ALIENAÇÃO PARENTAL, SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL E IMPLANTAÇÃO DE FALSAS MEMÓRIAS: ANALISANDO CONCEITOS. *Arlene Mara de Sousa Dias A separação de um casal, em regra, não é pacífica, sobretudo, quando envolve disputa de guarda de filhos, podendo culminar na Alienação Parental-AP, Síndrome da Alienação Parental - SAP e/ou Implantação de Falsas Memórias. Trata-se de pesquisa bibliográficodocumental de abordagem qualitativa que visa analisar criticamente os referidos conceitos comumente tratados pela literatura de forma equivocada como sinônimos. Os estudos apontam que a alienação parental é a prática que visa enfraquecer ou extinguir os laços parentais entre filho (a) e genitor alienado. A SAP consiste nas sequelas emocionais decorrentes da AP e, a implantação de falsas memórias consiste no ato de acreditar em um fato que não ocorreu. Vê-se que há equívocos no emprego de tais conceitos, dificultando a compreensão não somente pela comunidade acadêmica e entre profissionais atuantes na área, mas junto à sociedade em geral, o que inviabiliza um combate mais eficaz. Palavras-chave: Alienação Parental. Síndrome da Alienação Parental. Implantação de Falsas Memórias. A separação de um casal, em regra, não é pacífica, sobretudo, quando envolve disputa de guarda de filhos, podendo culminar na alienação parental-AP, síndrome da alienação parental - SAP e/ou implantação de falsas memórias. Entretanto, é preciso não perder de vista que tais conceitos, embora próximos, não podem ser empregados como sinônimos, como comumente ocorre, o que viabiliza uma melhor compreensão do assunto. O presente trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfico-documental de abordagem qualitativa visando analisar criticamente os referidos conceitos, não raro, tratados pela literatura de forma equivocada. O art. 2º da Lei 12.318/2010 conceitua a alienação parental como: [...]a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Do referido conceito muitas questões se desdobram. Sucintamente, a alienação parental é a prática efetivada pelo alienante/alienador – em geral o genitor detentor da guarda – que visa enfraquecer ou extinguir os laços parentais entre filho (a) e o outro genitor, podendo ocorrer, inclusive, ainda durante o relacionamento conjugal. Muito se propala que a alienação parental possui inúmeras razões desencadeadoras como: espírito de vingança do genitor alienante; 2 inconformismo com a separação; insatisfação com a mudança da situação econômica decorrente do fim do relacionamento; motivos que ensejaram ao fim da união, principalmente, se decorrente de adultério etc. Segundo Dias (2007), comumente um dos cônjuges pode não aceitar o fim do relacionamento e ser tomado por um sentimento de rejeição, traição e abandono, advindo de um luto não elaborado da separação, enxergando no filho um eficaz instrumento de ataque ao ex-parceiro com o fito de vingança. Entretanto, Fuks e Oliven (2011) enfatizam que é preciso não perder de vista que a referida conduta não surge com a separação, na realidade, o casal ou apenas um deles, reatualiza, no momento da separação, conflitos internos existentes desde antes de efetivá-la, posição da qual comungo. A lei também deixa claro que a alienação parental pode ser praticada pelos genitores, avós ou pelos que tenham a criança/adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância. Neste sentido a Lei 12. 318/2010 foi bastante ampla desmistificando a ideia de que a alienação parental somente é praticada por um dos genitores (ou por ambos). De praxe, é consenso denominar de alienante ou alienador aquele que pratica a alienação parental e de alienado o genitor contra qual é empregada, posição da qual discordo. Levando em consideração a etimologia da palavra alienado, ver-se-á que se refere àquele que possui uma percepção equivocada ou distorcida da realidade. No caso de aplicá-la no contexto da alienação parental ao genitor que sofre a alienação, me parece um contrassenso, vez que não é ele quem possui uma visão distorcida da realidade, mas sim a criança/adolescente, que sob a influência do alienador, passa a adotar como realidade os fatos que lhe são repassados. Neste sentido, Figueiredo e Alexandridis (2011) adotam a expressão alienado como terminologia para a criança/adolescente e vitimado para aquele que sofre com a alienação. Aqui, enfatizo que a alienação parental não se caracteriza com a prática de uma única conduta de forma isolada, mas sim, diante de um conjunto de condutas que se perpetuam no tempo, do contrário, estar-se-ia fomentando a banalização da AP. Seja como for, o alienante ou alienador adota um padrão de condutas com o intuito de alcançar seu objetivo como denegrir a imagem do outro genitor; organizar atividades incompatíveis com o dia de visitação, tornando-as desinteressantes ou evitando-as; privar o genitor de fatos importantes da vida do filho (doença, rendimento escolar etc.); fazer comentários desagradáveis sobre os presentes comprados