INTRODUÇÃO: LUTA DE CLASSES NA ANTIGUIDADE Partimos da premissa de que as sociedades divididas em classes surgem da dissolução das antigas sociedades comunitárias e não somente com o advento do capitalismo. No entanto, a luta de classes na Antiguidade não se dava da mesma maneira que no capitalismo moderno. Em primeiro lugar, a forma da exploração era extraeconômica, condicionando a consciência possível das classes sociais em luta. Em segundo lugar, as relações de classes revestiam-se de outros elementos ideológicos, jurídicos e religiosos (LUKÁCS, 1974, p. 69). Em Lukács (1974, p. 70), podemos encontrar uma observação pertinente acerca do papel que os elementos extraeconômicos cumprem nas sociedades pré-capitalistas, tendo as formas jurídicas que intervir de forma constitutiva nas conexões econômicas. As categorias jurídicas e econômicas são inseparáveis umas das outras nas formações sociais que antecederam ao capitalismo. Isto se evidencia ainda no peso da coerção extraeconômica nas sociedades pré-capitalistas, sendo essencial para o exercício da própria dominação e funcionamento do sistema econômico. Desse modo, os interesses econômicos não só se mantêm ocultos pela ideologia dominante, como outros fatores que não o econômico entram em campo na luta, sendo parte integrante do próprio conflito real; não se processam de forma clara lutas entre as classes, manifestando-se como embates entre castas, estados ou ordens dessas sociedades; esses elementos jurídicos que intervêm na estratificação e na hierarquização dessas sociedades e que desempenham um papel de grande relevância na exploração aparecem igualmente nos momentos da luta de classes nas sociedades antigas. No entanto, o fato de esses homens não terem se visto como classe não quer dizer que realmente não o fossem. A exploração estava ali presente, era uma exploração econômica, mas exercida por meio de mecanismos extraeconômicos. E esta exploração era sentida e por isso combatida, sempre que foi possível, pelos explorados. Os elementos constitutivos de um modo de produção são o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção vigentes. A respeito das forças produtivas, os autores Ciro Cardoso e Héctor Pérez destacam que as forças produtivas de determinado modo de produção representam a articulação histórica específica entre os meios de produção – matérias-primas e recursos naturais ou o objeto de trabalho e os instrumentos de trabalho ou o meio de trabalho – e os homens que participam do processo produtivo com suas capacidades físicas e mentais (CARDOSO; PÉREZ, 1982, p. 20). K. D. White escreve sobre o contexto de invenção, inovação e desenvolvimento técnico do mundo clássico. O autor resgata, em primeiro lugar, a ideia de que a tecnologia não é um fenômeno recente, produto da Revolução Industrial, mas uma parte integrante das sociedades humanas desde o Paleolítico (WHITE, 1984, p. 6). O ser humano é um animal social e todos os progressos biológicos de nossa evolução tornaram o homem um fabricante de máquinas e instrumentos com os quais altera o ambiente ao seu redor. O desenvolvimento de novas técnicas leva ao controle humano do ambiente físico e provoca mudanças e novos problemas para as próprias sociedades humanas, problemas que podem ser resolvidos somente por meio de mais mudanças técnicas (WHITE, 1984, p. 9). Contudo, a invenção não é a única via pela qual podemos interpretar o desenvolvimento das forças produtivas de determinada sociedade. Durante o período clássico, as inovações tecnológicas também circularam pelas diversas regiões, mesmo que não existisse uma globalização como nos dias de hoje, ou como por todo o capitalismo, desde a sua origem, com a integração de mais e mais regiões em um mercado mundial. A circulação de informações e técnicas era, sem dúvida, infinitamente mais limitada, mas não devemos desprezar a existência de um “mercado mundial” na região do Mediterrâneo, sob o domínio romano. O caráter dual da economia romana revelava os limites e possibilidades que existiram na Antiguidade clássica. Segundo Schiavone (2005, p. 100-101), a economia romana era um sistema agrário-mercantil de base escravista, que congregava, de um lado, uma economia mercantil desenvolvida, sendo a base da produção para o mercado sempre escravista, e, de outro lado, uma economia natural ou de subsistência, que, estando voltada para o autoconsumo direto dos produtores ou para o comércio local, era quantitativamente superior em todo o império. Este plano da economia romana garantia a sobrevivência da maior parte dos habitantes das províncias e da Itália. As tecnologias que eram produzidas em determinada região podiam ser levadas para outras áreas por meio da migração de inventores e artesãos, assim como pelo comércio. Outra maneira de disseminação de novas técnicas foram as guerras de conquista, pois os processos técnicos e as técnicas eram transferidos de uma área a outra por meio das guerras (WHITE, 1984, p. 11). O caso romano é explicitado pelo referido autor, demonstrando como os romanos apropriaram-se das conquistas intelectuais de outros povos e as propagaram pelas terras mais vastas e empregaram seus preceitos para o aumento da produtividade e o progresso da ciência e da qualidade de vida no âmbito de uma rede mais ampla e complexa de países, povos e relações políticas e sociais, promovendo o desenvolvimento técnico, científico, econômico e social no Império Romano. Podemos nos arriscar a dizer que fazia parte do butim de guerra a conquista de novos conhecimentos e equipamentos. Roma conquistou dos gregos, por exemplo, muito mais do que terras, também sua medicina, sua engenharia, sua arquitetura, sua ciência. Da atual região da França e da Bélgica, os romanos apoderaram-se do conhecimento em metalurgia dos celtas (WHITE, 1984, p. 11-12). Apesar disso, muito do conhecimento produzido era meramente especulativo. O trabalho manual não era valorizado pela concepção aristocrática de mundo. Cientistas como os que temos hoje e a união entre ciência e tecnologia também não eram comuns. De um lado estava o filósofo e de outro estava o artesão, separados por um imenso abismo social. Este foi um fator muito importante no sentido de limitar os possíveis progressos técnicos na Antiguidade greco-romana avançada (já que o desprezo pelo artesão e pela tecnologia aumentou com o tempo). A maioria das pessoas vivia de forma simples no campo. As sociedades antigas eram predominantemente agrárias. A agricultura, que foi a mãe da vida civilizada, sem a qual seria impossível a existência de sociedades complexas e das próprias cidades, por milênios foi o único ou principal meio de vida dos homens e mulheres trabalhadores. Mesmo as aristocracias retiravam a maior parte de sua riqueza e também de seu prestígio de suas terras e de sua posição como proprietários de terras. O paradigma escravista exerceu sua influência no não desenvolvimento da maquinaria e de novos processos de trabalho, além da utilização de outras fontes de energia que não as tradicionais energias animal e humana. O uso da água como recurso energético ocorreu na Antiguidade, mas não antes do século I a.C., sendo as fontes de energia mais largamente empregadas, realmente, a força de trabalho humana e a energia dos animais, como o boi, o asno e o cavalo. A energia muscular humana era a principal força produtiva em uma sociedade escravista. Além disso, o seu uso era mais versátil, mais facilmente adaptável a cada situação e necessidade. A resistência e a capacidade físicas dos animais eram a vantagem óbvia sobre os homens, sendo mais empregados onde fossem necessários a força e um trabalho que se estendesse por mais tempo. Um cavalo do tamanho que era usado no mundo clássico fazia o trabalho de nove homens e uma mula podia realizar o trabalho de cinco homens ou de três homens, carregando uma carga de 140 kg por cerca de oito horas em um dia (WHITE, 1984, p. 55). Essa comparação é válida na medida em que a maior parte do trabalho era produto destas fontes de energia e porque o escravo era equiparado aos animais, na ideologia como na teoria, e o seu trabalho – o trabalho escravo – era equiparado, na prática, ao trabalho dos animais. A diferença tanto na teoria quanto na prática residia justamente nesta versatilidade da força de trabalho humana, advinda do intelecto humano. Sendo assim, as capacidades físicas e intelectuais humanas permitiam aos escravos executar um variado número de tarefas. Entre os animais, aquele que ocupava o papel principal no trabalho nas fazendas era o boi. Os cavalos, que simbolizavam o orgulho aristocrático e demandavam um custo maior, necessitando de melhor alimentação, eram utilizados, principalmente, na guerra e nas corridas. A quantidade elevada de escravos que os romanos tinham à sua disposição, a aquisição do melhor da ciência helenística, com a tradição de ideias e experiências recolhida pela atividade de inúmeros pesquisadores, cientistas, filósofos e intelectuais em geral do Museu de Alexandria, e o aparato técnico e de recursos naturais das demais conquistas romanas, desde as técnicas da metalurgia celta até o volume de terras disponíveis para a produção, além de animais existentes e criados nestas mesmas fazendas, compunham o conjunto de forças produtivas do Império Romano e exprimiam o grau máximo de desenvolvimento econômico alcançado na Antiguidade. A circulação de mercadorias, ideias e técnicas possibilitou que algumas conquistas da ciência, antes restritas a um âmbito local, viessem a assumir um caráter universal. Talvez muitas das descobertas da Antiguidade clássica sequer chegassem a ser conhecidas por nós, se não fosse a sua difusão, fruto da integração de realidades isoladas em um império universal. Isto não deve, no entanto, obscurecer os fatores que determinaram os limites tecnológicos do Mundo Antigo, como o pensamento aristocrático e sua noção de liberdade, que se distanciava totalmente do trabalho manual e da aplicação da teoria às técnicas que estivessem ligadas à produção, e o paradigma escravista, sendo a escravidão, senão quantitativamente absoluta, pois coexistia na realidade do mundo do trabalho com o trabalho livre e outras formas de trabalho dependente, o paradigma predominante em toda a representação do trabalho manual, no sistema social e mental dos grupos dominantes, influenciando a sociedade como um todo, em um desprezo de toda forma de trabalho dependente e na inferiorização do trabalho manual diante do trabalho intelectual e das atividades cívicas da política e da guerra. Se por um lado é errôneo falar em uma ausência de máquinas na Antiguidade greco-romana − tendo havido não só invenções, como também sua difusão por meio de publicações, migrações, do comércio e da guerra −, temos de encarar um importante obstáculo cultural ao progresso científico no campo da produção e na inovação tecnológica, que, muitas vezes, quando ocorria, era deixada de lado, sem que se utilizassem os recursos necessários para o empreendimento, até pela possibilidade de se contar com uma grande quantidade de força de trabalho humana, com a difusão da escravidão, gerando, ao mesmo tempo, uma recusa ao trabalho dos livres e sua rejeição também no plano mental. Este círculo vicioso representou um sério entrave para o desenvolvimento das forças produtivas. A isso, podemos acrescentar o fato de que a aristocracia, ao contrário da moderna burguesia, não se preocupava em reinvestir a riqueza acumulada, gastando os lucros advindos da produção e do comércio no luxo, nas obras (evergetismo) e nas festas das cidades. Arquimedes foi uma das exceções do Mundo Antigo. Ele utilizou suas invenções contra os romanos, durante as Guerras Púnicas, na defesa da cidade de Siracusa. O poder aristocrático permitiu à humanidade alcançar as mais magníficas produções de que o intelecto humano seria capaz em uma sociedade de baixo nível tecnológico, de tipo pré-industrial, mas também significou um entrave para o progresso técnico, na medida em que nutria uma mentalidade marcadamente desinteressada na produção, salvo alguns poucos intelectuais que resolveram se debruçar sobre o problema da administração dos negócios privados e referentes à organização do trabalho em uma unidade produtiva, como Catão, por exemplo. É possível relacionar, também neste caso, a vitória da alternativa aristocrática da monarquia militar com a tomada de uma direção que conduzia inevitavelmente à catástrofe, com a queda do Império Romano no fim do