DOENÇA RENAL CRÔNICA Definição: A doença renal crônica consiste em lesão renal e perda progressiva e irreversível da função dos rins. Em sua fase mais avançada, os rins não mais conseguem manter a normalidade do meio interno e a sobrevida do paciente passa a depender de uma das modalidades de TRS(Terapia Renal Substitutiva), ou seja, diálise e/ou transplante renal. A Doença Renal Crônica e a Saúde Pública: A DRC constitui importante problema médico e de saúde pública. Levando-se em conta dados epidemiológicos de 2004, para cada paciente mantido em programa de diálise crônica haveria cerca de 20 a 25 pacientes com algum grau de disfunção renal, ou seja, cerca de 1,3 a 1,6 milhão de brasileiros com DRC. A cada ano, cerca de 19.000 brasileiros desenvolvem doença renal crônica terminal e iniciam programa de TRS. Acredita-se que esse número de 100 ppm/ano seja, na realidade, o dobro. Existem, atualmente, cerca de 85.000 pacientes em programa de diálise no Brasil, número bastante inferior ao de países desenvolvidos. O custo desse programa de TRS é extremamente elevado, calculando-se que seja aproximadamente 2 bilhões de reais(diálise, transplante, acessos e medicamentos de alto custo); cerca de 90% do tratamento é financiado pelo SUS. Diagnóstico: É a lesão renal que se manifesta por taxa de filtração glomerular(TFG) menor que 75ml/min/1,73m2 de superfície corporal, com duração igual ou superior a 3 meses, independente da causa. É uma doença lenta, progressiva e irreversível. Epidemiologia: A verdadeira incidência e prevalência de Doença Renal Crônica(DRC) numa comunidade é difícil de se precisar, pois a doença inicial à moderada é usualmente assintomática. Epidemiologia da DRC Terminal As disparidades na incidência de DRC terminal dentro e entre os países desenvolvidos refletem a diversidade racial e étnica, assim como a prevalência de Diabetes Mellitus e Hipertensão Arterial. Exemplo: No Reino Unido, a incidência de pacientes submetidos à TRS é de cerca de 100p.p.m./ano, tendo duplicado na última década e se espera que continue a aumentar de 5 a 8% anualmente, prevalecendo abaixo da média Européia(129p.p.m./ano) e da média dos E.U.A.(333p.p.m./ano). O aumento no número de pacientes com DRC terminal em todo o mundo reflete, mais comumente, o envelhecimento da população e a epidemia global de Diabetes Mellitus tipo 2. População Diabética: É previsto que o número de diabéticos em todo o mundo, atualmente cerca de 154 milhões, dobrará nos próximos 20 anos, com um aumento mais significativo no mundo desenvolvido. Além disso, o acesso crescente à TRS tem encorajado o encaminhamento e tratamento de pacientes, aos quais no passado tal acesso foi negado. Custo: Até 2010, mais de 2 milhões de indivíduos em todo o mundo serão tratados por TRS ao custo de 1 trilhão de dólares. Mais de 100 países não têm provisão para TRS e, consequentemente, mais de 1 milhão de indivíduos morrerão de DRC terminal a cada ano. Como prevenir: O diagnóstico e o manuseio precoces são defendidos para deter a tendência de crescimento da DRC. A prevenção pode ser iniciada pela simples análise de rotina da urina. Uma abordagem mais realista seria escanear populações de alto risco, como idosos, diabéticos, hipertensos e obesos, além daqueles com história familiar de DRC, os com doenças auto-imunes ou com ITU. Exames a serem realizados num primeiro momento: Análise qualitativa da urina, usando dipstick para evidenciar albuminúria, proteinúria e/ou hematúria. Análise quantitativa: Proteinúria de 24h Microalbuminúria de 24h Pesquisa de dismorfismo eritrocitário Ultrassom de Rins e Vias Urinárias Biópsia Renal Etiologia: As causas de doença renal crônica são múltiplas, variando de região para região. Entre os pacientes mantidos em tratamento conservador há o predomínio de doenças de causa sistêmica(nefropatia diabética e nefrosclerose hipertensiva), enquanto que em populações em programa de diálise e transplante, há o predomínio de doenças renais primárias(glomerulonefrites, doença renal policística, por exemplo) e daquelas causadas por anormalidades do aparelho urinário(uropatias obstrutivas, por exemplo). Didaticamente, as causas de DRC podem ser classificadas em 3 grupos: 1. Causas parenquimatosas renais: a. Glomerulopatia: lesão primária do glomérulo, geralmente de origem imunológica. b. Nefrite Tubulointersticial: lesam predominantemente a região tubulointersticial, podendo ser causadas por drogas(antibióticos, analgésicos, anti-inflamatórios nãoesteroidais, contrastes radiológicos etc), infecções virais ou ter sua causa desconhecida. c. Doença do Rim Policístico do Adulto: hereditária, autossômica dominante. d. Sindrome de Alport: hereditária, autossômica dominante (nefropatia, comprometimento ocular e auditivo). e. Displasia e Hipoplasia Renal: varia desde agenesia uni ou bilateral até displasia (malformação histológica e estrutural) e hipoplasia(número pequeno de unidades funcionantes). 