p. 24).
Aqui temos conteúdos relevantes para a discussão da inserção da música na
escola, que atualmente é uma realidade e uma obrigatoriedade (BRASIL, 2008). Souza
(2004) considera que o mapeamento dos cenários exteriores da musica da vivência dos
alunos é um fundamento para se pensar a educação musical e ampliar as reflexões
sobre currículo, conteúdo e ensino-aprendizagem que a escola oferece aos jovens.
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Definição de gosto/preferência musical
Essa pesquisa adotará como base teórica o conceito de preferência musical
definido por Quadros Jr. e Lorenzo (2010) e Russel (2000), que corresponde a uma
decisão transitória e nem sempre autônoma dos indivíduos, que pode sofrer influência
de diversos fatores, como por exemplo, os meios de comunicação de massa. Ela é
identificada nas pessoas pela música que decidem ouvir, pelos álbuns que optam por
comprar e/ou pelos concertos que costumam assistir. Corrobora-se aqui também com
a definição de Schäfer (2008), que define a preferência musical como o grau do gosto
por um estilo musical, somado à tendência comportamental para ouvir aquele estilo
mais que outros.
É importante destacar que alguns pesquisadores da área, como Quadros Jr
e Lorenzo (2010), procuram distinguir os termos gosto musical e preferência musical.
Para eles, o gosto corresponde a uma preferência estável e de longo prazo, o que
significa que, quando a preferência por algo se torna frequente, ela passa a se
caracterizar como gosto.
Assim, para essa pesquisa, optou-se pela adoção do termo preferência ao
invés de gosto(s) levando-se em consideração a diferenciação existente entre tais
termos, e, essa pesquisa se interessa em avaliar criticamente a preferência musical
como uma escolha temporal, e não fixa.
A preferência musical e seus fatores de influência
Ao investigar os fatores que influenciam a preferência musical, a literatura
considera a existência de parâmetros tanto intrínsecos quanto extrínsecos à música.
Boyle (1987) afirma que o julgamento de uma performance musical é
baseado nas sensações que a música transmite e em como elas são processadas pelo
cérebro. A avaliação de uma mesma performance pode ser diferente entre um
indivíduo e outro. Alguns se prendem à análise de aspectos estritamente musicais,
outros abordam também aspectos extramusicais. Outros ainda se atentam para
aspectos emocionais despertados pela interpretação
Para North e Hargreaves (2008), a influência na preferência musical
envolve fatores relacionados à música, à situação da escuta e ao ouvinte:
Algumas pessoas, por exemplo, afirmariam que sua música favorita evoca
certas emoções, outros atribuem suas preferências para as memórias de terem
associados com a música, e outros dizem que eles "simplesmente como se
fosse”. Toda essa diversidade, é claro, representa um desafio considerável para
a psicologia da música. (NORTH; HARGREAVES, 2008, p. 75).
Palheiros (2006, p. 309) afirma que “as diferentes maneiras de ouvir e ‘usar’
música podem estar relacionadas com as funções da música, e podem depender de
características pessoais do ouvinte (idade, formação musical), da situação (intenção de
ouvir, atenção) e do contexto (físico, social, cultural, educativo)”.
Quadros Jr (2013) realizou um levantamento bibliográfico de fatores
extramusicais que influenciam as preferências musicais, que serão explanados a seguir
e complementados com considerações de outros trabalhos pesquisados.
Familiaridade, complexidade e audição repetitiva
No que se refere à familiaridade, músicas e gêneros musicais muito
difundidos tendem a se tornar parte das preferências musicais dos indivíduos. Com
relação à complexidade musical, Quadros Jr (2013) esclarece que ela pode ser definida
de maneira objetiva, medindo estatisticamente e caracterizando a probabilidade de
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prever a próxima nota, ou subjetiva, que corresponde ao grau de complexidade que um
ouvinte percebe que a música tem, tratando-se, portanto, de uma resposta pouco
precisa. North e Hargreaves (2008) trazem conclusões importantes a partir de suas
investigações. Segundo eles, em um primeiro momento de escuta, músicas com muito
pouca complexidade e/ou muito complexas são rejeitadas pelos ouvintes, figurando
em suas preferências as consideradas moderadamente complexas (trata-se aqui da
complexidade subjetiva). Com o aumento da familiaridade através da audição
repetitiva, a complexidade subjetiva de todas as músicas diminui, passando então a
que antes era considerada muito complexa ao nível moderado de complexidade,
levando-a a ser preferida pelos ouvintes. De acordo com essa análise, então,
argumenta-se que músicas muito difundidas pelo processo de massificação compõem
a preferência transitória dos indivíduos, não contribuindo para a formação do gosto,
definido como uma preferência permanente.