caminho, mas que contou com a falta de estímulo para a inovação durante todo o processo. Se o fim das guerras de conquista representou uma das causas da crise do escravismo antigo, pois era por meio da guerra, principalmente, que os escravos eram adquiridos no volume requerido pelo regime imperial romano, outra consequência grave que pode ser por nós sugerida é o esgotamento desta forma de avanço econômico e tecnológico por meio de sua difusão ao longo de um território que vai se expandindo por meio da conquista. O fim das guerras de conquista representou também o fim de um modelo de desenvolvimento técnico, econômico e social, fundamentado na guerra. As guerras de rapina sustentavam Roma em sua essência, na dinâmica mais profunda de seu sistema político e econômico. O saque de riquezas, terras, escravos e ciências garantiu a Roma todo o seu esplendor. O término desta onda de saques determinou igualmente o seu declínio; isso e o pensamento aristocrático, com sua aversão ao trabalho manual, verdadeira fonte das riquezas da Antiguidade, desfrutada pelos senadores, generais e filósofos. Uma revolução municipal que democratizasse a Itália e restabelecesse o campesinato, política e economicamente, que desse um espaço na política para as camadas médias italianas e que restaurasse o papel político e militar da cidadania romana, talvez impedisse o desenvolvimento conservador aristocrático e exercesse uma forte influência em um desenvolvimento vigoroso e ininterrupto das forças produtivas rumo à modernidade, sem os empecilhos mentais e sociais vigentes nos últimos séculos da Antiguidade; mas tal opção foi derrotada. O principado de Augusto serviu para consolidar as tendências centrais que vinham se afirmando desde as Guerras Púnicas, passando pelas conquistas de Júlio César na Gália e de Pompeu no Oriente. A dinâmica da economia apontava para o Estado monárquico como forma de garantir um aparato político-administrativo capaz de arbitrar os diferentes conflitos políticos e sociais e as próprias relações sociais de produção. É isso que, em parte, ajuda a explicar porque, no regime imperial, não ocorreram grandes rebeliões servis como aquelas de fins da República. A nova máquina estatal funcionava como um mecanismo político-ideológico de dominação social e de estabilização política da nova sociedade romana. Os reformistas não contavam com uma base social suficientemente coesa para fazer frente ao bloco aristocrático. A oligarquia senatorial, por seu turno, também não tinha capacidade de manter indefinidamente um sistema político já há muito falido. Em que pese todos os esforços de proeminentes lideranças, como Cícero, que combateu Catilina e Júlio César e todos aqueles que, na sua visão, tentavam usurpar o poder do Senado e dar fim à República e de sua política de “concórdia das ordens”, e Sila, que restabeleceu durante seu governo o poder do Senado e foi um ardoroso inimigo das lideranças reformistas e democráticas, como Caio Mário, a República no século I a.C. não passava de um cadáver insepulto, uma ordem social ultrapassada; era preciso admitir: o antigo regime estava morto. Cada ano que passava era um passo a mais em direção ao abismo. A nobreza patrício-plebeia não teve outra escolha a não ser apoiar-se no príncipe, uma figura acima das “ordens” tradicionais, que unificava senadores e equestres, a classe dominante romana e as novas elites itálicas, as municipalidades itálicas, as províncias e a capital do império, o exército e a plebe, uma liderança baseada no poder unipessoal legitimada pelo reconhecimento formal do Senado de sua autoridade e pela delegação plebiscitária das massas de toda a Itália e das províncias do império. Rostovtzeff (1977, p. 135) dizia sobre o caráter multirracial do exército de César que sua política era a mesma de Mário quanto à composição do exército romano, visto como força representativa de um Estado mundial, não restrito aos cidadãos romanos, sendo parte de seu legado um exército formado por cidadãos de Roma, da Gália, da Espanha e da Ásia Menor. O autor ainda afirma que o seu poder se apoiava nos veteranos em Roma, na Itália e nas províncias ocidentais. Já o exército macedônio, responsável pelas conquistas de Alexandre Magno, era uma síntese das tradições helênica e oriental, segundo Sousa (1988, p. 75). Assim, o exército de Alexandre era a fusão da ênfase na infantaria pesada (legado dos gregos) e do papel de destaque na batalha da cavalaria e das tropas ligeiras, além de um sistema logístico muito desenvolvido (legado dos orientais). Sendo assim, é mais importante e interessante comparar figuras como Júlio César e Alexandre, o Grande por sua relação com as tropas e o papel político dos seus exércitos na definição de suas estratégias políticas e militares, ou traçar uma comparação entre o regime monárquico na forma como foi exercido por Alexandre e a ditadura na forma como foi exercida por César com a tirania grega, levando-se em consideração não tanto a forma política, mas o conteúdo político e social dos seus regimes/governos, ou ainda compará-los pelo caráter multirracial de seus exércitos. De todas as rebeliões de escravos da Roma antiga, a mais famosa foi a de Espártaco. Eternizado no filme épico de Stanley Kubrick – Spartacus –, o herói, líder desta revolta, aparece para nós como um grande libertador, como o anunciador da libertação geral da humanidade, mesmo que tenha pertencido a um tempo em que isto era objetivamente impossível. O filme é uma produção hollywoodiana do ano de 1960 e foi filmado e exibido no contexto da Guerra Fria, em um momento em que o mundo estava polarizado pela luta política e ideológica entre capitalismo e socialismo, na trilha da luta do proletariado por um mundo mais justo e igualitário, sem exploradores. Em 2004, foi feita uma refilmagem do clássico em uma versão para a televisão, o que prova que, mesmo em outro contexto político, continua atual a memória de um herói dos desfavorecidos, da luta do oprimido contra o opressor, do explorado contra o explorador. O cinema permitiu que esta mensagem chegasse às mais amplas massas no mundo todo. É ao conhecimento do público leigo, até daqueles que nunca estudaram ou entraram em contato com uma fonte histórica relacionada ao tema, a fabulosa odisseia dos escravos pelos campos italianos da República romana e sua batalha de vida e morte contra os seus senhores. Este já era um tema de grande interesse dos militantes socialistas no início do século XX. A figura de Espártaco simbolizava a luta pela liberdade e a luta contra a exploração. Inspirando o movimento socialista da época da Revolução Russa de 1917, os comunistas que rompiam com a II Internacional durante a Primeira Guerra Mundial denominaram o seu movimento de Liga Spartacus, fundada em 1915 por Karl Liebknecht, Rosa Luxemburgo e Clara Zetkin, na Alemanha. Essa geração de militantes revolucionários foi profundamente influenciada pela revolta de escravos da Antiguidade na construção de uma teoria da história que fizeram. Assim, depois da revolução socialista na Rússia, feita por operários e camponeses, liderada pelo Partido Bolchevique, e suas principais lideranças políticas daquele momento, Lênin e Trotsky, nos anos que se seguiram, os historiadores soviéticos estudaram o tema desde o início da revolução, atravessando todo o período stalinista, o que influenciou profundamente as hipóteses e interpretações do significado daquele movimento, mantendo-se objeto de interesse de diversos pesquisadores também no período posterior ao governo de Stálin na URSS. A historiografia soviética produziu uma imagem da revolta de Espártaco que encarava aquela rebelião como uma verdadeira revolução e como parte de um processo mais amplo que culminou na queda do Império Romano, no que foi considerado por Mishulin e Kovaliov como a segunda fase da revolução que, unindo escravos, colonos e bárbaros, levou ao desmoronamento do mundo antigo e ao surgimento do feudalismo. Neste esquema, a revolta de Espártaco encaixar-se-ia no que estes historiadores considerariam a primeira etapa dessa revolução. Esta insurreição escrava também foi retratada pela literatura moderna. O romance de Howard Fast, Espártaco, foi publicado em 1952, contando a história dos escravos rebeldes da Roma antiga e de sua luta contra a aristocracia romana, e serviu para popularizar a Revolta de Espártaco, inspirando o filme homônimo de Kubrick. Howard Fast foi autor de vários romances de conteúdo político e atuou junto de sindicatos e de movimentos antifascistas, tendo sido preso durante o McCartismo. Em 1953, ele recebeu o Prêmio Stálin da Paz. Os estudos das revoltas de escravos da Roma antiga e seu significado e dos projetos históricos representados por Alexandre e César e as possibilidades históricas e as potencialidades neles contidas que abririam caminhos diferentes dos traçados a partir da vitória do campo majoritário e conservador das aristocracias romana, macedônia e grega são retratados nos artigos que compõem este livro. Em primeiro lugar, a síntese, o resumo da minha dissertação de mestrado: As Revoltas de Escravos na Roma antiga e o seu impacto sobre a ideologia e a política da classe dominante nos séculos II a.C. a I d.C.: os casos da Primeira Guerra Servil da Sicília e da Revolta de Espártaco (comunicação publicada nos Anais Eletrônicos do XXI Ciclo de Debates em História Antiga – “Tempo e Espaço”, do LHIA-UFRJ); e, em seguida, vem o projeto de pesquisa que culminou em um artigo sobre Alexandre e César: O “Príncipe Tirano” e a “Democracia Militar” no projeto de construção de um Império Universal de Alexandre, O Grande e de Júlio César (artigo publicado na revista História e Luta de Classes, Ano 9, Edição 16, setembro de 2013, “Crises, Resistências e Insurreições”). Esses trabalhos apontam para a discussão sobre a luta de classes na Antiguidade e esta obra é um convite para esse debate histórico e teórico. AS REVOLTAS DE ESCRAVOS NA ROMA ANTIGA E O SEU IMPACTO SOBRE A IDEOLOGIA E A POLÍTICA DA CLASSE DOMINANTE NOS SÉCULOS II A.C. A I D.C.: OS CASOS DA PRIMEIRA GUERRA SERVIL DA SICÍLIA E DA REVOLTA DE ESPÁRTACO Rafael Alves Rossi O combate é de todas coisas pai, de todas rei, a uns manifestou como deuses, a outros como homens; de uns fez escravos, de outros livres. (Heráclito) Preâmbulo A presente comunicação é produto de uma pesquisa empreendida sobre as revoltas de escravos ocorridas em fins da República Romana e seu significado. Ela resume a dissertação de mestrado redigida recentemente sobre o tema e tenta dar conta de seus aspectos centrais, bem como divulgar o estudo realizado para provocar o debate. A hipótese central desta pesquisa é que, apesar de terem sido derrotadas militarmente, as grandes revoltas servis da Roma antiga serviram para pôr em xeque a teoria da escravidão natural, a visão do escravo como simples animal ou coisa, representada no discurso oficial, e a própria afirmação da inferioridade dos escravos presente no discurso de intelectuais da aristocracia romana como Catão, que já relativizava a posição mais rígida da teoria aristotélica, provocando mudanças no discurso da classe dominante e na sua forma de perceber os escravos, produzindo uma fissura no plano ideológico, o que pode ser constatado nos textos que analisamos de Diodoro, Plutarco e Apiano, tratando-se, pela primeira vez, da afirmação patente da humanidade dos escravos que lutaram na Primeira Revolta de Escravos da Sicília, comandada pelo escravo doméstico Euno, e na Revolta de Espártaco, iniciada pelos gladiadores da escola de Lêntulo Baciato em Cápua, no Sul da Itália. Nos escritos desses autores, a capacidade de organização dos escravos rebeldes, que formaram exércitos e derrotaram o exército romano e seus generais em muitas batalhas, e a coragem em combate demonstrada pelos rebeldes sicilianos e espartacanos aparecem em muitas passagens e transparece nos textos dos ideólogos da aristocracia romana o reconhecimento dessas qualidades morais junto com a tentativa de reafirmar a suposta inferioridade natural dos escravos, que entrava agora em contradição com os fatos da política e da guerra, com a manifestação do talento, da inteligência e da bravura dos servos de Roma na cena pública. Desse modo, podemos concluir que os escravos do império romano obtiveram uma importante vitória simbólica que reverberou pelos séculos. A análise das fontes é enriquecida pelo uso do método comparativo, tentando traçar paralelos entre as revoltas de Euno e de