346 Relato de Caso Trombose Venosa Cerebral com Transformação Hemorragica Cerebral Venous Thrombosis with Hemorragic Transformation Gustavo Henrique Reis de Oliveira Emerson Dantas Vieira 2 Michelle Tebaldi Ruback 3 Christian Luis Pereira 4 Gabriel Costa Frizzera Coelho 5 Cleverson Martins Kill 1 2 RESUMO SUMMARY Introdução: A trombose venosa cerebral é uma entidade de grande importância na clínica neurológica. Consiste de evento de grande morbidade e mortalidade, sendo potencialmente recuperável se diagnosticada precocemente. É uma condição rara, constituindo menos de 1% dos acidentes vasculares. A transformação hemorrágica é uma complicação preditora de prognóstico desfavorável. O manejo desta patologia é de alta complexidade e demanda tratamento agressivo. Objetivo: revisar a literatura sobre esta patologia e relatar um caso clinico para exemplificar o beneficio do junto ao tratamento precoce. Conclusão: A trombose dos seios da dura-mater é entidade patológica de grande importância, e sua etiologia deve ser amplamente pesquisada para o tratamento adequado e prevenção secundária. Introduction: Cerebral venous thrombosis is extremely important in clinical neurology. This event is responsible for high morbidity and mortality, but if diagnosed early, it is potentially recoverable. It is a rare condition, constituting less than 1% of strokes. The hemorrhagic transformation is a complication that predicts unfavorable prognosis. Its management is highly complex and demands aggressive treatment. Objective: To investigate the pathology literature and report a clinical case that exemplifies the benefit of early treatment. Conclusion: The dural sinus thrombosis is a medical condition of great significance, which the etiology should be widely researched for the treatment and secondary prevention. Palavras Chave: Trombose venosa cerebral, seio venoso cerebral, transformação hemorrágica, anticoagulação. Keywords: Cerebral venous thrombosis, venous sinuses, hemorrhagic transformation, anticoagulation. Médico residente do primeiro ano de neurocirurgia do Hospital Santa Rita de Contagem - MG Médico residente do segundo ano de neurocirurgia do Hospital Santa Rita de Contagem - MG 3 Médico residente do terceiro ano de neurocirurgia do Hospital Santa Rita de Contagem - MG 4 Médico residente do quarto ano de neurocirurgia do Hospital Santa Rita de Contagem - MG 5 Neurocirurgião chefe do serviço do hospital Santa Rita de Contagem - MG 1 2 Recebido em 13 de julho de 2012, aceito em 17 de setembro de 2012 Oliveira GHR, Vieira ED, Ruback MT, Pereira CL, Coelho GCF, Kill CM. - Trombose Venosa Cerebral com Transformação Hemorragica J Bras Neurocirurg 23 (4): 346-349, 2012 347 Relato de Caso I ntrodução R elato de Caso A trombose de veias e seios venosos cerebrais é uma condição rara, constituindo menos de 1% dos acidentes vasculares. Uma incidência estimada de três a quatro casos anuais por milhão de habitantes. A incidência nos adultos é maior na terceira década de vida. A trombose dos seios da dura-máter atinge especialmente mulheres (75% dos casos), sendo um importante fato atribuído, o uso de anticoncepcionais orais, principal fator de risco associado. Uma história prévia ou familiar de trombose venosa profunda também são fatores que devem ser investigados durante a anamnese.3 Paciente V.A.M., masculino, 44 anos, trazido ao pronto atendimento do hospital Santa Rita com relato de crise convulsiva poucas horas antes. Familiares relatavam que paciente iniciou com quadro de cefaléia hemicraniana à esquerda há 30 dias, evoluindo com piora importante no dia do atendimento, acompanhado de confusão mental e disartria. O paciente era previamente hígido. Familiares relatavam que a mãe do paciente havia sido operado de tumor cerebral. Em 15% dos casos, a causa pode não ser identificada (essa taxa varia na literatura). O diagnóstico pode ser tardio ou negligenciado devido ao grande espectro clinico de sintomas, diversos modos de apresentação inicial e aos sinais inespecíficos da neuroimagem.13 Ao exame neurológico apresentava-se em Glasgow 13/15 (palavras disconexas), e com disartria, sem outras alterações do exame. A tomografia de crânio (TC) evidenciou hemorragia temporal à esquerda (Fig.1). A taxa de mortalidade varia de 5% a 30% em decorrência da demora no seu diagnóstico e pela ausência de sinais e sintomas patognomônicos.1, 2, 7, 12 O diagnóstico deve ser considerado em doentes jovens ou de meia-idade com cefaleia não habitual, de instalação recente, podendo ou não ser acompanhada de sinais neurológicos focais. A técnica diagnostica mais sensível é a Ressonância Magnética Nuclear. 