Rev Bras Cardiol Invas 2005; 13(2): 77-84. Simões LC, et al. Valvoplastia Pulmonar e Aórtica com Balão: do Recém-Nascido ao Adulto Jovem. Rev Bras Cardiol Invas 2005; 13(2): 77-84. Artigo de Revisão Valvoplastia Pulmonar e Aórtica com Balão: do Recém-Nascido ao Adulto Jovem Luiz Carlos Simões1, Flávio Neves1, José Geraldo Athayde1, Francisco Alvin L. Lopes1, Paulo Sérgio Oliveira2 RESUMO SUMMARY Nas últimas décadas, a dilatação com cateter-balão foi reconhecida como técnica segura e efetiva para o tratamento das lesões estenóticas congênitas da valva pulmonar e aórtica. Por ser um procedimento menos invasivo que a cirurgia, é considerado como de eleição para o tratamento da estenose congênita da valva pulmonar, em todas as idades e para paliar inicialmente a estenose da valva aórtica congênita não calcificada em neonatos, lactentes, escolares, adolescentes e adultos jovens. Neste trabalho, revisamos as técnicas atuais utilizadas na valvoplastia pulmonar e aórtica nas diferentes idades, como também a evolução pós-procedimento (imediata e tardia) da aplicação desta modalidade de tratamento. Pulmonary and Aortic Balloon Valvoplasty: from Neonates to Young Adults Balloon dilatation has been used safely and effectively in patients with congenital aortic and pulmonary stenosis in the past decades. Due to its less invasive nature, it is generally considered the method of choice for treatment of congenital pulmonary valve stenosis in all ages and for initial palliation in non-calcific congenital aortic stenosis in neonates, children, and young adults. In this paper, we review the most recent techniques currently in use for pulmonary and aortic valvoplasty at different age levels, as well as post-procedure follow-up (immediate and late) of this kind of treatment. DESCRITORES: Estenose da valva pulmonar, congênito. Estenose da valva aórtica, congênito. Cardiopatias congênitas. Dilatação com balão. DESCRIPTORS: Pulmonary valve stenosis, congenital. Aortic valve stenosis, congenital. Heart defects, congenital. Balloon dilatation. E Entretanto, poucos anos após a publicação de Brock, uma técnica não cirúrgica foi descrita por Rubio-Alvarez et al.4, na qual a valvotomia pulmonar foi realizada por procedimento intervencionista hemodinâmico. m novembro de 1944, Alfred Blalock anastomosou, a pedido de Hellen Taussig, a artéria subclávia esquerda à artéria pulmonar, modificando a vida de uma criança com cianose importante e portadora de tetralogia de Fallot1. A cirurgia de Blalock-Taussig, como passou a ser chamada, logo teve aceitação universal. No ano seguinte, Crayfoord e Nylin2 realizaram com sucesso a correção da coarctação da aorta por anastomose término-terminal e Sir Russell Brock3, em 1948, realizou o primeiro tratamento cirúrgico da estenose pulmonar, tornando convencional, desde então, a aplicação de técnicas cirúrgicas aos pacientes que necessitem paliação ou correção definitiva para as cardiopatias congênitas. 1 Serviço de Cardiologia da Criança e do Adolescente. Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras MS, Rio de Janeiro, RJ. 2 Serviço de Hemodinâmica Intervencionista. Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras MS, Rio de Janeiro, RJ. Correspondência: Luiz Carlos N. Simões. Serviço de Cardiologia da Criança e do Adolescente. Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras MS. Rua das Laranjeiras, 374 - 4º andar. Laranjeiras. Rio de Janeiro, RJ - E-mail: [email protected] Recebido em: 31/01/2006 • Aceito em: 05/02/2006 Apesar desta inovação tecnológica descrita em 1953, somente em 1982 é que trabalhos experimentais com cateter-balão levaram ao reinício do tratamento da valva pulmonar por técnicas hemodinâmicas5. Desde então e principalmente nas últimas duas décadas, o tratamento por catéteres desenvolveu-se de forma extraordinária e, hoje, as técnicas hemodinâmicas são utilizadas de rotina para tratamento de vários defeitos cardíacos congênitos. Várias destas técnicas tornaram-se universalmente aceitas, enquanto outras permanecem controversas. Hoje, três tipos principais de tratamentos por catéteres podem ser realizados no laboratório de hemodinâmica no tratamento de defeitos congênitos – dilatação de valvas, vasos e do septo atrial (valvoplastias, angioplastias e atriosseptostomia), procedimentos de oclusão (vasos e defeitos septais cardíacos) e tratamento de arritmias (ablação). 77 LuizCarlos.p65 77 19/4/2006, 13:38 Simões LC, et al. Valvoplastia Pulmonar e Aórtica com Balão: do Recém-Nascido ao Adulto Jovem. Rev Bras Cardiol Invas 2005; 13(2): 77-84. Em alguns defeitos congênitos, como a estenose valvar pulmonar, as técnicas hemodinâmicas, atualmente, são reconhecidas como o tratamento de eleição e substituíram a cirurgia, enquanto em outras, como a estenose valvar aórtica congênita, o papel do tratamento por técnicas hemodinâmicas continua em debate. Os balões montados em catéteres são constituídos de envelopes colapsáveis, não distensíveis, além de possuírem geometria e dimensão predeterminadas, de modo que quando inflados exercem uma força externa contra as estruturas que se contrapõem à sua expansão. A insuflação do balão produz uma injúria limitada na estrutura a ser dilatada e a esta pode se somar também à lesão adicional decorrente da movimentação do balão, causada pela sístole ventricular durante a insuflação. Esta movimentação do balão inflado, deslocandoo do local a ser dilatado, pode resultar em insucesso do procedimento e causar lesões não desejáveis a estruturas dos folhetos valvares, à íntima dos vasos e ao músculo cardíaco. A injúria miocárdica pode resultar da contração do ventrículo contra o balão inflado ou mesmo de trauma do balão contra a parede ventricular. VALVOPLASTIA PULMONAR Desde o primeiro relato da valvoplastia com balão na estenose congênita da valva pulmonar por Kan et al.5, uma extensa experiência mundial foi demonstrada no tratamento da valva pulmonar estenótica por técnicas hemodinâmicas6-11. Embora se tenham mantido os conceitos básicos da valvoplastia com balão na estenose pulmonar desde seu primeiro relato, refinamentos existiram pela experiência acumulada, melhoria do material e dos equipamentos utilizados. Na cardiologia pediátrica moderna, a morfologia valvar pode ser feita pela ecocardiografia e a gravidade da estenose calculada pela técnica Doppler. Em qualquer idade, uma pressão ventricular direita que exceda a 60 mmHg e um gradiente valvar pulmonar maior de 35 mmHg é aceito para que a valvoplastia pulmonar seja indicada12. Nos neonatos e lactentes pequenos, nos quais a pressão arterial sistêmica encontra-se em torno de 60 a 70 mmHg, é indicação da valvoplastia a pressão ventricular direita em torno de 60-70% da pressão arterial sistêmica e/ou presença de hipoxemia no período neonatal dependente da permeabilidade ductal e, em lactentes ou escolares, a presença de hipoxemia por shunt a nível atrial. O procedimento inicia-se com o registro da pressão sistólica do ventrículo direito e sua relação com a pressão sistêmica. O gradiente hemodinâmico entre o ventrículo di- reito e a artéria pulmonar principal confirma a indicação da valvoplastia, mas não é relevante nos neonatos com estenose pulmonar ducto-dependente, ou mesmo nos lactentes com estenose pulmonar importante e hipoxemia por shunt a nível atrial. A dimensão do anel pulmonar é obtida após a ventriculografia direita na projeção em perfil esquerdo (Figura 1) e serve de base para escolha do balão que é calculado 20 a 30% maior que a medida do anel pulmonar. Após a confirmação das pressões e realização da ventriculografia direita, um cateter-balão de furo terminal é