Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 2), 2000 e cols ArtigoMoisés Original Aspectos estruturais e funcionais de coração de ratos com e sem IM Aspectos Estruturais e Funcionais do Coração de Ratos com e sem Infarto do Miocárdio. Experiência Inicial com Ecocardiografia Doppler Valdir A. Moisés, Ricardo L. Ferreira, Emília Nozawa, Rosemeire M. Kanashiro, Orlando Campos Fº, José Lázaro de Andrade, Antonio Carlos C. Carvalho, Paulo J. F. Tucci São Paulo, SP Objetivo - Analisar por ecodopplercardiograma os aspectos estruturais e funcionais do coração de ratos com infarto do miocárdio extenso, produzido por cirurgia. Métodos - Cinco semanas após ligadura da artéria coronária esquerda, 38 ratos e ratas Wistar-EPM, 10 com infarto extenso, foram avaliados por ecodopplercardiograma e depois sacrificados para análise anatomopatológica. Resultados - O ecocardiograma foi 100% sensível e específico para infarto extenso. Nesses ratos houve aumento dos diâmetros do ventrículo esquerdo (diastólico: 0,89cm vs. 0,64cm; sistólico: 0,72cm vs.0,33cm) e do átrio esquerdo: 0,55cm vs. 0,33cm; menor espessura de parede anterior (sistólica: 0,14cm vs. 0,23cm; diastólica: 0,11cm vs. 0,14cm); aumento da relação das ondas E e A (6,45 vs. 1,95); aparecimento de onda B no traçado da valva mitral (62,5%); retificação do traçado da valva pulmonar (90%) e entalhe na curva de fluxo pulmonar (60%). Conclusão - O ecodopplercardiograma identificou todos os infartos extensos. Os quais dilataram as câmaras esquerdas, e levaram à detecção pelo Doppler de sinais de aumento da pressão diastólica final do ventriculo esquerdo e da pressão da arteria pulmonar. Palavras-chave: infarto do miocárdio, coração de ratos, ecocardiografia Doppler Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina Correspondência: Valdir A. Moisés - UNIFESP–EPM - Disciplina de Cardiologia - Rua Botucatu, 740 – 2º - 04023-900 - São Paulo, SP Recebido para publicação em 19/8/99 Aceito em 29/3/00 O infarto do miocárdio é uma das causas mais freqüentes de insuficiência cardíaca e morte na população humana adulta 1,2. A insuficiência cardíaca pode estar relacionada à extensão do infarto 3,4. O reconhecimento clínico da extensão do infarto do miocárdio e do grau de repercussão hemodinâmica pode ser obtido pela ecocardiografia Doppler 5. O coração de ratos com infarto do miocárdio, produzido cirurgicamente, tem sido analisado em estudos anatomopatológicos, hemodinâmicos e, mais recentemente, pela ecocardiografia Doppler 6-10. Esta última técnica diagnóstica tem sido particularmente interessante, principalmente nos estudos seriados e com intervenções farmacológicas 10,11. Devido ao interesse de nosso laboratório em analisar seriadamente o coração de ratos ou ratas com infarto do miocárdio para submetê-los a diferentes abordagens terapêuticas, tornou-se importante reconhecer o infarto e analisar suas repercussões funcionais pela ecocardiografia Doppler. Assim, o objetivo deste estudo foi relatar os principais achados estruturais e funcionais à ecocardiografia Doppler, do coração de ratos e ratas normais e com infarto extenso do miocárdio produzido cirurgicamente. Métodos Foram selecionados 38 ratos e ratas Wistar-EPM, que cinco semanas após a ligadura cirúrgica da artéria coronária esquerda, foram submetidos à ecocardiografia e, em seguida, sacrificados para análise anatomopatológica. Entre estes, ao estudo anatomopatológico posterior, 28 animais não apresentavam sinais de infarto do miocárdio e em 10 foi evidenciada a presença de infarto do miocárdio, envolvendo mais de 40% da musculatura ventricular esquerda. Entre os 28 animais sem infarto 14 eram machos e 14 fêmeas, e os 10 animais com infarto extenso do miocárdio eram fêmeas. O peso dos animais variou entre 240 e 280g. Todos os animais foram mantidos em gaiolas de plástico, com temperatura ambiente entre 20oC e 22oC, ciclos luz/treva de 12h, e alimen- Arq Bras Cardiol, volume 75 (nº 2), 125-130, 2000 # Moisés e cols Aspectos estruturais e funcionais de coração de ratos com e sem IM tados com ração Nunvilab e água ad libitum, sem medicação antes e após o procedimento cirúrgico. O infarto