4 A apresentação pode ser atípica, com sintomas comportamentais por atingimento talâmico bilateral, ou catastrófico, com estado de mal epiléptico ou com coma e morte por enfarte extenso com transformação hemorrágica, com efeito de massa e herniação transtentorial com compromisso do tronco cerebral.11 Figura 1: TC crânio (corte axial) - imagem hiperdensa em região temporal esquerda sugestiva de hemorragia, associado a área de hipodensidade perilesional sugestiva de edema. A ressonancia magnética (RM) evidenciava hemorragia intraparequimatosa temporoparietal esquerda, determinando compressão de ventrículo e pequena hérnia subfalcina, associada a hemorragia subaracnóidea (Fig. 2). A B O prognóstico depende de vários fatores. Variáveis preditivas de morte são: coma, alteração do estado de consciência, trombose venosa cerebral profunda, hemorragia intracerebral direita, lesão na fossa posterior e agravamento de sinais neurológicos focais. 5, 7 O tratamento desta patologia deve ser agressivo, mas o manejo é complicado, pois as medidas que revertem as tromboses tendem a aumentar o risco de infarto hemorrágico, e as medidas que diminuem a pressão intracraniana tendem a aumentar a viscosidade do sangue. Figura 2: RM de encéfalo: Em A (corte axial Gradiente echo (A) e em B (corte coronal ponderado em T2) - hipointensidade em região temporal esquerda sugestiva de hemorragia, associada a edema perilesional. Oliveira GHR, Vieira ED, Ruback MT, Pereira CL, Coelho GCF, Kill CM. - Trombose Venosa Cerebral com Transformação Hemorragica J Bras Neurocirurg 23 (4): 346-349, 2012 348 Relato de Caso Paciente foi internado no CTI do hospital, sendo submetido no mesmo dia a arteriografia de vasos cerebrais, que evidenciava ausência de drenagem pelo seio transverso esquerdo a partir da confluência dos seios (Fig.3) Figura 3: Arteriografia digital cerebral, (AP venos) evidenciando drenagem pelo seio sagital superior, seio transverso e seio sigmoide à direita. Ausência de drenagem pelo seio transverso esquerdo a partir da confluência dos seios. Foi iniciado então tratamento para a trombose de seio com heparina endovenosa, seguida de warfarina. Após 2 dias de tratamento, paciente apresentou melhora importante da disartria e da confusão mental. O paciente teve alta do CTI, tendo permanecido em enfermaria para acompanhamento e manutenção do tratamento, tendo alta após regressão de hemorragia e melhora clinica. O paciente encontra-se hoje em acompanhamento ambulatorial, em investigação para trombofilias, sem déficits aparentes. Discussão A trombose venosa cerebral continua sendo entidade de grande importância na clínica neurológica, por consistir de evento de grande morbi-mortalidade e potencialmente recuperável se diagnosticada precocemente. Pode ocorrer em todas as idades e com apresentação clínica diversa. Indicações de tratamento cirúrgico para drenagem de hematomas intraparenquimatosos ainda são divergentes entre vários centros de referência. Pacientes jovens com pontuação na escala de coma de Glasgow entre nove e doze, com hematomas lobares volumosos e em até 1 cm da superfície do córtex cerebral, são aparentemente mais beneficiados por uma intervenção cirúrgica precoce (Nível de evidência 2, grau de recomendação B) 9,10. Porém, a craniectomia descompressiva associada ou não à lobectomia apesar de diminuir o nível da pressão intracraniana, pode não melhorar os resultados no caso desta afecção, por não atuar na causa base. O tratamento de escolha continua sendo a anticoagulação, com relação custo x benefício hoje considerada favorável além do