Surge, a partir dessas leituras, o interesse em se aprofundar nesses quesitos,
considerando também as pesquisas que consideram a influência dos meios de
comunicação de massa nas preferências musicais dos jovens.
Influências sociais e culturais
Para a maioria dos indivíduos, a música é utilizada, de forma voluntaria ou
não, como ferramenta de integração e interação social. Segundo Quadros Jr (2013), as
diversas atividades musicais, como idas a concertos, festivais, discotecas, ou até
mesmo ouvir música juntamente com amigos proporcionam às pessoas a inserção nos
diferentes meios sociais.
North e Hargreaves (2007) argumentam que as preferências musicais
podem distinguir e categorizar os diferentes estilos de vida. A pesquisa desses autores
recrutou 2.532 participantes de uma cidade do Reino Unido para responder um
questionário sobre preferência musical e também fornecer dados sobre seus estilos de
vida (viagens, finanças pessoais, educação, emprego, saúde, hábitos de beber e fumar).
Os resultados indicaram que estilos de vida significativamente diferentes são
identificados entre fãs de diferentes estilos musicais na sociedade britânica do início
do século 21. Essas diferenças vão além de fatores sociodemográficos até então
estudados, como raça, religião e sexo, mas pode-se correlacionar também as micro
variáveis sociais, como hábitos de saúde, padrões de viagem, planejamento pessoal de
finanças, educação e emprego (NORTH; HARGREAVES, 2007).
Segundo Tekman e Hortaçu (2002), uma das funções da música é a
definição de identidade social própria e dos outros. Ela influencia, por exemplo, a
escolha do que vestir e a atração ou rejeição por determinados grupos. Quanto ao seu
papel, os autores dizem:
O papel mais vital que a música pode ter desempenhado em termos de
sobrevivência e adaptação pode ter sido o seu papel social. Música define
sociedades e grupos e é frequentemente associada com a expressão de
sentimentos religiosos e nacionais [...] Em algumas sociedades é possível dizer
quem as pessoas são e o que elas estão fazendo quando você ouve o que elas
estão cantando (TEKMAN; HORTAÇU, 2002, p. 2, tradução minha). 1
The more vital role that music may have played in terms of survival and adaptation may have been
its social role. Music defines societies and groups and is often associated with expression of religious
and national feelings […] In some societies you can tell who people are and what they are doing when
you hear what they are singing.
1
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Quanto à influência cultural, ela interfere na preferência musical visto que
diferentes estilos musicais são veiculados em diferentes países e regiões. Queiroz
(2005) enuncia:
A música, importante meio de expressão e de comunicação humanas, destacase como fator determinante para a constituição de singularidades que dão
forma e sentido a práticas culturais dos mais variados contextos […] A forte e
determinante relação com a cultura estabelece para a música, dentro de cada
contexto que ela ocupa, um importante espaço com características simbólicas,
usos e funções que a particularizam de acordo com as especificidades do
universo sociocultural que a rodeia (QUEIROZ, 2005, p. 51).
Essas singularidades se manifestam, claramente, nas preferencias musicais
das diferentes culturas. Schafer (2008) enfatiza ainda que, sobretudo, as diferenças de
difusão e recepção musical nas variadas culturas podem exercer influência no tipo e na
força da preferência musical. E a música pode expressar a identidade e os valores de
uma cultura ou país.
