Teste de um modelo intemporal da BTC para a economia portuguesa

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TESTE DE UM MODELO INTERTEMPORAL DA BALANÇA DE TRANSACÇÕES
CORRENTES PARA A ECONOMIA PORTUGUESA*
Cristina Manteu**
1. INTRODUÇÃO
O objectivo deste trabalho é o de avaliar em que
medida um modelo simples da abordagem intertemporal permite descrever o comportamento da
balança de transacções correntes portuguesa no
período 1958-92. A maioria dos trabalhos aplicados à economia portuguesa nesta área tem privile(1)
giado o comércio intratemporal . Neste trabalho,
pelo contrário, toda a ênfase é posta no comércio
intertemporal.
Nos trabalhos recentes sobre a determinação da
balança de transacções correntes, esta tem vindo a
ser crescentemente encarada como o resultado de
decisões prospectivas de poupança e investimento.
Os primeiros autores a darem ênfase a esta abordagem foram Sachs (1981,1982) e Greenwood
(1983), tendo posteriormente Frenkel e Razin
(1987), entre outros, desenvolvido extensões do
modelo básico em diversas direcções. Obstfeld e
Rogoff(1995) e Razin(1993) apresentam surveys dos
trabalhos teóricos e empíricos realizados nesta
área.
O modelo apresentado neste trabalho aplica a
ideia de consumption-smoothing de Modigliani, Friedman e Hall ao problema do endividamento externo óptimo de uma economia aberta. Verifica-se
que a balança de transacções correntes serve como
amortecedor de choques de natureza variada, permitindo o alisamento da trajectória temporal do
consumo relativamente à trajectória do rendimento.
Do modelo resulta que o saldo da balança de
transacções correntes iguala, com sinal negativo,
as expectativas de variação do rendimento líquido
para os anos futuros (sendo este rendimento líquido definido como o produto interno bruto menos
os gastos públicos e o investimento). Assim, a balança de transacções correntes de um país apresentará um défice (excedente) quando é esperado um
aumento (diminuição) do rendimento líquido. Intuitivamente, se o país espera um aumento do rendimento líquido no futuro, deverá reduzir a poupança actual face aos recursos acrescidos que obterá no futuro, o que se reflectirá num défice actual
da balança de transacções correntes. Se, pelo contrário, se espera que o rendimento líquido se reduza, o país deverá incorrer num excedente da balança de transacções correntes no presente (isto é, aumentar a poupança), por forma a conseguir manter o nível do consumo no futuro a um nível consistente com o rendimento permanente.
O trabalho encontra-se organizado da seguinte
forma. Na secção 2 é apresentado o modelo, que
tem servido de base aos testes empíricos recentes
da abordagem intertemporal aplicados a outros
países (veja-se Sheffrin e Woo (1990), Otto (1992),
Ghosh e Ostry (1993), Beyaert et al. (1994), Ghosh
(1995)). Na secção 3 descreve-se a metodologia
econométrica usada para testar as suas implicações. Na secção 4, referem-se os dados e fontes utilizados. Os resultados obtidos são apresentados na
secção 5. As conclusões são apresentadas na secção 6.
*
(1) Muito desse trabalho tem-se concentrado na estimação de relações entre o saldo da balança de transacções correntes e variáveis como a taxa de câmbio, o produto interno bruto, etc., com
o objectivo de obter elasticidades preço e rendimento.
As opiniões expressas neste artigo são da inteira responsabilidade da autora e não coincidem necessariamente com a posição
do Banco de Portugal.
** Departamento de Estudos Económicos.
Banco de Portugal / Boletim económico / Junho 1997
43
Artigos
2. UM MODELO INTERTEMPORAL DA
BALANÇA DE TRANSACÇÕES CORRENTES
Considere-se uma pequena economia aberta
que produz e consome um único bem e que comercializa livremente com o resto do mundo. O
comércio livre inclui a troca internacional de activos. Admite-se que é transaccionado apenas um
activo financeiro — uma obrigação — com taxa de
rendibilidade real, r, constante.
Em termos reais per capita, seja:
bt+1 — o stock de activos externos líquidos da
economia no fim do período t,
Yt — o produto interno bruto ou a produção
do período t,
NTt — as transferências unilaterais do período t,
Ct — o consumo privado em t,
Gt — o consumo público em t, e
It — o investimento em t.