Espártaco entre si e dessas revoltas de escravos antigos com aquelas ocorridas nos Tempos Modernos, percebendo pontos de interseção entre a escravidão antiga e a escravidão moderna, bem como suas diferenças fundamentais. O método estruturalista genético também aparece como um instrumento importante na análise, relacionando os textos dos autores individuais com a sua consciência de classe e o seu compromisso social, bem como com a ideologia de classe do grupo social ao qual pertenciam, percebendo as ambiguidades que se manifestaram de forma mais ou menos aguda, dependendo do autor ou do contexto político e social em que o texto foi escrito. A ferramenta teórica que norteia a pesquisa é o marxismo, com suas contribuições possíveis e necessárias a esse debate. Guerras Civis e Guerras Servis: a Crise da República e a Revolução Passiva A Primeira Revolta de Escravos da Sicília ocorreu em 135 a.C. A revolta ainda estava em curso (durou de 135 a 132 a.C.) quando estourou o conflito entre Tibério Graco, o tribuno da plebe, e a oligarquia senatorial, em 133 a.C. A guerra servil influenciou a proposição urgente de uma reforma agrária no império. De 133 a 129 a.C., ocorreu a revolta de Aristônico, na Ásia Menor, outra revolta de grandes dimensões com protagonismo dos escravos. Seu início deu-se paralelamente ao conflito envolvendo Tibério Graco. Desse modo, este que foi um dos momentos de luta mais intensos e ferozes entre as facções da classe dominante foi acompanhado de duas rebeliões servis. A relação entre as guerras civis e as guerras servis parece evidente se analisarmos o texto de Apiano acerca da luta entre Tibério Graco e a oligarquia senatorial e o novo panorama social, com escravos ocupando os postos de trabalho de camponeses livres e se insurgindo contra Roma, estando a proposta de reforma agrária de Graco em estreita relação com o movimento de rebeliões servis: (...) o recente descalabro sofrido na Sicília por estes nas mãos de seus escravos por ter aumentado o número de servos pelas exigências da agricultura (...) a guerra sustentada pelos romanos contra eles (os escravos), que não era fácil, mas sim muito prolongada em sua duração e envolvendo diversos tipos de perigos. (APIANO, Guerras Civis, I, 9) O tribunato de Caio Graco deu-se em 123-122 a.C., quando ocorreu uma nova luta acirrada por reforma agrária e a proposta de mudanças no regime republicano com a participação de outras camadas sociais de forma mais ativa e efetiva da vida política, como o direito de os equestres ocuparem os postos de jurados, privilégio reservado anteriormente aos senadores, o direito de cidadania romana aos latinos e a concessão dos privilégios dos aliados latinos aos demais aliados itálicos. O irmão de Tibério Graco apontava também para uma redistribuição da riqueza social de Roma com as concessões feitas ao proletariado urbano como “a distribuição regular de cereais por metade do preço a que eram cotados no mercado” (BLOCH, 1956, p. 160). Leon Bloch destaca este fato porque antes da lei de Caio Graco esta era uma medida excepcional aplicada nas épocas de maior carestia. O caráter ordinário desta medida garantia aos proletarii a sua parte no saque às terras estrangeiras promovido pelo exército romano. No entanto, a nobilitas não podia fazer concessões ao povo em termos de participação política e defesa de um Estado camponês romano. A nova aristocracia romana, nascida da fusão da velha aristocracia patrícia com os plebeus ricos, da luta entre patrícios e plebeus, senhora de todo o mundo mediterrânico e não apenas de uma cidade-Estado, passara a se sustentar do sangue e suor dos milhares de escravos trazidos de outros países como prisioneiros de guerra e da exploração das províncias, nascida das guerras contra Cartago, quando fez sua primeira província, a Sicília. A nobilitas patrício-plebeia era uma aristocracia ainda mais belicista e imperialista, governante de um império de estrutura bastante complexa e que contava com uma intensa circulação de mercadorias e uma administração crescentemente sofisticada. Uma oligarquia composta pelos ricos e proprietários das duas antigas ordens explorava agora todos os recursos do império em seu benefício e relegava para segundo plano as necessidades de homens livres e pobres na nova Roma. No contexto do século II a.C. o Senado da República servia para salvaguardar as posições conquistadas nas relações internacionais e no âmbito interno pela nobreza senatorial. Sendo assim, a resposta do Senado à agitação política do movimento reformista foi o senatus consultum ultimum. Novos confrontos políticos, agora entre facções políticas delimitadas e organizadas, marcando a divisão da classe dominante por grupos de interesses e base social, os optimates e os populares, aconteceram no período de 103 a 100 a.C. Segundo Norma Musco Mendes (1988, p. 63-64), os Populares eram aqueles que “através de programas de reformas buscavam o apoio do povo” e os Ótimos (Optimates) eram os que tinham como objetivo central “manter ou restaurar o poder do Senado, associando a existência de um Senado poderoso à manutenção da liberdade republicana”. Estas duas facções surgiram como consequência direta do assassinato dos irmãos Graco pela nobreza senatorial. Um grupo de adeptos tornou-se o continuador do trabalho dos reformadores, tendo tomado o nome de populares ou defensores do povo, e as medidas propostas por Caio Graco serviram de base para o programa da recém-surgida facção popular; em reação a este novo movimento organizado dos reformistas, a facção senatorial passou a autodenominar-se os optimates. Caio Mário foi um dos maiores expoentes da facção popular. Ele era um homo novus e se notabilizou como um dos maiores generais e cônsules da história da república romana. Ao defender a Itália contra a invasão dos cimbros e teutões no ano de 102 a.C., Caio Mário teve um enorme reconhecimento popular, tendo sido conferido a ele o cognome de “terceiro fundador de Roma”, sendo os outros dois o lendário Rômulo, fundador de Roma, e Marco Fúlio Camilo, o destruidor de Veios (396 a.C.), que reconstruiu Roma depois da invasão dos gauleses (387-386 a.C.). Foi durante a guerra com os cimbros que Mário realizou a reforma do exército que permitiu que os proletários sem bens (capite censi) fizessem parte do exército romano, sendo equipados pelo Estado. Foi nessa conjuntura que se combinou uma das mais graves guerras externas da história de Roma e uma das mais importantes revoltas de escravos, a Segunda Guerra Servil da Sicília (104-101 a.C.) em que se constituiu o exército profissional no lugar do exército de camponeses-cidadãos-soldados, base material da República romana, sendo a nova força militar também uma nova e decisiva força política. A crise política e social crônica de fins da República só teve solução com o projeto cesarista de governo. Este representou um projeto conservador, corporificado na aliança forjada entre o César, o Senado e o Exército, com o respaldo das massas. Esta aliança conservadora e a afirmação desta alternativa societária reconfiguraram o aparato político-administrativo para ajustá-lo às novas necessidades do império mediterrânico e do sistema social baseado na elevada concentração fundiária e na escravidão-mercadoria empregada em larga escala como modelo econômico e social hegemônico. As mudanças processadas no aparato político-administrativo de Roma relacionavam-se com a consolidação de elementos que estabeleciam um domínio oligárquico, de homens ricos e possuidores de terras, membros da aristocracia ou não, com muitos libertos grandes proprietários de terras, mas com um inegável predomínio da nobreza senatorial no que se refere à condução dos negócios de Estado e ao direcionamento da máquina pública para a consecução de seus interesses e objetivos. O consenso aristocrático tomou forma no regime monárquico. A tendência exclusivista da nobreza senatorial romana prevaleceu, tendo os senadores, porém, de ceder o monopólio do poder político e depositar na figura do César a autoridade que antes era sua. Esta alternativa era a que melhor preservava os privilégios sociais conquistados pela nobilitas e promovia o ajuste perfeito das instituições políticas às condições econômicas vigentes. As convulsões políticas e sociais dos séculos II e I a.C. tiveram fim com o Principado de Augusto. Araújo (1999, p. 206) destaca os elementos que conduziram ao advento do Principado, como a forma político-jurídica capaz de atender aos reclamos dos variados grupos sociais: A revolta de escravos liderada por Espártaco e a Guerra Social sinalizaram para as classes dominantes que o sistema escravista e, inclusive, as relações com outros segmentos sociais – os italianos, os homens livres e pobres – deveria, para ser mantido, sofrer alguns ajustes: os populares deveriam receber mais atenção a seus reclamos, daí a política imperial de “panis et circenses”; os escravos deveriam ser mais controlados, cerceados em seus movimentos, de modo a evitar revoltas, mas, por outro lado, a sanha dos senhores deveria ser coibida pelo Estado para que não houvesse exacerbação de ânimos e, consequentemente, rebeliões; os italianos deveriam ter suas reivindicações atendidas, e serem integrados, e foram atendidos antes mesmo do Principado. O impacto dessas revoltas na vida romana pode ser notado pela legislação aprovada no período do regime imperial que regulava as relações entre amos e servos. O imperador Adriano aprovou uma série de leis que favoreciam os escravos, como a restrição do uso da tortura para extrair informações dos escravos, a proibição da venda de um escravo, sem razão, para uma escola de gladiadores ou para um bordel e ainda a abolição dos ergástulos, as prisões dos escravos (MASSEY; MORELAND, 1978, p. 56). A nova máquina estatal funcionava como um mecanismo político-ideológico de dominação social e de estabilização política da sociedade romana. A situação de Guerras Civis, Guerras Servis e Guerra Social colocavam em risco a unidade do tecido social romano. A monarquia militar-republicana, surgida da crise do século I a.C., apresentou também um novo discurso ideológico. O controle das forças armadas era fundamental para o exercício efetivo do poder e era a peça essencial no jogo político. No entanto, sem um novo discurso que refletisse a nova conjuntura social, dificilmente seria possível estabelecer este novo domínio em bases sólidas. O estoicismo foi uma das vertentes filosóficas que funcionaram como parte desse mecanismo de dominação político-ideológica do regime imperial. O reconhecimento da humanidade dos escravos era parte integrante desse discurso, que se popularizou bastante no século I d.C., durante o Alto Império. É impossível desconsiderar o peso das grandes revoltas servis do período republicano na constituição de um novo paradigma sobre a escravidão, que pode ser constatado nos escritos de Sêneca: “Eles são escravos”, as pessoas declaram. Não, eles são homens. “Escravos”. Não, eles são despretensiosos amigos. “Escravos”. Não, eles são seus camaradas-escravos, se refletir que a fortuna tem direitos iguais tanto sobre escravos como sobre homens livres. (SÊNECA, Epistulae 47.I, IO (cf.17) As grandes rebeliões servis e a crise do paradigma escravista republicano Um dos maiores ideólogos representantes daquilo que chamaremos de paradigma escravista republicano foi Catão. Ao contrário dos escritores do período do Principado, durante o período republicano tanto o tratamento conferido na prática aos escravos quanto o discurso ideológico – mesmo havendo exceções – partiam da premissa de que o escravo era semelhante a um animal e sua única função, a única razão de sua existência, era proporcionar lucro e bem-estar ao seu amo. Catão era o porta-voz desta tendência dominante na República. Para ele, o escravo era, antes de mais nada, uma propriedade, um instrumento de produção destinado a retirar do solo a riqueza do proprietário rural. Na passagem a seguir, temos uma boa síntese desta concepção do escravo como mera mercadoria: O senhor (pater familias)...quando for informado, deve fazer as contas dos trabalhos e das diárias; se o trabalho não aparece, se o capataz diz que fez o melhor possível, mas os escravos estiveram doentes, fez mau tempo, que alguns escravos fugiram, que fez trabalho obrigatório para o Estado, quando tiver dito todas estas coisas, faça-o voltar às contas dos trabalhos e das diárias... Quando tiver sabido, corretamente, o que deve ainda ser