do miocárdio foi produzido conforme descrito previamente na literatura e adaptado para nosso laboratório 8. Em resumo: após anestesia com 0,1ml/kg de uma mistura de 0,67mg/ml de xilazina (rompun; Bayer AS - saúde animal) e 0,33mg/ml de ketamina (ketamina, Holliday-Scott SABuenos Aires), aplicada por via intraperitoneal e pesagem em balança Marte, os animais eram posicionados em decúbito dorsal, imobilizados e submetidos à tricotomia e anti-sepsia (álcool 92,8o) da face anterior do tórax. A seguir, era realizada uma incisão cirúrgica na pele de cerca de 2cm ao longo da borda esternal esquerda, de modo a expor a 5ª e a 6ª costelas. Após divulsão dos músculos peitoral e transverso, uma sutura em bolsa era preparada para possibilitar o rápido fechamento do tórax após a cirurgia. Procedia-se então à toracotomia ao nível do 5º espaço intercostal para exteriorização rápida do coração por meio da compressão lateral do tórax. A artéria coronária esquerda era identificada e ocluída por sutura com fio cirúrgico polipropileno 5-0 entre a borda do átrio esquerdo e a artéria pulmonar. Após reposicionamento rápido do coração, o tórax era fechado. Para expansão da cavidade torácica, era realizada ventilação pulmonar com máscara nasal até a estabilização da freqüência respiratória. O ecocardiograma de todos os animais foi realizado cinco semanas após a produção do infarto. Para a realização do exame repetiam-se a tricotomia da face anterior do tórax e a sedação com a mesma solução utilizada para a cirurgia. Os animais eram, então, posicionados em decúbito lateral esquerdo (45o) e três eletrodos eram aderidos nas patas para obtenção de um traçado eletrocardiográfico simultâneo à imagem cardíaca que permitia a identificação da fase do ciclo cardíaco e registro da freqüência cardíaca. Os exames foram realizados com um equipamento comercialmente disponível (Apogee Cx Ultrasound System – ATL Inc, Ambler, PA USA) capaz de produzir imagens nos modos uni e bidimensional e analisar a velocidade do fluxo sangüíneo intracardíaco pelas técnicas de Doppler espectral e mapeamento de fluxo em cores. Utilizou-se transdutor de 7,5 MHz, profundidade de 3,0cm, e ângulo setorial de 60o. O comprimento da amostra de volume do Doppler pulsátil utilizada foi de 0,6mm. Os traçados em modo M, Doppler pulsátil e do eletrocardiograma simultâneo foram registrados a uma velocidade de 100mm/s. Inicialmente obtinham-se as imagens longitudinais do coração, incluindo o ventrículo e átrio esquerdos, a valva mitral e a aorta, seguidas das imagens transversais a partir do plano da base (aorta, átrio esquerdo, via de saída do ventrículo direito, valva e artéria pulmonares) até a região apical do ventrículo esquerdo. Simultaneamente à obtenção dessas imagens, foram registrados os traçados em modo-M da raiz aórtica (incluindo a valva aórtica), átrio esquerdo, valvas mitral e pulmonar, e cavidade ventricular esquerda ao nível dos músculos papilares. No plano apical quatro-câmaras foi obtida a curva de velocidade do fluxo diastólico mitral, posicionando-se a amostra de volume do Doppler pulsátil pouco abaixo da face ventricular das $ Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 2), 2000 cúspides da valva mitral. Obteve-se o registro simultâneo da curva de velocidade do fluxo da via de saída do ventrículo esquerdo e do fluxo diastólico mitral, no plano apical cinco câmaras, posicionando-se a amostra de volume do Doppler pulsátil entre as vias de saída e entrada do ventrículo esquerdo. Foi também analisada a curva de velocidade de fluxo sistólico na artéria pulmonar no plano paraesternal transversal da base com a amostra de volume do Doppler pulsátil posicionada logo abaixo do plano valvar. As imagens bidimensionais e os traçados em modo M e das curvas de Doppler foram gravadas em fitas de vídeo de meia polegada para análise posterior. Com base nas imagens dos planos transversal (níveis basal, médio e apical) e longitudinal do ventrículo esquerdo, definiu-se infarto do miocárdio como as regiões ou segmentos hiperecogênicos ou não do miocárdio, que apresentavam uma das seguintes alterações da cinética miocárdica: hipocinesia (diminuição