selecionado para ultrapassarmos, com auxílio de uma guia, a valva pulmonar estenótica. Esta utilização do cateter-balão evita a passagem do cateter entre as cordoalhas da valva tricúspide. Após cruzarmos a valva pulmonar estenótica com a guia, a posicionamos de forma estável em uma artéria pulmonar distal, preferivelmente em uma artéria distal no lóbulo inferior do pulmão esquerdo. Os modernos balões de valvoplastia de baixo perfil são introduzidos através da bainha, evitando-se o trauma direto do balão sobre a veia utilizada. O balão é, então, posicionado centralmente na lesão estenótica e insuflado com contraste diluído (3/4 de soro fisiológico para 1/4 de contraste), dentro de limites de pressão recomendados pelo fabricante. O ciclos de insuflação e de esvaziamento do balão devem ser mantidos por menos de 10 a 20 segundos, o que normalmente mantém a estabilidade hemodinâmica. Com insuflação máxima do balão, a constrição central do mesmo desaparece e este será por si só um dado para que uma adequada dilatação com balão seja considerada (Figura 2). Se o balão está corretamente posicionado, uma só insuflação é suficiente, mas ocasionalmente três ou quatro podem ser necessárias para conseguir-se o posicionamento correto do mesmo. O cateter-balão é, então, retirado, mantendo-se a guia posicionada. O cateter diagnóstico é reintroduzido e posicionado após a valva dilatada, quando a guia é retirada e novo registro de pressões realizado. Este registro também pode ser feito mantendo-se a guia e utilizando o cateter Multi-Track (Numed), ou com o cateter de “Gensini“. A ventriculografia direita ao final do procedimento, usualmente, não é necessária porque, geralmente, não traz informações adicionais. Este procedimento é tecnicamente muito mais difícil no neonato com estenose valvar crítica ducto-dependente e, nestes casos, uma guia rígida com extremidade macia 0,014 ou 0,018 é utilizada para cruzar a valva gravemente estenótica. Algumas vezes, para maior estabilidade, a guia deve ser posicionada na aorta descendente via ducto arterioso. Os catéteres-balão devem ter o menor perfil para cada caso e a dilatação ser realizada com balões de tamanhos progressivos (Figura 1). No outro extremo, em adolescentes e adultos 78 LuizCarlos.p65 78 19/4/2006, 13:38 Simões LC, et al. Valvoplastia Pulmonar e Aórtica com Balão: do Recém-Nascido ao Adulto Jovem. Rev Bras Cardiol Invas 2005; 13(2): 77-84. A B D E C F Figura 1 - Valvoplastia pulmonar em recém-nascido com estenose pulmonar crítica. A: Ventriculografia direita, em perfil esquerdo. Observe o pequeno jato de contraste demonstrativo da gravidade da lesão estenótica pulmonar e as dimensões do anel pulmonar (setas). B: A guia 0,014 é posicionada em porção distal da artéria pulmonar esquerda. C, D, E: Balões progressivos dilatam a valva pulmonar até atingirmos a relação aproximada, calculada a partir das dimensões do anel pulmonar obtido na ventriculografia direita. f – Ventriculografia direita pósvalvoplastia. Observe que, apesar da reação infundibular pós-valvoplastia, a artéria pulmonar contrasta-se por um jato largo de contraste. jovens com valvas com grandes anéis, dois balões lado a lado têm sido utilizados, sendo cada um deles introduzido através de uma veia femoral (Figura 2). Com estas técnicas ou similares, muitos grupos reportam sucesso considerável no tratamento da estenose valvar pulmonar. A freqüência de complicações com o procedimento é baixa e inversamente relacionada com a idade e incluem sangramento, arritmias durante o procedimento, ruptura de vasos pulmonares, reação infundibular pósdilatação, lesão da valva tricúspide e, raramente, óbito. Nos pacientes nos quais o primeiro procedimento não obteve sucesso por completo ou ocorreu um novo aumento do gradiente, uma segunda valvoplastia com balão pode ser