O PROCESSO DE ORIENTAÇÃO ECONÔMICA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOLIDÁRIO: UM CAMINHO QUE PASSA ESTRATEGICAMENTE PELA ECONOMIA POPULAR E SOLIDÁRIA. José Raimundo Oliveira Lima Incubadora de Iniciativas da Economia Popular e Solidária da Universidade Estadual de Feira de Santana-UEFS, Bahia, Brasil Resumo – Este trabalho apresenta o processo de orientação econômica para o desenvolvimento local solidário, compreendido como um desdobramento da discussão de desenvolvimento do ponto de vista das contradições teóricas na perspectiva da economia popular e solidária. Objetiva, assim, discutir o processo de orientação da ação econômica a partir de uma das suas principais bases, o desenvolvimento; considerado como um processo histórico para o melhoramento das condições estruturais da vida. A estrutura deste estudo resulta das reflexões a cerca de pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia, cuja problematização circunda em torno da Economia Popular e Solidária como estratégia para o Desenvolvimento Local Solidário. Além disso, incorporou-se algumas contribuições resultantes do debate sobre o processo de incubação de iniciativas Populares Solidárias no Programa Incubadora de Iniciativas de Economia Popular e Solidária da Universidade Estadual de Feira de Santana-Ba. Palavras-Chave: Economia popular e solidária – Desenvolvimento local solidário – Orientação econômica. INTRODUÇÃO O processo de orientação econômica é um movimento histórico e dinâmico que remonta a uma evolução do fazer e refazer dos processos políticos e sócio-produtivos. É também norteado por um direcionamento macroeconômico que se aproxima de um ordenamento de totalidade produtiva, tendo em vista a mobilidade global dos fatores de produção capital e trabalho. Neste sentido, uma ação econômica aplicada no centro financeiro de uma dada economia pode resultar em consequências numa localidade1 no interior do Brasil. Entretanto, essa premissa respalda-se, essencialmente, pela economia de mercado que considera, apenas, o encontro entre ofertantes e demandantes para a realização de uma oferta criada, sem compromissos, com demandas de um consumo consciente da população. Com efeito, esse processo verticalizado desconsidera os movimentos sociais, as classes sociais, os processos educativos de saúde, de consumo, de trabalho, bem como outras formas de organizações socioprodutivas como a economia popular e solidária, 1 Localidade neste caso está compreendida como um lugar, uma comunidade de pessoas com estrutura administrativa ou não, mas, que tenha características próprias na sua identificação socioeconômica. que se guia nas ações de orientação econômica considerando outros elementos de ordem social, cultura, educacional, ambiental, organizacional, político e, em especial, os conhecimentos e saberes locais. Neste contexto, questiona-se: como se dá, então, o processo de orientação da ação econômica movido pela economia popular e solidária, com vistas ao desenvolvimento local solidário? A reflexão acerca dessa questão não é tão simples de ser feita, pois as referências sobre orientação econômica têm sido muito restritas. É o que nos faz, neste estudo, trabalhar, exclusivamente, a partir de aproximações e sínteses da obra de Miglioli (1983), segundo a qual o processo de orientação econômica se dá através dos instrumentos diretos (leis, decretos, normas etc.), na órbita do poder público, e pelos instrumentos indiretos (de ordem fiscal, cambial e monetária), na órbita preponderante da dinâmica de mercado, ou da produção associada, conforme Tiriba (2001) das iniciativas em redes. Nesta esteira, discute-se o processo de orientação da ação econômica a partir de um dos seus principais objetivos, o desenvolvimento. Com efeito, estendem-se as reflexões teóricas da orientação econômica referentes ao objetivo do desenvolvimento para a perspectiva do desenvolvimento local solidário. Este, necessariamente, origina-se de dois processos: ação normatizada pelo poder público local, compreendida como instrumento direto de orientação, articulada ao movimento organizativo de economia popular e solidária de base local que de alguma forma interage com os instrumentos indiretos forjados na produção associada. Estes dois processos, não raro, são entrelaçados pela ação do poder público nas dimensões