Então, a acumulação de activos externos líquidos da economia, isto é, a sua balança de transacções correntes, CA — é dada por:
t
CAt = b t+1 − b t = r .b t + NTt + Yt − Gt − It − C t
(1)
O saldo da balança de transacções correntes
iguala a soma dos rendimentos de capitais do exterior, das transferências unilaterais do exterior e da
diferença entre o produto interno e a despesa.
Embora a economia nacional se possa endividar temporariamente face ao exterior, não o pode
fazer indefinidamente e sem limite. Os outros países recusar-se-ão a financiar um esquema de
Ponzi. Iterando prospectivamente a equação (1), e
considerando a condição de No-Ponzi Game, obtém-se a restrição intertemporal da economia:
∞
∑ β [C
i=0
i+1
∞
i+1
]
[Yt+i + NTt+i ]
t+i + G t+i + I t+i = b t + ∑ β
i=0
U t = Et


∞
∑δ u(C )

i
i=0
t+i
(3)
sendo o parâmetro δ = 1 / (1 + θ), onde 0 < θ < 1 é a
taxa marginal subjectiva de preferência intertemporal. u(.) é a função de utilidade instantânea. Et é
o operador de valor esperado, condicional no conjunto de informação do indivíduo em t. A necessidade de obter uma forma reduzida operacional
para o consumo levou à escolha de uma especificação quadrática para a função de utilidade instantânea.
O planeador central vai maximizar (3) sujeito à
restrição orçamental intertemporal da economia
(2)
(2) . Assumindo que a taxa de preferência intertemporal (θ) coincide com a taxa de juro real de
mercado (r), obtém-se:
∞


C t = r b t + β ∑ β i E(NO t+i )


i=0
(4)
onde NOt = rendimento líquido = Yt +NTt -Gt -It.
O termo entre parêntesis representa a riqueza do
indivíduo no período t. O rendimento permanente
— definido como o nível de consumo mais elevado que se espera ser possível sustentar indefinidamente, dadas as expectativas sobre o rendimento
líquido futuro — é simplesmente r vezes a riqueza, pois que se assume que r é constante. Como em
Hall (1978), o consumo planeado é constante ao nível do rendimento permanente, mas o consumo
verificado vai variar de acordo com os choques
não antecipados ao rendimento líquido.
(2)
A equação (2) implica que o valor actualizado
das despesas futuras da economia tem de igualar a
soma do stock inicial de activos líquidos sobre o exterior e do valor actualizado dos rendimentos futuros (da produção interna e das transferências
unilaterais). A restrição intertemporal delimita as
escolhas possíveis da economia. Para descrever as
situações em que ocorrerão desequílibrios da ba-
44
lança de transacções correntes é necessário, no entanto, especificar como são determinadas as componentes da despesa e do produto.
Considere-se que as preferências do indivíduo
representativo desta economia, cuja vida se admite
infinita, são dadas por:
(2) Por ser mais simples, apresenta-se a derivação da solução do
problema do planeador central, embora o equilíbrio competitivo conduza a resultados equivalentes. A hipótese de uma pequena economia aberta que enfrenta uma taxa de juro mundial
dada permite que o produto (Yt) e o investimento (It) possam
ser tratados como variáveis exógenas à decisão de consumo.
Assume-se adicionalmente que os gastos públicos (Gt) e as
transferências unilaterais (NTt) são exógenas.
Banco de Portugal / Boletim económico / Junho 1997
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Substituindo agora a trajectória óptima do consumo, dada por (4), na equação (1), obtém-se após
alguma manipulação algébrica:
∞
CAt = −∑ β i Et ∆NO t+i
(5)
∆NO t+i = NO t+i − NO t+i −1
(6)
i =1
onde
Esta equação mostra que a balança de transacções correntes é igual a menos o valor actualizado
(descontado) das variações esperadas do rendimento líquido. O país vai incorrer em excedentes
da balança de transacções correntes apenas se espera que o seu rendimento líquido se reduza no
futuro. Ao contrário, défices actuais da balança de
transacções correntes reflectem aumentos esperados do rendimento líquido futuro. Ou seja, a balança de transacções correntes é um previsor de
variações futuras do rendimento líquido tão bom
como qualquer outra variável disponível no mesmo período. Esta é uma implicação do modelo que
pode ser facilmente testada empiricamente. Essa é
a principal vantagem do modelo apresentado que,
embora sendo muito simples, incorpora os fundamentos principais da abordagem intertemporal à
balança de transacções correntes.