Rentfrow e Gosling (2003) dialogam sobre as influências culturais e
ambientais nas preferencias musicais e na música:
Parece provável que influências culturais e ambientais vão influenciar a
música e os gostos individuais. Por exemplo, indivíduos que crescem nas
pequenas cidades do interior do Texas provavelmente serão expostos a uma
gama de músicas muito diferente do que os indivíduos que crescem na região
metropolitana de Nova Iorque (RENTFROW; GOSLING, 2003, p. 1251,
tradução minha).2
No entanto, considerando-se a preferência musical como uma decisão
transitória, durante o curso da vida os fatores que a influenciam podem apresentar
maior ou menor incidência. Exemplificando, durante a infância a família pode
influenciar, na adolescência os amigos, até que uma maior autonomia seja
desenvolvida, estando, portanto, relacionadas as influências sociais e culturais, a idade
e a personalidade.
Personalidade do ouvinte
As pesquisas atuais que relacionam preferência musical e personalidade
entendem que a escolha de determinado estilo musical está vinculada a aspectos de sua
personalidade.
A pesquisa de North (2010), realizada com cidadãos da Europa, América do
Norte, Austrália e Nova Zelândia, relaciona a predileção por alguns estilos com as
seguintes características: baixa ou alta autoestima, criatividade, apreço por trabalhar,
níveis de tranquilidade, gentileza, introspecção e extroversão.
As investigações de Rentfrow e Gosling (2003), primeiramente, buscaram
determinar as principais dimensões das preferências musicais. Através de análise das
preferencias de mais de 3.500 pessoas, utilizando o chamado STOMP – Short Test of
Music Preference, traduzido como Escala Abreviada de Preferência Musical
(GOUVEIA ET AL., 2008), também elaborado por Rentfrow e Gosling (2003), os
autores agruparam 14 gêneros musicais em quatro componentes, sendo: 1) reflexivo e
complexo, reunindo os estilos música clássica, blues, folk e jazz; 2) Intenso e rebelde,
que reuniu o rock, a música alternativa e o heavy metal; 3) convencional, abrangendo
It seems likely that cultural and environmental influences will influence the music an individual likes.
For example, individuals growing up in small rural towns in Texas will probably be exposed to a very
different set of music than individuals growing up in metropolitan New York.
2
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a música country (sertaneja no nosso contexto), as trilhas sonoras, a música religiosa
e a música pop; 4) enérgico e rítmico, reunindo o rap/hip hop, o soul/funk e a música
eletrônica/dance.
Após essa etapa, os autores avaliaram as associações entre esses
componentes e os cinco grandes fatores da personalidade: extroversão, agradabilidade
ou sociabilidade, escrúpulo, neuroticismo ou estabilidade emocional e abertura à
mudança (RENTFROW; GOSLING, 2003; PIMENTEL; DONNELLY, 2008).
Em termos gerais, os resultados mostraram que os estilos dos componente
reflexivo e complexo e intenso e rebelde se relacionam positivamente com a abertura à
mudança. Os estilos do componente convencional foram relacionados positivamente à
extroversão, sociabilidade e escrúpulo e negativamente à abertura à mudança. Os
estilos do componente enérgico e rítmico foram relacionados positivamente à
extroversão e à sociabilidade. E não foram encontradas correlações entre os
componentes e a estabilidade emocional.
Rentfrow e Gosling (2003) atentam para a aplicação de estudos similares
em outros grupos e contextos: diferentes grupos etários, diferentes culturas e países,
tendo em vista que a estrutura específica identificada nesta pesquisa não é universal,
mas é interessante compreender com ela se configuraria em outros contextos.
Certamente deve-se esperar que diferenças se encontrem inclusive nos agrupamentos
dos gêneros musicais em componentes, já que novos estilos de música estão sendo
criados todo o tempo e em diferentes culturas (RENTFROW; GOSLING, 2003).
Estudos similares ao de Rentfrow e Gosling (2003) foram realizados na
Holanda (DELSING ET AL, 2008) e no Brasil (PIMENTEL; DONNELLY, 2008), com
algumas modificações.
As conclusões de Delsing et al (2008) direcionam para uma consistente
relação entre as preferências musicais e características da personalidade, confirmando
pesquisas anteriores. Algumas divergências também foram encontradas nas duas
pesquisas citadas, e atribui-se a isso as diferenças na idade e as diferenças culturais.