pelo outro genitor etc. Entretanto, talvez a forma mais danosa utilizada para a destruição dos vínculos parentais seja a falsa acusação de abuso sexual contra o ex-parceiro, podendo culminar nas 3 chamadas falsas memórias de abuso sexual1, fenômeno que vem, cada vez mais, sendo identificado no contexto da alienação parental, mais recorrente em crianças de tenra idade, por serem mais vulneráveis ao discurso do genitor alienante. E, dependendo da extensão da alienação parental, esta pode desencadear na criança/adolescente uma série de sintomas como ansiedade, nervosismo, depressão, agressividade, transtorno do sono e de alimentação, baixa auto-estima, baixo rendimento escolar e até mesmo tentativa de suicídio. Tais sintomas configuram o que se chama de síndrome da alienação parental – SAP, ou seja, as sequelas emocionais e comportamentais apresentadas pelo filho (a) em razão da alienação parental, ocorrendo um apego excessivo e exclusivo em relação ao genitor alienante e um afastamento total do outro. Originalmente a SAP foi desenvolvida por Richard Gardner, professor de psiquiatria clínica no Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia, no contexto de litígios entre pais pela guarda de seus filhos, inclusive, como explicação para o aumento do número de relatos de abuso infantil nos anos de 1980. Tendo por base suas experiências clínicas, Gardner (2002, p. 02) a conceituou como: [...] um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação de Síndrome de Alienação parental para a hostilidade da criança não é aplicável. Segundo Gardner (1985) há dois fatores essenciais para a caracterização da SAP. O primeiro deles referente à existência não somente da programação da criança por um dos genitores, mas também contribuições da própria criança como resultado da campanha denegritória do genitor alienador contra seu ex-parceiro. O segundo, referente à observação de um conjunto de sintomas que aparecem tipicamente entrelaçados, o que garantiria a designação de síndrome, advindo daí o termo síndrome da alienação parental para abranger a 1 A criança passa a acreditar que, de fato, sofreu abuso sexual pelo outro genitor. 4 combinação de tais fatores. Gardner (1999, p. 98) asseverou que para a caracterização da SAP a criança deve apresentar: Uma campanha denegritória contra o genitor alienado Racionalizações fracas, absurdas ou frívolas para a depreciação Falta de ambivalência O fenômeno do “pensador independente” Apoio automático ao genitor alienador no conflito parental Ausência de culpa sobre a crueldade a e/ou a exploração contra o genitor alienado A presença de encenações encomendadas Propagação da animosidade aos amigos e/ou à família extensa do genitor alienado Ainda hoje o conceito de SAP recebe muitas críticas, sendo fonte de grande polêmica, dividindo a opinião de profissionais das mais variadas áreas quanto o caráter científico do termo por não a considerarem síndrome e, sobretudo, pelo fato de não constar no Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-IV) da Associação Americana de Psiquiatria. Em que pese tais divergências a SAP está sendo recomendada para integrar o DSM-V sob a denominação de Parental Alienation Disorder (SILVA, 2011). A partir dos estudos de Gardner (1985) muitos profissionais se debruçaram sobre a temática. Gardner (1982 apud TRINDADE, 2010, p. 189) classificou a SAP em três estágios: leve, médio e grave. No estágio leve o comportamento do genitor alienante causa pouca ou nenhuma perturbação às visitas e ao filho (a), no médio, as atitudes intensificam-se provocando conflito de lealdade e sentimento de culpa na criança/adolescente. E, no estágio grave, a convivência parental torna-se praticamente impossível, passando o filho (a) a externar apego excessivo em relação ao genitor alienante a ponto de contribuir com sua conduta negativa. E é nesta última fase que comumente o genitor alienante pode apresentar falsa denúncia de abuso sexual contra o ex-parceiro para obstar sua convivência com o filho (a), muito embora nada o impeça de apresentar a referida acusação ou qualquer outra nos estágios leve ou médio, podendo surgir as falsas memórias de abuso sexual. E, quando se fala em implantação de falsa memória deve-se atentar para seu conceito, qual seja, o ato de acreditar em um fato que não ocorreu, podendo ocorrer em vários contextos para além da alienação parental. Seu conceito começou a ser construído no final do século XIX e início do século XX, a partir de pesquisas desenvolvidas em alguns países europeus. Houve um alvoroço entre psicólogos e psiquiatras quando tornou-se conhecido em 5 Paris o caso de um homem de 34 anos, chamado Louis, com lembranças de fatos que nunca haviam ocorrido. (STEIN, 2010) Ainda que os três conceitos, objetos do presente, sejam distintos, ainda há equívoco terminológico em relação aos mesmos, dificultando a compreensão não somente pela comunidade acadêmica e entre profissionais atuantes na área, mas junto à sociedade em geral, o que inviabiliza