da economia popular e solidária, social, econômica, educacional, ambiental e cultural – o que é impulsionado, de certa forma, por instrumentos indiretos de orientação da ação econômica. Ressalte-se que, apesar do uso frequente dos termos planejamento, planificação e orientação quase como sinônimos, tanto Migliolli(1983) quanto a proposta deste estudo utilizam-se preferencialmente o termo orientação, por ter aplicabilidade inconfundível ao objetivo do desenvolvimento, especialmente, enquanto processo politico educativo local. O processo de organização deste estudo surge a partir das reflexões desenvolvidas na pesquisa de doutoramento no Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia, na linha de pesquisa Educação, Gestão e Desenvolvimento Local, bem como no Programa Incubadora de Iniciativas da Economia Popular e Solidária da Universidade Estadual de Feira de Santana-BA e no seu Grupo de Estudos e Pesquisas em Economia Popular e Solidária e Desenvolvimento Local Solidário (GEPOSDEL), assim, inscrito no CNPq. 1. O PROCESSO DE ORIENTAÇÃO ECONÔMICA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO O processo de orientação como elemento de organização estrutural dos Estados, das organizações, entidades, instituições de fins econômicos ou não, tem, ao longo da história, se destacado quanto à dinâmica das relações institucionalizadas da sociedade. Neste sentido, se bem elaborado e com coerência interna, externa e política, tem sido a melhor forma de se conseguir o desenvolvimento de um país, de uma região ou de uma localidade. O planejamento ou orientação, seja nos países socialistas, seja nos capitalistas, de forma continua ou em épocas diferenciadas e descontinuas marcadas pelas divergências paradigmáticas, foi ou é adotado, com alguma eficácia, para o objetivo a que se propôs com conteúdos de contradições políticas que diferenciam os modelos socioeconômicos. Miglioli(1983) afirma que a planificação ou planejamento, considerado no seu início exclusivamente de relevância em economias socialistas, iniciou-se na URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e passou a ser visto como um conjunto de procedimentos para se atingir determinados objetivos de economia política, mas, foi se estendendo às demais economias da Europa. Destaca que o processo de planejamento econômico se dá em fases, como o levantamento de dados, a análise da economia a planejar, a elaboração do plano em si e a sua implantação, consideradas as fases mais complexas. O plano, embora revestido de estatutos normativos, não é simplesmente um documento e deve manter as coerências internas, externas e políticas para estar economicamente adequado à realidade, além, de compreender a área de abrangência, o período de duração, modo de implantação, as variáveis dependentes ou independentes, bem como a estrutura jurídica pertinente ao instrumento formal. Nesta esteira, demonstrando o caráter processual do plano, Miglioli(1983) lembra o surgimento da planificação na URSS e a forma como foi desenvolvida, como ocorreu seu processo de elaboração e execução dos planos socioeconômicos, destacando a importância dos procedimentos técnicos utilizados. Para ele o planejamento econômico ou “modo de orientação da economia” é a adoção de um conjunto de medidas para realizar determinados objetivos econômicos e sociais que envolvem os sujeitos de forma democrática e política. Argumenta que, de certa forma, toda orientação econômica está focada na esfera macroeconômica, mas deixa claro que pode haver, também, orientação no sentido da esfera microeconômica e local mediante projetos. Com efeito, o modo de orientação da economia refere-se tanto à política econômica, quanto aos planos e aos programas socioeconômicos. Os planos e os programas são formas mais específicas de orientação, e para que sejam utilizadas é necessária uma política econômica organizada. Os economistas soviéticos consideram o plano como uma forma de orientação apropriada da economia socialista. No entanto, o programa seria também, mas, trata-se do principal modo de orientação adotado nas economias capitalistas, conforme Rossetti (1986). Nos países socialistas, até meados de 1940, não se imaginava que o planejamento de âmbito macroeconômico fosse possível em países capitalistas. O planejamento era definido como uma característica