feito, mande-as fazer, checar as contas de prata e trigo e do que foi preparado como forragem, as contas do vinho e do azeite, o que se vendeu, do que se obteve, do que sobrou, do que há ainda à venda, que os empréstimos feitos sejam cobrados; o que sobrou deve ser mostrado; se falta qualquer coisa, compre; se sobrou, venda; os trabalhos a serem arrendados devem ser arrendados; deve deixar por escrito quais trabalhos devem ser feitos por locação e quais não. Examine o gado, faça um leilão: venda o azeite, se o preço for bom, vinho, o trigo que sobrou, os bois velhos, gado em mau estado, lã, couro, carro velho, ferramentas velhas, os escravos velhos ou doentes e tudo o que sobrar, venda; o senhor deve ser um vendedor e não um comprador. (CATÃO, De Agri Cultura, 2, I-7) Nesta comunicação, tomamos de empréstimo os conceitos elaborados por João José Reis acerca das fugas-rompimento que manifestaram o “não quero” dos escravos, a sua inconformidade com o cativeiro, e que o simples fato de se rebelarem já evidenciava uma ruptura com o paradigma ideológico existente, mesmo que parcial, mas sempre forçando uma reelaboração teórica ou um aumento da repressão como mecanismo de controle social; neste caso, tal como Reis chamou de paradigma ideológico colonial aos valores da sociedade escravista brasileira que funcionavam como o principal mecanismo dificultador das fugas e das revoltas (REIS, 2009, p. 66), chamaremos de paradigma ideológico republicano ou paradigma escravista republicano os valores da Roma republicana e sua crítica também foi feita na prática social pelas rebeliões que eclodiram nos últimos séculos da República. A excepcionalidade dessas revoltas escravas pode ser explicada pelos fatores limitadores estruturais e conjunturais para a sua ocorrência, havendo levantes de escravos sempre que a oportunidade surgia, evidenciando que não existia um controle ideológico absoluto dos servos nem o seu consentimento. Nas relações particulares, privadas, entre determinado senhor e determinado servo possivelmente devia ser percebido que os escravos não eram naturalmente inferiores, bem como constatada a sua humanidade, mas não no discurso oficial e público. No entanto, isto mudaria com as grandes insurreições escravas que foram de tal monta que produziram mudanças na política social da classe dominante para as classes subalternas e condicionaram o desenvolvimento ulterior do modo de produção escravista, com novos mecanismos de regulação e o arbitramento do Estado nas relações sociais. Essas grandes revoltas de escravos tiveram também uma influência importante sobre o fim da República e o advento do Principado, senão de maneira direta e decisiva, pelo menos de uma maneira indireta, como forma de contenção daqueles que eram a principal força produtiva da economia romana. Desse modo, a mobilização política dos escravos, a manifestação de sua humanidade na cena pública, não pôde ser ignorada nem ocultada. Intelectuais orgânicos da classe dominante romana como Plutarco deixaram escapar vez ou outra os elementos que permitem a crítica do paradigma escravista republicano: Esta foi a mais dura batalha de todas. Ele (Crasso) matou doze mil e trezentos, e apenas dois deles foram encontrados com ferimentos nas costas: todos os outros ficaram firmes em seus postos e morreram combatendo os romanos. (PLUTARCO, Crasso, Ch. 11.3) Revolução Política e Fuga Coletiva Insurrecional: as revoltas de Euno e de Espártaco O líder da Primeira Guerra Servil era um escravo sírio chamado Euno. Ele era um escravo doméstico e um fazedor de milagres, tornando-se chefe religioso, além de chefe político e militar, organizando os escravos da Sicília contra os seus amos. A religião teve papel fundamental nessas revoltas, pois funcionava como um programa, apontando para uma estratégia e perspectivas, uma orientação geral, partindo os rebeldes de algumas referências conhecidas e comungadas por todos, dando, assim, a necessária coesão ao grupo. Depois de consolidada a vitória, Euno foi eleito rei, intitulando-se rei Antíoco, e organizou um conselho formado pelos melhores dentre o exército rebelde, sendo um deles um escravo chamado Aqueu. Mais tarde, tendo o eco da rebelião ressoado em outros cantos da Sicília, alastrando-se para outras cidades a revolta servil, um ex-pirata da Cilícia, Cléão, liderou um movimento nas cercanias de Agrigento, ocupou a cidade e depois se uniu a Euno. Além destes dois generais, Euno contava ainda com dois pastores como seus lugares-tenentes, Hérmias e Zêuxis. Completando sua corte, a esposa de Euno foi feita rainha. É importante observar que os escravos rebeldes não criaram nenhuma nova forma de autoridade estatal, nenhum novo tipo de governo ou de regime político. Eles apenas reproduziram as formas conhecidas de governo e o tipo de governo conhecido por eles e talvez considerado legítimo e até mesmo o melhor era o sistema da monarquia helênica oriental, adotado, então, no novo governo da Sicília. Sendo assim, os escravos tomaram o poder, isto é, assumiram o controle da ilha e estabeleceram um reino próprio, um governo autônomo, mas sem inovar, sem revolucionar as formas políticas existentes. Diodoro explica as razões da escolha de Euno como chefe de Estado: Em seguida, Euno foi eleito rei. Isto não se deveu ao fato dele ser particularmente corajoso ou que tenha se destacado como comandante, mas simplesmente por ser um fazedor de milagres e por ter iniciado a revolta. (DIODORO, 14) Os escravos rebeldes chegaram a escravizar os seus antigos senhores e elementos da população livre que detinham conhecimentos estratégicos para sua organização político-administrativa e político-militar, como homens que fossem capazes de fabricar armas: Estabelecido como senhor dos rebeldes em todos os assuntos, ele convocou uma assembléia e matou as pessoas de Enna que haviam sido capturadas, exceto aqueles que eram hábeis em fazer armas; ele forçou-os a realizar seu trabalho acorrentados. (DIODORO, 15) Esta insurreição escrava teve um impacto sobre outras comunidades, províncias e propriedades com trabalhadores escravos; somente a destruição do exército rebelde da província da Sicília poria fim à onda de insubordinação desencadeada por esse conflito. A repressão que se seguiu serviu para incutir o medo nos demais escravos do império, impedindo que ocorressem outras revoltas. Este fato foi de fundamental importância, pois o insucesso das revoltas que eclodiram na esteira da rebelião siciliana e o retrocesso do movimento, marcando um recuo da reação servil contra a opressão romana, levaram ao isolamento dos rebeldes da ilha da Sicília e à sua consequente derrota. Como os escravos não eram uma classe para si e não possuíam uma organização que ultrapassasse o nível local (as revoltas tinham um caráter local, restritas a um espaço físico, limitadas a uma região qualquer, não havendo unidade entre os vários processos), não foi possível articular um amplo movimento pela libertação dos escravos ou uma frente de resistência contra a opressão romana. Assim, mesmo sendo possível forjar a unidade entre os escravos de um mesmo senhor, em uma mesma propriedade, ou de uma mesma região ou província, esse caráter local mostrava-se uma barreira intransponível no processo de enfrentamento com a classe senhorial romana, itálica e siciliana. Esta divisão existente entre os próprios escravos, que não tinham uma consciência de classe, e a ausência dos meios de comunicação e transporte que possibilitassem materialmente esta articulação maior entre os servos das distintas províncias facilitaram a repressão. Diante da inexistência de uma alternativa societária, da impossibilidade de uma solução revolucionária para o escravismo antigo, os movimentos de resistência tendiam a operar com as mesmas ideias, reformulando-as, talvez, com base em outras tradições, locais ou estrangeiras, mas, de qualquer modo, conservadora e sem uma perspectiva transformadora. A fase final da guerra foi marcada pela contraofensiva romana: Foi nesta ocasião que o irmão de Cléão, Comano, foi capturado, tentando escapar da cidade sitiada. No fim o sírio Serapião traiu a cidadela e o governador foi capaz de trazer sob seu controle todos os fugitivos na cidade. Ele os torturou e depois os atirou de um penhasco. De lá ele foi para Enna, a qual ele sitiou da mesma maneira; ele forçou os rebeldes a ver que suas esperanças tinham chegado a um beco sem saída. Seu comandante Cléão veio para fora da cidade e lutou heroicamente com uns poucos homens até que os romanos foram capazes de mostrar o seu cadáver coberto de feridas. Esta cidade também foi capturada através da traição, até porque ela não poderia ter sido tomada nem pelo mais poderoso exército. Euno levou sua escolta de uns mil homens e fugiu de uma forma covarde para uma região onde havia muitos penhascos. Mas os homens com ele perceberam que eles não poderiam evitar seu destino, pois que o governador (cônsul) Rupilius já estava indo na direção deles, e eles decapitaram uns aos outros com suas espadas. O fazedor de milagres Euno, o rei que tinha fugido por sua covardia, foi arrastado para fora das cavernas onde ele estava se escondendo com quatro serviçais – um cozinheiro, um padeiro, um homem que o massageava no banho e um quarto que costumava entretê-lo quando ele estava bebendo. Ele foi posto sob custódia; seu corpo foi comido por uma multidão de piolhos, e ele terminou os seus dias em Morgantina na maneira apropriada por sua vilania. Em seguida, Rupilius marchou através de toda Sicília com uns poucos soldados selecionados e libertou-a de todo vestígio de bandos de bandidos mais cedo que o esperado. (DIODORO, 20-23) O beco sem saída das sociedades antigas pode ser visto como o fator estrutural determinante para a derrota de todas as rebeliões servis. Serapião traiu os seus companheiros, cedendo ao desespero, e permitiu que as tropas romanas entrassem na cidade de Tauromênio. O mesmo ocorreu na cidade de Enna, quando outro escravo traiu o movimento também. Antonio Gramsci foi o teórico marxista que melhor elaborou sobre a função desarticuladora da ideologia dominante nas revoltas dos subalternos: Os grupos subalternos sofrem sempre a iniciativa dos grupos dominantes, inclusive quando se rebelam e se levantam. Na realidade, inclusive quando parecem vitoriosos, os grupos subalternos se encontram em uma situação de alarma defensivo. (GRAMSCI, C.XXIII, R. 191-193) Assim, partimos da compreensão desta revolta como uma insurreição popular. Entretanto, os escravos não se rebelaram simplesmente, eles derrubaram o antigo poder e assumiram o controle político-administrativo da ilha da Sicília. Este elemento de qualidade superior não foi suficiente, no entanto, para produzir uma nova sociedade. Permaneceram como realidades sociais a escravidão e a monarquia como modelo de regime político, sendo implantada pelos rebeldes após a tomada do poder. No campo do marxismo, alguns historiadores e teóricos dedicaram-se a diferenciar insurreições de revoluções e revoluções políticas de revoluções sociais. Uma revolução social ocorre quando se modifica a estrutura econômico-social de uma sociedade determinada. Isto evidentemente não se deu no caso da revolta dos rebeldes sicilianos. Contudo, este não é o único tipo de revolução existente na realidade para os marxistas. O conceito de revolução política é fundamental para o melhor entendimento deste evento. Um importante teórico marxista russo, Leon Trotsky, criou este conceito para diferenciar mudanças de regime político de mudanças econômicas e sociais e para caracterizar quando uma classe social substitui outra no poder, sem que a estrutura social se modifique necessariamente. A simples derrubada de um governo não configura um processo revolucionário autêntico; nem mesmo a tomada do poder quando produto da ação de uma minoria. A conquista do poder político de Estado para ser algo mais que um golpe de Estado tem de ser obra de uma classe social progressista e não de um setor reacionário ou conservador da classe dominante ou ainda de setores políticos e sociais minoritários. É claro que para que possamos chamar um movimento de revolucionário a sua ação precisa ser mais que uma insurreição. A insurreição, nesse caso, tem de ser somente o ponto culminante de um processo mais amplo e mais profundo. Isto porque podem existir insurreições que não sejam revoluções ou parte integrante de um processo revolucionário. Desse modo, o que nos permite afirmar que a