3.2 Causalidade de Granger
Uma implicação fraca da equação (5) é a de que
a balança de transacções correntes deve, em geral,
causar no sentido de Granger variações subsequentes do rendimento líquido. A explicação intuitiva
para este resultado é que CAt é uma previsão óptima para a soma ponderada dos valores futuros de
∆NO t , condicional no conjunto total de informação
do indivíduo. Se os indivíduos possuírem informação útil para prever ∆NO t para além dos valores
passados dessa variável, então essa informação
deve estar reflectida em CAt. Se os indivíduos não
possuírem essa informação, vão formar CAt como
função linear exacta de ∆NO t corrente e passados.
Note-se que a existência de causalidade de Granger não implica uma relação de causa e efeito entre
CAt e ∆NO t — por oposição ao conceito clássico de
causalidade — mas apenas que movimentos de CAt
antecedem variações em ∆NO t . Considere-se, por
exemplo, uma alteração de governo que cria nos indivíduos expectativas de uma redução do rendimento líquido, devido a uma previsão de um aumento das despesas públicas. A reacção dos indivíduos conduzirá o país a incorrer num excedente da
balança de transacções correntes que causa no sentido de Granger (isto é, antecede) a variação no rendimento líquido.
3. METODOLOGIA DE TESTE
3.3 Testes fortes
A metodologia que se utiliza para o teste da relação (5) foi desenvolvida por Campbell (1987) e
Campbell e Shiller (1987). Os passos do teste do
modelo podem ser resumidos da seguinte for(3)
ma :
3.1 Estacionaridade de CAt, condicional na
estacionaridade de ∆NOt
Parte-se da hipótese de que o rendimento líquido (NO ) é uma variável integrada de ordem 1
t
(I(1)). Se NO é I(1), então CA é estacionária (I(0)),
t
t
por ser igual ao valor actualizado dos decréscimos
esperados de NO .
t
(3) Veja-se Manteu (1996) para uma descrição mais detalhada da
metodologia de teste do modelo.
Banco de Portugal / Boletim económico / Junho 1997
O teste de causalidade de Granger é um teste
fraco da teoria. A totalidade das restrições do modelo intertemporal da balança de transacções correntes é mais exigente. Campbell (1987) mostra
que as restrições implícitas na relação de valor actualizado (5) podem ser testadas regredindo
[CAt − ∆NO t − (1 + r )CAt− 1 ] nos valores passados
de ∆NO t e CA . Todos os coeficientes associados a
t
essas variáveis deverão vir nulos se se verificarem
as implicações fortes do modelo.
Este teste pode ser generalizado para permitir
a existência de um erro de “consumo transitório”
na equação (5), desde que se assuma que esse erro
é ortogonal a toda a informação passada (incluindo os seus próprios valores passados). Neste caso,
o teste baseia-se na regressão de
[CAt+1 − ∆NO t+1 − (1 + r )CAt ] nos valores desfasados
de CAt e ∆NO t .
45
Artigos
3.4 Teste informal
Finalmente, pode definir-se CÂ como a previt
são de um modelo auto-regressivo vectorial (VAR)
não restrito, envolvendo CA e ∆NO t , para o valor
t
actualizado dos decréscimos futuros do rendimento líquido. Um modo informal de avaliar o modelo
consiste em comparar os movimentos históricos de
CA e CÂ . Se a relação (5) se verificar, então CÂ
t
t
t
deve igualar CA a menos de uma inovação.
t
4. DADOS E FONTES ESTATÍSTICAS
No trabalho empírico utilizam-se séries anuais
de 1958 a 1992. Este é o período que assegura uma
cobertura completa e consistente das séries relevantes das contas nacionais portuguesas. Os dados
utilizados foram retirados de Santos et al. (1992)
até 1991. Para 1992, utilizaram-se as estimativas do
Relatório Anual do Banco de Portugal desse ano.
