Walter Benjamin: entre o haxixe e a morfina Ricardo Lavalhos Dal Forno1 Resumo: Defenderei aqui que um gesto filosofante fundamental perpassa os principais escritos filosóficos de Walter Benjamin: o autor se viu constantemente tentado por dois caminhos distintos, que chamaremos de o “caminho do haxixe” e o “caminho da morfina”. No primeiro caminho, ele esqueceria completamente a filosofia, libertando dela pela literatura de vanguarda; e no segundo caminho ele teria que enfrentar os filósofos em seu próprio jogo, vencê-los na sua própria Casa do Ser. Temos de um lado o caminho da abertura surrealista, da impossibilidade do fechamento metafísico e de uma abertura constante do sentido; e do outro lado temos o caminho de inserir-se na tradição filosófica e de se colocar as velhas questões de fundamentação. Podemos dizer que por um caminho (o da morfina) Benjamin iria fracassar sempre, porque seria apenas uma repetição dos gestos fundamentais da tradição metafísica, e por outro caminho (o haxixe) a ruptura seria tão radical que ele não teria mais nada a ver com filosofia. Benjamin enfrentou esses problemas com seu conceito de “limiar”. Limiar quer dizer limite e passagem ao mesmo tempo. Ou seja, ele propôs que trabalhemos de alguma forma entre os dois caminhos, achando entre eles uma hélice que entrelaça as duas possibilidades. Palavras-chave: Walter Benjamin, linguagem, metafísica. Como mostra Paulo Schneider na sua tese sobre o autor, o grande tema de Walter Benjamin é a impossibilidade do total fechamento metafísico. Benjamin adorava fazer um seguinte: sempre que um filósofo apaixonado pela completude propunha um novo modelo sistemático para dar conta do real, ele mostrava que algo sempre escapava e vazava pelas bordas, sempre que fechamos nossa Casa do Ser uma sombra arrebenta a sua porta dos fundos. Sobra sempre um rastro, uma pista (Spur), uma parte da essência (Wesen) que fica de fora quando propomos uma teoria do domínio de todos os domínios. Segundo Benjamin, sempre que tentamos fazer uma imagem da totalidade, fazemos um recorte no próprio todo, naquele espaço que garante aa condições de possibilidade para qualquer discurso filosóficos da totalidade. É por isso que o autor vai dizer que o verdadeiro método filosófico é “caminho indireto, é desvio”2. Toda a filosofia de Benjamin é uma tentativa de nos deixar conscientes da ingenuidade de um texto filosófico que seja presença plena (sem ausências, sem história, sem furos), nos dando o desvio como alternativa metodológica. Se tem uma coisa que eu aprendi com Walter Benjamin é o seguinte: fazer Filosofia é escrever. Mas essa é uma escrita que nunca alcança seu objeto, que sempre fracassa (na verdade, segundo Benjamin, eu estou fracassando agorinha mesmo tentando explicar isso aqui 1 Graduado Filosofia pela Unijui. Mestre em Filosofia pela PUCRS. Doutorando em Filosofia pela PUCRS. BENJAMIN, Walter. Origem do Drama Barroco Alemão. Trad. Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.50. 2 para vocês). No entanto, a consciência dos limites da escrita filosófica nos deixará apto a realizar o que para Benjamin é próprio da filosofia: apresentar a “esfera da verdade visada pela linguagem”3. Esse tipo de escrita seria uma Filosofia que não se distinguiria mais tão facilmente da literatura. Seria um faz de conta com conceitos, um conto de fadas filosófico. Como introdução, que o autor teve a prudência de não publicar, ao seu Origem do Drama Barroco Alemão, Benjamin escreveu o seguinte: Eu gostaria de contar, por uma segunda vez, a história da Bela Adormecida. Ela dormia no seu próprio arbusto espinhento. E então, depois de muitos anos, despertou. Mas não foi por um beijo de um príncipe afortunado. O cozinheiro a acordou, ao dar-lhe uma sonora bofetada, que ressoou por todo o palácio, com sua energia encarcerada por tantos anos. Uma criança linda dorme atrás dos arbustos espinhetos das próximas páginas. Não deixe que qualquer príncipe da fortuna, enfeitado com o deslumbrante