própria das economias socialistas, por isso era considerado como planificação da economia. Entretanto, a planificação deixou de ser vista como uma característica exclusiva das economias socialistas, para ser vista como um conjunto de procedimentos utilizáveis em qualquer economia para o alcance dos objetivos previamente fixados, por isso evoluiu para planejamento ou orientação, não obstante haja diferenças claras entre os sistemas socioeconômicos (socialista e capitalista) quanto ao processo de articulação e uso dos instrumentos de orientação econômica. O entendimento sobre planejamento econômico para o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD)2 é que o plano, o programa e o projeto se 2 Banco Mundial é uma instituição financeira internacional que fornece empréstimos para países em desenvolvimento em programas de capital. O Banco é composto por duas instituições: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e Associação Internacional de Desenvolvimento (AID). O Banco Mundial começou a partir da criação do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) nas Conferências de Bretton Woods, em 1944, junto com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Por acordo, a presidência das duas instituições é dividida entre a Europa e os Estados Unidos, sendo o Banco Mundial presidido por um norte-americano, enquanto o FMI é presidido por um europeu. diferenciam de acordo com a maior ou menor amplitude do campo econômico por ele abarcado. O planejamento, na concepção de Miglioli(1983), apresenta um conjunto de características comuns em qualquer economia: é voltado para o futuro, visa objetivos determinados, implica a existência de um sujeito, sugere a escolha de um caminho ou caminhos alternativos. As ações necessárias para atingir determinados objetivos apresentam uma sequência lógica e são compreendidas de modo organizado. O planejamento condiciona uma ampla diversidade de conhecimentos – os órgãos de planejamento, quando existem, são em maioria, constituídos de especialidades e articulação de diferentes áreas. Nesta esteira, um método de orientação da ação econômica tende a apresentar uma validez universal à medida que incide sobre um grupo ou caracteriza a economia de maneira integral em diferentes países, estados ou municípios. Entretanto, com relação aos aspectos sociológicos (trabalho com e entre grupos) do planejamento é impraticável a aplicação de métodos iguais de mobilização social para o desenvolvimento em sociedades que tenha diferentes padrões culturais, políticos, de valores e ideais. Migliolli(1983), refere-se a um trabalho de Oskar Lange sobre a economia política do socialismo, em que se apresenta uma classificação das leis econômicas com base no seu grau de generalidades: a) leis gerais para todos os sistemas sócio- econômicos; b) leis próprias de cada sistema econômico particular; c) leis comuns a alguns sistemas econômicos (venda de mercadorias por dinheiro); d) leis comuns a tipos particulares de superestrutura da economia (no capitalismo pode haver uma preponderância da livre concorrência ou uma preponderância da organização monopólica; no socialismo pode predominar a propriedade estatal ou a propriedade cooperativa dos meios de produção). Com relação aos países capitalistas, Milglioli(1983) destaca que o fim da Segunda Guerra criou condições favoráveis à adoção do planejamento. A reconstrução econômica dos países da Europa devastados pela guerra requeria a aplicação de recursos em setores estratégicos e o Plano Marshall3 constitui-se num estímulo ao planejamento, ao impor que os países beneficiários elaborassem um plano econômico de reconstrução. 3 O Plano Marshall, um aprofundamento da Doutrina Truman (Lei Americana de contenção para o avanço do socialismo no mundo), conhecido oficialmente como Programa de Recuperação Europeia, foi o principal plano dos Estados Unidos para a reconstrução dos países aliados da Europa nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial. A iniciativa recebeu o nome do Secretário de Estado dos Estados Unidos, George Marshall. A França saiu na frente no planejamento e a partir de 1960, os demais países europeus decidiram seguir este caminho. A implantação do planejamento econômico na França, país que contava com circunstâncias favoráveis, educacionais e, principalmente