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Relato de Caso
Trombose Venosa Cerebral com Transformação
Hemorragica
Cerebral Venous Thrombosis with Hemorragic Transformation
Gustavo Henrique Reis de Oliveira
Emerson Dantas Vieira
2
Michelle Tebaldi Ruback
3
Christian Luis Pereira
4
Gabriel Costa Frizzera Coelho
5
Cleverson Martins Kill
1
2
RESUMO
SUMMARY
Introdução: A trombose venosa cerebral é uma entidade de
grande importância na clínica neurológica. Consiste de evento
de grande morbidade e mortalidade, sendo potencialmente
recuperável se diagnosticada precocemente. É uma condição
rara, constituindo menos de 1% dos acidentes vasculares. A
transformação hemorrágica é uma complicação preditora de
prognóstico desfavorável. O manejo desta patologia é de alta
complexidade e demanda tratamento agressivo. Objetivo:
revisar a literatura sobre esta patologia e relatar um caso
clinico para exemplificar o beneficio do junto ao tratamento
precoce. Conclusão: A trombose dos seios da dura-mater é
entidade patológica de grande importância, e sua etiologia
deve ser amplamente pesquisada para o tratamento adequado
e prevenção secundária.
Introduction: Cerebral venous thrombosis is extremely
important in clinical neurology. This event is responsible for high
morbidity and mortality, but if diagnosed early, it is potentially
recoverable. It is a rare condition, constituting less than 1%
of strokes. The hemorrhagic transformation is a complication
that predicts unfavorable prognosis. Its management
is highly complex and demands aggressive treatment.
Objective: To investigate the pathology literature and report
a clinical case that exemplifies the benefit of early treatment.
Conclusion: The dural sinus thrombosis is a medical condition
of great significance, which the etiology should be widely
researched for the treatment and secondary prevention.
Palavras Chave: Trombose venosa cerebral, seio venoso
cerebral, transformação hemorrágica, anticoagulação.
Keywords: Cerebral venous thrombosis, venous sinuses,
hemorrhagic transformation, anticoagulation.
Médico residente do primeiro ano de neurocirurgia do Hospital Santa Rita de Contagem - MG
Médico residente do segundo ano de neurocirurgia do Hospital Santa Rita de Contagem - MG
3
Médico residente do terceiro ano de neurocirurgia do Hospital Santa Rita de Contagem - MG
4
Médico residente do quarto ano de neurocirurgia do Hospital Santa Rita de Contagem - MG
5
Neurocirurgião chefe do serviço do hospital Santa Rita de Contagem - MG
1
2
Recebido em 13 de julho de 2012, aceito em 17 de setembro de 2012
Oliveira GHR, Vieira ED, Ruback MT, Pereira CL, Coelho GCF, Kill CM. - Trombose Venosa Cerebral com Transformação Hemorragica
J Bras Neurocirurg 23 (4): 346-349, 2012
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Relato de Caso
I ntrodução
R elato de Caso
A trombose de veias e seios venosos cerebrais é uma condição
rara, constituindo menos de 1% dos acidentes vasculares. Uma
incidência estimada de três a quatro casos anuais por milhão
de habitantes. A incidência nos adultos é maior na terceira
década de vida. A trombose dos seios da dura-máter atinge
especialmente mulheres (75% dos casos), sendo um importante
fato atribuído, o uso de anticoncepcionais orais, principal
fator de risco associado. Uma história prévia ou familiar de
trombose venosa profunda também são fatores que devem ser
investigados durante a anamnese.3
Paciente V.A.M., masculino, 44 anos, trazido ao pronto
atendimento do hospital Santa Rita com relato de crise
convulsiva poucas horas antes. Familiares relatavam que
paciente iniciou com quadro de cefaléia hemicraniana à
esquerda há 30 dias, evoluindo com piora importante no dia
do atendimento, acompanhado de confusão mental e disartria.
O paciente era previamente hígido. Familiares relatavam que a
mãe do paciente havia sido operado de tumor cerebral.