do espessamento ou do movimento da parede), acinesia (ausência de espessamento e/ ou movimento) e discinesia (movimento oposto ao normal de um ou mais segmentos ou regiões). As medidas derivadas dos traçados em modo-M e das curvas de velocidade de fluxo obtidas pelo Doppler pulsátil foram realizadas num sistema de análise off-line (ImageVue, DCR 1.60, Nova Microsonics) no qual as imagens gravadas em fitas de vídeo eram reproduzidas e digitalizadas em uma seqüência de oito quadros, escolhendo-se a imagem mais adequada para realização das medidas. As seguintes medidas foram obtidas pela ecocardiografia em modoM: átrio esquerdo no final da sístole, raiz aórtica no final da diástole, espessura diastólica (EdPA, EdPP) e sistólica (EsPA, EsPP) das paredes anterior e posterior, e dos diâmetros diastólico e sistólico do ventrículo esquerdo, sendo os valores expressos em centímetros (cm). Todas as medidas foram obtidas conforme recomendação da Sociedade Americana de Ecocardiografia 12. Com base nessas medidas foram calculados a massa do ventrículo esquerdo (em gramas), segundo a equação da Sociedade Americana de Ecocardiografia, M(g)=1,04 [(Dd + EdPA + EdPP) – Dd3]3; e a porcentagem de encurtamento do ventrículo esquerdo (PEVE), PEVE(%)= Dd – Ds/Dd x 100. Devido ao comprometimento miocárdico segmentar nos animais com infarto, não foram estimadas a massa miocárdica e a fração de encurtamento do ventrículo esquerdo. Estes dois parâmetros foram calculados apenas com os dados dos animais sem infarto. Da curva de fluxo diastólico mitral estimou-se a velocidade máxima das ondas E e A, em centímetros por segundo (cm/s), e calculou-se a relação entre elas (relação E/A). O tempo de desaceleração atrial, expresso em milissegundos, foi estimado como o tempo entre a velocidade máxima da onda E da curva de fluxo diastólico mitral e a intersecção da linha de base do Doppler. O intervalo de relaxamento isovolumétrico do ventrículo esquerdo foi estimado como o tempo, em milissegundos, entre o final da curva de fluxo da via de saída do ventrículo es- Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 2), 2000 Moisés e cols Aspectos estruturais e funcionais de coração de ratos com e sem IM querdo e o início da curva de velocidade do fluxo diastólico mitral. Estes parâmetros foram utilizados para análise da função diastólica do ventrículo esquerdo. Após a realização do ecocardiograma, os animais foram anestesiados com uretana na dose de 0,3ml/100g de peso (solução de 400mg/ml) e submetidos à toracotomia para excisão do coração. O peso real do ventrículo esquerdo foi obtido em balança analítica de Mettler, após separação completa do pericárdio, ventrículo direito, átrios e grandes vasos. Conforme técnica descrita por outros autores, foram realizados exames anatomopatológicos nesses corações para caracterizar a presença ou ausência de infarto 8. Após fixação com formol a 10%, foram realizados quatro cortes transversais no ventrículo esquerdo. Após desprezar as secções extremas, três fatias representando as regiões basal, média e apical foram coradas pela hematoxilina-eosina e tricômio de Masson para pesquisa de infarto. Quando presente, o tamanho do infarto do miocárdio foi estimado como a média da porcentagem do comprimento do arco da cicatriz (e/ou alteração contrátil segmentar) em relação à circunferência transversal nos três planos do ventrículo esquerdo 8. Os valores das variáveis ecocardiográficas foram expressos pela mediana e os valores máximo e mínimo. A massa do ventrículo esquerdo obtida pela ecocardiografia foi comparada com os valores do peso real da câmara utilizando-se teste de correlação de Spearman. Os valores das demais variáveis estudadas nos animais com e sem infarto foram comparados pelo teste de Mann-Whitney (não paramétrico). A comparação das alterações do movimento das valvas mitral e pulmonar ao modo M e o padrão da curva de velocidade do fluxo sistólico pulmonar entre os animais com e sem infarto extenso do miocárdio foi realizada pelo teste de comparação de proporções. Considerou-se teste estatisticamente significante os valores de p<0,05. Resultados O ecocardiograma permitiu