Todas as séries são apresentadas a preços constantes de 1977. Para deflaccionar as séries de transferências unilaterais e de rendimentos de capitais,
utilizou-se o deflator da balança de bens e serviços, definido como o quociente entre a soma das
exportações e importações de bens e serviços a
preços correntes e a soma das exportações e importações a preços constantes. Todas as séries são
apresentadas em termos per capita, para o que se
utilizaram as estimativas da população residente
em 31 de Dezembro de cada ano, produzidas pelo
Instituto Nacional de Estatística.
5. EVIDÊNCIA EMPÍRICA
O primeiro passo do teste da teoria consistiu
em verificar se as variáveis NO e CA apresentat
t
vam a ordem de integração sugerida pela teoria,
para o que se recorreu ao teste ADF proposto por
Dickey e Fuller (1979).
Para a aplicação do teste ADF, estima-se uma
regressão da forma:
p
∆Xt = µ + β.t + α. Xt −1 + ∑ θ i ∆Xt − i + u t
i =1
para cada variável Xt = CAt , NOt , ∆NO t , onde t é
uma tendência temporal e p é escolhido de forma a
assegurar que os resíduos são não correlacionados.
O teste ADF consiste em testar a hipótese α = 0
nesta equação. Se esta hipótese não for rejeitada
admite-se que a série contém uma raiz unitária, ou
seja, que é não estacionária. Os pontos críticos
para o teste (que dependem da regressão incluir
ou não tendência temporal ou constante) podem
ser vistos em Fuller (1976). Os resultados são apresentados no quadro 1. Nos gráficos 1-3 são apre-
Quadro 1
TESTES DE RAÍZES UNITÁRIAS
p
t_β
t_µ
t_ α
α$
CAt . . . . . . . . . . . .
1
1
-0.26
-
-1.44
-2.83
-3.665%
-3.712.5%
-0.64
-0.64
0.99
0.99
NOt . . . . . . . . . . .
0
0
0
2.36
-
2.79
1.48
-
-2.33
-0.03
4.49
-0.31
-0.00
0.03
0.95
0.79
0.90
1
1
0
0
-0.30
0.14
-0.05
-
2.75
4.19
2.13
4.15
2.68
4.86
-4.931%
-5.021%
-6.151%
-6.251%
-6.11
-6.23
-1.35
-1.35
-1.13
-1.13
-0.97
-0.97
0.99
0.99
0.86
0.86
0.63
0.63
Série
∆NOt . . . . . . . . . .
(a)
0
0(a)
P (4)
Conclusão
I(0)
I(0)
I(0)
Notas:
" t _ β ," t _ µ"e " t _ α"correspondem aos t-rácios dos parâmetros estimados. α$ é o estimador pontual da estatística ADF.
“P(4)” é o nível de significância marginal da estatística Q de Ljung-Box para 4 desfasamentos. Os valores assinados com % são significativos, isto é, permitem rejeitar a hipótese nula ao nível de significância indicado. Não se apresentam os t-rácios da tendência e da constante
quando não consideradas na equação.
(a) Regressão incluindo uma variável dummy, assumindo o valor 1 em 1974 (zero nos restantes anos).