Primeira Revolta de Escravos da Sicília tratou-se de uma revolução política foi a tomada do poder político de Estado e o estabelecimento de um novo governo pelos rebeldes sicilianos. A revolução escrava aparece aqui, portanto, não na forma apresentada pela historiografia stalinista, mas de forma mediada, utilizando o repertório conceitual que é patrimônio do marxismo que rompeu com o dogmatismo stalinista. Este conceito de revolução política é apresentado por Trotsky: “O mecanismo político da revolução consiste na transferência do poder de uma classe para outra. A insurreição, violenta por si mesma, realiza-se habitualmente em curto espaço de tempo” (TROTSKY, 1978, p. 184). Na historiografia soviética, de inspiração stalinista, as revoltas de escravos, em especial a revolta de Espártaco, aparecem como verdadeiras revoluções contra o sistema escravista, sendo a causa da queda do Império Romano uma revolução de escravos, camponeses e invasores germanos no século V d.C., tendo sido a primeira fase deste processo, que ficou conhecido como “a revolução em duas fases”, justamente a revolta dos escravos espartacanos. Desse modo, Roma teve sua derrocada pela via revolucionária, tendo os escravos antigos como protagonistas dessa revolução (ARAÚJO, 1999, p. 234-235). Em historiadores como Misulin a interpretação histórica estava bastante impregnada de conteúdo político-ideológico. A sua análise dava justificação teórica ao combate empreendido pela maioria da direção do PCUS aos seus opositores. Assim, Espártaco teria sido o verdadeiro “líder do proletariado” e o “Grande Líder”, que teve seus planos derrotados pela indisciplina da “pequena burguesia”, representada pelos homens livres e pobres e pelos “extremistas de esquerda” Crixo, Enomau e Casto (as lideranças dissidentes do exército espartacano), que poderiam ser identificados como os “trotskistas” da oposição de esquerda (RUBINSOHN, 1987, p. 8). A revolta de Espártaco guarda algumas similitudes, mas muitas diferenças, em relação à sua antecessora. Começando por uma semelhança importante, em ambos os casos, a religião cumpriu um papel decisivo na organização dos rebeldes e na escolha dos líderes. A companheira de Espártaco era uma adivinha de Dionísio. O casal místico deu maior confiança aos rebeldes pela relação com os deuses e com o sobrenatural e a possibilidade de prever os eventos e de invocar os deuses para o sucesso, sendo capazes, na visão dos escravos e dos homens livres e pobres que aderiram à revolta, de conduzilos à vitória, com o apoio dos deuses salvadores – Dionísio e Sabázio (deus filho de Júpiter e pai de Dionísio). A liderança simbólica e efetiva do gladiador trácio, casado com uma sacerdotisa de Dionísio, provinha de sua capacidade, de sua inteligência e coragem postas em destaque por Plutarco e Apiano, mas também das crenças populares da época, que o habilitavam, mais do que a qualquer outro, a ser o chefe principal do exército rebelde. A rebelião teve início em uma escola de gladiadores em Cápua, no Sul da Itália. Esta revolta logo se generalizou e aquilo que era um pequeno grupo de escravos amotinados transformou-se em um verdadeiro exército servil. O levante de escravos libertos foi desde o princípio uma fuga. Os gladiadores revoltosos se refugiaram no Monte Vesúvio, ou seja, em uma posição geográfica favorável, formando um tipo de “quilombo”. Fugas de escravos e formação de quilombos eram as formas básicas de fugas para fora, de expressão mais radical do “não quero” dos escravos tanto na Antiguidade quanto no Novo Mundo. O Vesúvio era uma fortaleza natural inacessível e inexpugnável, constituindo uma importante base de operações para os revoltosos e um refúgio relativamente seguro para os fugitivos dos ergástulos e da morte na arena, além dos pobres da Península Itálica, que viram neste movimento, que contava com uma liderança como Espártaco, que dividia o produto dos saques de forma igualitária, como uma estratégia de sobrevivência. A perseguição empreendida pelos romanos somada ao fato de os mesmos subestimarem aquele movimento insurrecional fizeram com que os fugitivos formassem um exército e que os espartacanos percorressem toda a Itália, atendendo aos anseios daqueles que aderiam à comunidade móvel de ex-escravos e homens livres e pobres e nas diversas rotas de fuga traçadas de acordo com as possibilidades. A maior fuga de escravos da História marcou profundamente a visão de mundo da classe dominante romana. Uma fuga coletiva insurrecional dessas dimensões forçaria os proprietários romanos a irem à guerra não pela glória, mas pela própria vida. Este processo é retratado por Apiano: Ao mesmo tempo, na Itália, entre os gladiadores que treinavam para o espetáculo em Cápua, Espártaco, um homem da Trácia que havia servido certa vez como soldado com os romanos e que, por ter sido feito prisioneiro e vendido, encontrava-se entre os gladiadores, persuadiu a uns setenta de seus companheiros a lutar por sua liberdade ao invés de divertir os espectadores. Eles dominaram os guardas e fugiram, armando-se com clavas e adagas de algumas pessoas nas estradas e refugiaram-se no Monte Vesúvio. Ali deu acolhida a muitos escravos fugitivos e a alguns camponeses livres e saqueou os arredores, tendo como lugares-tenentes aos gladiadores Enomau e Crixo. Por repartir o botim em partes iguais, teve logo uma grande quantidade de homens. (APIANO, As Guerras Civis, XIV, 116) Além dos elementos já levantados, este fragmento apresenta outras questões como a suposta atuação de Espártaco como soldado do exército romano. Assim, Espártaco, o escravo gladiador, teria aprendido no seu período de serviço militar os conhecimentos mais avançados de estratégia militar do mundo antigo – a estratégia de guerra romana. Este argumento poderia tanto ser verídico quanto uma justificação ideológica para a extrema capacidade de um inimigo tão valoroso de Roma, que derrotou seus melhores generais e tropas bem treinadas de cidadãos romanos. Os saques e sua divisão igualitária explicavam a adesão de camponeses livres e do crescimento rápido no número de revoltosos. O igualitarismo presente em Espártaco possivelmente exerceu grande influência na sua consolidação como a principal liderança do exército rebelde, sendo mais um aspecto de sua extraordinária capacidade como organizador, sedimentando a unidade de escravos de diferentes etnias e deles com homens da plebe rural empobrecidos, itálicos livres, por meio de laços de solidariedade mútua. Nesse sentido, esta revolta foi mais longe na ruptura com os valores da sociedade romana, superando o paradigma escravista republicano, contestando a ideologia escravista romana, com uma organização de homens livres e iguais. A opção de Espártaco em sua estratégia militar de realizar uma guerra de guerrilha contra as tropas romanas possibilitou que o movimento armado resistisse por mais tempo e fosse acumulando forças, tanto numéricas quanto morais, com as sucessivas vitórias contra o exército da maior potência mundial. No entanto, esta era uma situação que não poderia se perpetuar indefinidamente e o combate em campo aberto, o enfrentamento direto entre as forças beligerantes, não tardava a acontecer. Talvez se Espártaco tivesse sido bem-sucedido em seu plano de fugir para fora da Itália, sua tática tivesse sido realmente eficaz. No entanto, era uma tática a serviço de uma política e a não concretização da última limitou as possibilidades de vitória a partir de uma tática de guerrilha. O prolongamento da revolta infundiu o medo na classe dominante romana, ampliou o exército rebelde, mas também levou o Senado romano a tratar a situação da maneira que era devido, reconhecendo a gravidade daqueles eventos. O conflito chega ao fim com um desfecho trágico para os espartacanos: Crasso tentou de todas as maneiras dar combate a Espártaco para que Pompeu não pudesse colher a glória da guerra. O próprio Espártaco, pensando antecipar-se a Pompeu, convidou Crasso a entender-se com ele. Quando suas propostas foram rejeitadas com desprezo, ele resolveu arriscar uma batalha, e como sua cavalaria havia chegado, avançou com todo o seu exército através das linhas do exército que lhe fazia cerco, e avançou para Brundusium com Crasso perseguindo. Quando Espártaco soube que Lúculo acabara de chegar a Brundusium da sua vitória contra Mitrídates, perdeu toda esperança e trouxe suas forças, que eram então muito numerosas ainda, para perto das de Crasso. A batalha foi longa e sangrenta, como era de se esperar de tantos milhares de homens desesperados. Espártaco foi ferido na coxa por uma lança e ajoelhou-se, segurando seu escudo à sua frente e lutando assim contra seus atacantes até que ele e a grande massa dos que com ele estavam foram cercados e mortos. O resto de seu exército entrou em pânico e foi massacrado maciçamente. Tão grande foi a matança que se tornou impossível contar os mortos. Os romanos perderam mais ou menos mil homens. O corpo de Espártaco não foi achado. Muitos dos seus homens fugiram do campo de batalha para as montanhas, onde os seguiu Crasso. Eles se dividiram em quatro grupos, e continuaram a lutar até que todos pereceram, com exceção de seis mil que foram capturados e crucificados ao longo de toda a estrada de Cápua a Roma. (APIANO, As Guerras Civis, XIV, 120) Keith Bradley, ao comparar as revoltas de escravos na Antiguidade clássica com as revoltas de escravos no Novo Mundo, aponta para a excepcionalidade de rebeliões escravas como a de Espártaco e a do Haiti: No entanto, seja numa grande escala ou num nível mais reduzido, como a conspiração do ano 24 d.C. organizada no sul da Itália por um antigo membro da guarda pretoriana, as revoltas de escravos foram muito escassas depois de Espártaco, pelo que muitos estudiosos tem considerado que não havia nenhum motivo para se sublevar. A principal falha desta tese é supor falsamente que a revolta era a única via de que dispunham os escravos e que, em sua ausência, reinava a calma. No Novo Mundo, as revoltas de escravos foram particularmente virulentas no Caribe, porém no Brasil ou nos Estados Unidos, como em Roma, foram pouco freqüentes. Na realidade, não se presencia uma revolta parecida com a de Espártaco até princípios do século XIX, quando o movimento de escravos liderado em Santo Domingo por Toussaint L’ouverture cria o moderno Estado do Haiti. (BRADLEY, 1998, p.137-138) Os escravos antigos não tinham, como o proletariado moderno, organizações perenes, como sindicatos ou partidos, ou mesmo instituições e organizações políticas como as criadas pelos plebeus no curso de sua luta contra a nobreza patrícia e que se integraram ao Estado Romano. Cada luta começava do zero. Eles não tinham também intelectuais orgânicos que formulassem uma teoria e um programa revolucionários. Já vimos que, muitas vezes, era a religião compartilhada pelos escravos que funcionava como programa. Além disso, conforme Schiavone (2005, p. 168), nunca existiu uma alternativa do ponto de vista produtivo, nem na teoria nem na prática. Com isso, tornava-se impossível para os escravos rebeldes transformarem sua revolta em uma verdadeira revolução social sem formas revolucionárias, mesmo que embrionárias, na realidade social vigente, ou teorias revolucionárias que surgissem de um contexto específico e se alicerçassem em uma classe social progressista ou em uma aliança de classes revolucionárias e progressistas. Não existia, portanto, a possibilidade histórica de chegarem à consciência de classe e, por conseguinte, ao programa político da revolução social. Sendo assim, os escravos que se levantaram na Roma antiga desenvolveram um certo grau de consciência, que poderia ser classificado, de acordo com os conceitos forjados pelos estudiosos e teóricos marxistas, como um sentimento de classe. Nessa identidade de classe surgida do processo de luta contra a situação de escravidão dos envolvidos nas rebeliões, confundia-se a consciência social com todas as influências culturais e religiosas. Todos estes elementos combinados em uma situação histórica determinada, produto de uma conjuntura específica, configuravam a psicologia de classe dos escravos rebeldes. Apesar da proximidade e similaridade dos conceitos, preferimos o conceito sentimento de classe em vez de psicologia de classe por expressar com maior exatidão o processo de experiência dos sujeitos, que formavam, nestas circunstâncias, o sujeito social da luta libertária (talvez seja um termo mais adequado diante da inexatidão