políticas, pode se afirmar, de certa forma, exitoso e coerente, por isso continua funcionando relativamente bem. Com efeito, a evolução dos seus planos, desde a elaboração, implantação e descrição de seus elementos básicos, pontua que o planejamento francês tem duas vantagens: a primeira que é participativo, pois engloba toda a sociedade, inclusive, a participação das empresas, o que o torna mais fácil de ser implantado e, a segunda, pois aceita com facilidade o lado indicativo da orientação. A metodologia francesa se sofisticou ao longo dos anos, uma vez que começou com uma simples junção de programas setoriais, incorporou novas técnicas quantitativas de elaboração até chegar ao modelo FIFI (Físico Financeiro) que projeta simultaneamente as variáveis físicas e monetárias. Dentre os países desenvolvidos, Miglioli(1983) destaca o Japão, que afirma ter promovido, assim como a França, um planejamento econômico prevendo a concentração de capital para aumentar a produtividade. Outros países da Europa ocidental como Noruega, Suécia, Holanda, Bélgica, Áustria, Itália e Inglaterra também adotaram o planejamento processual nesta perspectiva. Nos países subdesenvolvidos, segundo Migliolli(1983), os planos econômicos não passaram de documentos oficiais intitulados de planos, feitos sem qualquer pretensão de serem implantados, sem nenhum tipo de coerência no processo de elaboração. Para ele, esses são “pseudoplanos” com o objetivo de conseguir empréstimos de instituições financeiras internacionais e, uma vez adquiridos os recursos, tornavam-se “planejamento simbólico”. Porém, alguns países, nesta classificação, como a Índia, tentaram implantar efetivamente o planejamento, mas, não dispunha de pessoal técnico habilitado, recorrendo a técnicos estrangeiros, o que contribuía para o seu insucesso, além disso, a descontinuidade das etapas redundavam em tentativas aligeiradas e sem êxitos. Neste sentido, o principal problema do planejamento em países subdesenvolvidos não estava na sua elaboração, mas sim na sua implementação, principalmente devido à insuficiência de apoio governamental, falta de integração dos organismos de Estado e inadequação dos instrumentos de política econômica. Com isso, a orientação da ação econômica - seja planificação, planejamento, ou orientação democrática e educativa – tem se mostrado essencial para o desenvolvimento socioeconômico de um país, região ou município e apresenta um processo metodológico que tem evoluído, uma vez bem elaborados, coerentes e implantados de forma racional, mas, democrática e amplamente debatida, trará a sociedade ou comunidade relevantes resultados. 2. O OBJETIVO DO DESENVOLVIMENTO E SUA PERSPECTIVA LOCAL O objetivo do desenvolvimento econômico tornou-se, talvez, o principal elemento das orientações para as ações econômicas. Observa-se, no entanto, que a prática quase unânime das economias de mercado confunde desenvolvimento com a busca desenfreada pelo crescimento. Não raro, assistimos a líderes de países desenvolvidos ou em desenvolvimento discursando em favor do aumento do consumo, não importa o seu caráter se fugaz ou necessário. Parece ser relevante, apenas, aumentar Produto Interno Bruto, especialmente porque quase “tudo e todos” nessas economias estão de certa forma, indexados por ele. No tocante ao desenvolvimento local, observamos a criação de “ilhas de excelências”, normalmente em regiões metropolitanas dos grandes centros ou em regiões especializadas ou de aptidão agrícola, seguindo a mesma lógica do desenvolvimento tradicional, vinculado muito mais à ideia de crescimento do que desenvolvimento propriamente. Contraditoriamente, neste processo temos observado um movimento pelo desenvolvimento local solidário orientado por uma ação econômica mais específica, que se dá através de políticas públicas, mobilizadas por movimentos sociais através de outras dimensões como ambiental, cultural, educacional, política e social – não apenas, portanto, mercadológicas. Na maioria das vezes, são processos conduzidos pela economia popular e solidária, cuja ação, embora articulada a políticas de caráter nacional e de orientação macroeconômica, move-se e tem tido caráter eminentemente local e de atenção mais voltada para associações, cooperativas, incubadoras e grupos solidários, o que não deixa de ser um movimento