necessária. Entretanto, se a valva pulmonar é displásica a cirurgia poderá tornar-se a opção terapêutica. Com sucesso, na valvoplastia com balão, observamos uma sustentada queda do gradiente nas revisões ambulatoriais. Em alguns casos, devido à presença da reação infundibular imediatamente após valvoplastia, a queda da pressão no ventrículo direito não é a desejada inicialmente e o gradiente final com a artéria pulmonar somente será observado após alguns meses, com a diminuição da reatividade do infundíbulo13. Nos neonatos, a dilatação com balão é efetiva em cerca de 70% dos casos e, destes, 2/3 não necessitam de uma segunda intervenção. Quando a estenose pulmonar é tratada por técnicas hemodinâmicas, um sopro diastólico pulmonar proto pode ser ouvido, mas uma regurgitação pulmonar significativa, com evidência de sobrecarga volumétrica do ventrículo direito ao ecocardiograma, tende a não ocorrer. Falhas individuais na efetividade do procedimento existem, mas geralmente são dependentes da utilização de pequenos balões, de valvas displásicas e, no neonato, devido a uma morfologia do ventrículo direito pouco favorável. Hoje, com os catéteres de baixo perfil e com variedade nas dimensões e comprimento do balão é possível utilizarmos o cateter-balão adequado em cada caso. Ocasionalmente, em adolescentes e adultos jovens com grandes anéis (principalmente em anéis acima 79 LuizCarlos.p65 79 19/4/2006, 13:38 Simões LC, et al. Valvoplastia Pulmonar e Aórtica com Balão: do Recém-Nascido ao Adulto Jovem. Rev Bras Cardiol Invas 2005; 13(2): 77-84. A B Figura 2 - A: Valvoplastia pulmonar com a técnica de balão único, em perfil esquerdo. B: Valvoplastia pulmonar com a técnica de duplo balão, em perfil esquerdo. de 20 mm), é impossível atingir o tamanho do anel com um único balão. Dois balões devem ser utilizados lado a lado, sobre guias separadas, e para encontrarmos o tamanho necessário para a valvoplastia efetiva, estes são escolhidos de acordo com a Tabela 114. O comprimento do balão selecionado normalmente é de 1,5 a 2,0 cm em neonatos e lactentes abaixo de 3 meses, de 3,0 cm para criança até 10 anos e de 4,0 cm para adolescentes e adultos jovens. Balões acima de 5,0 cm de comprimento podem lesionar a valva tricúspide durante sua insuflação e, se utilizados, devem estar corretamente posicionados. Quando o comprimento do balão utilizado é pequeno, ele tende a não permanecer estável durante a insuflação. É freqüente a valvoplastia com balão não ser efeti- TABELA 1 Valvoplastia pulmonar com cateter-balão Emprego de duplo balão Diâmetro do balão (mm) 12 15 18 20 12 Diâmetro do balão (mm) 15 18 20 19,6 22,1 24,8 26,5 22,1 24,6 27,1 28,8 24,8 27,1 29,5 31,1 26,5 28,8 31,1 32,7 Esta tabela mostra como determinar o diâmetro adequado com o emprego de duplo balão. Assim, dois balões 12 perfazem um diâmetro de 19,6 mm, dois balões de 15 de 24,6 mm, etc. (Adaptado de Fontes VF et al.14). va quando a valva pulmonar é displásica. Estas valvas têm as cúspides grosseiramente espessadas e redundantes, o que faz com que o espaço valvar seja ocupado pelo tecido mucóide dos folhetos valvares. Muitas delas têm também um anel pulmonar menor que o esperado, o que constitui um fator adicional de restrição à sístole ventricular direita. Este tipo de valva geralmente não responde efetivamente à valvoplastia com balão e, embora alguma redução do gradiente possa ocorrer no procedimento hemodinâmico, um tratamento efetivo somente ocorre com a excisão cirúrgica de parte do tecido valvar e/ou ampliação do anel pulmonar com retalho15. O objetivo da valvoplastia com balão é, após o procedimento, observarmos ausência de hipertensão ventricular direita e regurgitação pulmonar de grau leve. VALVOPLASTIA AÓRTICA Se não existem questionamentos na escolha da valvoplastia com balão como procedimento