do uso luta antiescravista ou revolucionária, sendo tentador de fato, mas que não corresponde à realidade). A ideia de identidade também é mais forte no conceito de sentimento de classe. O sentir da classe é um conceito que aparece primeiro em Lênin (1988, p. 24) e depois é desenvolvida por Raymond Williams (1988, p. 134135). A ideia de sentimento se relaciona com a de lampejos de consciência, mas transmite certa estabilidade em tempo determinado, enquanto lampejo remete a algo episódico, explosivo. De qualquer modo, a ênfase em uma definição que evidencie o caráter dinâmico e processual da realidade norteia este trabalho e aponta um caminho que nos parece mais interessante. A inexistência de uma genuína consciência de classe e o fato de os escravos antigos não terem se constituído em uma classe para si não impediram que, a partir de sua experiência nas lutas concretas e da exploração diária, os escravos desenvolvessem um antagonismo em relação aos senhores e conseguissem manifestar essa oposição de forma violenta e unificada, buscando obter sua liberdade. Em nossa análise, vimos que as revoltas eram desarticuladas entre si e isto demonstra, de fato, uma ausência de organização em termos territoriais mais amplos, sendo rebeliões locais, que, dependendo do seu desenvolvimento, podiam estender-se para além da região onde haviam se iniciado. Porém, mesmo neste nível regional, algumas delas chegavam a um grau de organização relativamente elevado. Conclusão A contestação prática da ideologia escravista romana foi a grande vitória simbólica das insurreições escravas dos séculos II e I a.C. Se não podemos falar da substituição de uma visão de mundo que percebia os escravos como seres inferiores, podemos, ao menos, dizer que essas revoltas produziram uma fissura no paradigma ideológico vigente, que tinha suas bases na teoria da escravidão natural de Aristóteles e no discurso escravista de intelectuais romanos como Catão. Devemos destacar que se a crise e a queda do Império foram acompanhadas pela crise do escravismo antigo, a crise da República foi acompanhada de seu florescimento, da sua implantação em ritmo acelerado, gerando mudanças sociais profundas e abalando as velhas estruturas da república oligárquica. Na medida em que não existia um aparelho burocrático em todos os seus aspectos – político, jurídico, administrativo e militar – totalmente adequado para regular essa nova economia e as novas relações sociais que com ela se desenvolviam, a eclosão de uma série de conflitos que marcaram os séculos II e I a.C., sendo o último século da República marcado pelos mais graves confrontos entre os cidadãos romanos da classe dominante, especialmente, os romanos e seus aliados e os senhores e seus escravos. O Principado foi, então, um ajuste políticoadministrativo que correspondia às transformações econômico-sociais do período em que explodiram a revolta de Espártaco, a Guerra Social e a Conjuração de Catilina. INDICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA Fontes APIANO. História de Roma II: Guerras Civiles (libros I e II). Tradução e notas de Antonio Sancho Royo. Madri: Editorial Gredos S.A., 1985. ARISTÓTELES. A Política. 15.ed. Tradução: Nestor Silveira Chaves. Introdução: Ivan Lins. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações S.A., 1988. CARDOSO, Ciro Flamarion. Trabalho Compulsório na Antiguidade. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984. (Coletânea de documentos). CATÃO. De Agri Cultura. Tradução de William Davis Hooper. Londres: William Heinemann Ltd., 1979. GARNSEY, Peter. Ideas of Slavery from Aristotle to Augustine. Nova Iorque: Cambridge University Press, 1996. (Coletânea de documentos). PLUTARCO. Vies Parallèles. Tradução de Bernard Latarus. Tomo II. Paris: Garnier, 1950. p. 49-55. Traduzido por Ciro F. 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O “PRÍNCIPE TIRANO” E A “DEMOCRACIA MILITAR” NO PROJETO DE CONSTRUÇÃO DE UM IMPÉRIO UNIVERSAL DE ALEXANDRE, O GRANDE E DE JÚLIO CÉSAR Rafael Alves Rossi O objetivo deste artigo é analisar o projeto de construção de um império universal e de um consenso político e social amplo presentes nos governos de Alexandre Magno e de Júlio César, entendendo-se ambos como chefes políticos e militares de uma “democracia militar” como fundamento de sua “tirania”. A partir dos exemplos de Augusto, sucessor de Júlio César, e de Filipe, antecessor de Alexandre Magno, fica mais claro quais eram os projetos hegemônicos da aristocracia romana e da aristocracia macedônia, respectivamente. Nesse sentido, Alexandre e César representaram elementos divergentes no seio das aristocracias às quais pertenciam. Mais do que simples representantes de facções dissidentes ou opositoras, eles lideraram blocos políticos formados por vários grupos sociais e mesmo étnicos. Aldo Schiavone (2005, p. 168) retrata o governo de Augusto como uma “revolução passiva” dos velhos grupos dirigentes. Representou um consenso conservador, o consenso aristocrático. A identificação de César com o povo, a sua relação mais direta e mais próxima com as tropas, que ele costumava tratar por “companheiros de armas”, a sua relação histórica com os populares e sua pertença à família de Caio Mário combinadas com uma política consciente de governo “interclassista” tornavam o seu programa inaceitável para a aristocracia romana. Além disso, o seu governo, especialmente a partir da sua nomeação para ditador vitalício, passa a ser identificado com a tirania. É o que explica Luciano Canfora (2002, p. 312). Ele analisa o texto de Plutarco e aponta para o sentido de tirania por ele exposto, comparando com o tipo de poder que existiu na Grécia, um governo de natureza popular-autoritária, cujo maior exemplo foi Pisístrato. César exerceu um poder pessoal contrário às normas constitucionais sem avançar para uma reformulação constitucional de fato. O recurso a manobras políticas para a implementação de seu programa político e social, sem o estabelecimento de novas instituições, encontrou o seu limite na resistência obstinada e feroz dos aristocratas republicanos tiranicidas. Comparando o programa cesarista original com o regime cesarista estabelecido pelo cesariano e depois “restaurador republicano” Otávio Augusto, é possível perceber que o caráter conservador da classe dominante romana de fins da República ainda não permitia uma grande inovação em termos de política social. A mesma comparação vale para Filipe e Alexandre. Alexandre Magno elaborou e aplicou uma política de incorporação das elites asiáticas dos países conquistados e buscou agir em sua presença à maneira oriental, estabelecendo um diálogo com os nobres persas, ao mesmo tempo em que a monarquia macedônica de fato se orientalizava. A maior oposição à política alexandrina partiu dos próprios macedônios e, principalmente, dos velhos generais da época de Filipe. A discussão entre Alexandre e Clito, que culminou na morte do último, foi marcada pela defesa de Clito da memória de Filipe, rei-general dos macedônios e líder dos gregos. Droysen (2010, p. 46) afirma que o rei Filipe da Macedônia retomou a palavra de ordem de Isócrates de união dos Estados da Hélade para travar a luta final contra a Ásia. Desse modo, os velhos generais macedônios e seus aliados gregos se engajaram em uma “cruzada contra os persas”. O projeto de Alexandre provocou a desconfiança da aristocracia macedônica. Sentiam-se frustrados por ver os frutos de suas vitórias serem entregues nas mãos dos vencidos (DROYSEN, 2010, p. 282). No entanto, o episódio que talvez tenha causado maiores ressentimentos foi a substituição dos falangistas macedônios pelos 30 mil meninos asiáticos educados nas letras gregas e no treinamento militar macedônio, os “Epigonoi”, como relata Hammond (2005, p. 206-207), sublinhando a crise e o motim ocorrido em Ópis, no verão de 324 a.C., que levou à prisão e à execução de 30 amotinados macedônios. O projeto alexandrino era muito maior do que os objetivos que uniram gregos e macedônios em uma árdua campanha na Ásia. A opção de seguir em direção ao Leste impunha para Alexandre uma política de império ecumênico e a criação de um exército multirracial. Os projetos de império de Alexandre Magno e de Júlio César eram propostas divergentes no seio das classes dominantes macedônia e romana, respectivamente, e se apoiavam tanto um quanto outro na soldadesca, constituindo governos autocráticos próximos das tiranias, com uma base social ampla e heterogênea e apoio popular. Os projetos imperiais alexandrino e cesariano foram derrotados pelo exclusivismo das aristocracias da monarquia macedônia e da república romana, que não estavam dispostas a ceder espaço para outros atores políticos na divisão do poder e da riqueza. As alternativas políticas que se afirmaram como consequência de seus governos foram, ao mesmo tempo, sua continuidade e sua negação. Partindo desta constatação mais geral, esbocei as seguintes hipóteses: 1 – Um dos motores das conquistas de Júlio César e de Alexandre Magno foi a “democracia militar” que esteve na base do imperialismo greco-romano em geral e na relação dos príncipes que acompanham seus exércitos em particular. A lealdade das tropas a Alexandre, o Grande e a César era inspirada pela coragem e pela audácia dos seus comandantes, mas também pelas promessas de prosperidade, pela distribuição de terras aos veteranos e pelo butim de guerra. Mesmo os soldados-cidadãos tinham aspectos que os assemelhavam aos mercenários e, estando em campanha permanente, eram soldados profissionais, militares em tempo integral. O desejo e o interesse desses homens cumpriram um papel determinante nas conquistas militares e na consolidação do poder político de seus líderes, que tinham, muitas vezes, de negociar e dialogar com seus comandados para alcançar os seus objetivos. 2 – César e Alexandre eram príncipes-generais, porque eram chefes políticos na medida em que eram chefes militares, e eram “príncipes tiranos”, porque o seu poder vinha da força das armas, da fidelidade dos seus exércitos e da simpatia do povo, mais do que das constituições de seus impérios. Tanto a monarquia alexandrina quanto a ditadura cesarista tinham um conteúdo político e social “tirânico”, ou seja, aproximavam-se em sua base popular e em seu caráter autocrático, que se caracterizava pelo poder pessoal, pela centralização política em torno do chefe supremo, das tiranias gregas, produzindo uma ruptura constitucional com o regime político anterior. 3 – Tanto Alexandre quanto César buscavam construir um Império Universal, uma Talassocracia Ecumênica com um exército multirracial. Eles alargaram as estruturas políticas deveras estreitas de seus Estados e inovaram em seu comportamento político, desrespeitando as instituições e as constituições tradicionais em nome de um projeto imperial divergente. A fusão do mundo greco-romano com o “mundo bárbaro” evidenciou-se no casamento de Alexandre com Roxana e no relacionamento amoroso (e político) de César com Cleópatra, gerando dessa relação um filho que simbolizava esse laço de Roma com o Oriente. A “orientalização” dos governos de Alexandre e de César parece ter sido uma tendência que se afirmava a cada dia, com a adoção das maneiras dos “bárbaros” e do aspecto cada vez mais “absolutista” de sua forma de gerir o Estado, provocando reações violentas contra essa política. Alexandre era um “rei-tirano” de uma monarquia militar orientalizada e César exercia sua ditadura dialogando com a tirania grega e com a monarquia helenística na construção de seu novo regime. 