tratamento da causa do evento. Apesar das poucas evidências baseadas em ensaios randomizados, é consenso atual que os pacientes com trombose venosa central devem receber tratamento anticoagulante com heparina de baixo peso molecular ou heparina não-fracionada, e a presença de hemorragia cerebral espontânea não contraindica seu uso. 8 Segundo o guia da Federação Europeia de Neurologia de Tratamento de trombose venosa central, nos casos secundários a fatores de riscos transitórios, o uso do anticoagulante oral deve ser mantido por três meses. Naqueles idiopáticos ou com trombofilia menos grave, como deficiência de proteína C e S, heterozigose para o fator V leiden ou mutação do gene da protrombina por até 12 meses. Na presença de doença recidivante e fatores trombofílicos severos, tais como deficiência de antitrombina III, homozigose do fator V Leiden mutante ou dois ou mais fatores associados, a terapia deve ser mantida indefinidamente. O paciente relatado encontra-se em estudo para fatores protromboticos. Os objetivos do tratamento antitrombótico na trombose venosa central são a recanalização do seio ou da veia ocluída, prevenção da propagação do trombo e tratamento do estado protrombótico subjacente, prevenindo a trombose venosa em outra parte do corpo, tal como embolia pulmonar, e a recorrência da doença. 6O paciente apresentou melhora importante após anticoagulação e regularização do RNI entre 2 e 3, mantendose em ótimo estado geral. Conclusão A trombose venosa cerebral, pelo amplo espectro de apresentação clínica, pode ser confundida com outras afecções e, portanto, frequentemente negligenciada. Em estudos, o quadro clínico variou desde uma cefaléia refratária ao tratamento analgésico até formas graves como a síndrome de hipertensão intracraniana, déficits focais e coma. A trombose dos seios durais, portanto, entra no diagnóstico diferencial das Oliveira GHR, Vieira ED, Ruback MT, Pereira CL, Coelho GCF, Kill CM. - Trombose Venosa Cerebral com Transformação Hemorragica J Bras Neurocirurg 23 (4): 346-349, 2012 349 Relato de Caso cefaléias secundárias mesmo na ausência de outros sinais e sintomas. 10. Mendelow AD, Unterberg A. Surgical treatment of intracerebral haemorrhage. Curr Opin Crit Care 2007;13:169-174. A terapêutica com heparina na fase aguda seguida do anticoagulante oral demonstrou-se segura e eficaz na prevenção da progressão da doença, de sua recidiva e na rápida recuperação do quadro neurológico na grande maioria dos pacientes. 12. Soleau SW, Schmidt R, Stevens S, Osborn A, MacDonald JD. Extensive experience with dural sinus thrombosis. Neurosurgery 2003; 52:534-544. Sendo assim, a trombose dos seios da dura é entidade patológica de grande importância, e sua etiologia deve ser amplamente pesquisada para o tratamento adequado e prevenção secundária. Alterações genéticas devem ser buscadas na ausência de fator causal agudo, e os pacientes portadores devem ser encarados como de alto risco de recorrência. A terapia anticoagulante é imprescindível, e sua monitorização cuidadosa ocupa importância ainda maior nestes indivíduos. 11. Niclot P, Bousser MG: Cerebral Venous Thrombosis. Curr Treat Options Neurol 2000; 2(4):343-352. 13. Stam J: Thrombosis of the cerebral veins and sinuses. N Engl J Med 2005; 352(17):1791-8. Autor Correspondente Gustavo Henrique Reis de Oliveira Rua Zacarias El – Corab 27 São João Del Rei – CEP 36307240 e-mail: [email protected] R eferências 1. Ameri A, Bousser MG. Cerebral venous thrombosis. Neurol Clin 1992; 10:87-111. 2. Baker MD, Opatowsky MJ, Wilson JA, Glazier SS, Morris PP. 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Mendelow AD, Gregson BA, Fernandes HM, Murray GD, Teasdale GM, Hope DT, et al. Early surgery versus initial conservative treatment in patients with spontaneous supratentorial intracerebral haematomas in the International Surgical Trial in Intracerebral Haemorrhage : a randomised trial. Lancet 2005;365:387-397. Oliveira GHR, Vieira ED, Ruback MT, Pereira CL, Coelho GCF, Kill CM. - Trombose Venosa Cerebral com Transformação Hemorragica J Bras Neurocirurg 23 (4): 346-349, 2012