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Banco de Portugal / Boletim económico / Junho 1997
Artigos
Gráfico 1
Gráfico 3
BALANÇA DE TRANSACÇÕES CORRENTES
1ª. DIFERENÇA DO RENDIMENTO LÍQUIDO
CAt
∆NOt
4
Milhares de escudos, preços de 1977
Milhares de escudos, preços de 1977
4
2
0
-2
-4
-6
-8
Gráfico 2
RENDIMENTO LÍQUIDO
NOt
70
Milhares de escudos, preços de 1977
4
2
3
0
2
-2
1
-4
58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80 82 84 86 88 90 92
60
100
80
50
60
40
40
30
20
10
20
0
58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80 82 84 86 88 90 92
sentadas as séries relevantes. No caso de CAt, pode
concluir-se a um nível de significância de 2.5 por
cento pela estacionaridade da série. A observação
do gráfico 2 sugere que NOt é uma variável claramente não estacionária. Efectivamente, com a aplicação do teste ADF a esta série, obtém-se um coeficiente α$ próximo de zero cujo t-rácio é inferior ao
valor crítico, pelo que se conclui pela existência de,
pelo menos, uma raiz unitária. Quando se aplica o
teste à primeira diferença da série, obtém-se
um t-rácio que excede o valor crítico tabelado mas,
a estimativa de α aparece inferior a -1 (quando seria de esperar um valor entre -1 e zero). A inspecção gráfica da série ∆NO t (gráfico 3) sugere a hipótese de a estimativa do parâmetro — estar a ser
Banco de Portugal / Boletim económico / Junho 1997
5
0
58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80 82 84 86 88 90 92
afectada pela presença de outliers, nomeadamente
o que se verifica no ano de 1974. Para avaliar a
sensibilidade da estimativa a esta observação anómala, realizou-se de novo o teste ADF incorporando na regressão uma variável dummy para o ano
de 1974. O resultado mostra que, efectivamente, se
obtém agora uma estimativa para o parâmetro
inferior a -1(4). Estes resultados permitem, assim,
concluir pela estacionaridade da série da balança
de transacções correntes portuguesa (em nível) e
da primeira diferença da série do rendimento líquido.
Da equação (5) resulta que, no steady-state,
CA = −(1 / r )∆NO. Em termos empíricos, isto implica que, na amostra, a média de CA deve ser
t
aproximadamente igual a -(1/r) vezes a média de
∆NO t . O quadro 2 apresenta algumas estatísticas
para as variáveis CA e ∆NO. No período considerado, a variação média do rendimento líquido é de
1.31 mil escudos, enquanto a balança de transacções correntes apresenta um défice médio de 1.89
mil escudos. Estes números tornam claro que as
restrições do modelo sobre as médias das variáveis serão fortemente rejeitadas. Dada a média de
∆NO e, para qualquer valor plausível da taxa de
(4) Note-se que, como não se encontram tabelados valores críticos
para o teste ADF quando se consideram na regressão variáveis
dummy, em rigor não se pode avaliar agora o t-rácio de α$ (que
não difere significativamente do obtido na regressão sem
dummy).
47
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Quadro 2
ESTATÍSTICAS DAS VARIÁVEIS UTILIZADAS
NO TESTE DO MODELO
Média
Desvio
padrão
∆NOt . . . . . .
1.31
1.52
CAt . . . . . . . .
-1.89
2.04
Correlação
∆NOt
1.00
CAt
0.52
1.00
juro real, essa relação implicaria um défice médio
da balança de transacções correntes muito su(5)
perior ao apresentado no quadro 2 . Para obviar
ao problema, trabalha-se com as variáveis em desvio da média, como em Campbell (1987), Otto
(1992), Sheffrin e Woo (1990) e Ghosh (1995). Desta
forma, apenas se testam as restrições dinâmicas da
relação de valor actualizado.
O passo seguinte foi a estimação de um modelo
VAR nas variáveis ∆NO t e CAt , tomadas como desvios das respectivas médias. Os resultados da estimação e dos testes de hipóteses, apresentados no
quadro 3, estão organizados da seguinte forma. A
primeira coluna apresenta os coeficientes da regressão de ∆NO t nas variáveis explicativas do VAR e a
segunda coluna, os coeficientes da regressão de CAt
nas mesmas variáveis. O método de estimação utilizado foi o dos mínimos quadrados ordinários. A
terceira coluna apresenta os resultados da regressão
em que a variável dependente é dada por
Dt = [CAt − ∆NO t − (1 + r )CAt− 1 ] e as variáveis explicativas são os regressores do VAR. Todos os coeficientes apresentados nessa coluna devem ser nulos se se verifica a hipótese de imprevisibilidade das
revisões ao valor esperado dos rendimentos líquidos futuros, sem consumo transitório. A quarta coluna contém os resultados da regressão de
Dt+1 = [CAt+1 − ∆NO t+1 − (1 + r )CAt ] nos mesmos regressores e todos os coeficientes apresentados devem ser igualmente nulos, a verificarem-se as implicações da teoria com consumo transitório. Refira-se
que para o cálculo de Dt e Dt+1 é necessário especifi-
(5) A simplicidade das hipóteses explica esta implicação irrealista
do modelo. Se, por exemplo, se abandonasse a hipótese de
vida infinita, os indivíduos ficariam impossibilitados de se endividarem oferecendo como colateral o valor actualizado de
todos os rendimentos líquidos futuros da economia.