inicial e de eleição para o tratamento da estenose pulmonar, o mesmo não se aplica ao tratamento da valva aórtica congênita. Todos os tratamentos para as lesões estenóticas congênitas da valva aórtica são paliativos e a troca valvar será necessária na grande maioria dos pacientes, existindo, assim, vantagens quando a cirurgia é realizada mais tardiamente. A valvoplastia aórtica com balão surgiu nas últimas duas décadas como o procedimento de escolha em diversos centros para o tratamento da estenose aórtica 80 LuizCarlos.p65 80 19/4/2006, 13:38 Simões LC, et al. Valvoplastia Pulmonar e Aórtica com Balão: do Recém-Nascido ao Adulto Jovem. Rev Bras Cardiol Invas 2005; 13(2): 77-84. congênita isolada16-20. Entre as justificativas para a dilatação com balão, substituindo a valvotomia cirúrgica, devemos considerar que se evita o procedimento cirúrgico, tem-se uma taxa de mortalidade mais baixa que a cirúrgica, nos neonatos e uma incidência comparável de insuficiência ou estenose aórtica no seguimento tardio, quando comparamos o procedimento hemodinâmico ao cirúrgico. A valvotomia cirúrgica em crianças é considerada como taxa de sucesso estar livre de uma reoperação entre 80 e 90% dos casos, em 10 anos21,22. Uma cirurgia sobre a valva aórtica é necessária, anualmente, em 5 a 7% dos pacientes após a valvoplastia aórtica com balão23. A necessidade para operação não parece estar relacionada à idade da valvoplastia com balão, e a insuficiência aórtica predomina sobre a estenose como indicação para a cirurgia. O reparo valvar pode ser possível em muitos pacientes pós-valvoplastia com balão, com resultados intermediários bons, retardando a necessidade da indicação da prótese aórtica24. Os princípios básicos da valvoplastia aórtica são similares aos utilizados para a estenose valvar pulmonar, mas existem algumas importantes diferenças técnicas entre os dois procedimentos. Em muitos casos, sondar o ventrículo esquerdo desde a aorta através da valva aórtica congenitamente malformada requer destreza e paciência. Múltiplas manobras podem ser necessárias com utilização de variados desenhos de catéteres e o cateter de Amplatzer com curva para artéria coronária direita destaca-se como útil, em nossa experiência, para cruzar a valva aórtica estenótica. O balão utilizado deve ser mais longo, o guia extra-rígido, estabilizado com alças na cavidade ventricular esquerda e a insuflação/esvaziamento do balão ser mais rápida (Figura 3). A seleção do balão não deve ser maior que 0,9 do anel da valva aórtica, A medido ao nível da fixação dos folhetos da valva aórtica com os seios aórticos, aspecto considerado um dos fundamentos para se evitar a complicação mais freqüente – a insuficiência aórtica decorrente da avulsão das cúspides aórticas e/ou ruptura da íntima da aorta ao nível do anel25. Na valvoplastia aórtica com balão, a contração cardíaca causa, com freqüência, movimentação do balão após este ser inflado, deslocando-o do local da estenose que, se excessivo, pode resultar em insucesso do procedimento. Além disso, a movimentação do balão durante sua insuflação máxima pode causar lesões a estruturas como os folhetos valvares, íntima dos vasos e ao músculo cardíaco. A injúria miocárdica direta pode resultar da contração ventricular contra o balão inflado, ou mesmo de trauma do balão contra a parede ventricular. Modificações técnicas, como o uso de guias de troca extra-rígidas ou o uso de dois balões lado a lado, ajudaram a superar, mas somente parcialmente, estas questões. Com freqüência, apesar do balão longo e das alças da guia dentro do ventrículo esquerdo, o cateter-balão se movimenta em direção ao ápice do ventrículo e, principalmente, para a aorta ascendente, sendo ejetado para fora do ventrículo esquerdo. Esta movimentação do cateter deve ser evitada, pois ao movimentar-se