No Brasil, os dados do estudo apresentaram convergências com os
indicados por Rentfrow e Gosling (2003) e, em consequência, com Delsing et al., e
também encontrou divergências, o que é esperado. Pimentel e Donnelly (2008) alegam
que a comparação com pesquisas realizadas em outros países e culturas é dificultada
especialmente pela comparação transcultural dos gêneros musicais, já que cada estilo
agrega peculiaridades de acordo com o contexto cultural. Os traços de personalidade
também enfrentam, segundo Pimentel e Donnelly, problemas de comparações.
Alguns trabalhos também ligam a audição de estilos musicais a
comportamentos, como o uso do álcool e drogas ilícitas, o vandalismo, dentro outros.
Pimentel, Gouveia e Vasconcelos (2005). Quanto a isso, os autores ressaltam que ainda
há uma longa trajetória a ser percorrida para explicações definitivas sobre a relação
entre comportamentos antissociais e as preferencias musicais. Concordamos que
estudos mais aprofundados são necessários a fim de se obter resultados mais
conclusivos sobre essa relação entre o gosto musical e a personalidade humana. Uma
teoria mais abrangente sobre o tema deve, necessariamente, examinar outros fatores
possivelmente determinantes, como, por exemplo, a idade e outros.
Uso da música
Os indivíduos utilizam a música para finalidades distintas, e diferentes
gêneros musicais são preferidos e utilizados em situações específicas. As investigações
de Tekman e Hortaçsu (2002) sugerem correspondências entre as características de
estilos e as razões para ouvi-los. Estilos como o rock, o pop e o rap foram tidos como
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mais apropriados para acompanhar a dança e movimentos. A música clássica e o folk,
por outro lado, foram classificados como estilos de alta qualidade e adequados para
apreciação.
Os autores mencionam pesquisas relacionadas às funções da música, como
o reforço da identidade e senso de comunidade, a criação de uma boa impressão
externa e avaliações sociais. Neste último caso, a preferência musical de um indivíduo
pode torná-lo afetivamente mais atraente para alguém que te compartilhe das mesmas
preferências. E também, Tarrant, North, and Hargreaves (apud TEKMAN;
HORTAÇSU, 2002) constataram que adolescentes ingleses têm a ideia de que
membros de seus próprios grupos (alunos da mesma escola) são mais propensos a ser
fãs dos mesmos estilos musicais, e o mesmo não se espera dos não membros (alunos
de outras escolas). Isso indica que, “pelo menos durante a adolescência, quando a
música parece ser uma parte importante da identidade [...], os indivíduos usam
preferências musicais para fins de avaliação e processos de identificação de grupo”
(TEKMAN; HORTAÇSU, 2002, p. 2, tradução minha)3.
De acordo com Quadros Jr. (2013) as pesquisas vêm indicando que os
jovens utilizam a música para moldar sua identidade, relembrar histórias da infância e
aprender mais sobre eles mesmos, desenvolver relacionamentos e conquistas
amorosas, resistir à autoridade em todos os níveis, se distrair de problemas, controlar
o humor e reduzir a solidão.
North e Hargreaves e Konecni (apud QUADROS JR., 2013), relacionam o
uso da música também à chamada listening situation (situação de escuta).
Os indivíduos utilizam suas seleções musicais como um meio para reduzir
ou aumentar a excitação causada por um contexto social ou emocional. Para situações
de menor nível de excitação, como dirigir um veiculo em uma estrada vazia, a tendência
é optar pela escuta de músicas mais complexas ou excitantes. Situações associadas a
altos níveis de excitação, como ler um livro, levam as pessoas à opção de musicas mais
calmas e complexas, ou mesmo não escutar musica nenhuma. Se, ao invés de uma
estrada vazia, a situação for de dirigir em um trânsito pesado, a tendência é, de forma
inversa, optar por músicas mais tranquilas. E se a atividade com elevado índice de
excitação for agradável e exigir a manutenção desse índice, como por exemplo a pratica
de uma atividade física, opta-se por musicas mais enérgicas (LEVITIN, 2007;
QUADROS JR., 2013).