de caráter microeconômico nas suas bases. Busca-se, com isso, dar mais ênfase aos projetos, ao desenvolvimento de ações a partir dos grandes planos, trabalham-se, assim, as especificidades que identificam as necessidades de cada fragmento social ou do poder público local, conforme Dowbor (1995). Lida-se, desta forma, com uma totalidade integrada, de “baixo para cima”, num caminho inverso ao processo econômico imposto pela globalização (especialmente) financeira, tendo em vista que o processo financeiro ou creditício, que sustenta o desenvolvimento local pela economia solidária, advém de fundos específico, próprios e, na maioria, locais ou regionais em dinâmicas de finanças solidárias. Com efeito, os recursos federais liberados através de editais ou demandas espontâneas, embora tenham alguma relevância nos processos de desenvolvimento de base local, não têm ajudado muito a este seguimento, pois os seus efeitos na ponta do processo socioeconômico tornam-se muito lentos (diferentemente, por exemplo, as das reduções e isenções de tributos para a grande indústria tradicional, de eficácia imediata). Quanto a evolução das discussões sobre desenvolvimento, de maneira geral este tem sido compreendido como um processo socioeconômico que qualifica os elementos que compõe a dinâmica socioprodutiva, dentro ou fora dela, uma vez que busca melhorar as condições de infraestrutura como estradas, escolas, equipamentos de saúde etc., para a própria ampliação e melhoramento dos processos sociais e produtivos agregados. Também atua sobre as condições da força de trabalho como formação, qualificação, informação, tecnologia, adequadas a cada tempo e processo, com isso, melhorando a vida do sujeito trabalhador considerando-se a dinâmica democrática do processo de orientação. Entretanto, “os desenvolvimentos” tem sido focados, de regra, não nos sujeitos, mas no processo produtivo sob a lógica do mercado. Observa-se que algumas categorias de desenvolvimento, agrupadas e pensadas a partir do conceito relacionado ao processo de produção capitalista que ao longo dos anos procura se afastar da dependência da relação com desenvolvimento das forças produtivas, conforme Furtado (1981) que remete a um vínculo essencial com o crescimento econômico pelo movimento exógeno de capital, ainda que no caso do desenvolvimento local solidário se encontrem bases para uma orientação contrahegemônica aos modelos de desenvolvimento predominantes, porque se articula numa ordem de “baixo para cima” em movimentos tanto endógenos quanto exógeno de investimentos integrados as dimensões de uma outra economia. Os modelos predominantes (crescimento, desenvolvimento tradicional, desenvolvimento local), entretanto, articulam-se de “cima para baixo”, numa clara imposição hierarquizada e orquestrada globalmente, da maior para a menor acumulação de capital, através de grandes planos de regra indicativos, orientados exclusivamente pelo movimento do capital em busca da maior lucratividade possibilitada pelos instrumentos indiretos (fiscal, cambial ou monetário). Com efeito, o processo de desenvolvimento sempre esteve ligado à lógica do modo de produção capitalista que classifica a evolução da economia numa ordem de setores (primário, o setor agrícola voltado para as atividades de extração primária dos insumos para elaboração; o setor secundário, como a indústria responsável para transformação dos insumos em bens elaborados; e, por fim, o setor terciário, como sendo o setor de serviços acompanhado de tecnologias, conhecimento científico, comércio, financeiro etc.). Queira ou não os setores secundários e terciários marcam o desenvolvimento nas economias dominantes e são amparados por uma estrutura de elevada tecnologia e mais simples de manutenção e “progresso”, relativamente, natural, potencializador da chamada “inovação tecnológica”. Esta lógica, mesmo ultrapassada e já tendo sido abandonada pelas teorias econômicas, hierarquiza e classifica as relações produtivas entre economias nacionais, regionais e locais e as coloca numa escala de poder de acordo com seu nível de acumulação de capital, o que estabelece distâncias e critérios praticamente impossíveis de serem alcançados por diversas nações/economias nos processos de busca de vantagens comparativas. Nesta esteira, faz-se necessária outra perspectiva de