Quadro 3
RESULTADOS DA ESTIMAÇÃO E TESTES DE HIPÓTESES DO VAR (2)
(1)
∆NOt
(2)
CAt
(3)
Dt
(4)
Dt+1
∆NOt −1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
-0.152
[0.508]
-0.617
[0.397]
-0.465
[0.185]
0.104
[0.253]
∆NOt −2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
-0.006
[0.208]
0.169
[0.273]
0.175
[0.118]
-0.114
[0.128]
CAt-1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
-0.046
[0.386]
1.11
[0.356]
0.116
[0.135]
-0.353
[0.196]
CAt-2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
-0.164
[0.333]
-0.736
[0.314]
-0.572
[0.128]
-0.028
[0.161]
χ 2 (4) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
(P) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.702
(0.448)
17.329
(0.002)
51.35
(0.000)
34.857
(0.000)
CA causa no sentido de Granger ∆NO a um nível de significância de 30.94 por cento, na coluna (1).
Os coeficientes em (3) são conjuntamente significativos a um nível de significância próximo de 0 por cento.
Os coeficientes em (4) são conjuntamente significativos a um nível de significância próximo de 0 por cento.
Estatísticas:
$ ) / σ (CA) = 0.304
σ(CA
$ ,CA) = 0.982
corr (CA
Nota:
As regressões não incluem constante. Os desvios-padrão com correcção de heteroescedasticidade encontram-se entre parêntesis rectos. O
período de estimação é 1961-1992.
48
Banco de Portugal / Boletim económico / Junho 1997
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car ou estimar uma taxa de juro real. Por uma questão de simplicidade, supõe-se que r é conhecida, fixando r=4 por cento(6). No quadro são apresentadas
ainda as estatísticas dos testes de causalidade de
Granger entre CAt e ∆NO t e para as restrições de
nulidade dos coeficientes das colunas 3 e 4.
Uma implicação fraca do modelo é a existência
de causalidade de Granger de CA para ∆NO. Se os
indíviduos possuírem informação adicional sobre
a evolução do rendimento líquido para além da
que está contida nos valores passados dessa variável, então, a balança de transacções correntes deve
causar no sentido de Granger ∆NO. Esta implicação da teoria recebe, no entanto, pouco suporte
dos dados. A soma dos dois coeficientes associados a CA na equação de ∆NO vem negativa
(-0.210), como seria de esperar. No entanto, uma
sequência de défices (excedentes) da balança de
transacções correntes acima da média não ajuda a
prever crescimentos (decréscimos) futuros acima
da média do rendimento líquido senão a um nível
de significância marginal de 31 por cento. É teoricamente possível, embora improvável, que os indíviduos não possuam informação adicional para
prever as variações do rendimento líquido para
além daquela contida na sua própria história.
Os resultados das colunas (3) e (4) revelam que
é possível rejeitar a hipótese conjunta da nulidade
de todos os coeficientes das regressões de D e D
t
t+1
nos valores passados de CA e ∆NO. Ou seja, a implicação forte do modelo de que as revisões ao valor esperado do rendimento líquido são imprevísiveis não se verifica, quer se assuma ou não a existência de consumo transitório.
É possível avaliar a importância desta rejeição do
modelo, construindo uma previsão para o valor actualizado dos decréscimos futuros do rendimento líquido (CÂ), com base nas estimativas do VAR. O
modelo constituirá uma boa aproximação da realidade se CA (a série observada) e CÂ (a série projectada) tiverem um comportamento próximo. As duas
séries são apresentadas no gráfico 4, podendo observar-se que a série CÂ consegue reproduzir a direcção dos movimentos da série CA, tal como revelado pela elevada correlação existente entre elas
(0.98). Não reproduz, no entanto, a magnitude desses movimentos: o desvio-padrão da série CÂ é bastante inferior ao da série CA (0.62 versus 2.05, respectivamente).