equipamento científico, chegar perto. Pois, no beijo de noivado, ela pode esbofeteá-lo. Melhor que o autor a desperte, reservando-se a tarefa de mestre cuca. Já é hora para esta bofetada ressoar pelos campos da ciência. Então despertará também esta pobre verdade, que tendo se espetado numa roca forade-moda, indevidamente, pensou que podia fiar-se no arquivo-armadilha de uma toga profissional 4. Benjamin pensava, como mostra sua alegoria da Bela Adormecida, que a tradição ocidental aprisionou toda a cultura, incluindo a ciência e a verdade. Dessa forma, o bofetão dado no rosto da ciência de sua época seria através de uma escrita que possibilitasse uma transformação total da tradição metafísica e de nossa cultura, uma escrita marcada pela interminabilidade consciente, pela abertura nunca acabada, pela negação do fechamento. Não é à toa que sua principal obra, o Trabalho das Passagens, permaneceu incompleto mesmo depois de mais de vinte anos de trabalho. Benjamin gostaria de escrever desse modo, começar tudo de novo, contar de novo a historinha da Bela Adormecida, mas foi assombrado por um dilema que o professor Schneider colocou muito bem em sua tese da contradição da linguagem: Benjamin poderia esquecer completamente da tradição metafísica, como um escravo que é libertado por seu mestre; ou ele poderia agir como o escravo que mesmo depois de livre exige de seu mestre seus direitos, afirmando, assim, sua dependência à tradição que ele pretendia romper. Estamos aqui nos referindo à esses dois caminhos como o caminho do haxixe e o caminho da morfina, duas drogas bastante comuns na vida do autor. Muitas vezes Benjamin tomou o primeiro caminho, como em seus textos mais vanguardistas e surrealistas. Mas nestes 3 BENJAMIN, Walter. Origem do Drama Barroco Alemão.1984. p.49. BENJAMIN, Walter, apud BUCK-MORSS, Susan. Dialética do olhar: Walter Benjamin e o projeto das Passagens. Trad. Ana Luiza de Andrade. Belo Horizonte: Editora UFMG; Chapecó: Editora Universitária Argos, 2002, p. 47. 4 casos ele perdia o foco e ficamos sem saber onde encaixar esses textos. Na maior parte das vezes Benjamin tomava o segundo caminho. Poucos escritores falaram tanto sobre aquilo que não queriam falar. Quando Schneider diz que o tema principal de Benjamin é a contradição da linguagem, ele está dizendo, com outras palavras, que o tema central do autor é o sonho da razão filosófica se tornando pesadelo e impedindo a verdade de acordar. Justamente quando as coisas parecem encaixadas, quando o desenho do grande todo parece tomar forma inteligível, então algo sai terrivelmente errado e somos obrigados a começar de novo e tomar o caminho do haxixe. Quando Benjamin está tratando de tais questões ele oferece o que tem de melhor. Mas essa tentativa tem uma desvantagem evidente: contar novamente a história da Bela Adormecida é contar essa mesma história sempre uma vez mais, é fazer o que todos os filósofos já fizeram: propor alguma generalização, um supervocabulário total e fechado, mesmo que seja para dizer que não há um supervocabulário total e fechado. Então, de certa forma, sempre que Benjamin diz que o caminho é descaminho, que o método é desvio, que o que ele quer é o lixo e as sobras da cultura – todos esses slogans que seus seguidores amam de todo coração – mesmo nesses casos, ele como que trai a si mesmo. As piores partes de Benjamin são quando ele começa a imitar aquilo que ele crítica e propõe um novo faz de conta metafísico, como seus escritos românticos sobre a linguagem. Estamos defendendo aqui que Benjamin sempre foi assombrado por dois caminhos: em um ele esqueceria completamente a Filosofia, libertando-se pela literatura de vanguarda, pela montagem dadaísta e surrealista (o caminho do haxixe); e o caminho de enfrentar os filósofos em seu próprio jogo, vencê-los na sua própria Casa do Ser (o caminho da morfina). O problema é que toda escrita que seja apenas “surrealista”, uma montagem de citações, um mosaico, uma colagem de fragmentos, um eterno