Assim, o fim específico da escuta musical, que é dependente do contexto
social e emocional, se relaciona diretamente com as preferências musicais, visto que,
em situações cotidianas, indivíduos optam por escutar diferentes estilos musicais para
fins específicos.
Gênero
No que se refere ao gênero, as pesquisas divergem quanto à sua influência
nas preferencias de estilos musicais. Quadros Jr (2013) cita alguns autores que indicam
que as mulheres têm maior apreço por estilos musicais mais midiáticos, como o pop,
pagode, funk, samba, sertanejo e músicas para dançar, enquanto os homens preferem
o rock e suas variações, e estilos como o jazz. Em contrapartida, Silva (2012) em sua
pesquisa sobre consumos musicais de estudantes de ensino médio em Porto Alegre,
afirma não haver encontrado diferenças quanto às indicações de preferencias de estilos
entre os sexos. Ambos concordam que a diferenciação, nesse caso, encontra-se na
maneira de se relacionar com a música e com seu uso. As mulheres, por exemplo,
At least during adolescence, when music seems to be an important part of identity […], individuals
use musical preferences for evaluative purposes and group identification processes.
3
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utilizam mais da música para suprir necessidades emocionais, e os homens a utilizam
para a formação de sua autoimagem e para agradar os amigos (QUADROS JR, 2013).
E, de acordo com Silva (2012), jovens do sexo feminino apreciam e valorizam mais
músicas que se relacionam com a dança, enquanto jovens do sexo masculino preferem
performances instrumentais que exijam maior domínio técnico do instrumento.
Silva (2006) realizou uma pesquisa com uma turma de 8ª série de uma
escola pública de Ensino Fundamental de Porto Alegre, tratando da música na
construção da identidade de gênero no espaço escolar. O autor identificou, através da
observação participante, uma diferenciação na preferência de estilos musicais entre
meninos e meninas, evidenciando a existência de uma relação estreita entre a música
e a identidade de gênero:
Os discursos dos estudantes e suas justificativas para preferir um ou outro
estilo musical estão atrelados a discursos socialmente construídos sobre o papel do
homem e da mulher. E isso não se refere apenas à música, mas também ao vestuário,
à linguagem, às atitudes. Para Silva (2006, p. 89), “declarar identificação com
determinadas músicas no espaço escolar implicava a obtenção de rótulos que poderiam
vir a desmerecer a condição masculina ou feminina dos adolescentes”.
Sendo assim, da mesma maneira que a identidade de gênero está em
constante processo de construção, as preferências musicais dos adolescentes são ativas
e dinâmicas, e constantemente sendo modificadas (SILVA, 2006).
Pimentel, Gouveia e Vasconcelos (2005), em seu trabalho sobre preferência
musical, atitudes e comportamentos sociais, procuraram medir o quanto o gênero pode
diferenciar os participantes em termos das preferências musicais, das atitudes frente
ao uso de maconha e dos comportamentos socialmente desviantes. No caso específico
da relação entre gênero e preferência musical, os autores observaram que:
Especificamente, as mulheres apresentaram maior preferência [...] por estilos
convencionais do que os homens [...]; um padrão de resposta similar foi
observado para os estilos de música de massa, isto é, as mulheres
apresentaram maior preferência [...] do que os homens [...] Contrariamente,
no caso dos estilos anticonvencionais, os homens indicaram maior preferência
[...] com relação às [...] Finalmente, nenhuma diferença foi observada para os
estilos refinados4 [...] (PIMENTEL, GOUVEIA, VASCONCELOS, 2005, p.
408).