Banco de Portugal / Boletim económico / Junho 1997
Gráfico 4
BALANÇA DE TRANSACÇÕES CORRENTES
OBSERVADA E PROJECTADA
6
4
CA
CÂ
2
0
-2
-4
-6
60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80 82 84 86 88 90 92
Refira-se que estes resultados são semelhantes
aos obtidos por outros autores nos estudos aplicados a outros países, usando idêntica metodologia.
Sheffrin e Woo (1990), por exemplo, testam o modelo para a Bélgica, o Canadá, a Dinamarca e o
Reino Unido, concluindo que apenas para a Bélgica não podem rejeitar as hipóteses formais do modelo intertemporal. No caso da Dinamarca, a evidência informal sugere alguma aderência do modelo mas, para o Canadá e o Reino Unido, o modelo falha totalmente. No entanto, tanto para a Bélgica como para a Dinamarca, a balança de transacções correntes observada é mais volátil que a série
projectada com base nas estimativas do VAR. Otto
(1992) rejeita igualmente as restrições formais do
modelo para os Estados Unidos e o Canadá. No
entanto, a série projectada para os EUA tem um
andamento muito próximo do apresentado pela
série observada da balança de transacções correntes, enquanto para o caso do Canadá, este autor
conclui que a série observada é muito mais volátil
que a série gerada com base no modelo. Finalmente, Ghosh (1995), compara formalmente as variâncias da balança de transacções correntes projectada
(6) Sheffrin e Woo (1990) e Otto (1992) consideram valores similares para a taxa de juro mundial real nos seus trabalhos (respectivamente, 4 e 4.04 por cento). Refira-se que os resultados com
taxas de juro reais no intervalo entre 1 e 10 por cento foram
igualmente obtidos, apresentando-se muito semelhantes aos da
hipótese de r=4 por cento.
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Artigos
e observada dos EUA, Japão, Alemanha, Reino
Unido e Canadá, e conclui que, excepto para os
EUA, a variância da série observada é sempre superior. Ghosh interpreta este resultado como evidência de mobilidade excessiva de capitais — no
sentido em que os movimentos de capitais são dominados por fluxos especulativos e não determinados por fundamentos económicos — contradizendo a conclusão de Feldstein e Horioka (1980) de
que os movimentos observados da balança de
transacções correntes são relativamente pequenos
para serem consistentes com a perfeita mobilidade
da capitais.
Se a balança de transacções correntes observada
se apresenta muito volátil, isso pode implicar que
o consumo é muito alisado, o que levou Obstfeld e
Rogoff (1995) a sugerirem que estes resultados poderão estar relacionados com o paradoxo de Deaton (1986). Este paradoxo resulta do facto de que,
se se admitir que a série do rendimento contém
uma raiz unitária, então o modelo do rendimento
permanente em economia fechada estipula que as
variações do consumo agregado devem ter uma
variância superior à variância das inovações ao
rendimento, quando o que se observa na realidade
é o oposto. Assim como a hipótese de uma raiz
unitária no rendimento pode conduzir a um consumo mais volátil que o observado, pode igualmente produzir uma balança de transacções correntes menos volátil que o observado.
6. CONCLUSÕES
Segundo o modelo apresentado, a balança de
transacções correntes iguala, com sinal contrário, o
valor actualizado das variações futuras esperadas
do rendimento líquido: se se espera que o rendimento líquido aumente, em média, ao longo do
tempo, a balança de transacções correntes apresentará um défice actual, dado que que o indivíduo
representativo reduzirá a sua poupança face aos
recursos que espera ganhar no futuro. Se, pelo
contrário, se espera que o rendimento líquido se
reduza, então a balança de transacções correntes
apresentará um excedente. Daqui resulta que a balança de transacções correntes deve ser uma tão
boa previsão das variações futuras do rendimento
líquido como qualquer outra previsão construída a
partir de informação disponível.
50
Este trabalho testa esta implicação do modelo
usando dados anuais para a economia portuguesa
para o período de 1959 a 1992. A série da balança
de transacções correntes é comparada com a previsão para o valor actualizado dos decréscimos futuros do rendimento líquido baseada num modelo
VAR estimado para a balança de transacções correntes e as variações do rendimento líquido. A
comparação é feita em termos formais, calculando
estatísticas para a hipótese de que as duas séries
são iguais, e em termos informais, pela comparação gráfica dos seus movimentos, correlação e desvio-padrão relativo.
