RECEPÇÃO DE HEGEL NO BRASIL E A IMPORTÂNCIA

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RECEPÇÃO DE HEGEL NO BRASIL E A IMPORTÂNCIA
DAS TRADUÇÕES DE PAULO MENESES
Agemir Bavaresco – PUC/RS
Analisando, brevemente, a literatura hegeliana brasileira podemos constatar em
grandes linhas que a recepção deu-se através de várias tipos de leitura. Sem pretender
ser exaustivo, lançamos aqui apenas alguns vieses de leitura no sentido de mostrar as
diversas abordagens na história da recepção de Hegel no Brasil. Trata-se, de fato, de
algo apenas esquemático e incipiente, como tentativa de identificar a trajetória da
recepção do pensamento hegeliano no pensamento brasileiro. O objetivo é mostrar a
importância decisiva da tradução, de parte da obra hegeliana, feita por Paulo Meneses
para a língua portuguesa, em específico no Brasil.
a) Leitura marxista: A recepção de Hegel no Brasil, pelos marxistas, acusa
Hegel de ser idealista e liberal. Djacir Meneses, assim afirma, sobre o retrato falso de
Hegel: “Gravou-se e circulou, inspirado pela esquerda hegeliana e retocado por Marx e
Engels, o retrato de um Hegel conservador, idólatra do Estado prussiano, que renegara
todas as tendências liberais. A imagem, entretanto, vai-se desfazendo em face da crítica,
que passou a dispor de documentos inéditos. Lentamente, o verdadeiro perfil do filósofo
se aclara, definindo a linha de coerência de seu pensamento” 1.
b) Leitura de comentaristas e manuais de Filosofia: Muitos estudantes
brasileiros têm ou tiveram acesso a Hegel através dos manuais de História da Filosofia
ou de outros tratados. Estes classificam Hegel, geralmente, como panteísta, panlogista,
totalitário e ateu 2. Por exemplo, J. Maritain diz: “O Todo (o Estado hegeliano) tem um
direito absoluto e ilimitado sobre os indivíduos e os grupos que são seus membros. [...]
É a Hegel que os Estados totalitários, característicos da idade moderna, devem a noção
perversa e fundamentalmente antipolítica do bem comum como sendo o bem próprio ou
particular do Todo” 3. Os historiadores da Filosofia G. Reale e D. Antiseri afirmam:
1
MENEZES, Djacir. Motivos alemães: filosofia, hegelianismo, marxologia, polêmica. Rio de Janeiro:
Cátedra; Brasília: INL, 1977, p. 96.
2
Para uma análise crítica destes prejuízos hegelianos ver KONZEN, Paulo Roberto. O conceito de Estado
e de Liberdade de Imprensa na Filosofia do Direito de G.W.F. Hegel. Porto Alegre: UFRGS, 2007, 198p.
3
MARITAIN, Jacques. A filosofia moral: Exame histórico e crítico dos grandes sistemas. Trad. de Alceu
Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Agir Ed., 1964, p. 200.
“Em larga medida, foi em Hegel que o totalitarismo político foi buscar as armas
conceituais para a sua própria autolegitimação”, porque “em suma o cidadão só existe
para o Estado. Essa era uma concepção grega, retomada por Hegel e levada às suas
extremas conseqüências, no contexto do seu idealismo e panlogismo” 4. Podemos ainda
nomear R. Jolivet para concluir: “Sem dúvida Hegel vê no Estado a expressão mais alta
da vontade racional. Mas isto equivale a invocar o postulado gratuito do panteísmo” 5.
c) Leitura crítico-corretiva do sistema: Temos um outro grupo de filósofos
que se fixam no sistema hegeliano, tentando corrigir, o que eles dizem ser o sistema
fechado por causa de uma lógica necessitarista em que a contingência desapareceria do
mesmo. Então, de um lado, alguns propõem reconstruir o sistema fazendo uma síntese
com a filosofia analítica; de outro, alguns entendem que o sistema não possibilita uma
reconstrução, senão uma crítica interna desconstrutiva.
d) Leitura lógico-política: Um outro tipo de recepção da obra hegeliana dá-se
através da filosofia política em que esta é interpretada a partir do viés lógico, sobretudo
da Filosofia do Direito. Surge, atualmente, outra leitura inspirada na obra de Axel
Honneth, a chamada interpretação não metafísica de Hegel.
e) Leitura plural e temática: Com a criação do Grupo de Trabalho Hegel (GT
HEGEL) da Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (ANPOF 6) temos
uma multiplicação de pesquisas e leituras plurais, englobando a maioria da obra
hegeliana. Somado ao GT Hegel, a Sociedade Hegel Brasileira (SHB 7) através de seus
congressos temáticos permite o aprofundamento de textos do próprio autor. A
divulgação destes eventos e pesquisas dá-se através da revista semestral Revista
Eletrônica Estudos Hegelianos 8 da SHB.
f) Leitura dos textos do autor e da tradução: A tradução da obra de Hegel
está, aos poucos, tornando o autor mais acessível ao público brasileiro, e ao mesmo
4
REALE, G. ANTISERI, D. História da filosofia: Do romantismo até nossos dias. V. 3, Trad. Álvaro
Cunha. São Paulo: Paulinas, 1991, p. 151-159.
5
JOLIVET, R. Tratado de Filosofia: IV – Moral. Trad. Geraldo Dantas Ribeiro. Rio de Janeiro: Agir,
1966, p. 81.
6
Cf. www.anpof.org.br/anpof/index.php
7
Cf. http://www.hegelbrasil.org/
8
Cf. www.hegelbrasil.org/revista.htm
2
tempo, permite novas leituras, a partir da opção de tradução de termos técnicos, das
notas, apresentação etc. Costuma-se dizer que a recepção de um autor é plena, quando
toda sua obra é traduzida para a língua que o recepciona. No caso, brasileiro, pode-se
dizer que este desafio ainda é grande, pois restam obras fundamentais a serem
traduzidas, tais como a Ciência da Lógica e a Filosofia do Direito. No entanto, cabe-nos
reconhecer a imensa contribuição realizada por Paulo Meneses, em traduzindo para o
português a Fenomenologia do Espírito e os três volumes da Enciclopédia das Ciências
Filosóficas: I: A Ciência da Lógica; II: A Filosofia da Natureza; III: A Filosofia do
Espírito.
Constata-se na medida em que o texto hegeliano torna-se acessível ao mais
amplo público brasileiro, através do contato direto com os textos traduzidos com rigor
científico, que ocorre uma apropriação e uma leitura mais original, permitindo superar
prejuízos de leituras reducionistas ou distorcidas. Com certeza, é questão de mérito
reconhecer que as traduções de Paulo Meneses inauguraram uma nova etapa na história
da recepção do pensamento hegelino no Brasil, desafiando novas hermenêuticas de sua
filosofia.
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