Colley (2008), em pesquisa sobre relação entre gênero e preferência
musical, obteve os seguintes resultados:
Em concordância com estudos anteriores, o presente estudo encontrou maior
preferência pela música pop entre as mulheres e maior preferência pelo heavy
metal, folk, rock, e blues entre os homens. Desses estilos, tanto o heavy metal
quanto o folk obtiveram média global abaixo do ponto médio da escala,
indicando níveis relativamente baixos de preferência entre homens e
mulheres. Apenas quatro estilos obtiveram média global maior que o ponto
médio de escala para homens e mulheres: rock, blues, rap e pop. Destes,
apenas o rap não apresentou uma diferença entre os gêneros, confirmando seu
status como um estilo que agrada ouvintes masculinos e femininos,
possivelmente porque as letras agressivas e subversivas agradam homens
O autor considera música de massa: pagode, forró, funk, samba e sertaneja; anticonvencional: rap,
punk, heavy metal e reggae; refinado: samba, música clássica e MPB e convencional: pop music, música
religiosa e música sertaneja
4
Anais do 14º Colóquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ – Vol. 2 – Processos Criativos – p. 232
enquanto o ritmo de dança agrada as mulheres (COLLEY, 2008, p. 2048,
tradução minha)5.
As conclusões de Colley (2008) estão em concordância com Silva (2006),
pois ela diz que as influências sociais e culturais interferem nas preferências musicais
dos homens e mulheres porque, socialmente, os meninos são desencorajados a se
comportarem como as meninas, incluindo-se aqui a apreciação dos mesmos estilos
musicais.
Schafer (2008) buscou relacionar a musicalidade, a importância da música
e o tempo gasto ouvindo música dos homens e mulheres. Utilizando um total de 1017
amostras, o autor afirma que nenhum de seus testes foi significativo, não chegando,
portanto, a resultados conclusivos quanto à relação entre gênero e preferência musical,
de forma similar a Silva (2012). Não obstante, Schafer aponta, similarmente a
Pimentel, Gouveia e Vasconcelos (2005) e Colley (2008), uma tendência das mulheres
em preferir estilos como o pop, e homens, o rock ou o rap.
Rhein (2003) também atenta para os estereótipos relacionados ao gênero e
às preferências musicais. É comum, de acordo com a autora, a associação de que jovens
do sexo feminino tendem a agir com fanatismo e histerismo frente às suas estrelas
musicais favoritas, afinal, participar de um fã clube está estereotipado como ‘coisa de
menina’. No entanto, a conclusões da autora vêm desmentir essas colocações:
Os resultados indicam fortemente que o fá clube adolescente está longe de ser
um mero fenómeno feminino. Existem diferenças entre os fãs clubes feminino
e masculino, tanto sobre o nível de importância atribuída aos fãs e sobre o
nível de interação musical. O achado mais importante é provavelmente que
essas diferenças não são tão impressionante como se poderia esperar que eles
sejam. Isso indica que o gênero não é uma dimensão importante da distinção
no contexto cultural do fã (RHEIN, 2003, p. 59, tradução minha) 6.
Participar de um fã clube é visto como uma contribuição para a auto
socialização e construção da identidade do jovem, e também uma prática ativa nos
diferentes contextos sociais (RHEIN, 2003). Novamente percebemos, no trabalho da
autora, uma aproximação nas relações entre gênero, influências sociais e culturais e
preferência musical, semelhantemente aos escritos supracitados de Silva (2006) e
Colley (2008). Reforça-se a necessidade de não abordar nenhum fator de forma
isolada.
Classe social
Pierre Bourdieu (2007), em seu livro, considera que as preferências são
construídas a partir do capital cultural transmitido pela escola e pela família. Ele
estabelece a seguinte distinção de gostos:
In common with previous studies, the present study found greater liking of chart pop among women
and greater liking of heavy metal, folk, rock, and blues among men. Of those styles, both heavy metal
and folk had overall means below the scale midpoint, indicating relatively low levels of liking among
both men and women. Only four styles had overall means greater than the scale midpoint for males
or females: rock, blues, rap, and chart pop. Of those, only rap did not show a gender difference,
confirming its status as a crossover style that appeals to male and female listeners, possibly because
the aggressive and subversive lyrics appeal to males while the dance rhythms appeal to females.
6 The results strongly indicate that teenage fandom is far from being a mere female phenomenon.
There are differences between female and male fandom both on the level of ascribed significance to
fandom and on the level of musical interaction. The most essential finding probably is that these
differences are not as striking as one might have expected them to be. This indicates that gender is not
an important dimension of distinction in the fan cultural context.