valorização das riquezas de cada nação/economia, que quebre esta ordem hierárquica a partir da institucionalização de outra lógica produtiva. Uma perspectiva que, por exemplo, faça com que um país bem posicionado mundialmente quanto às riquezas naturais (preservação da natureza), como é o caso do Brasil, ou de preservação histórico-cultural como é o caso da África – ambos os casos que na estrutura global da economia tradicional estão situados em um amplo setor primário (fadados ao baixo valor dos bens e do trabalho) – possam posiciona-se em outra escala de valores que transcenda a classificação por setores e possam colher créditos que recomponham suas relações e com isso revertam sua situação de pobreza. Nesta perspectiva, o conhecimento livre, os saberes, o conhecimento popular e a educação popular, os saberes locais, passam a assumir uma posição com sentido específico para outra realidade que prefira uma economia voltada para a reprodução da vida e satisfação das necessidades, que não despendam esforços com a produção fugaz. Nesta situação, a informalidade, bem como os “grande setores primários” e “ambientes históricos” que permeiam todos os setores da economia tradicional passam a representar um potencial organizativo para uma economia em outra perspectiva: a economia popular e solidária, cuja dinâmica organizativa politica e educativa pode conduzi-las aos parâmetros de uma outra economia. 2.1 O DESENVOLVIMENTO LOCAL ECONOMIA POPULAR E SOLIDÁRIA SOLIDÁRIO ENTRELAÇADO À A Economia Popular e Solidária, apesar das dimensões que ocupa e do contingente potencial de trabalhadores que pode atingir, ainda é uma economia considerada periférica, tendo em vista a sua dinâmica que emerge de reações adversas às imposições do neoliberalismo globalizante. Além disso, as características ou traços referentes aos laços de pertencimento, culturais, geográficos, políticos, educacionais, de demandas às políticas públicas específicas etc., favorecem o movimento contrahegemônico pelo desenvolvimento local solidário em detrimento do desenvolvimento tradicional. Na perspectiva de Singer (2002), outras tipologias como cooperativas, associações, empresas recuperadas, grupos informais permitem gestões mais democráticas e solidárias capazes de abrigar trabalhadores fora do mercado formal de trabalho, mas, situados nas diversas dimensões de atuação humana, por isso necessitam de investimento público para organizá-los. Ressaltamos que estes trabalhadores pagam o preço pelo endividamento público da estrutura produtiva vigente, mas, não são responsáveis pelo déficit público existente, ou despendido no quadro infraestrutural da economia tradicional. Ressalte-se, ainda, que o desenvolvimento local solidário não tem potencializado o déficit público, o desequilíbrio fiscal, nem o endividamento público, até porque as condições orçamentárias dos municípios ou localidades, especialmente no Brasil, não permitem e, além disso, o controle normativo e regulatório sobre o endividamento está de certa forma sobre o poder da União ou dos Estados. Esta forma de desenvolvimento solidário, na compreensão de Lima (2011) se contrapõe à ordem imposta pelo crescimento econômico tradicional permeado de grande endividamento e inversão de capital, que não beneficia toda população, mas, um pequeno grupo, como, aliás, tem sido a construção de riquezas em vários lugares do mundo. Segundo Santos (2005), a localidade não compreende apenas um espaço físico de delimitações geográficas, mas, elementos que se articulam para a formação política do sujeito na sua integralidade com o meio, propiciando-lhe condições de agir de forma contra-hegemônica ao modelo de globalização neoliberal, na perspectiva do processo de desenvolvimento humano. Para Teixeira (2001), embora o desenvolvimento local esteja inteiramente relacionado ao desempenho político do poder público local, ele não se dá “por decreto”, constrói-se com os cidadãos. Não depende somente da combinação de recursos e fatores de produção, mas, também, de fazer aflorar e viabilizar recursos e capacidades diversas. Significa dizer que não há localidades previamente condenadas à pobreza ou ao desprezo, mas, espaços sem projetos de desenvolvimento ou orientação de uma ação socioeconômica eficaz. Para Miglioli(1983), a orientação econômica, bem como seus resultados, estão