2. Causas Urológicas: a. Obstruções urinárias b. Cálculos urinários c. Refluxo Vesicoureteral d. Válvula de uretra posterior 3. Causas Secundárias: a. Nefropatia Diabética b. Nefroscleros Hipertensiva c. Nefrite Lúpica d. Outras TAXA DE PROGRESSÃO Varia de acordo com a nefropatia subjacente e entre diferentes pacientes. Nefropatia Diabética: a taxa de progressão é uma das mais rápidas: - 10ml/min/ano -5ml/min/ano quando a PA está controlada -1 a -2ml/min/ano quando PA e glicemia estão controladas Nefropatia Não-Diabética: 2,5 vezes mais rápida nos pacientes com GNC do que naqueles com NTI crônica 1,5 vezes mais rápida do que na nefroesclerose hipertensiva Obs: quanto maior a proteinúria, mais rápida será a progressão. Doença do Rim Policístico: A taxa de progressão é mais rápida do que em outras nefropatias. MARCADORES E FATORES DESENCADEANTES HAS, DM, DISLIPIDEMIA, OBESIDADE E TABAGISMO SÃO FATORES DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO DE PROTEINÚRIA E DRC. Hipertensão Arterial: sua associação com DRC é observada em ambos os sexos. Diabetes mellitus: a nefropatia diabética é a principal causa de DRC terminal em quase todo o mundo. Dislipidemia: já foi demonstrada a associação com o risco para DRC. Obesidade, Tabagismo e outros fatores: a obesidade e o tabagismo estão associados a um risco aumentado de proteinúria nos homens; a proteinúria, a anemia e a hiperuricemia são marcadores de risco para DRC na população geral. MARCADORES DE FATORES DE PROGRESSÃO A progressão da DRC instalada é variável e associada a inúmeros marcadores e fatores de risco. Fatores de risco imutáveis: Idade: a taxa de progressão da DRC é influenciada pela idade, sendo que os idosos com glomerulopatia apresentam um declínio mais rápido da TFG. Representa exceção a nefropatia do diabético tipo I, na qual a idade jovem ao diagnóstico está associada a um declínio mais rápido da TFG. Sexo: o sexo masculino está frequentemente associado a um declínio mais rápido da TFG, o que nem sempre é comprovado. Raça: os afro-americanos e os híspano-americanos com HAS, DM e DRC têm progressão mais rápida do que caucasianos. Genéticos: no DM, a história familiar de doença cardiovascular ou de HAS está associada, respectivamente, a risco 2 ou 4 vezes maior de nefropatia diabética. Perda de nefrons: o limiar para a progressão natural atribuída à perda de massa renal parece ser atravessado quando reduções na função do néfron excedem 50%. Tal limiar poderia ser reduzido pela presença de HAS, obesidade, dislipidemia, hiperglicemia ou raça negra ou mesmo se a perda de néfron é resultante de glomerulonefrite. Fatores de risco mutáveis: Incluem HAS, proteinúria e fatores metabólicos. Estudos recentes indicam também tabagismo, etilismo e o uso de drogas. HAS: forte evidência liga a progressão de DRC à HAS tanto em nefropatias diabéticas com não-diabéticas. A HAS se transmitiria dentro do capilar glomerular levando à hipertensão glomerular, o que contribuiria para o início glomeruloesclerose. da Proteinúria: quando maciça está associada a uma progressão mais rápida para a DRC. Além disso, a redução da proteinúria, seja através de dieta, inibidores de ECA ou bloqueadores da angiotensina melhora a taxa de progressão. O limiar para a progressão natural atribuída à proteinúria ser atravessado é quando a perda excede 500mg/dia. Albuminúria, DRC e Doença Cardiovascular(DCV): pacientes com albuminúria elevada apresentam risco aumentado de DCV em diabéticos e não- diabéticos. A diminuição da albuminúria diminui o risco de progressão para DRC, o que pode afetar a DCV associada. Obs: Pacientes com DRC apresentam alto risco para DCV e vice-versa, possivelmente por compartilharem riscos semelhantes, como HAS, DM, obesidade, dislipidemia e tabagismo. FATORES DESENCADEANTES Glicemia: a hiperglicemia acelera a progressão da nefropatia diabética. Lipídeos: a dislipidemia pode contribuir para a glomeruloesclerose e a fibrose túbulo-intersticial, acelerando, pois, a progressão da DRC. Obesidade: acelera a progressão da DRC na Nefropatia IgA. A dimuição de peso parece diminuir a proteinúria. Ácido úrico: a hiperuricemia está associada a HAS, DCV e doenças renais. Outros fatores: Tabagismo: eleva a PA e afeta a hemodinâmica