5
Anais do 14º Colóquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ – Vol. 2 – Processos Criativos – p. 233

Gosto legítimo – o gosto pelas obras legítimas. De acordo com Bourdieu, cresce
com o nível escolar para alcançar a frequência mais elevada nas frações da classe
dominante mais ricas em capital escolar.

Gosto médio – é mais frequente nas classes medias que nas classes populares ou
nas frações "intelectuais" da classe dominante.

Gosto popular – representado por Bourdieu pela escolha de obras de música
chamada "ligeira" ou de musica erudita desvalorizada pela divulgação, e,
sobretudo, por canções desprovidas de qualquer tipo de ambição ou de pretensão
artísticas. Encontra sua mais elevada frequência nas classes populares e varia
em razão inversa ao capital escolar.
Estudiosos como Mueller (2002) e Quadros Jr (2013) refutam as ideias de
Bourdieu quanto a essa divisão de gostos de acordo com a classe social. Mueller
defende que:
[...] nas sociedades pós-industriais as culturas do gosto não mais estão
correlacionadas com classe sociais [...] Diversas culturas de gosto existem e
diferem-se em suas maneiras de decifrar os símbolos culturais e atribuir
significado a letras, música e imagens visuais (MUELLER, 2002, p. 588).
North e Hargreaves (2007) partem da premissa de que os fãs de diferentes
estilos musicais poderiam ser diferenciados em termos de uma série de fatores
relacionados à classe social, tais como viagens, finanças pessoais, educação, emprego
e saúde. A pesquisa deles, de caráter predominantemente quantitativo, mostrou
diferenças entre as preferências musicais de indivíduos com diferentes condições
sociais, indicando que fãs da música "high art" aparentavam ter estilos de vida
indicativos da classe média e alta, enquanto os fãs da música "low-art" aparentavam
estilos de vida de classes mais baixas.
É oportuno sublinhar, como os próprios autores o fazem, que essa pesquisa
se aplica à cultura Ocidental, não podendo, necessariamente, se estender a outras
culturas. E é provável, também, que resultados diferentes sejam encontrados em
épocas diferentes. Atualmente, a evolução tecnológica e os meios de comunicação de
massa têm permitido o acesso cada vez maior a diferentes estilos musicais, o que tem
modificado de forma substancial o estilo de vida das pessoas e suas preferências
musicais. Ressaltamos também, a título de exemplo, os trabalhos de educação musical
realizados em ONGs cujo objetivo é a formação de orquestras, corais e grupos
instrumentais. Esses trabalhos atuam na contramão dos processos de massificação e
constituem um universo totalmente diferente, uma vez que se propõem a abordar
estilos musicais variados, levando os indivíduos a uma provável ampliação de suas
preferências musicais.
White (2001) critica as chamadas teorias de massificação, e comenta que
outros pesquisadores também refutam essas ideias. Essas teorias alegam que a cultura
popular tenha surgido a partir de interesses comerciais, e obteve aceitação devido à
ignorância do público em geral, trazendo consequências ruins para a cultura de elite e
até mesmo para a sociedade. A massificação é vista de forma pejorativa, sugerindo que
a alta cultura, incluindo-se a arte, a musica, a literatura, era a preferida da elite, e,
portanto, considerada superior.
Anais do 14º Colóquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ – Vol. 2 – Processos Criativos – p. 234
O autor concorda que alguns aspectos da diversidade cultural tenham se
esvaído com a massificação, mas afirma que a homogeneização da cultura é uma
inverdade. O que ocorreu foi uma diversificação maior do material musical produzido
e consumido. E critica a discriminação que associa o gosto da massa à mediocridade
ou até mesmo à vulgaridade.
Mesmo entre o público da música popular, existe uma imensa diversidade,
e, portanto, uma pluralidade de gostos e preferências. Para White, há indícios de que a
sociedade de hoje entenda como status social a familiaridade com diversos estilos
musicais, incluindo aqui os indivíduos de classe media.
Outros fatores, como a idade, o grupo étnico e até mesmo a região de
residência, abordados por White, devem ser correlacionados com o fator classe social
nas considerações sobre sua influência nas preferências musicais dos indivíduos.
