Universidade Federal do Maranhão – UFMA Curso de Licenciatura

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Universidade Federal do Maranhão – UFMA
Curso de Licenciatura em Ciências Humanas
Disciplina de Introdução à História
Professora: Isabel Mendonça
Acadêmica: Cynthia Helena Chaves Oliveira
Turma: 2014.2
RESENHA CRÍTICA
REIS, José Carlos. A história entre a filosofia e a ciência. 3 ed., 1 reimp.
Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
O autor deste livro, José Carlos Reis, é historiador e filósofo,
licenciado em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (1981),
mestre em Filosofia (1987), licenciado e doutor em Filosofia pela Université
Catholique de Louvain (Bélgica, 1992), pós-doutor pela École des Hautes
Études em Sciences Sociales (Paris, 1997), pós-doutor pela Université
Catholique de Louvain (Bélgica, 2007). Atualmente é professor associado do
Departamento
de
História
da
UFMG.
Além
de
artigos em
revistas
especializadas de história e filosofia, já publicou os seguintes livros: Nouvelle
Histoire e o tempo histórico: a contribuição de Febvre, Bloch e Braudel
(Annablume, 2008), História, a ciência dos homens no tempo (Eduel, 2010
[Papirus, 1994]), Escola dos Annales, a inovação em história (Paz e Terra,
2000), As identidades do Brasil – De Varnhagen a FHC (FGV, 9. Ed. 2007),
Wilhelm Dilthey e a autonomia das ciências histórico-sociais (Eduel, 2003),
História & Teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade (FGV,
2003) – e por fim, o livro que é assunto desta resenha – A história entre a
filosofia e a ciência (Autêntica, 2004).
Observando sua biografia e analisando suas obras, pode-se perceber
que o autor vem de uma base teórica histórica e filosófica, portanto, supõe-se
que José Carlos Reis faça uma defesa da relação entre história e filosofia,
onde considera ambas as ciências interligadas e que embora essas disciplinas
sejam distintas, uma é importante para a compreensão da outra. Em uma
entrevista para o site (www.sobrehistoria.org), o autor comenta que “sem
qualquer consideração filosófica a história é simplória, da mesma forma que
sem qualquer perspectiva histórica a filosofia perde sua consistência.”, através
desse trecho da entrevista, Reis deixa claro a sua empatia por essa relação de
trabalho interdisciplinar. A ênfase sintética é outra característica registrada em
suas obras, ela permite que o leitor possa permear por todo o contexto histórico
descrito na obra. A história entre a filosofia e a ciência, é um dos livros em que
o autor utiliza este recurso.
O livro se inicia com a abordagem do contexto político do século XIX,
época em que o mundo estava sob influência do capital, a Alemanha lutava
pela unidade nacional, ocorriam avanços nas ciências humanas, recusavam-se
as teorias hegelianas e o cientificismo vigorava o conhecimento. Na França, a
ciência se encontrava fundamentada no positivismo de Comte, onde os
conhecimentos deveriam caminhar longe da subjetividade e se dedicarem
exclusivamente à observação objetiva. A razão passa a sobrepor-se ao
teológico, e a história influenciada por essas mudanças socioeconômicas
rompe com a filosofia e se desvincula da literatura, deixando para trás o
questionamento a respeito do “ser da história” e passando a se questionar
sobre a própria metodologia histórica, com isso a história poderia receber um
lugar entre as ciências.
Reis (2004, p. 10) destaca as três direções principais durante a
constituição de uma história científica:
A orientação rankiana, que quer aproximar a história do modelo
científico da física; a orientação diltheyniana, que quer
descobrir o que há de específico no conhecimento histórico que
o torne uma “ciência” diferenciada das ciências naturais; e a
orientação marxista, que submete o conhecimento históricocientífico à sua relação com a realidade histórica, à práxis.
A ESCOLA METÓDICA DITA “POSITIVISTA”
(ORIENTAÇÃO RANKIANA)
Em meados do século XIX, as teses de L. Von Ranke colocam em
causa as filosofias da história, em que tinha como características as
perspectivas especulativas, subjetivas e moralizadoras, que avançam em
busca de fórmulas científicas, objetivas ou “positivas”, fórmulas estas, que vão
influenciar outros historiadores na Alemanha e em seguida na França. Com a
ajuda de Ranke, desenvolve-se então a crítica histórica, baseada no método
erudito em que tinha como principal fonte os documentos diplomáticos,
requisito no qual era indispensável para se fazer história.
Ranke, era um conservador nacionalista e protestante, que tinha
como principal interesse a “individualidade”, considerava que a história era
conduzida por um “espírito” que se manifestava de forma individual na
sociedade. Os eventos ocorriam com significação no mundo dos sentidos e o
historiador deveria captar as individualidades nesses eventos através das
fontes. Ranke negava os fundamentos filosóficos, porém continuava a ser um
historiador-filósofo onde a única coisa que o distanciava da filosofia era o fato
de seus princípios se fundarem a partir do método, por sua vez, postulou
algumas regras para a metodologia histórica.