renal; está associado a um declínio mais rápido da função renal em diabéticos e não-diabéticos. Etilismo e Drogas: provavelmente pelo efeito hipertensivo do álcool; estudos apontam para o desenvolvimento de DRC terminal através do uso de drogas. Cafeína: consumo excessivo pode desencadear HAS e acelerar a formação de cicatriz renal. Analgésicos e AINE: aceleram a progressão da DRC. MECANISMOS DE PROGRESSÃO DA DRC Glomeruloesclerose: Seja qual for a nefropatia subjacente, a progressão da DRC está associada à esclerose progressiva dos glomérulos. Tanto as células glomerulares como as extraglomerulares contribuem para o início e a progressão da glomeruloesclerose. Pode evoluir a partir de qualquer célula glomerular: endotelial, mesangial e epitelial. RETARDANDO A PROGRESSÃO DA DOENÇA RENAL A doença renal que progride para terminal usualmente o faz através de 2 mecanismos: aqueles da doença renal primária e aqueles da progressão natural. A meta é a preservação do néfron de maneira que o ciclo vicioso da progressão natural possa ser evitado. MONITORANDO A PROGRESSÃO DA DOENÇA RENAL Alterações na proteinúria e na TFG são usadas para monitorar a progressão da doença, sendo que, para a maioria dos pacientes, a primeira evidência de progressão é o aumento significativo da proteinúria. 1. Monitorando a proteinúria: A magnitude da proteinúria é geralmente o mais forte indicador de declínio da TFG, provavelmente porque a proteinúria é nefrotóxica. 2. Monitorando a TFG: A creatinina sérica é usualmente suficiente, não se devendo esquecer que há condições que aumentam os níveis séricos de creatinina, como ingesta de carne cozida, uso de fenofibrato, ingesta de creatina, exercício físico exacerbado e massa muscular aumentada. Há, também, condições que diminuem a produção de creatinina, como dieta vegetariana, perda de massa muscular e sedentarismo. Se há elevação da creatinina, o clearance de creatinina de 24 horas é a forma mais fidedigna de monitorar a TFG. AVALIAÇÃO CLÍNICA E MANIPULAÇÃO DA DRC A maioria dos pacientes com DRC não progride para o estágio terminal, pois morre prematuramente de outras causas, particularmente eventos cardiovasculares. O diagnóstico precoce da DRC está se tornando mais e mais importante porque fornece a oportunidade não somente de retardar a progressão da insuficiência renal, mas também de prevenir complicações, particularmente aquelas que podem aumentar o risco de complicações cardiovasculares. Apresentação Clínica Muitos pacientes com DRC são conhecidos dos profissionais da saúde por estarem recebendo tratamento para hipertensão, doença cardiovascular ou diabetes. Eles podem ser encaminhados ao nefrologista devido a uma creatinina sérica elevada ou se alguma anormalidade urinária é detectada ou porque se tornaram sintomáticos devido a um declínio agudo na função renal(IRC agudizada) ou, ainda, permanecer assintomáticos até atingir o estágio final(emergência urêmica). Quando encaminhar ao Nefrologista Como não está associada a sintomas nos estágios precoces, uma proporção substancial de pacientes com DRC é encaminhada tardiamente, frequentemente quando já necessitam de tratamento dialítico. Isso pode ser explicado devido à dificuldade que os médicos têm em reconhecer a relação entre creatinina e TFG. Como consequência do encaminhamento tardio, a oportunidade de preparar os pacientes adequadamente para a diálise é perdida, e a escolha do paciente é comprometida porque há um tempo necessário requerido para a adaptação para a diálise peritoneal ou para inscrição em lista de transplante renal antes de iniciar a diálise. Além disso, como a fístula AV leva de 8 a 12 semanas para maturar, esses pacientes necessitam iniciar hemodiálise usando catéter venoso central, os quais propiciam complicações infecciosas e, também, danos em veias centrais(tromboses e estenoses). A apresentação tardia está associada a um prognóstico pior e a um custo muito mais elevado. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Hipertensão Dislipidemia Anemia Metabolismo mineral e ósseo Acidose metabólica Subnutrição Retenção de Sódio e Água Imunidade Potássio Anormalidades endocrinológicas: - Hormônios da Tireóide - Hormônio do Crescimento - Insulina - Hormônios Sexuais Outras complicações: Incluem hemorragias, problemas neurológicos, incluindo encefalopatia urêmica e manifestações dermatológicas. A pericardite urêmica pode ocorrer no estágio 5 e pode ser detectada clinicamente pela presença de atrito pericárdico. A administração de anticoagulantes pode levar ao derrame pericárdico e ao tamponamento cardíaco.