desvio, ela será uma escrita sem conteúdo filosófico, sem vínculo com a grande tradição. E, por outro lado, se ela se introduzir na tradição filosófica, será novo pesadelo no cérebro da verdade que dorme, novo jargão metafísico, novo faz de conta, nova objetivação. Sendo assim, tomar esse caminho é propor um novo fechamento metafísico, é propor mais uma alternativa que se propõe superior às demais. Já o caminho do haxixe nos dá abertura, mas mais abertura do que queremos em Filosofia. Eu penso que Benjamin sempre esteve consciente desse paradoxo e por isso Schneider acerta ao dizer que sua filosofia é uma constante tematização da contradição da linguagem. Benjamin estava diante desse perigo que ele também corria. E vendo as coisas por esse lado, é compreensível que ele tenha encontrado no final de sua estrada filosófica os dadaístas e os surrealistas franceses. Tendo em mente as duas possibilidades que ele tinha diante de si, podemos dizer que por um caminho (o caminho da morfina) Benjamin iria fracassar sempre, porque seria apenas um repetição dos gestos fundamentais da tradição metafísica, e por outro caminho (o caminho do haxixe) a ruptura seria tão radical que ele não teria mais nada a ver com Filosofia. Em alguns textos do autor não podemos de forma alguma dizer que ele está falando da tradição filosófica, pois ele fala numa linguagem tão nova que não vemos nenhum vínculo com a tradição. Então podemos dizer que o dilema benjaminiano, sua “contradição da linguagem”, é o seguinte: ou ele reafirma a tradição metafisica e apenas escreve mais uma página do seu grande livro de contos de fada ou ele fica de fora, nas margens, excluído, ignorando a Filosofia e sendo ignorado por ela, sendo aquele coitadinho que ele gostava de fingir ser. Uma forma de suporta esse dilema Benjamin propôs com um dos seus mais importantes conceitos: o de “limiar”. Limiar quer dizer limite e passagem ao mesmo tempo. Ou seja, Benjamin propôs que trabalhemos de alguma forma entre os dois caminhos, achando entre eles uma hélice que entrelaça as duas possibilidades. O que equivale a dizer que o filósofo tem que ser fluente em várias linguagens (em várias formas de escrita) e produzir vários tipos de textos ao mesmo tempo. Esse é o esforço monumental de um autor que quer produzir um estilo distinto e original, e não apenas escrever de forma clara e transparente. A transparência e a clareza que os analíticos tão seguros nos exigem podem ser pensadas como uma forma de indicar que as palavras só importam porque formam proposições e então só o que vale são nossos argumentos. O que Benjamin tem que fazer, além de falar várias línguas, é mostrar que de alguma forma sua contra-proposta se sustenta diante daqueles que falam apenas uma única língua. Para começar podemos destacar que isso não é tão novo assim na história da Filosofia. A tradição metafísica não é qualquer coisa que permanece inalterada e aprisionada desde os gregos. Momentos de crise, de rupturas, sempre fizeram parte dela. Grandes pensadores sempre deram aos seus opositores aborrecidos boas razões para acusa-los de não jogar conforme as regras, de introduzir novos conceitos, de usar uma linguagem estranha. Se Filosofia tivesse sido tão literal e metódica quanto alguns analíticos gostariam que ela fosse, se ela fosse meramente uma questão de ter os melhores argumentos e de resolver problemas, então Benjamin nunca teria se colocado no dilema que se pôs. Se a história da Filosofia fosse como a descrição que os analíticos fazem da Filosofia, não seria difícil fazer a distinção entre a morfina e o haxixe, e então escolher um ou outro caminho não seria uma questão de dilemas e renúncias, como foi com Benjamin. Então não existe essa força cega operando dentro da Filosofia, uma força terrível e opressora que torna impossível a vida dos amantes da obscuridade e dos trocadilhos espirituosos. Exceto em circunstâncias históricas bem especiais, como a Inquisição e alguns GTs da ANPOF, os filósofos sempre tiveram