um combate mais eficaz. Conforme dito, enquanto a alienação parental é a prática que visa enfraquecer ou extinguir os laços parentais entre filho (a) e o ex-parceiro, a SAP consiste nas sequelas comportamentais e emocionais decorrentes daquela. Neste sentido a lição de Fonseca (2006): A síndrome da alienação parental não se confunde, portanto, com a mera alienação parental. Aquela geralmente é decorrente desta, ou seja, a alienação parental é o afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro, via de regra, o titular da custódia. A síndrome da alienação parental, por seu turno, diz respeito às seqüelas emocionais e comportamentais de que vem a padecer a criança vítima daquele alijamento. Assim, enquanto a síndrome refere-se à conduta do filho que se recusa terminante e obstinadamente a ter contato com um dos progenitores, que já sofre as mazelas oriundas daquele rompimento, a alienação parental relaciona-se com o processo desencadeado pelo progenitor que intenta arredar o outro genitor da vida do filho. Na mesma esteira Silva (2011, p. 208) se manifesta, a saber: A Alienação parental (AP) caracteriza o ato de induzir a criança a rejeitar o pai/mãe-alvo (com esquivas, mensagens difamatórias, até o ódio ou acusações de abuso sexual). A Síndrome de Alienação parental (SAP) é o conjunto de sintomas que a criança pode vir ou não a apresentar, decorrente dos atos de Alienação parental. Enfatizo, ainda, que a expressão implantação de falsas memórias também, não raro, vem sendo empregada por profissionais2 como sinônima não somente da expressão alienação parental como da síndrome da alienação parental, o que a meu ver, não tem razão de ser. Não estou aqui afirmando que inexiste implantação de falsa memória no contexto da alienação parental, mas apenas que aquela expressão possui um conceito bem mais amplo que esta, podendo ocorrer também em outros contextos diferentes da AP. Portanto, empregar a expressão implantação de falsas memórias como sinônima de alienação parental implicaria na restrição do emprego daquela. 2 Dias (2009), Gomes (2011), Freitas e Pellizzaro (2010) 6 Em que pese ser a implantação de falsas memórias o ato de acreditar em um fato que não ocorreu, Meirelles (2010, p. 267) ressalta que é comum que a base dos acontecimentos ou palavras utilizadas pelo alienador seja real e que “De fato, uma das estratégias mais utilizadas pelo alienador é o ato de manipular os fatos ou as palavras reais de tal forma que se tornam irreconhecíveis, a ponto de não se poder, muitas vezes, perceber qual é a parte verdadeira e qual é a inventada.” Guazelli (2010, p. 43) defende que a implantação de falsas memórias é um dos efeitos da síndrome da alienação parental quando o alienador [...] usa a narrativa do infante acrescentando maliciosamente fatos não exatamente como estes se sucederam, e ele aos poucos vai se “convencendo” da versão que lhe foi “implantada”. O alienador passa então a narrar à criança atitudes do outro genitor que jamais aconteceram ou que aconteceram em modo diverso do narrado. Enfim, no contexto de disputa de guarda, é imprescindível que se identifique a prática da alienação parental com o intuito de evitar a síndrome da alienação parental. E, caso já instalada, que sejam adotadas as medidas necessárias a fim de extirpá-las. Ao analisar a literatura especializada observei que há, ainda, o emprego equivocado de tais terminologias, pelo que a fim de que se possa combatê-las é imprescindível que se tenha a compreensão dos conceitos da alienação parental, síndrome da alienação parental e implantação de falsas memórias – evitando equívocos e permitindo uma maior apreensão do assunto não somente pelos profissionais envolvidos, mas também de toda sociedade. E, acima de tais convenções, uma vez identificadas, é fundamental a procura pela intervenção imediata evitando a consolidação daquelas como forma de assegurar o pleno desenvolvimento físico e psíquico da criança/adolescente. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei 12.318/2010 de 26 de agosto de 2010. Dispões sobre a alienação parental e altera o art. 236 da lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12318.htm>. Acesso em: 05 jul. 2012. DIAS, Maria Berenice. Síndrome da alienação parental e a Tirania do Guardião. Porto Alegre: Equilíbrio, 2007. _____, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. 7 FIGUEIREDO, Fábio Vieira; ALEXANDRIDIS, Georgios. Alienação parental: aspectos materiais e processuais da Lei n. 12.318, de 26-8-2010. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. FREITAS, Douglas Phillips; PELLIZZARO, Graciela. Alienação Parental. 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Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade do Pará/Estácio de Sá-RJ. Mestranda do Programa de PósGraduação em Psicologia Social da Universidade Federal do Pará – UFPA. Membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente da OAB/PA. Representante no Pará da Associação Brasileira Criança Feliz.