Discriminação: escravidão moderna

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Discriminação: escravidão moderna
Andréa Saint Pastous Nocchi
Juíza do Trabalho e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Anamatra
“(...) a pátria, como a mãe, quando não existe para os filhos mais infelizes, não existe para
os mais dignos; aqueles para quem a escravidão, degradação sistemática da natureza
humana por interesses mercenários e egoístas, se não é infamante para o homem educado e
feliz que a inflige, não pode sê-lo para o ente desfigurado e oprimido que a sofre.”
Joaquim Nabuco – O abolicionismo (2000).
Passados 120 anos da promulgação da Lei Áurea ainda muito é preciso fazer para que todas
as formas de discriminação racial sejam abolidas e a escravidão humana reste apenas no
imaginário das pessoas.
Ao reconhecer o simbolismo e a importância da data histórica é momento de reafirmar o
compromisso da sociedade brasileira de empenhar todas as forças para que essa herança de
desigualdade social e de discriminação racial reste eliminada no nosso País.
Estudo do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, publicado justamente no 13
de maio passado, indicam que a população negra e parda será maioria no Brasil já neste ano
e, mantendo-se a tendência de crescimento populacional, em 2010 os negros serão a
maioria absoluta da população brasileira.
Nossa dívida social não é, portanto, como uma minoria discriminada. Estamos falando na
exclusão e discriminação da maioria da população brasileira que, em função da cor de sua
pele, não tem acesso a educação de boa qualidade nem, em conseqüência, as mesmas
oportunidade de emprego e salário digno da população branca.
Dados do IBGE demonstram, todos os anos, que o abismo que separa brancos e negros no
Brasil ainda é enorme. Se falarmos de mulheres negras, então, as diferenças se acentuam
vergonhosamente.
Não há como conceber que o crescimento econômico brasileiro esteja calcado neste
universo de desigualdades e exclusão.
As políticas de inclusão e ações afirmativas instituídas pelo Governo Federal demonstram a
intenção de superar a negação do problema e de buscar soluções concretas.
De qualquer forma, nenhuma ação afirmativa atingirá plenamente sua finalidade: acabar
com as desigualdades e discriminações, enquanto não houver geração de empregos e
distribuição justa de renda. O sistema de cotas em universidades federais, por exemplo, foi
um importante avanço, sendo implementado com eficácia e justiça. Todavia, não resolve,
por si só, a carência do ensino público fundamental e médio. Sem educação de qualidade
não há solução para o problema, apenas uma forma de amenizá-lo. Ainda, falar em acesso à
educação de qualidade pressupõe criar condições para isso, eliminando o trabalho infantil e
gerando condições para que essa criança permaneça na escola, recebendo aprendizado que
respeite suas condições culturais e sociais.
Como afirma o economista Márcio Pochmann, não se pode falar em liberdade quando não
há possibilidade de escolhas e escolhas só podem ser feitas entre homens em pé de
igualdade.
A conquista de negros e abolicionistas, simbolizada pela assinatura da Lei Áurea não
representou o fim da escravidão. A presença em solo brasileiro de trabalho escravo,
denunciado pela OIT e, tantas vezes, pelos juízes do trabalho, envergonha e expõe as piores
formas de exploração do homem. São conflitos que extrapolam as relações de trabalho e
impedem, inclusive, a livre circulação de produtos brasileiros no exterior. As condições de
trabalho degradantes aliadas às práticas de cerceamento da liberdade constituem elementos
da escravidão contemporânea que precisa ser combatida, denunciada e eliminada.
Este problema também exige uma solução definitiva, colocando fim a esta forma absurda
de manutenção da escravidão 120 anos depois de sua abolição formal. A aprovação da
PEC 438/2001, chamada PEC do Trabalho Escravo, que prevê a expropriação das terras
onde se constate a escravidão, pelo Congresso Nacional, seria um passo adiante nessa luta
desigual em busca de um futuro decente para milhares de brasileiros.
A construção de uma Nação soberana e fraterna só é possível com a completa erradicação
de toda e qualquer forma de escravidão humana e de discriminações raciais.
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