em direção ao ápice do ventrículo esquerdo pode traumatizar a parede ventricular e mesmo perfurá-la. Quando este movimento, que é vigoroso, expulsa o balão em direção à aorta ascendente, pode lesionar excessivamente as cúspides (por avulsão de parte da cúspide) e provocar graus mais significativos de regurgitação aórtica, além de poder causar trauma na parede da aorta e resultar em dissecção da íntima, ou mesmo ruptura do anel aórtico, com enfraquecimento de toda a estrutura da valva aórtica. Este enfraquecimento da estrutura valvar pode justificar a necessidade da intervenção cirúrgica B C Figura 3 - Valvoplastia aórtica em escolar com estenose aórtica valvar. A: Aortografia em aorta ascendente, demonstrando o espessamento das cúspides da valva aórtica e a restrição da abertura sistólica. B: Observe a dilatação total do balão e praticamente inexistência de constrição no balão causado pela valva estenótica. O balão é longo para estabilização sobre o anel valvar aórtico. C: Aortografia pós-valvoplastia, demonstrando a ausência de regurgitação valvar aórtica e maior excursão sistólica da valva aórtica, o que demonstra melhora da fusão intercomissural. 81 LuizCarlos.p65 81 19/4/2006, 13:38 Simões LC, et al. Valvoplastia Pulmonar e Aórtica com Balão: do Recém-Nascido ao Adulto Jovem. Rev Bras Cardiol Invas 2005; 13(2): 77-84. tardia por regurgitação aórtica progressiva e importante, descrita em algumas séries como a de Hawkins et al.26, em que a insuficiência aórtica foi a principal indicação para a cirurgia em pacientes submetidos à valvoplastia aórtica com balão e o tempo decorrido desde a intervenção hemodinâmica e a cirurgia foi tardio (quatro anos). O comprimento do balão deve ser de 1,5 a 2,0cm para neonatos, 3,0 cm, para lactentes entre 1 e 3 anos, 4,0 cm, para escolares de 4 a 12 anos e de 5,0 cm, para adolescentes e adultos jovens. Para evitar a movimentação excessiva do balão durante a insuflação/esvaziamento do mesmo, várias técnicas têm sido utilizadas. O uso da adenosina27 leva à assistolia transitória, permitindo a estabilidade do balão. Esta estabilidade pode também ocorrer após um significativo aumento da freqüência cardíaca, com o estímulo de marcapasso provisório implantado em ventrículo direito28-31. Nesta técnica, a pressão sistêmica é monitorada e o aumento da freqüência cardíaca é iniciado com o estímulo do marca-passo, até que se obtenha uma queda da pressão sistêmica (cerca de 50% da pressão sistêmica inicial). Muitos fatores podem determinar a freqüência do marca-passo para queda da pressão necessária para estabilização do balão durante a valvoplastia, incluindo idade, gravidade da estenose aórtica, função ventricular esquerda e outras lesões cardiovasculares. Com o aumento da freqüência cardíaca, temos um menor volume de enchimento diastólico do ventrículo esquerdo, com conseqüente queda do volume sistólico e diminuição da pressão arterial. O menor tempo de sístole e o menor volume sistólico permitem maior estabilidade do balão no anel aórtico durante a valvoplastia. As indicações para dilatação com balão na estenose aórtica não são tão definidas como na estenose pulmonar. Um gradiente de pressão transvalvar durante o cateterismo acima de 50 mmHg em pacientes acima de um ano de idade é indicativo para a intervenção. Nos pacientes abaixo de um ano e principalmente nos neonatos, as indicações são ainda menos precisas. Neste grupo, a disfunção ventricular esquerda poderá resultar em menor pressão ventricular sistólica e, conseqüentemente, em menor gradiente transvalvar aórtico, apesar de uma estenose aórtica importante. Desta forma, o tratamento é indicado nos neonatos e lactentes menores de um ano quando sintomáticos, mesmo quando o gradiente transvalvar à ecocardiografia Doppler ou hemodinâmico não justificar o procedimento, devese