Em sua concepção, cabe ao historiador não julgar o passado, deveria
apenas dar conta do que realmente se passou; tinha que se manter neutro
diante os eventos históricos e em hipótese alguma deveria expressar sua
percepção; a história só poderia ser desvendada a partir dos documentos; o
historiador capta as informações de forma passiva, ou seja, os fatos aparecem
tais como são, igualmente a uma imagem ou cena que reflete em um espelho;
os fatos extraídos dos documentos devem ser narrados em uma sequencia
cronológica, onde deve ser evitada toda reflexão teórica, pois se assimilaria à
especulação filosófica. Os ditos “positivistas” acreditavam que utilizando esses
métodos a história-ciência poderia atingir a objetividade.
Segundo Reis (2004, p. 14), “Na declaração de princípios, queriam
fazer ‘ciência objetiva’; na prática, a narrativa histórica servia ao Espírito
universal que se expressava no Estado, na Religião e na Cultura [...]”. O
primeiro país a ser centro de erudição foi a Alemanha, e posteriormente com a
fundação da Revue Historique, por Gabriel Monnod, a história erudita se instala
na França, época em que o conflito entre alemães e franceses estava em seu
auge.
A escola metódica francesa irá utilizar os mesmos princípios
defendidos por Ranke, a única diferença é que os “positivistas” franceses terão
como filosofia da história o Iluminismo. Influenciados pelo evolucionismo
darwiniano e pelo “espírito positivo” de Comte, o iluminismo sustentará a
historiografia através de teses evolucionistas, progressistas, gradualistas e
antirrevolucionárias. A história não se preocupava tanto com o passado, a sua
visão estava voltada para o futuro.
Langlois e Seignobos definem o método histórico em três etapas: a
heurística, pesquisa dos documentos; as operações analíticas, críticas externa
e interna; as operações sintéticas, escrita histórica. Esse método também tinha
como objetivo fazer da história ciência.
Fustel se posicionava contra o romantismo e a intuição poética de
Michelet, queria traçar para a história a verdade objetiva, era um obcecado em
“ressuscitar o passado” da forma tal qual ele é.
O autor propõe a substituição do termo “positivista” pelo termo
“metódica” para denominar essas escolas históricas, tanto a alemã quanto a
francesa, já que ambas davam importância ao método e não buscavam
trabalhar puramente o positivismo de Comte, apenas compartilhavam alguns
pensamentos.
O HISTORICISMO: ARON VERSUS DILTHEY
(ORIENTAÇÃO DILTHEYNIANA)
O historicismo buscava uma evolução no processo histórico de forma
a decretar o fim da filosofia da história tradicional. O que marcou o século XIX
então foi a desconexão com as filosofias da história. Dilthey, na segunda
metade do século XIX, retorna a aproximação da filosofia com a história, mas
de forma kantiana, propõe que a questão da objetividade de Ranke não é mais
tecnológica e sim filosófica, devido às inúmeras questões que são levantadas a
partir desse conceito “objetividade”. Dilthey usa a filosofia de Kant (filosofia
crítica) para superar os problemas epistemológicos a respeito do conhecimento
histórico, estabelecer critérios que o singularize, torná-lo independente dos
modelos da física newtoniana e afastá-lo da filosofia especulativa.
Para Dilthey, esse otimismo objetivista problematiza o pensamento
histórico, sendo assim, a filosofia crítica vai tentar resgatar a autonomia das
ciências humanas. O historicista argumenta que a metodologia das ciências
naturais não é capaz de compreender as questões do Espírito, isto é, do
mundo interior. Sua “filosofia de vida” consistia numa individualidade que era
centrada na consciência de si. Essa nova filosofia da história visava conhecer o
homem através do seu passado e de suas obras, não mas em uma totalidade
universal, ou em uma evolução infinita, mas em sua “totalidade singular”. Essa
nova visão não separa o objeto do sujeito, ou seja, não separa o historiador de
sua história. Para os historicistas o futuro era uma questão de devir que era
inatingível, e o que importava agora era o pensar sobre o conhecimento
histórico.
Aron é um filósofo francês que em 1938 escreve sobre os pensadores
alemães, em sua obra sobre os historicistas, ele vai criticar esse movimento
alemão, que corresponde a uma sociedade incerta de si mesmo, que não
saberia atingir leis universais, o historicismo seria, portanto a crise da filosofia,
onde se descobre a impossibilidade de se chegar a uma verdade filosófica e a
impossibilidade de não filosofar. Reis (2004, p. 34) fala que Aron “rejeita a
história como devir não evolucionista e repõe a concepção iluminista da história
como progresso em direção à sociedade moral”.
