II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010 Romantismo e estética do sublime no jovem Benjamin Profa. Dra. Sílvia Faustino de Assis Saes∗ O objetivo dessa palestra consiste em apresentar as linhas gerais da disciplina do curso de especialização em Filosofia e Literatura. A questão acerca das fronteiras entre filosofia e literatura, tema central deste Colóquio, é de algum modo enfrentada por todos aqueles que estudam a obra de Walter Benjamin. Se de um lado alguns se contentam em defini-lo como um filósofo dialético ligado à Escola de Frankfurt, de outro, há os que preferem inscrevê-lo no campo mais específico da crítica literária, da reflexão sobre a arte e da filosofia da linguagem. Embora nosso objeto de estudo seja a obra do jovem Benjamin, anterior, portanto, ao seu pensamento de teor político e revolucionário, isso não significa que os períodos posteriores não estejam também implicados. Pois, assim como na maturidade ele ensina a escrever a história a contrapelo, de modo a recuperar o sentido das expectativas nãorealizadas, podemos tentar identificar, no pensamento da juventude, quais são os elementos que contêm em germe a própria necessidade de superação do ponto de vista então adotado. Rainer Rochlitz, em seu livro O desencantamento da arte: a filosofia de Walter Benjamin, esclarece que a teoria da arte de Benjamin se caracteriza por três ∗ Professora Adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). 15 II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010 períodos distintos: o de uma estética do sublime (1914-1924), o de uma estética política de intervenção revolucionária (1925-1935) e o das reflexões sobre a perda da aura e sobre a importância da memória no contexto de uma modernidade desencantada (1936-1940)1. Do período caracterizado pela “estética do sublime”, o autor destaca os ensaios sobre Hölderlin (escritos entre 1914 e 1915), sobre O idiota de Dostoiévski (1917), e “Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana” (1916), além do livro O conceito de crítica de arte no romantismo alemão (tese de doutorado escrita em 1919). Neste último trabalho, Walter Benjamin reabilita o chamado “primeiro” romantismo, que floresceu em Iena, sob a influência de Novalis e F. Schlegel, entre final dos 1780 e início dos 1790. No conceito de “reflexão”, de Fichte, ele identifica a base da teoria do conhecimento subjacente às concepções estéticas dos primeiros românticos, procurando apontar similitudes e diferenças conceituais. O curso terá como objetivo descrever os traços essenciais do que Rochlitz denominou de “estética do sublime”, nos escritos acima mencionados, e elucidar o modo como Benjamin se apropria dos princípios românticos que supostamente herda. Duas perguntas serão diretrizes em nossas investigações: 1) Sob quais aspectos a sua filosofia da linguagem pode ser chamada de “romântica”? 2) Sob quais aspectos os conceitos herdados de “crítica” e de “reflexão” servem de princípios operatórios em seus primeiros escritos? Em “Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem dos homens”, Benjamin defende que a existência da linguagem não se restringe aos domínios das manifestações espirituais humanas, pois ela se estende simplesmente a tudo. Em suas palavras: “não há acontecimento ou coisa, seja na natureza animada, seja na inanimada que, de certa forma, não participe na linguagem, porque a todos é essencial a comunicação do seu conteúdo espiritual”2. Entenda-se: não se afirma que tudo o que existe participa na linguagem porque 1 ROCHLITZ, R. O desencantamento da arte. Trad. bras. de Maria Elena Ortiz Assumpção, Bauru, EDUSC, 2003, p. 70. 2 BEJAMIN, W. “Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana” in Sobre arte, técnica, linguagem e política. Trad. port. Maria Luz Moita , Maria Amélia Cruz e Manuel Alberto. Lisboa, Relógio D’água, 1992 (pp. 177-196). 16 II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010 de tudo podemos falar — esta seria uma concepção meramente instrumental da linguagem — mas porque há um processo de comunicação por meio do qual pura e simplesmente tudo o que existe pode comunicar sua essência espiritual através da expressão. É como se uma necessidade interna de expressão fosse o móvel que leva todas as coisas a fazer parte da linguagem. Como a linguagem das coisas se distingue da linguagem humana? Benjamin escreve: “A essência lingüística das coisas é a sua linguagem. Esta frase, aplicada ao homem, significa: a essência lingüística do homem é a sua linguagem. Isto é: o homem comunica a sua própria essência espiritual na sua linguagem. Mas a linguagem do homem fala por palavras. O homem comunica, pois, a sua própria essência espiritual (na medida em que é comunicável), denominando todas as outras coisas. Mas não conhecemos nós outras linguagens que denominam coisas? Não se objecte que não conhecemos outra linguagem além da do homem. Não é verdade. O que não conhecemos é outra linguagem designadora além da do homem: identificando a linguagem designadora com a linguagem em geral, a teoria lingüística despoja-se da sua compreensão mais profunda e íntima das coisas. — A essência lingüística do homem é, pois, o facto de ele designar coisas.” (op. cit., p. 180). Ao defender uma metafísica da linguagem, em que a linguagem humana é concebida como tradução da linguagem superior de Deus, Walter Benjamin revela a face mística e simbolista de sua concepção. Saber em que medida essa concepção se encontra eivada de elementos românticos é a maior tarefa do curso a ser oferecido. 17