considerar também a inexistência de outra causa não anatômica para a disfunção do ventrículo esquerdo, além da estenose valvar aórtica. A maior contraindicação para o procedimento é a presença de regurgitação de moderada a importante. Desde os primeiros relatos de Lababidi, a dilatação com balão se tornou técnica considerada efetiva para reduzir o gradiente através da valva aórtica. Os resultados iniciais com a valvoplastia aórtica com balão são bons, com 40 a 60% da redução do gradiente e uma incidência imediata e tardia de insuficiência aórtica entre 10-41% dos casos, mas considerada importante em menos de 5% dos casos no seguimento imediato. Estes resultados são comparáveis àqueles encontrados pela valvotomia cirúrgica. O procedimento da dilatação com balão da valva aórtica é causa de complicações que são, como na valvoplastia pulmonar, inversamente relacionadas à idade (e esta se relaciona com a gravidade da estenose aórtica). Estas incluem perfuração miocárdica, lesão da valva mitral, regurgitação aórtica importante, injúrias significativas da artéria ilíaca ou femoral e óbito. A regurgitação aórtica importante ocorre infreqüentemente como descrito anteriormente e é, geralmente, relacionada ao uso de balões maiores que o indicado ou sua movimentação excessiva. Enquanto as complicações são aceitáveis nas crianças maiores, a dilatação com balão é associada a riscos maiores e complicações nos neonatos com estenose aórtica crítica. Nos lactentes maiores, escolares e adolescentes, não existe mortalidade relacionada ao procedimento. Os diferentes resultados com respeito à queda do gradiente e ao progresso da regurgitação aórtica após a valvoplastia com balão estão mais provavelmente relacionados à morfologia da valva32. Nos neonatos e lactentes menores, a valva aórtica estenótica tende a ser dismórfica, espessada e mixomatosa. A fusão entre as comissuras pode tornar a valva com aspecto unicomissural (Figura 4). Nas crianças maiores, a estenose aórtica está menos relacionada ao dismorfismo e ao espessamento valvar, estando mais associada à fusão entre as comissuras. Freqüentemente, além do aspecto da valva, outros principais determinantes do resultado são as dimensões e função do ventrículo esquerdo e a presença de outras doenças obstrutivas do coração esquerdo. Rhodes et al.33 desenvolveram um índice de risco com dados ecocardiográficos pré-cateterismo, baseado em três valores: eixo longo do ventrículo esquerdo quando comparado com o eixo longo do coração (0,8 ou menor), diâmetro do anel aórtico (3,5 cm/m2 ou menor) e área da valva mitral (4,75 cm2/m2 ou menor). Nos pacientes com dois ou mais fatores de risco, a mortalidade com a valvotomia cirúrgica ou por balão encontra-se entre 88 e 100%34. O atual perfil dos catéteres-balão e novas metodologias como o procedimento por via anterógrada, utilizando a veia femoral ou por via retrógrada, usando a artéria carótida, aumentaram as chances do sucesso do procedimento e reduziram a freqüência das lesões vasculares. 82 LuizCarlos.p65 82 19/4/2006, 13:38 Simões LC, et al. Valvoplastia Pulmonar e Aórtica com Balão: do Recém-Nascido ao Adulto Jovem. Rev Bras Cardiol Invas 2005; 13(2): 77-84. A B C Figura 4 - Estenose aórtica crítica do recém-nascido com procedimento realizado através da artéria carótida direita. A: Aortografia em posição ânteroposterior, demonstrando a mínima abertura da valva aórtica (aspecto unicomissural). B: O balão posicionado ao nível da valva aórtica e a pequena incisura no balão durante a insuflação. C: Aortografia pós-aortoplastia com aumento da área de abertura valvar e sem regurgitação aórtica. Nos neonatos, uma porcentagem maior desenvolve reestenose aórtica importante, o que pode justificar adicional dilatação com balão ou cirurgia, quando comparados com lactentes maiores ou