O MARXISMO (ORIENTAÇÃO MARXISTA)
O marxismo, assim como as outras linhas de pensamento citadas
anteriormente, pretendia tornar a história uma ciência. Segundo o marxista
Pierre Vilar (1982) o materialismo histórico de Marx, foi o primeiro e
fundamental passo nessa direção. Diferentemente das duas tendências
anteriores, Marx não teria problematizado se as ciências humanas se
aproximam ou se afastam das naturais, ele se preocupou com as “estruturas
econômico-sociais”, consideradas penetrável e compreensível.
Marx teria criado uma “teoria geral” do movimento das sociedades
humanas, em que a história-ciência trataria da luta de classes onde a
produtividade seria o principal agente transformador da história. Não seria mais
a ação do Espírito que modificaria a sociedade e sim uma correspondência
entre forças produtivas e as relações de produção. O objetivo da históriaciência seria então a estrutura social.
Segundo Claude Leifort (1978), há duas formas de compreensão do
marxismo que as obras de Marx não contestam: a primeira apresenta uma
visão “evolutiva” da história; a segunda, uma visão “repetitiva” da história. O
marxismo já foi interpretado em várias perspectivas, devido à riqueza
epistemológica de Marx. Na concepção de Reis, essa versão evolutiva do
marxismo confere-se como uma filosofia da história que abrange todas as
filosofias anteriores, bem como a de Hegel, Comte, Darwin e os iluministas.
PRINCIPAIS TESES DO AUTOR DESENVOLVIDAS NA OBRA
Segundo Reis (2004), todas as escolas tentaram negar o fundo
filosófico que havia em cada uma, tendo como principal objetivo tornar a
história em uma verdade absoluta, isto é, em uma ciência. Na Escola Metódica,
tem-se Ranke tentando esconde a filosofia de Hegel no seu discurso
“positivista”, já os positivistas franceses que embora negassem, tinha como
filosofia da história o iluminismo. Os historiadores fugiam do presente em todas
as direções: para um passado “objetivo”, para um futuro livre, para um presente
divinizado. O autor supõe que eles parecem representar a consciência da
burguesia, que quer permanecer em seu tempo de glória da criação de seu
mundo e teme perdê-lo, tornando-se vítima do próprio gesto que o criou.
O historicismo tem como filosofia da história o pensamento kantiano
que se posiciona contra o “sistema filosófico” hegeliano e as ciências naturais.
O autor destaca que a principal característica do historicismo é o relativismo,
onde existe uma solidariedade entre passado e presente. Reis concorda com a
ideia de Aron, em que o Historicismo formulou o pensamento da aristocracia
alemã do final do século XIX, já que esta rejeitava o futuro.
Para Reis (2004), como filosofia da história, o marxismo é, portanto, a
síntese de todas as grandes filosofias de sua época, bem como a negatividade
hegeliana, a vontade geral revolucionista de Rousseau, o progresso racional
iluminista, a superação da metafísica comtista e o evolucionismo darwinista.
Enquanto “ciência social”, o marxismo evadiu-se da historicidade pelo
“conceito”. Em sua ambiguidade, oscilou entre a evasão da historicidade em
direção ao futuro e a evasão em direção ao puro conceito.
REFLEXÃO CRÍTICA A RESPEITO DA OBRA
Analisando a obra de José Carlos Reis pode-se apreender que por
mais que tentemos desvincular a filosofia da história, essa é uma meta quase
impossível, pois de qualquer maneira a história está vinculada ao passado, e
passado este ao qual não vivemos e temos apenas relatos e documentos para
desvendá-lo, então é onde surge a filosofia para ajudar a compreender este
passado, já que não conseguimos resgatar ele da maneira exata como ocorreu.
Crê-se que o papel da história deve ser tentar analisar o passado na pretensão
de criar um futuro melhor e mais justo para a humanidade, porém não com uma
visão utópica como Marx o teve, embora tenha contribuído e muito para a
evolução histórica. O senso crítico, ou mesmo a filosofia, deve está sempre
presente no pensar histórico, pois se não questiona-se a respeito de algo,
corre-se o risco de estar caminhando em direção a uma história injusta e
irracional.
Reis em sua obra consegue transmitir implicitamente bem o objetivo
pretendido, concede primeiramente uma viagem ao tempo, explicando os
trajetos que a historiografia perpassou, e consequentemente nos faz refletir a
respeito do objeto de estudo da história e de suas relações com a filosofia. O
autor defende como legitimidade para o pensar histórico as abordagens a
respeito do homem em si, e como utilidade para a história ele defende a
problematização. A obra “a história entre a ciência e a filosofia” é um excelente
livro para ser aplicado no currículo acadêmico, devido à sua rica concepção
epistemológica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Rubem. Filosofia da ciência. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 148.
BLACH, Matheus. Entrevista com José Carlos Reis. Minas Gerais, 2011.
Disponível
em:
<http://www.sobrehistoria.org/entrevista-jose-carlos-reis/>.
Acesso em: 28 nov. 2014.
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