Idade
A literatura sugere uma forte influência da idade nas preferencias musicais
dos indivíduos. Primeiramente, a idade interfere na importância que as pessoas dão à
música. Para North (2010), com a idade, as pessoas se tornam menos propensas a
utilizar a música para atingir metas individuais e enfrentar problemas, sendo isso
muito frequente na adolescência. Adultos, em geral, passam a utilizar outras fontes de
apoio, como por exemplo, os relacionamentos.
White (2001) está em concordância com North, e atesta que, enquanto
adultos estão sujeitos a desfrutar da música com um certo distanciamento, muitos
jovens dão à música um lugar central em suas vidas. Isso porque eles usam a música
para criar chamada subcultura, uma cultura própria e distinta dos valores, crenças,
símbolos e ações comuns. “Desta forma, o que se ouve ou não ouve define parcialmente
quem se é. Adolescentes, em particular, irão usar a música para ajudar a definir-se”7.
(WHITE, 2001, p. 13, tradução minha). A música é um meio, então, segundo White, do
adolescente garantir seu lugar em uma sociedade desconhecida.
O direcionamento de pesquisas sobre musica e preferencia musical indica
que a adolescência é um período crucial na formação e na estabilização das
preferencias musicais (TEKMAN; HORTAÇU, 2002; DELSING ET AL, 2008; NORTH;
HARGREAVES, 2002; HOLBROOK; SCHINDLER, 1989; LEVITIN, 2007).
Essa definição e estabilização pode ser constatada a partir de trabalhos
como o de Holbrook e Schindler (1989), que mostraram que as pessoas continuam
preferindo a música que foi popular quando eles começaram a atingir a maturidade,
carregando essa preferência ao longo de toda a da vida. North e Hargreaves (2002),
em estudo com aproximadamente 12.500 participantes, também verificaram que havia
uma tendência das pessoas em apontar a preferência por músicas, estilos e artistas que
fizeram sucesso na época em que elas eram adolescentes ou jovens adultos.
A literatura indica, por fim, que a idade se relaciona com o ecletismo na
música. Adultos em geral são mais ecléticos em suas preferencias musicais. A
investigação de White (2001) comprovou que o número de gêneros musicais que os
indivíduos apreciam, de fato, aumenta com a idade.
Grande parte dos trabalhos aqui descritos relaciona a idade a outros fatores,
como o gênero e as influências sociais, que, certamente, interferem nos resultados das
relações entre as preferências musicais e a idade. Sabemos e concordamos que os
comportamentos e as escolhas dos jovens e adolescentes não são uniformes, ainda que
7
In this way, what one does or does not listen to partially defines who one is. Adolescents, in particular, will use
music to help define themselves.
Anais do 14º Colóquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ – Vol. 2 – Processos Criativos – p. 235
se enquadrem em uma faixa etária especifica, e reforçamos a necessidade de ampliar
as investigações e explanações sobre esses assuntos.
Considerações finais
Entende-se que essa investigação será de grande relevância para se lançar
um olhar crítico sobre a educação musical realizada em instituições formais de ensino
médio de Vitória. Vislumbra-se que os resultados dessa pesquisa possam ser utilizados
como subsídios para educadores musicais na elaboração de estratégias de ensino da
música, pressupondo-se que é extremamente importante levar em consideração o
background cultura/musical dos alunos na elaboração do planejamento escolar.
Assim, entende-se que essa proposta de estudo se adere às perspectivas da
produção científica na atualidade e poderá possibilitar a ampliação dos estudos sobre
as preferências musicais dos jovens na atualidade, levando-se em consideração que a
atividade de ouvir ocupa um lugar de destaque em suas vidas. Portanto, o incentivo a
propostas de trabalhos dessa natureza se tornam ainda mais necessário em virtude da
implantação da Lei nº 11.769/2008, a qual altera a LDB vigente e estabelece a música
como conteúdo obrigatório da educação básica no Brasil.
Dessa maneira, presume-se que este trabalho irá contribuir com
descobertas relevantes para o campo da educação musical e da música em geral,
possibilitando retornos interessantes para o campo científico brasileiro.
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