diretamente relacionados à sensibilidade do planejador e pode ser demonstrada nas coerências internas e externas dos planos, programas ou projetos constituídos com bases nos instrumentos de orientação econômica diretos ou indiretos. Desta forma, o poder público, seja oferecendo, seja negando apoio, de alguma forma interfere na orientação econômica de determinada localidade ou sociedade. A produção e a comercialização de bens primários como alimentos, por exemplo, entre tantas outras atividades de mesmo grau, tem demonstrado ser um dos seguimentos da economia mais promissores e com características de respostas mais rápida aos investimentos, constituindo-se, portanto, em elemento fundamental para implantação de políticas de fortalecimento da economia, principalmente, em nível local, capazes de influenciar, decisivamente, no aumento da produtividade e condições que viabilizam menores custos, preços justos e consumo consciente, facilitando, então, conforme argumenta Mance (2004) a evolução das redes o desenvolvimento local. CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho ora apresentado aponta algumas inferências no sentido da coerência e integralidade do conjunto de ações que pode dinamizar o poder local ou o movimento da economia popular e solidária, para uma orientação da ação econômica local. Esta economia é pensada a partir de diversas dimensões da vida humana – social, cultural, ambiental, política e educacional, e, com isso, move-se através de uma orientação econômica mais ampla e flexível com base nos projetos que se caracterizam, conforme observado neste estudo, pelo aspecto da especificidade e da amplitude local. Possibilita- se, desta forma, uma fuga oportuna das armadilhas para a exclusividade do movimento das leis de mercado gerais. Nesta esteira, estão ações como o orçamento participativo, as compras públicas locais, as cooperativas de trabalhos e produção. Os projetos que, conforme observado, são parte integrante do processo de planejamento, constituem-se em políticas públicas orientadas e atingem as esferas microeconômicas, na medida em que lidam com unidades de cooperação, associações, grupos informais e sujeitos que fazem um consumo consciente e solidário. Com efeito, o envolvimento do cidadão, atrelado à possibilidade de mobilização do poder público local, propiciando uma articulação integrada de coerências, tornam-se elementos estruturantes da ação contra-hegemônica para o enfrentamento dos grandes planos verticalizados e de natureza indicativa, dinamizados, essencialmente, por uma pressão privada por parte de grupos econômicos de origem externa ou de fora do circuito (monopólios e oligopólios externos). Portanto, verifica-se que a ação econômica orientada pela dinâmica da economia popular e solidária torna-se uma estratégia política de coerência interna e externa para o desenvolvimento local solidário, desde que envolva o sujeito no processo de orientação através de mecanismos conduzidos por instrumentos diretos, especialmente, mas, sem desconsiderar os impactos dos indiretos de uma produção associada. REFERÊNCIAS DOWBOR, Ladislau. O que é Poder Local? São Paulo: Brasiliense, 1995. FURTADO, Celso. O Mito do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. LIMA, J. R. O., SILVA, J. M. L da.A EFICIÊNCIA DA POLÍTICA MONETÁRIA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO INDICATIVO DE ORIENTAÇÃO ECONÔMICA NO PERÍODO DE 1994 A 2002. Sitientibus (UEFS). , v.01, p.p. 209226 - 226, 2011. MANCE, Euclides André. Fome Zero e Economia Solidária – O Desenvolvimento Sustentável e a Transformação Estrutural do Brasil. Brasília: DF, 2004. Disponível para acesso livre em http://www.solidarius.com.br/mance/biblioteca/fomezero.pdf. MIGLIOLI, Jorge. Introdução ao Planejamento Econômico. São Paulo: Brasiliense, 1983. ROSSETTI, J. Paschoal. Política e programação econômicas. 7 ed. São Paulo: Atlas, 1986. SANTOS, Boaventura S. (org.). Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p.82-129. SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. 1 ed. São Paulo: Perseu Abramo, 2002. TEIXEIRA, E. C. O local e o global: limites e desafios da participação cidadã. São Paulo: Cortez; Recife: EQUIP; Salvador: UFBA, 2001. TIRIBA, L. V. (2001) Economia popular e cultura do trabalho: pedagogia (s) da produção associada. Ijuí: Unijuí.