4 – Tanto Alexandre Magno quanto Júlio César pretendiam fazer um governo que fosse um “consenso de todos”. Alexandre adotou os hábitos e vestimentas dos orientais, nomeou asiáticos para cargos administrativos e de chefia militar, enriqueceu gregos e macedônios, formou um exército multiétnico e fundou suas Alexandrias. César nomeou gauleses como senadores, reergueu as estátuas de Pompeu e de Sila, favoreceu seus clientes provinciais, formou um exército multiétnico, concedeu terras aos veteranos, perdoou os seus adversários dando-lhes cargos e distribuiu trigo à plebe romana. Isto é, ambos beneficiaram seus aliados, cooptaram seus adversários e repartiram entre os diversos grupos sociais de seu Estado mundial a participação nos resultados de suas conquistas. Alexandre Magno, vencido Dario, tornava-se ele próprio Rei da Pérsia, abandonando progressivamente suas raízes macedônias. O novo senhor da Ásia não seria “o melhor entre iguais”. Stoneman (2008, p. 107) aponta para este aspecto, decorrente da vitória final de sua campanha contra o império persa com a rendição da Babilônia após o êxito militar que foi a batalha de Gaugamela. A confirmação de Mazaeus, antigo partidário de Dario, como chefe da Babilônia sinalizou o tipo de política que ele pretendia empreender em relação à nobreza asiática: a cooptação. Conquistados os domínios persas, Alexandre Magno não pensava mais o seu império como macedônio. Para Hammond (2005, p. 140), a vitória de Antípatro sobre Esparta, a confirmação da autoridade do Conselho da Comunidade Grega no continente grego e a aceitação do rei da Macedônia como rei da Ásia no Egito e na Ásia ocidental, bem como sua política de incorporação da classe dominante da Pérsida e da Média ao seu governo, à sua monarquia universal, foram os fatos decisivos para que Alexandre pudesse prosseguir em suas campanhas, pois havia assegurado no Mediterrâneo oriental a sua hegemonia. De fato, para o autor, o “rei dos Macedônicos”, o “Hegemon da Comunidade Grega”, o “rei da Ásia” se tornou o chefe de uma talassocracia no Mediterrâneo oriental e no Mar Negro. A frota multirracial formada pela frota macedônica e pelas frotas dos gregos, dos fenícios e dos cipriotas garantiria o sucesso de seu projeto. A Monarquia Alexandrina era agora uma corte móvel. O avanço de Alexandre e de seu séquito para o Leste diminuiu o peso político e administrativo da Macedônia neste novo Império Universal. A política imperialista em Alexandre e em César tinha uma importância vital, por serem, respectivamente, a monarquia alexandrina e a ditadura cesarista repletas de contradições políticas e sociais e, como afirma Guarinello (1987, p. 10), a expansão político-militar de uma cidade-Estado antiga era um empreendimento coletivo, que tinha por objetivo auferir ganhos econômicos que pudessem amenizar as lutas de classes no seio da cidadania, os conflitos sociais internos. Desse modo, Guarinello destaca o papel fundamental da luta de classes no centro expansionista como base das motivações do imperialismo antigo, determinando e influenciando a sua dinâmica. Um dos elementos determinantes do expansionismo romano era a busca de terras cultiváveis. A vitória de Roma sobre os demais Estados do Mediterrâneo tornou-a uma grande potência e uma verdadeira talassocracia mediterrânea. A Segunda Guerra Púnica foi o passo decisivo nessa direção, com a derrota da sua rival Cartago. O desfecho das guerras civis foi a transformação do Egito em província romana e o advento do Principado. Consolidava-se o Império Romano como o Império do Mediterrâneo e este império, em sua maior parte, foi conquistado por um exército de camponeses-cidadãossoldados. A reforma serviana vinculou a estrutura militar de Roma ao princípio de que os proprietários de terras é que deviam prover a defesa da república, armando-se de acordo com a proporção do patrimônio. Giovanni Brizzi (2003, p. 27) apresenta a estrutura da legião romana e sua divisão censitária. Nesse exército, o comando era exercido por oficiais oriundos da aristocracia, o grupo mais abastado, os equites. Os capite censi eram exonerados do serviço militar por não possuírem propriedades rurais, mesmo sendo uma parte considerável da população. Ciro Flamarion Cardoso (1987, p. 79) apresenta a análise de Marx nos Grundrisse acerca do mundo antigo, em especial da história romana, apontando para a relação entre cidadania e posse da terra, sendo a condição prévia para o pertencimento à comunidade de cidadãos a apropriação do solo pelo indivíduo. Na opinião de Yvon Garlan (1991, p. 136-137), todo soldado-cidadão tinha um pouco de mercenário. A esperança do butim animava o espírito de luta tanto dos mercenários quanto dos cidadãos em campanha. A guerra era uma fonte de lucro para os soldados, fosse por meio do soldo, da remuneração recebida do Estado, fosse pela rapina privada. A partir da reforma do exército realizada por Mário, os proletários sem bens foram chamados às fileiras do exército romano. Segundo Géza Alfoldy (1989, p. 93), os proletários recrutados passaram a ser equipados pelo Estado. Antes somente os pequenos proprietários rurais eram recrutados e obrigados a fornecer seu próprio equipamento de guerra. A divisão censitária do corpo dos cidadãos em várias categorias como base do recrutamento político e militar perdeu a relevância que tinha no início pelo alistamento voluntário instituído por Caio Mário; o novo exército romano passou a ser formado por homens que faziam do serviço militar uma profissão, verdadeiros profissionais da guerra, leais aos seus chefes militares, o que Brizzi (2003, p. 93) viu como uma espécie de clientelismo. A relação de César com seus soldados é a maior evidência da “democracia militar” que existiu na base do governo popular-autoritário cesarista ou simplesmente da tirania de César, a “ditadura democrática” cesariana. César favoreceu os soldados que o serviram por mais de 15 anos com colônias de povoamento, fundadas para assegurar que os mais idosos pudessem passar os seus últimos anos de vida na paz e na tranquilidade, livres de preocupações. Esta era a recompensa dada aos leais soldados de César, aqueles que passaram por tantas privações e travaram tantas batalhas; mereciam uma vida segura ao terminarem o seu serviço militar (SCHMIDT, 2006, P. 223). No entanto, isso não impediu a X legião de se rebelar na Itália. A insurreição militar foi causada pelo cansaço das tropas, que exigiam que fossem liberadas. Schmidt (2006, p. 211), baseando-se no texto de Suetônio, retrata esta cena. César, então, responde para os legionários: “Eu vos dispenso”. Depois, chama-os, durante o seu discurso, de “cidadãos” e não mais de soldados. Os legionários ficam preocupados com a possibilidade de não terem mais butins, soldos ou terras e exclamam: “Somos soldados!”. Essa era a maneira de César contornar as queixas e os motins de suas tropas, além da punição, evidentemente, sendo importante notar que o chefe militar e seus soldados também eram igualmente um chefe político e uma base política. Júlio César não mantinha sua autoridade só pela repressão, mas também pelo consenso, pelo convencimento. Ele, antes de ser um general, era um hábil político. É fácil entender a devoção dos soldados cesarianos, na medida em que o seu comandante lhes concedia terras e riquezas como prêmio por sua bravura e lealdade. Quando da crise de Ópis, Alexandre discursou para as tropas macedônias relembrando os serviços de Filipe e dele próprio, que tiraram os macedônios da obscuridade e da pobreza, tornando-os líderes do mundo e donos do tesouro da Pérsia, e lhes disse ainda que havia sido ferido com tanta frequência quanto qualquer um deles, vivendo, no entanto, mais humildemente que a maioria e, irritado, completou que podiam ir para casa e espalhar que haviam abandonado seu rei. Depois do discurso, ele se afastou dos macedônios por alguns dias e começou a organizar seu exército para a campanha, nomeando os persas para o comando das tropas asiáticas. Os macedônios atiraram suas armas diante da porta dele e pediram misericórdia. O rei Alexandre chorou com suas tropas macedônicas e permitiu que os macedônios, a exemplo de alguns persas, também o beijassem, e se reconciliaram (HAMMOND, 2005, p. 207208). A liderança carismática de Alexandre e sua busca do consenso também se combinavam com sua coragem e com sua generosidade, assim como podemos notar em César. Além do exemplo de virtude que encorajava os homens, os soldados de Alexandre e de César tinham nos benefícios concedidos a eles por seus respectivos chefes o motor de sua ação. E ainda que os líderes encaminhassem seus projetos, também tinham de dialogar com sua principal força política – seus exércitos. Essa parece ser a opinião de Garlan (1991, p. 146). Para ele, a política de fixação no Oriente dos greco-macedônios de Alexandre não devia ser interpretada somente do ponto de vista dos soberanos que dela necessitavam para garantir as bases militares, políticas, econômicas e culturais de seu domínio, como é costume se fazer ao analisar os relatos da política alexandrina, mas também do ponto de vista daqueles que eram objeto dessa política, em função de suas aspirações, pois seria impossível uma política de colonização e de helenização realmente consistente se não houvesse o interesse da base dos exércitos de Alexandre Magno e de setores da população da Grécia e da Macedônia que buscassem novas terras e melhorias de vida. Inúmeras biografias de César e de Alexandre já foram escritas. Então, por que abordar esse tema? A resposta pode ser encontrada no poema de Bertold Brecht, “Perguntas de um operário que lê”, nos versos que se seguem: “O jovem Alexandre conquistou as Índias./ Sozinho?/ César venceu os gauleses./ Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?”. Essa é uma primeira questão: não tiveram os soldados de César e de Alexandre nenhuma influência política, nenhum peso em suas decisões? Exércitos que permaneceram tanto tempo em campanha, que lutaram tantas batalhas e que eram tão devotados aos seus chefes seriam formados por autômatos? Não creio. E acredito que esse problema merece ser mais bem investigado. Outra questão de suma importância é o caráter singular de seus projetos de império. Por que esses homens encarnaram um projeto societário original? Por que eles instituíram um modelo constitucional, ou melhor, de gestão do Estado completamente novo? A fonte principal utilizada para este trabalho foi Vidas Paralelas, de Plutarco. A análise das biografias de Alexandre e de César escritas por ele serviram de base para a pesquisa. A tradução francesa Plutarque – Vies Parallèles: Vie d´Alexandre – Vie de César, de J. Alexis Pierron, revisada e corrigida por Françoise Frazier e com introdução e notas de Jean Sirinelli foi o texto analisado. Em Plutarco, podemos encontrar alguns pontos de apoio para a problemática levantada e para as hipóteses expostas. Sobre a relação de Alexandre com as tropas e do interesse das tropas nas guerras de conquista, a passagem que se segue é esclarecedora: Depois da batalha de Issos, ele (Alexandre) lhes enviou (os soldados) a Damasco para que tomassem os tesouros, as bagagens, os filhos e as mulheres dos persas. Os cavaleiros tessálios ali fizeram um butim considerável. Como eles tinham se distinguido no combate, Alexandre enviou-lhes lá propositalmente para lhes enriquecer. Mas o resto do exército também acumulou grandes riquezas; e os macedônios, depois de terem provado o ouro, a prata, as mulheres e o luxo bárbaros, como os cachorros que seguem uma pista, tinham ganas das riquezas dos persas e de encontrálas. (PLUTARCO, Alexandre, 24) Outra fonte utilizada para a pesquisa foi Apiano. A obra História Romana – Guerras Civis, livro II, na versão em espanhol, tradução e notas de Antonio Sancho Royo, tem uma breve passagem em que César e Alexandre são comparados em seus feitos. Uma comparação comum, basicamente focada na grandeza desses homens: Pois ambos foram os mais ambiciosos de todos, os mais hábeis na guerra, os mais rápidos em executar suas decisões, os que mais se arriscaram aos perigos, os que menos velaram por suas vidas e os que mais confiaram em sua ousadia e boa estrela mais que em sua habilidade guerreira. (APIANO, As Guerras Civis, II, 149) Apiano retrata ainda a relação de Alexandre e de César com seus soldados: Seus exércitos foram igualmente zelosos e dedicados a ambos e lutaram com ferocidade selvagem nas batalhas, mas também, em muitas ocasiões, se mostraram indisciplinados com um e outro e se amotinaram por causa da severidade de suas tarefas. No entanto, quando morreram, choraram por igual a seus chefes e sentiram saudades deles e outorgaram a ambos honras divinas. (APIANO, As Guerras Civis, II, 151) Havia um diálogo entre os generais e suas tropas que se dava por meio dos butins e dos motins. Os soldados podiam suportar campanhas intermináveis e duras, mas tinham de receber sua recompensa. Em alguns casos, mesmo com o butim era difícil prosseguir devido ao cansaço. A forma que as tropas tinham de se fazer ouvir e reivindicar era se rebelando. Os chefes, por sua vez, respondiam com a repressão aos motins e com mudanças na política militar. Isso mostra que as conquistas de Alexandre e de César, que suas vitórias militares (e também políticas) não eram somente de seu interesse, mas também da própria base do exército e mesmo dos oficiais, e