imagens e sinais de Doppler adequados para as análises propostas em todos os animais selecionados. Alterações contráteis segmentares do ventrículo esquerdo ao ecocardiograma, indicativas de infarto, foram observadas nos 10 animais com infarto do miocárdio extenso ao estudo anatomopatológico. Nenhum animal sem infarto do miocárdio ao estudo anatomopatológico apresentou as alterações ecocardiográficas do ventrículo esquerdo sugestivas de infarto. Os animais com infarto extenso apresentaram ao ecocardiograma áreas ecodensas no miocárdio do ventrículo esquerdo sugestivas de fibrose ou afinamento miocárdico e/ou alteração contrátil nas paredes ântero-lateral e apical, às vezes estendendo-se à parede inferior, com preservação do septo interventricular, confirmados pelo estudo anatomopatológico (fig. 1). A tabela I resume os valores máximo, mínimo e a mediana do peso do ventrículo esquerdo, da freqüência cardíaca durante o ecocardiograma e de todas as variáveis estruturais dos animais com e sem infarto do miocárdio. Observa-se também o VE A VD S VE B Fig. 1 - Imagens do plano transversal do ventrículo esquerdo (VE) de uma rata sem infarto (A) e de outra rata com infarto do miocárdio extenso (B). s- septo inter– ventricular; setas- infarto do miocárdio. resultado da análise estatística da comparação destas variáveis. A massa do ventrículo esquerdo ao ecocardiograma dos animais sem infarto, correlacionou de maneira significante (r=0,60; p=0,0092) com o peso real do ventrículo esquerdo. A tabela II resume os valores máximo e mínimo, e a mediana das variáveis funcionais dos animais com e sem infarto do miocárdio. É importante observar que os valores da relação E/A foram significantemente maiores nos animais com infarto extenso do que nos animais sem infarto (fig. 2). O traçado da valva mitral ao ecocardiograma modo M apresentou ponto “B” em 5 de 8 (62,5%) animais com infarto do miocárdio extenso e em nenhum no grupo sem infarto (p<0,05) (fig. 3). O traçado da valva pulmonar apresentou-se retificado (sem onda a) em 9 de 10 (90%) animais com infarto extenso e em nenhum sem infarto (P<0,05). O fluxo sistólico na artéria pulmonar apresentou entalhe meso-sistólico em 6 de 10 (60%) animais com infarto do miocárdio e em nenhum sem infarto (p<0,05) (fig. 4). Discussão O modelo de infarto do miocárdio em ratos tem sido utilizado há alguns anos. A grande vantagem do modelo é a possibilidade de se poder manter os animais vivos por longos períodos até a cicatrização da área miocárdica com in % Moisés e cols Aspectos estruturais e funcionais de coração de ratos com e sem IM Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 2), 2000 Tabela I - Valores mínimo, máximo e mediana da freqüência cardíaca (FC) durante o ecocardiograma, peso do ventrículo esquerdo (em gramas), variáveis ecocardiográficas, e o valor da significância estatística das comparações realizadas (p) Variável Mediana Mínimo Máximo p Normais Infarto Normais Infarto Normais Infarto Peso VE 0.71 0.63 0.46 0.54 0.84 0.74 0.00 FC(bpm) 263 230 180 214 416 260 0.34 Ao(cm) 0.31 0.30 0.24 0.24 0.36 0.32 0.14 AE(cm) 0.32 0.53 0.23 0.50 0.49 0.66 0.00 Dd(cm) 0.64 0.88 0.53 0.81 0.73 1.0 0.00 Ds(cm) 0.33 0.72 0.21 0.56 0.46 0.86 0.00 Pad(cm) 0.14 0.11 0.10 0.08 0.19 0.16 0.001 Pas(cm) 0.23 0.14 0.19 0.12 0.34 0.21 0.001 PPd(cm) 0.15 0.12 0.12 0.10 0.36 0.20 0.05 PPs(cm) 0.26 0.20 0.20 0.14 0.36 0.29 0.000 Massa(g) 0.58 ——- 0.40 ——- 1.01 —— AE- átrio esquerdo; Ao- raiz aórtica; Dd- diâmetro diastólico do VE; Ds- diâmetro sistólico do VE; FC (bpm)- freqüência cardíaca (batimentos por minuto); Massa (g)massa do ventrículo esquerdo pela ecocardiografia em gramas; Pad- espessura diastólica da parede anterior; Pas- espessura sistólica da parede anterior; Peso VEpeso real do ventrículo esquerdo (em gramas); PPd- espessura diastólica da parede posterior; PPs- espessura sistólica da parede posterior. Tabela II - Valores mínimo, máximo e mediana das variáveis funcionais ao ecocardiograma Doppler, e da significância estatística das comparações realizadas (p) Variável Mediana Normais Mínimo Infarto Normais Máximo Infarto Normais p Infarto PEVE (%) 49.7 --- 33.3 --- 61.5 --- --- E (cm/s) 65.9 76.2 43.5 56.7 98.5 152 0.05 A (cm/s) 30 13.1 23 81 7.8 35.4 0.001 E/A 1.95 6.45 1.01 1.68 2.63 8.90 0.001 TDA(ms) 40.1 41 33.4 23 61.9 45 0.48 IRIV(ms) 23.8 27.6 16.5 10.4 41.8 38.3 0.62 A (cm/s)- velocidade da onda A da curva de fluxo diastólico mitral; E- velocidade da onda E da curva de fluxo diastólico mitral; E/A: relação entre a velocidade das ondas E e A do fluxo diastólico mitral; TDA- tempo de desaceleração do fluxo diastólico mitral (milissegundos); IRIV- intervalo de relaxamento isovolumétrico do ventrículo esquerdo (milissegundos); PEVE (%)- porcentagem de encurtamento do ventrículo esquerdo. farto e surgirem os sinais de remodelação do ventrículo esquerdo. Segundo Spadaro e cols. 8, a ligadura da artéria coronária esquerda feita no seu primeiro segmento epicárdico, 3 a 4mm após a origem, não interrompe a circulação para o ramo septal, que em ratos, origina-se muito próximo do óstio da artéria coronária esquerda. Com isto o septo interventricular é mantido intacto na maioria dos infartos provocados pela oclusão proximal da artéria coronária esquerda em ratos, enquanto um grande comprometimento da parede livre do ventrículo esquerdo é observado. Vale lembrar que após a ligadura da artéria coronária esquerda, alguns animais desenvolvem infarto extenso, outros desenvolvem infartos menores ou ainda não o desenvolvem. No presente estudo, utilizando-se técnica semelhante, o estudo anatomopatológico do coração mostrou em 10 animais, infarto extenso comprometendo a parede livre da cavidade. O ecocardiograma realizado cinco semanas após o infarto, antes do estudo anatomopatológico, demonstrou sinais sugestivos de fibrose e alteração contrátil segmentar nas mesmas & paredes do ventrículo esquerdo. Os animais com infarto apresentaram espessura diastólica e sistólica das paredes anterior e posterior do ventrículo esquerdo significantemente menores que as dos animais sem infarto, o que representa, provavelmente, o comprometimento das paredes miocárdicas envolvidas pelo infarto e graus variáveis de cicatrização. Após cinco semanas, todos os animais com infarto do miocárdio apresentaram, ao ecocardiograma Doppler, aumento significante das dimensões das cavidades esquerdas. Esses achados foram acompanhados de alterações funcionais importantes, como os sinais de aumento da pressão diastólica do ventrículo esquerdo caracterizados pela curva de velocidade do fluxo diastólico mitral do tipo restritivo (principalmente a relação E/A) e ponto B no traçado da valva mitral, ambos presentes apenas nos animais com infarto extenso. As características da curva de velocidade do fluxo diastólico mitral, sugestivas de padrão restritivo de enchimento ventricular, já anteriormente relatado em ratos Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 2), 2000 Moisés e cols Aspectos estruturais e funcionais de coração de ratos com e sem IM A A E A B E B B B A Fig. 2 - Curva de velocidade do fluxo diastólico mitral de uma rata sem infarto (A) e de outra rata com infarto extenso (B). Observe o aumento da onda E e a diminuição da onda A em B. Fig. 3 - Traçados em modo M da valva mitral de uma rata normal (A) e de outra rata com infarto do miocárdio extenso (B) com ponto “B” na fase diastólica final. com infarto extenso 10, assim como o achado de ponto B na valva mitral (modo M), assemelham-se ao observado em humanos com insuficiência cardíaca importante devido a infarto do miocárdio 13. Os achados de retificação do traçado da valva pulmonar ao ecocardiograma modo M e o entalhe sistólico na curva de velocidade de fluxo pulmonar, ainda não foram demonstrados em ratos com infarto extenso do miocárdio. Novamente, a semelhança destes achados ao padrão de hipertensão pulmonar encontrados em humanos 14 permite supor que eles indicam aumento da pressão na circulação pulmonar dos ratos com infarto extenso, em decorrência do aumento da pressão diastólica do ventrículo esquerdo. No presente estudo, não foi realizado estudo hemodinâmico com medidas diretas da pressão arterial pulmonar e pressão diastólica do ventrículo esquerdo para comparação. Os índices de função sistólica global do