Em 15% dos casos, a causa pode não ser identificada (essa
taxa varia na literatura). O diagnóstico pode ser tardio
ou negligenciado devido ao grande espectro clinico de
sintomas, diversos modos de apresentação inicial e aos sinais
inespecíficos da neuroimagem.13
Ao exame neurológico apresentava-se em Glasgow 13/15
(palavras disconexas), e com disartria, sem outras alterações
do exame. A tomografia de crânio (TC) evidenciou hemorragia
temporal à esquerda (Fig.1).
A taxa de mortalidade varia de 5% a 30% em decorrência da
demora no seu diagnóstico e pela ausência de sinais e sintomas
patognomônicos.1, 2, 7, 12
O diagnóstico deve ser considerado em doentes jovens ou de
meia-idade com cefaleia não habitual, de instalação recente,
podendo ou não ser acompanhada de sinais neurológicos
focais. A técnica diagnostica mais sensível é a Ressonância
Magnética Nuclear. 4
A apresentação pode ser atípica, com sintomas comportamentais
por atingimento talâmico bilateral, ou catastrófico, com estado
de mal epiléptico ou com coma e morte por enfarte extenso com
transformação hemorrágica, com efeito de massa e herniação
transtentorial com compromisso do tronco cerebral.11
Figura 1: TC crânio (corte axial)
- imagem hiperdensa em região
temporal esquerda sugestiva de
hemorragia, associado a área
de hipodensidade perilesional
sugestiva de edema.
A ressonancia magnética (RM) evidenciava hemorragia
intraparequimatosa temporoparietal esquerda, determinando
compressão de ventrículo e pequena hérnia subfalcina,
associada a hemorragia subaracnóidea (Fig. 2).
A
B
O prognóstico depende de vários fatores. Variáveis preditivas
de morte são: coma, alteração do estado de consciência,
trombose venosa cerebral profunda, hemorragia intracerebral
direita, lesão na fossa posterior e agravamento de sinais
neurológicos focais. 5, 7
O tratamento desta patologia deve ser agressivo, mas o manejo
é complicado, pois as medidas que revertem as tromboses
tendem a aumentar o risco de infarto hemorrágico, e as medidas
que diminuem a pressão intracraniana tendem a aumentar a
viscosidade do sangue.
Figura 2: RM de encéfalo: Em A (corte axial Gradiente echo (A) e em B (corte
coronal ponderado em T2) - hipointensidade em região temporal esquerda
sugestiva de hemorragia, associada a edema perilesional.
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Paciente foi internado no CTI do hospital, sendo submetido no
mesmo dia a arteriografia de vasos cerebrais, que evidenciava
ausência de drenagem pelo seio transverso esquerdo a partir da
confluência dos seios (Fig.3)
Figura 3: Arteriografia
digital cerebral, (AP venos)
evidenciando drenagem pelo seio
sagital superior, seio transverso e
seio sigmoide à direita. Ausência
de drenagem pelo seio transverso
esquerdo a partir da confluência
dos seios.
Foi iniciado então tratamento para a trombose de seio com
heparina endovenosa, seguida de warfarina. Após 2 dias
de tratamento, paciente apresentou melhora importante da
disartria e da confusão mental. O paciente teve alta do CTI,
tendo permanecido em enfermaria para acompanhamento
e manutenção do tratamento, tendo alta após regressão de
hemorragia e melhora clinica.
O paciente encontra-se hoje em acompanhamento ambulatorial,
em investigação para trombofilias, sem déficits aparentes.
Discussão
A trombose venosa cerebral continua sendo entidade de grande
importância na clínica neurológica, por consistir de evento de
grande morbi-mortalidade e potencialmente recuperável se
diagnosticada precocemente. Pode ocorrer em todas as idades
e com apresentação clínica diversa.
Indicações de tratamento cirúrgico para drenagem de
hematomas intraparenquimatosos ainda são divergentes entre
vários centros de referência. Pacientes jovens com pontuação
na escala de coma de Glasgow entre nove e doze, com
hematomas lobares volumosos e em até 1 cm da superfície do
córtex cerebral, são aparentemente mais beneficiados por uma
intervenção cirúrgica precoce (Nível de evidência 2, grau de
recomendação B) 9,10. Porém, a craniectomia descompressiva
associada ou não à lobectomia apesar de diminuir o nível da
pressão intracraniana, pode não melhorar os resultados no caso
desta afecção, por não atuar na causa base.