que as tropas podiam influenciar na dinâmica, no ritmo e na forma da política expansionista e da estratégia militar. O governo de César apresentava-se como o “consenso de todos”. A sua autocracia, a sua tirania, unificava politicamente o império, dava impulso à romanização e promovia a paz social. A ditadura vitalícia de César foi a expressão disso: No entanto, os romanos, curvando-se para a Fortuna de César, e se submetendo a seu jugo, convencidos de que a única maneira de se recuperar de todos os males que causaram as guerras civis, era a autoridade de um só, o nomearam ditador vitalício: era uma tirania declarada, já que seu poder absoluto, não submetido a nenhum controle, tornava-se perpétuo. (PLUTARCO, César, 57) Pretendo interpretar o tema a partir de uma perspectiva marxista. O conceito de “democracia militar”, por exemplo, está presente no marxismo clássico e merece ser visto no seu uso original para que se possa compreender a sua reinterpretação para essa pesquisa e o período histórico abordado pela mesma, isto é, nos séculos IV a.C. e I a.C. O fenômeno do cesarismo, a interpretação do governo de Júlio César e a utilização do conceito de cesarismo como ponte para o entendimento do governo de Alexandre, que não parece ter uma definição conceitual, embora tenha servido de modelo para a maioria dos governantes das monarquias helenísticas e do império romano, serão buscados em Antonio Gramsci. Além do marxismo, a filosofia renascentista e o resgate e o esforço de interpretação que foi empreendido naquele momento histórico acerca dos governos de Alexandre e de César não devem ser desconsiderados. Nesse sentido, Maquiavel – filósofo e historiador que foi bastante estudado por Gramsci – será útil para a definição do conceito de príncipe e da sua aplicação para Alexandre e César. Recorrerei ainda a alguns ensaios de Montaigne e sua percepção sobre a figura de César. No texto de Yvon Garlan (1991) é abordado o conceito de “democracia militar”. Sua análise é centrada no trabalho de Engels, A origem da família, da propriedade privada e do Estado. O conceito de “democracia militar” em Engels referia-se à sociedade do tipo dos “tempos homéricos”. O avanço das forças produtivas fez emergir estruturas estatais de natureza essencialmente militar da sociedade “gentílica” em decomposição no período então caracterizado como estágio superior da “barbárie”, segundo Engels (GARLAN, 1991, P. 189). Além do destaque para o aspecto militar como determinante para a organização dessas sociedades, a ideia de “democracia primitiva” para o mundo homérico, que hoje é descartada pelos historiadores por provir de uma concepção unilinear da evolução da humanidade, estava presente nos escritos de Engels. No entanto, o destaque dado pelo principal colaborador de Marx e teórico socialista de primeira linha para a guerra como fator de diferenciação social e estruturação política permanece amplamente admitido (GARLAN, 1991, p. 190).Vejamos como o conceito aparece no original: O chefe militar do povo – rex, basileus, thiudans – torna-se um funcionário indispensável, permanente. A assembleia do povo surge onde ainda não existia. Chefe militar, conselho, assembleia do povo, esses são os órgãos da sociedade gentílica que evoluiu para tornar-se democracia militar. Militar – pois a guerra e a organização para a guerra tornaram-se então funções regulares da vida do povo. As riquezas dos vizinhos excitam a cupidez dos povos a quem a aquisição de riquezas parece já um dos objetivos principais da vida. São bárbaros; saquear parece-lhes mais fácil e até mais honroso do que ganhar a vida pelo trabalho. A guerra, antigamente praticada apenas por vingança de usurpações ou por defesa de um território que se tornou insuficiente, é então praticada com vistas unicamente à pilhagem e torna-se um ramo permanente de indústria. Não é sem motivo que as muralhas ameaçadoras erguem-se em volta das novas cidades fortificadas; em seus fossos abre-se a tumba escancarada da organização gentílica, e suas torres elevam-se na civilização (p.150) Desse modo, ao compreendermos o sentido original empregado por Engels ao termo democracia militar, podemos reinterpretá-lo e utilizá-lo para o melhor entendimento da relação absolutamente singular estabelecida por Alexandre Magno com suas tropas e com os povos conquistados e por César com seus soldados. Tanto o rei macedônio quanto o ditador romano fizeram política por meio da guerra e foram boa parte do tempo muito mais comandantes-chefe de forças militares em campanha permanente do que chefes políticos “normais”. Eles eram os chefes militares de todo o império (não em um sentido formal, mas real); eram “príncipes-generais”. Independente dos aspectos formais e constitucionais, os “soldados em assembleia” exigiam e se amotinavam e, em campanha, lutavam por seus interesses e pelos de seus chefes. A guerra era vista como o grande trabalho coletivo das comunidades antigas. Nas “Formen”, Marx levanta o problema da relação da cidadania com a posse da terra e a solução da colonização: Por exemplo, quando cada indivíduo deve possuir uma determinada quantidade de terras, o simples aumento da população constitui um obstáculo. Para que este seja superado, deverá desenvolver-se a colonização e isto exigirá guerras de conquista. O que conduzirá à escravidão etc., à ampliação da ager publicus e, por isto, ao advento do Patriciado que passará a representar a comunidade, etc. Assim, a preservação da antiga comunidade implica a destruição das condições sobre as quais ela está baseada, tornandose o seu contrário. (MARX, 1975, p. 88) O conceito de cesarismo ajuda a explicar a natureza do governo de Júlio César e de seus sucessores já no regime imperial. A sua utilização como ponte ou referência para o governo de Alexandre, o Grande pode ser uma possibilidade, na medida em que também o último construiu um acordo amplo entre as elites de seu império universal. O seu poder alicerçado nos exércitos em campanha também parece apontar para essa interpretação. Em Gramsci, o cesarismo aparece da seguinte maneira: Pode-se afirmar que o cesarismo expressa uma situação na qual as forças em luta se equilibram de modo catastrófico, isto é, equilibram-se de tal forma que a continuação da luta só pode terminar com a destruição recíproca. Quando a força progressista A luta contra a força regressiva B, não só pode ocorrer que A vença B ou B vença A, mas também pode suceder que nem A nem B vençam, porém se debilitem mutuamente, e uma terceira força, C, intervenha de fora, submetendo o que resta de A e de B. (GRAMSCI, 2007, p. 76) O teórico marxista explicita ainda de que maneira esta forma político-ideológica se manifesta na ação do próprio César histórico: O desenvolvimento histórico que teve em César sua expressão assume na “península itálica”, ou seja, em Roma, a forma do “cesarismo”, mas tem como quadro todo o território imperial e, na realidade, consiste na “desnacionalização” da Itália e em sua subordinação aos interesses do Império. (...) Deve-se fazer uma comparação entre Catilina e César: Catilina era mais “italiano” do que César, e sua revolução talvez tivesse conservado para a Itália, com uma outra classe no poder, a função hegemônica do período republicano. Com César, a revolução não é mais solução de uma luta de classes itálicas, mas de todo o Império, ou pelo menos de classes com funções principalmente imperiais (militares, burocratas, banqueiros, empreiteiros, etc.). Além disto, César havia desequilibrado o quadro do Império com a conquista da Gália: com César, o Ocidente começou a lutar contra o Oriente. Isto se vê nas lutas entre Antônio e Otaviano. (GRAMSCI, 2007, p. 347) De acordo com Gramsci, César representava o projeto universalista, não exclusivista; outras alternativas, mesmo que possam ser consideradas progressistas, dependendo da perspectiva teórica, como foi o caso de Catilina, representavam uma solução italiana para a crise, talvez a “revolução municipal” vista como redentora por Aldo Schiavone (2005), mas que não representaria necessariamente a criação de um verdadeiro império universal, como o projeto de César. Sua perspectiva era mais progressista, aberta e avançada que a de Augusto, visto como líder de uma “revolução passiva” por Schiavone (2005), mas, ainda assim, abriu caminho para a revolução de Otávio, que seguiu o seu universalismo. Alexandre Magno também representou o governo de um sobre todo o império, que unificou tendências conflitantes em um equilíbrio instável, mas que impulsionou progressos sociais, culturais e técnicos. A noção de “Príncipe” de Maquiavel é apresentada em suas múltiplas distinções por Gramsci. Para o marxista italiano, “príncipe” pode ser um chefe de Estado, um chefe de Governo, mas também um chefe político que pretende conquistar um Estado ou mesmo fundar um novo tipo de Estado. Em Maquiavel, o tipo de príncipe que é objeto dessa pesquisa, ou seja, aquele que acompanha seus exércitos nas marchas, nas batalhas e nos saques, é analisado e a política que cabe a esse príncipe se quiser governar: O príncipe que acompanha seus exércitos, que vive de presas de guerra, do saque e de resgates e que maneja o que é dos outros, não pode deixar de agir com liberalidade, caso contrário os soldados não o seguirão. E, afinal, ele pode ser amplamente generoso com o que não lhe pertence nem a seus súditos, como aconteceu com Ciro, César e Alexandre, porque gastar o que é dos outros não diminui mas aumenta a reputação. (MAQUIAVEL, 2008, p. 76) Como se pode ver, esse trecho de Maquiavel vai ao encontro do que foi explicitado ao longo do texto: o príncipe Alexandre e o príncipe César, por fundamentarem o seu poder nas tropas e estabelecerem uma relação mais próxima por acompanharem as mesmas em sucessivas campanhas e lutarem à frente e ao lado delas, deviam atender, mesmo que parcialmente, às suas exigências. Montaigne reforça a diferença exposta anteriormente entre Júlio César e Augusto. O tratamento conferido por César a seus soldados não parece algo menor, nem tampouco a mudança processada com a vitória da alternativa conservadora para a crise da República romana manifestada no principado de Augusto: Tratava-os de “companheiros”, como nós, o que foi abolido por Augusto, o qual considerava que César o fizera em vista das exigências do momento, para agradar os que em suma o acompanhavam voluntariamente. (“Na travessia do Reno, César era general; aqui ele é meu companheiro. O crime nivela os cúmplices.”) Mas esse tratamento não convinha mais à dignidade de um imperador ou de um general. E voltou a chamá-los “soldados”. (MONTAIGNE, 1988, p. 60) Desse modo, podemos afirmar que as tropas eram a principal força política dos governos de Alexandre Magno e de Júlio César. Ao assumir o poder após o assassinato de Filipe em 336 a.C., Alexandre altera significativamente o conteúdo da política macedônia e contraria os interesses da aristocracia de seu próprio país em nome de um projeto universalista. O mesmo vale para César, que concentrou em suas mãos os poderes político, religioso e militar e feriu mortalmente o regime republicano oligárquico romano com sua nomeação a ditador vitalício em 44 a.C. A única maneira que ambos encontraram para exercer um poder tirânico sobre a sociedade e contra o exclusivismo aristocrático foi se apoiar na democracia militar, favorecendo os soldados. Os seus governos foram uma confluência dos interesses dos príncipes tiranos com seus soldados. INDICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA Fontes APIANO. História de Roma II: Guerras Civiles (libros I e II). Tradução e notas de Antonio Sancho Royo. Madri: Editorial Gredos S.A., 1985. PLUTARCO. Vies Parallèles. Tradução de J. Alexis Pierron. Paris: Flammarion, 1999. Bibliografia ALFOLDY, Géza. A História Social de Roma. Lisboa: Editorial Presença, 1989. ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao feudalismo. Tradução de Beatriz Sidou. 5. ed. São Paulo: Editora Brasiliense S.A., 2004. ARAÚJO, Sônia Regina Rebel. “A Denúncia da Traição: Plutarco, Dante, Shakespeare e o Assassinato de Júlio César”. Revista Phoînix da UFRJ – Laboratório de História Antiga. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. BEARD, Mary; CRAWFORD, Michael. Rome in the Late Republic. Londres: Gerald Duckworth & Co. Ltd., 1985. BLOCH, Leon. Lutas Sociais na Roma Antiga. Lisboa: Publicações Europa-América, 1956. BRAUDEL, Fernand. 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