bastante liberdade para escrever como desejavam. O discurso filosófico sempre foi bastante maleável simplesmente porque nunca houve uma concordância universal quanto às condições de inteligibilidade ou os critérios de racionalidade, como alguns analíticos pensam haver hoje em dia. Vendo por esse lado, o que Benjamin fez não parece tão excêntrico assim. Ele só levou as coisas longe demais, como quem estica um elástico até o limite de sua resistência. Na sua grande obra das Passagens, o autor fez uso de diversas formas de linguagem: a citação, a montagem, o fragmento, a narrativa. Assim ele criou uma escrita que não possui nenhum telos, uma escrita completamente caótica. Mas ele fez o que muitos outros autores também fizeram só que em menor proporção na história da Filosofia. Então temos que dizer que o Trabalho das Passagens não é um novo terreno no qual Benjamin nos joga. O que ele fez foi levar ao extremo, quase ao absurdo, um terreno no qual nós estamos acampados desde que o conto de fadas da metafísica começou a ser contado. Sendo assim, essa relativa liberdade na escrita filosófica sempre conviveu lado a lado como aquela sonho de falar uma única língua, e é por isso que um autor como Benjamin pode possuir tanto impacto quando nos damos conta dessas coisas. E isso se dá por ele expressa essa ambivalência, essa “contradição” de se querer dizer algo novo e ao mesmo tempo se querer dar a última palavra, do fechamento metafísico e da abertura surrealista, da morfina e do haxixe. Os limites da teoria de Benjamin é que ele não poderia argumentar, dizer claramente as coisas, sem se transformar naquilo que criticava, sem se transformar em mais um sonhador que pensa propor o vocabulário final e mais profundo. É por isso que em seu livro inacabado ele fala através de “passagens”: essas passagens sugerem que nós estamos finalmente preparados para olhar para além do horizonte familiar, para a “origem” sempre suposta, que estamos finalmente preparados para chegar o último círculo, mas logo vão embora e deixam tudo inacabado. Elas atraem e depois nos traem. O rigor e a clareza nunca estiveram em jogo aqui. A questão é que filósofos que pretendem fazer isto que Benjamin pretendeu precisam pagar um preço muito alto. Parte desse preço é abrir mão de uma linguagem argumentativa e rigorosa. Autores como Tugendhat gostam de afirmar que a Filosofia deve ser predicativa e argumentativa. Para eles, filósofos como Benjamin e Heidegger estão mais próximos dos oráculos do que da Filosofia. Mas o próprio uso que Tugendhat faz de Heidegger deveria o levar a ver que a Filosofia inclui tanto autores que operam argumentativamente como aqueles que operam desvelando o mundo através de outras ferramentas. Sem o oráculo de Ser e tempo, Tugendhat não poderia escrever sua antropologia. Então temos que admitir que existem filósofos competentes em dar argumentos públicos (como Tugendhat) como autores competentes em saltar na escuridão (como Heidegger e Benjamin). Temos autores que vivem da morfina e temos autores que vivem do haxixe. Tugendhat tem razão ao dizer que não se pode ser não-proposicional e ainda assim ser argumentativo. Não faz sentido dizer que trabalhamos num nível subproposional e que mesmo assim argumentamos. Mas se pensarmos em autores como Benjamin e Heidegger como autores que estão escavando níveis mais profundos de condições não-proposicionais então veremos que não devemos negar seu status cognitivo. A questão é que quando operamos filosoficamente assim como opera Benjamin, nunca saberemos quando alcançamos o fundo. É claro que nossa cultura filosófica não foi levada adiante apenas por uma borbulhante troca de firulas na linguagem, mas também temos que admitir que os filósofos nunca vestiram a camisa de força do sentido. De qualquer forma, eu gostaria de destacar este como o gesto filosofante fundamental de Walter Benjamin: mostrar o último contraste entre o fechamento metafísico (a morfina) e a abertura surrealista (o haxixe), a tentativa