O tratamento de escolha continua sendo a anticoagulação,
com relação custo x benefício hoje considerada favorável
além do tratamento da causa do evento. Apesar das poucas
evidências baseadas em ensaios randomizados, é consenso
atual que os pacientes com trombose venosa central devem
receber tratamento anticoagulante com heparina de baixo
peso molecular ou heparina não-fracionada, e a presença de
hemorragia cerebral espontânea não contraindica seu uso. 8
Segundo o guia da Federação Europeia de Neurologia de
Tratamento de trombose venosa central, nos casos secundários
a fatores de riscos transitórios, o uso do anticoagulante oral
deve ser mantido por três meses. Naqueles idiopáticos ou
com trombofilia menos grave, como deficiência de proteína
C e S, heterozigose para o fator V leiden ou mutação do
gene da protrombina por até 12 meses. Na presença de
doença recidivante e fatores trombofílicos severos, tais como
deficiência de antitrombina III, homozigose do fator V Leiden
mutante ou dois ou mais fatores associados, a terapia deve ser
mantida indefinidamente. O paciente relatado encontra-se em
estudo para fatores protromboticos.
Os objetivos do tratamento antitrombótico na trombose
venosa central são a recanalização do seio ou da veia ocluída,
prevenção da propagação do trombo e tratamento do estado
protrombótico subjacente, prevenindo a trombose venosa em
outra parte do corpo, tal como embolia pulmonar, e a recorrência
da doença. 6O paciente apresentou melhora importante após
anticoagulação e regularização do RNI entre 2 e 3, mantendose em ótimo estado geral.
Conclusão
A trombose venosa cerebral, pelo amplo espectro de
apresentação clínica, pode ser confundida com outras afecções
e, portanto, frequentemente negligenciada. Em estudos,
o quadro clínico variou desde uma cefaléia refratária ao
tratamento analgésico até formas graves como a síndrome de
hipertensão intracraniana, déficits focais e coma. A trombose
dos seios durais, portanto, entra no diagnóstico diferencial das
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cefaléias secundárias mesmo na ausência de outros sinais e
sintomas.
10. Mendelow AD, Unterberg A. Surgical treatment of intracerebral
haemorrhage. Curr Opin Crit Care 2007;13:169-174.
A terapêutica com heparina na fase aguda seguida do
anticoagulante oral demonstrou-se segura e eficaz na
prevenção da progressão da doença, de sua recidiva e na rápida
recuperação do quadro neurológico na grande maioria dos
pacientes.
12. Soleau SW, Schmidt R, Stevens S, Osborn A, MacDonald JD.
Extensive experience with dural sinus thrombosis. Neurosurgery
2003; 52:534-544.
Sendo assim, a trombose dos seios da dura é entidade patológica
de grande importância, e sua etiologia deve ser amplamente
pesquisada para o tratamento adequado e prevenção secundária.
Alterações genéticas devem ser buscadas na ausência de fator
causal agudo, e os pacientes portadores devem ser encarados
como de alto risco de recorrência. A terapia anticoagulante
é imprescindível, e sua monitorização cuidadosa ocupa
importância ainda maior nestes indivíduos.
11. Niclot P, Bousser MG: Cerebral Venous Thrombosis. Curr Treat
Options Neurol 2000; 2(4):343-352.
13. Stam J: Thrombosis of the cerebral veins and sinuses. N Engl J
Med 2005; 352(17):1791-8.
Autor Correspondente
Gustavo Henrique Reis de Oliveira
Rua Zacarias El – Corab 27
São João Del Rei – CEP 36307240
e-mail: [email protected]
R eferências
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Oliveira GHR, Vieira ED, Ruback MT, Pereira CL, Coelho GCF, Kill CM. - Trombose Venosa Cerebral com Transformação Hemorragica
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