ventrículo esquerdo, porcentagem (ou fração) de encurtamento e/ou fração de ejeção, foram analisados somente nos animais sem infarto. Estes métodos utilizam apenas medidas lineares do ventrículo esquerdo para o cálculo, e não representam a função sistólica global em corações com alterações contráteis regionais, como ocorre nos corações com infarto. Os méto- dos bidimensionais tradicionalmente utilizados em humanos baseiam-se nas imagens do ventrículo esquerdo obtidas pelo plano apical. Entretanto, a qualidade das imagens por este plano nos animais do presente estudo não foram adequadas para obtenção de estimativas confiáveis da fração de ejeção. A utilização de transdutores com freqüência mais alta poderia proporcionar melhor definição do endocárdio nas imagens obtidas pelo plano apical 15. Uma outra alternativa, que poderia ser utilizada, é a análise da variação percentual da área transversal do ventrículo esquerdo, uma vez que as imagens no plano paraesternal transversal são, em geral, adequadas. No presente estudo, este método não foi utilizado, pois seria interessante testá-lo num grupo de animais com tamanhos variáveis de infarto do miocárdio, de modo a possibilitar comparações. Por esta razão, um estudo em andamento em nosso laboratório analisará este método com mais detalhe. Os dados referentes às variáveis anatômicas e funcionais dos animais sem infarto são importantes neste estudo pois permitiram a comparação com as variáveis dos animais com infarto extenso e podem ser úteis como valores de referência em estudos futuros de nosso ou de outros labo ' Moisés e cols Aspectos estruturais e funcionais de coração de ratos com e sem IM ratórios. O índice de correlação entre a massa do ventrículo esquerdo estimada pelo ecocardiograma e o peso real da cavidade, apesar de estatisticamente significante, foi baixo se comparado a outros estudos 16. Talvez, um dos fatores determinantes do baixo índice de correlação seja a inclusão de animais com massa de ventrículo esquerdo normal e em uma faixa relativamente estreita de variação. A inclusão de animais com peso corporal maior e de outros com hipertrofia do ventrículo esquerdo pode ampliar a faixa de variação dos valores e aumentar o índice de correlação, como em outros estudos. Os animais com infarto extenso não foram incluídos devido à variação não uniforme da espessura miocárdica nesses corações e às variações da forma geométrica da cavidade. Vale lembrar que a freqüência do transdutor utilizado (7,5 MHz), embora com imagem adequada para identificação das estruturas analisadas, pode prejudicar a detecção dos bordos reais das paredes, principalmente mais próximas ao transdutor, e ser uma das causas do índice de correlação baixa. É possível que transdutores com freqüência mais alta (10 ou 12 MHz) permitam medidas mais precisas da espessura miocárdica e do diâmetro das cavidades. Apesar de algumas limitações e com base nos dados e observações do presente estudo, podemos concluir que a ecocardiografia Doppler pode identificar infarto do miocárdio extenso em ratas com cinco semanas de evolução. Animais com infarto tiveram aumento das dimensões das cavidades cardíacas esquerdas e apresentaram sinais indiretos de aumento das pressões diastólica do ventrículo esquerdo e sistólica da artéria pulmonar ao ecocardiograma Doppler. Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 2), 2000 A B Fig. 4 - Curvas de velocidade do fluxo sistólico pulmonar de uma rata sem infarto (A) e de outra rata com infarto extenso (B) com entalhe meso-sistólico (setas). Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Barreto ACP, Nobre MRC, Wajngarten M, Canesin MF, Ballas D, Serro-Azul JB. Insuficiência cardíaca em grande hospital terceário de São Paulo. Arq Bras Cardiol 1998; 71: 15-20. Teerlink JR, Goldhaber SZ, Pfeffer MA. An overview of contemporary etiologies of congestive heart failure. Am Heart J 1991; 121: 1852-3. Page DL, Caulfield JB, Kastor JA, DeSanctis RW, Sanders CA. Myocardial changes associated with cardiogenic shock. N Engl J Med 1971; 285: 133-7. Nishimura RA, Reeder GS, Miller FA, et al. 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