tradicional de fechar a linguagem e a insistência de romper com todo fechamento. Temos que destacar também que tomar partido por um dos lados do dilema, escapando assim da oscilação, seria o mesmo que esperar pela linguagem total, única e fechada, aquela justamente que Benjamin dizia que não devemos esperar. Benjamin nunca foi tão ingênuo quanto são alguns benjaminianos: esses seguidores, ao destacarem apenas o lado ensaística, fragmentário e surrealista do autor, e ao tentar repetilo, acabam justamente construindo aquele vocabulário fechado e total que Benjamin queria afastar, apenas mudando o nome de Deus pelo do Diabo. No entanto precisamos ver Walter Benjamin como alguém que constantemente destrói a si mesmo, como alguém que comete suicídio para escapar da própria influência totalizante. Não é culpa dele que alguns de seus leitores que vieram muito depois pensem que seus conceitos possuem poderes mágicos. Para terminar esse texto, eu vou mostrar um ponto em que minha leitura do autor difere da leitura proposta pelo professor Schneider em sua tese. É a questão de se Benjamin propôs ou não uma concepção de “condição humana”. A última frase da tese do professor Schneider é a seguinte: “A forma de figurar Benjamin é tal que ocorre na compreensão do seu modo de uso do esquadro da contradição da linguagem. Ela trata da condição humana”5. De fato, Sprache está para o jovem Walter Benjamin como Sein está para Heidegger: se trata de algo que nós nunca podemos superar, mas contra o qual nós constantemente nos debatemos. Quase da mesma forma que Puntel pensa que Deus é inevitável, Benjamin pensa que a linguagem é inevitável. Todas as nossas ações são relações com ela. Como nossa sombra, ela nos segue para onde formos. Quando achamos um caminho que pareça nos levar para longe dela é justamente ela que encontramos em seu final. Para filósofos como Benjamin, a linguagem é como que o pai kafkiano inevitável e opressor, mas para outros filósofos ela está mais para aquela prima que a gente vê brevemente durante o Natal e troca duas ou três palavras. Alguns filósofos não veem razões para esse peso todo em cima da linguagem. Benjamin foi longe demais ao tentar colocar a sua figura paterna como a figura paterna de todos nós. A questão é: com esse gesto ele pretendia tratar da condição humana? O autor se debruçou sobre os melhores e mais fascinantes escritores do seu tempo. E por isso ele fala da situação do homem em sua época, que talvez siga parecida na nossa. Mas eu duvido muito que ele esteja falando da condição universal do ser humano. Suas imagens são poderosas, mas não são tão universalmente descritivas assim. Uma coisa é dizer que o discurso filosófico que tenta propor verdade últimas sofre de uma contradição inerente, outra coisa bem diferente é dizer que a própria linguagem possui tal contradição. Foi essa confusão que eu penso encontrar na tese do professor Schneider. A contradição da linguagem é algo totalmente específico, algo que Benjamin encontrou quando se debruçou sobre os textos de Hegel e de Kant, ou de outros autores guiados pela busca de certeza. De forma alguma se tratou da “condição humana”, como Schneider termina sua tese afirmando. O desenvolvimento de uma nova forma de escrita filosófica está motivada pela necessidade de lidar com novos casos, de recriar nossa teia de usos linguísticos para pensar melhor as novas coisas, e não para tematizar a condição universal e a-histórica do ser humano. Se Benjamin for totalmente aquilo que está na Contradição da Linguagem, então ele é apenas mais um ontoteológico. Um filósofo como Benjamin não pode dar as costas a totalização, insistir que o fechamento metafísico nunca será completo e definitivo e depois dizer que está falando da condição humana. Afinal dado tudo o que próprio Benjamin disse, de onde ele 5 SCHNEIDER, Paulo Rudi. A Contradição da Linguagem em Walter Benjamin. Ijuí: Editora Unijuí, 2008. (COLEÇÃO FILOSOFIA), p. 449. pensa poder dar as condições de possibilidade