escolares. O grau de regurgitação está relacionado, como anteriormente descrito, às dimensões do balão utilizado e à estabilidade do mesmo no anel aórtico, no momento da dilatação. Sholler et al.16 demonstraram que uma insuficiência de moderada a importante ocorreu em 21% quando a relação balão/anel foi maior que 1,0 comparado a 11% com o mesmo grau de regurgitação quando uma relação menor de 1,0 foi utilizada. Recentemente, Balmer et al.35 apresentaram série de pacientes em que a troca valvar por insuficiência aórtica importante e progressiva ocorreu em 10% dos casos (7 de 70), nos quais o uso de balões com 100% do diâmetro aórtico não preveniu a regurgitação aórtica. Estes mesmos autores enfatizam que se considerando que a valvotomia cirúrgica na estenose aórtica crítica neonatal tem apresentado bons resultados, com diminuição da mortalidade nos recentes anos, estudos randomizados comparando a cirurgia com a valvotomia com balão seriam de grande importância para contrapormos as duas técnicas. Como observamos, a dilatação com balão da valva aórtica tem sido questionada pelas complicações associadas ao procedimento, como a injúria da artéria femoral e a perfuração ou avulsão das cúspides aórticas, com insuficiência aórtica progressiva e importante. Uma vez mais, os avanços tecnológicos com o emprego dos catéteres-balão de baixo perfil, as guias extra-rígidas com extremidade macia, o uso anterógrado por veia femoral ou retrógrado pela artéria carótida e medidas para estabilizar o balão durante a insuflação (adenosina ou marca-passo), podem reduzir estas complicações e resultar em um procedimento mais aceitável. Autores como Magee et al.36 compararam a dilatação com balão da valva aórtica utilizando a técnica anterógrada (veia femoral) e retrógrada (artéria femoral) e concluíram que a primeira tem baixa mortalidade e morbidade, devendo ser considerada para neonatos selecionados para tratamento biventricular. Embora os resultados da dilatação com cateterbalão a longo prazo somente agora comecem a ser conhecidos, com número suficiente de pacientes, permitindo que subgrupos morfológicos de valva aórtica possam ser selecionados, ela continua a ser indicada como técnica paliativa, o que, usualmente, retarda a necessidade do tratamento cirúrgico. CONCLUSÕES Se nosso paciente fosse diagnosticado como portador de estenose valvar pulmonar moderada ou importante, não existiriam muitas dúvidas de que a dilatação com cateter-balão deveria ser indicada como primeira escolha, mesmo no neonato com estenose pulmonar ducto-dependente ou se a valva tivesse característica displásica. Isto porque, no neonato, todas as valvas podem parecer displásicas, mas uma queda significativa e sustentada do gradiente pode ser obtida na grande maioria dos casos. Por outro lado, se a estenose valvar pulmonar tivesse um gradiente menor que 35 mmHg, poderíamos ter uma conduta conservadora, porque não existem evidências de benefícios com o procedimento. Se a valva fosse displásica e não obtivéssemos uma queda significativa do gradiente com adequada seleção do cateter-balão, a valvotomia cirúrgica estaria indicada. A decisão é mais difícil nos pacientes com estenose aórtica. Nos pacientes recém-natos com estenose aórtica importante e disfunção ventricular esquerda, as técnicas cirúrgicas e hemodinâmicas têm resultados e segui83 LuizCarlos.p65 83 19/4/2006, 13:38 Simões LC, et al. Valvoplastia Pulmonar e Aórtica com Balão: do Recém-Nascido ao Adulto Jovem. Rev Bras Cardiol Invas 2005; 13(2): 77-84. mento similares. A decisão da valvoplastia aórtica pode ser institucional. Nos lactentes e crianças maiores, a valvoplastia com balão pode constituir-se na primeira escolha, a não ser que exista insuficiência aórtica de moderada a importante. 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