As implicações do modelo intertemporal simples apresentado sobre as médias das variáveis
são fortemente rejeitadas, pelo que apenas se testam as suas restrições dinâmicas. Os resultados
empíricos mostram que as restrições fortes resultantes da relação de valor actualizado são igualmente rejeitadas. No entanto, a evidência informal
revela alguma capacidade do modelo na reprodução do comportamento dinâmico da balança de
transacções correntes portuguesa. O modelo consegue reproduzir a direcção dos movimentos do
saldo da balança, embora subavalie a magnitude
desses movimentos.
A consideração de extensões do modelo simples apresentado deverá conduzir a melhores resultados. Uma sugestão de trabalho futuro é a consideração de alguma das hipóteses propostas na literatura da função consumo para a resolução do
paradoxo de Deaton, como por exemplo, a existência de mecanismos de formação de hábitos (Deaton (1986)) ou de uma proporção dos indivíduos
enfrentando restrições de liquidez (Campbell e
(7)
Mankiw (1989)) .
Por outro lado, o modelo assume implicitamente que todos os choques ao rendimento líquido são
puramente idiossincráticos. Na realidade, as variações do produto interno ou do investimento de
um país podem estar muito correlacionados com
as variações correspondentes desses agregados do
resto do mundo. Os choques que atingem todos os
países do mundo devem, no entanto, reflectir-se
(7) Refira-se que o trabalho de Luz (1992) conclui que a proporção
do rendimento disponível afecto a consumidores portugueses
com restrições de liquidez rondaria os 60 por cento, no período
1959-86.
Banco de Portugal / Boletim económico / Junho 1997
Artigos
predominantemente sobre a taxa de juro real mundial e não nas balanças de transacções correntes in(8)
dividuais de cada país . A consideração desta
distinção de choques, conjuntamente com o abandono da hipótese da taxa de juro constante, poderá
ser particularmente relevante para o caso de uma
(9)
economia dependente como a portuguesa .
Finalmente, no modelo apresentado, dada a
existência de um só bem, o comércio internacional
apenas acontece para alisar a trajectória temporal
do consumo. Outra via de investigação futura poderá considerar o abandono desta hipótese e a distinção, por exemplo, entre bens transaccionáveis e
não transaccionáveis, como nos modelos de
Dornbusch (1983), ou entre bens exportáveis e importáveis, como em Frenkel e Razin (1988). O modelo permitiria, então, um papel para a taxa de
câmbio real e a consideração explícita dos choques
aos termos de troca, que terão sido determinantes
importantes da evolução recente da balança de
transacções correntes portuguesa.
(8) Refira-se que a performance de um modelo intertemporal quando aplicado aos países em desenvolvimento parece ser superior à das aplicações a países industrializados. É o que se
pode concluir da comparação da evidência apresentada por
Ghosh e Ostry (1993) — que testaram o modelo para uma
grande amostra de países em desenvolvimento — com a apresentada pelos autores que têm testado o modelo para os países
industrializados (Sheffrin e Woo (1990), Otto (1992) e Ghosh
(1995)). Este resultado é algo inesperado, atendendo a que os
mercados de capitais dos países em desenvolvimento tendem
a ser menos abertos que os dos países industrializados, mas
uma possível explicação está relacionada com a distinção entre
choques globais e choques específicos ao país. Como referem
Obstfeld e Rogoff (1995), os países em desenvolvimento serão
mais susceptíveis a choques específicos que a choques globais,
pelo que o modelo apresentado, que assume uma taxa de juro
real dada e constante, se comporta melhor.
(9) Glick e Rogoff (1992) apresentam um modelo que considera
explicitamente esta distinção entre choques e que relaciona os
choques ao produto e ao investimento com choques de produtividade. A estimação do modelo para oito países industrializados revela que, efectivamente, os choques de produtividade
específicos ao país tendem a provocar uma deterioração da balança de transacções correntes, enquanto os choques globais
têm um efeito pequeno. A aplicação deste modelo a Portugal
seria interessante. Tal não é possível, no entanto, devido à impossibilidade de cálculo de medidas de produtividade residuais de Solow para a economia portuguesa.
Banco de Portugal / Boletim económico / Junho 1997
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