para toda e qualquer experiência humana possível? As possibilidades aqui são duas: ou Schneider está certo e a filosofia benjaminiana destrói a si mesmo ou o autor nunca pretendeu tratar da condição humana universal. O professor Schneider comete o erro de não distinguir entre os textos acadêmicos e filosóficos (o lado da morfina), de um lado, e os textos poéticos, surrealistas, inquietos (o lado do haxixe), de outro. O que Benjamin está fazendo é oscilar, numa espécie de teologia negativa do ser humano. Seu Anjo da história não quer só sentir-se assombrado, ele quer se divertir, fazendo as grandes pretensões da história da Filosofia soarem engraçadas e muitas vezes ridículas. Ele quer que a gente leia o que antes era sagrado como sendo agora engraçado. Dessa forma, mesmo em seus melhores momentos, Benjamin nunca ofereceu uma tese universal sobre a condição humana, isso para ele não seria nada mais do que um objeto de zombaria. Walter Benjamin é como a criança que ri daquilo que deixa os adultos horrorizados. Se Benjamin estivesse dizendo que a contradição da linguagem trata da condição humana, então ele seria apenas o que ele mais teme ser: só mais um exemplo ridículo das maiores pretensões metafísicas, mais um que tenta beijar a verdade que dorme, apenas trocando o nome de Deus pelo do Diabo. A objetificação invertida é ainda objetificação e o que Benjamin faz é um movimento mais complexo e poderoso do que essa inversão. Penso que Schneider estava na trilha certa quando ele disse que Benjamin se deparou com a história da Filosofia e se colocou naquele dilema de dizer a última palavra e propor uma forma nova de dizer. Porém, se ele pretendeu se manter fiel ao seu propósito, ele não poderia nunca fazer o que Schneider termina afirmando que ele fez: tratar da condição humana universal. Não faz sentido oferecer a velha homenagem objetificadora à um inimigo de carteirinha da objetificação. Qualquer um que leia Benjamin de ponta a ponta em busca da descrição da condição humana universal sairá decepcionado. Por isso deve haver algo de errado nesta afirmação do professor Schneider. Já eu penso que se Benjamin se colocou a questão da condição humana, não foi como algo absolutamente indispensável e universal, mas como algo que deve ser diluído de tal forma que nós nunca mais soframos a tentação de utilizá-la como argumento seja lá para o que for. É um pouco engraçado que, no fim das contas, a contradição da linguagem tenha caído vítima da própria contradição da linguagem. Para terminar: o que deve decidir se devemos ler Benjamin da minha forma ou da forma do professor Schneider? Trata-se de saber se Benjamin seria uma espécie de Hegel do seu tempo ou um tipo de escritor talentoso menos pretencioso e mais próximo dos surrealistas franceses. Essa não é uma tarefa fácil porque Benjamin escreveu textos que vão nas duas direções. Às vezes ele nos adverte dos riscos de elegemos qualquer coisa como a totalidade e outras vezes ele parece ficar falando da linguagem como essa quase divindade que liga todas as coisas do mundo. Porém, eu gostaria de ler Benjamin como alguém que se afasta das pretensões totalizantes, que nunca caiu no erro de postular qualquer coisa como a condição humana. Talvez seja cedo para dizermos qual é o ângulo correto para vermos Walter Benjamin, pois o autor ainda está se fortalecendo mesmo entre seu interpretes. Todavia, tomamos aqui uma posição, e isso já parece ser um avanço. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BENJAMIN, Walter. Origem do Drama Barroco Alemão. Trad. Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984. _________________. Passagens. Trad. Irene Aron. Belo Horizonte MG: Editora UFMG, 2006. BUCK-MORSS, Susan. Dialética do olhar: Walter Benjamin e o projeto das Passagens. Trad. Ana Luiza de Andrade. Belo Horizonte: Editora UFMG; Chapecó: Editora Universitária Argos, 2002 SCHNEIDER, Paulo Rudi. A Contradição da Linguagem em Walter Benjamin. Ijuí: Editora Unijuí, 2008. (COLEÇÃO FILOSOFIA).