Eficácia e a segurança do duplo bloqueio do eixo RAA. Dinis

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Eficácia e a segurança do duplo bloqueio do eixo RAA
A hipertensão arterial (HTA) é uma epidemia global,
com uma prevalência estimada de 28,9% nos E.U.A.. É um
dos factores de risco major de doença cardiovascular, com
um peso contributivo de 54% relativamente ao acidente
vascular cerebral e 47% relativamente à doença arterial
coronária. Apesar de ser um factor de risco modificável,
estima-se que o controlo adequado da HTA seja atingido
em apenas 10-29% dos doentes (entre países Europeus e
América do Norte, respectivamente).
Tanto a hipertensão arterial sistólica como a diastólica
são factores de risco independentes major para doenças
cardiovasculares (Doença Arterial Coronária - DAC,
Insuficiência Cardíaca - IC, Acidente Vascular Cerebral AVC, Doença Arterial Periférica - DAP, Nefropatia). Nos
indíviduos com idade inferior a 55 anos, os valores de tensão arterial sistólica e diastólica são factores preditivos
independentes de mortalidade por AVC e DAC. Acima dos
55 anos, para além destes dois critérios, a pressão de
pulso tem também um factor preditivo positivo forte para
eventos cardiovasculares, que se mantém como factor de
estratificação de risco nesta faixa etária, mas não como
objectivo terapêutico.
Quando os valores tensionais recaem em diferentes
categorias, esta deve ser classificada de acordo com aquele que implique maior risco (quer se trate de HTA sistólica
quer diastólica). (Tabela 1)
Se estivermos perante o caso de HTA sistólica isolada,
esta deve ser igualmente classificada, mantendo-se em
mente que valores diastólicos baixos implicam risco cardiovascular adicional. Os valores limite para estratificação
de risco e tratamento, devem ser flexíveis e variam conforme o perfil do doente.
As últimas guidelines da Sociedade Europeia de
Cardiologia, publicadas em 2007, não evidenciam racional
na escolha específica de uma classe de fármaco ideal no
tratamento inicial da hipertensão arterial. É considerada
no entanto a escolha do fármaco inicial baseada nos factores de risco individuais de cada doente ou no caso de
doença cardiovascular estabelecida. Apesar de virtualmente existirem benefícios terapêuticos na associação de
todas as classes quando é necessária terapêutica com
mais de um fármaco, é dada preferência à combinação de
fármacos com acções de classe diferentes e intervenientes
nos diferentes factores causais/perpetuadores de
hipertensão arterial. A tabela 2, evidencia as escolhas
mais consistentes na terapêutica dupla/múltipla e a
tabela 3 demonstra a escolha de diferentes fármacos consoante o perfil do doente.
Existem diversos ensaios clínicos com a demonstração
da eficácia terapêutica, redução de outcomes (mortalidade global, enfarte do miocárdio, AVC, insuficiência
renal…) e segurança relativamente ao bloqueio do eixo
renina-angiotensina-aldosterona (RAA).
Dinis Valbom Mesquita
Interno do 3.º ano da Formação Específica de Cardiologia
Centro Hospitalar Barreiro - Montijo
Comentário à metanálise «Efficacy and safety of dual
blockade of the renin-angiotensin system: metaanalysis of randomised trials»
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Recebido para publicação: Junho de 2013
Aceite para publicação: Junho de 2013
Revista Factores de Risco, Nº30 JUL-SET 2013 Pág. 52-55
Tabela I
Definição e Classificação da HTA de acordo com as guidelines da ESC
Categoria
Sistólica (mmHg)
Adequada
Diastólica (mmHg)
<120
E
<80
Normal
120-129
E / ou
80-84
Norma-Alta
130-139
E / ou
85-89
HTA de Grau 1
140-159
E / ou
90-99
HTA de Grau 2
160-179
E / ou
100-109
HTA de Grau 3
≥180
E / ou
≥110
HTA sistólica isolada
≥140
E
<90
Tabela II
Opções de associação de fármacos antihipertensores, de acordo com as guidelines da ESC.
Diuréticos Tiazídicos (DT)
IECA, ARA, ACC, BB, AB
Antangonistas Enzima Conversão
DT, ACC, ARA, BB, AB
Angiotensia (IECA)
Antagonistas Receptores
DT, ACC, IECA, BB, AB
Angiotensina II (ARA)
Antagonistas Canais Cálcio (ACC)
DT, IECA, ARA, ACC, AB
Beta-Bloqueantes (BB)
ACC, DT, IECA, ARA, AB
Alfa-Bloqueantes (AB)
DT, IECA, ARA, ACC, BB
A negrito e sublinhado, as associações preferenciais.
Apesar de não se encontrar inequivocamente estabelecida a eficácia e a segurança do duplo bloqueio do eixo
RAA, o facto é que nos últimos anos esta associação se
tornou cada vez mais utilizada, nomeadamente em
doentes que teoricamente beneficiariam deste duplo bloqueio (dificuldade no controlo de HTA, IC ou progressão de
doença renal crónica/proteinúria).
As guidelines mais recentes do NICE, publicadas em
2011, contra-indicam o uso de duplo bloqueio do eixo RAA
com IECA e ARA na associação de fármacos no tratamento
da HTA, deixando no entanto essa possibilidade no caso
de HTA resistente. Da mesma forma, pela fraca evidência
de benefício adicional, a Sociedade Americana de
Hipertensão, no seu documento de posição relativamente
à terapêutica combinada na HTA, não recomenda a associação de IECA e ARA.
Recentemente o estudo ALTITUDE deixou a premissa
de maiores efeitos secundários nos doentes tratados com
inibidores directos da renina (Aliscireno) e IECAs ou ARAS.
Este estudo foi interrompido precocemente por evidência
de aumento significativo de hipercaliémia e hipotensão
nestes doentes, tendo sido desencorajada a associação de
Aliscireno a doentes diabéticos, insuficientes renais ou
com perfil elevado de risco cardiovascular, já medicados
com IECA ou ARA.
Já o conhecido estudo CHARM added, demonstrou a
redução na mortalidade cardiovascular ou hospitalização
por insuficiência cardíaca nos doentes com disfunção
sistólica ventricular esquerda quando tratados com IECA e
ARA simultaneamente. No entanto, a ocorrência de hipercaliémia foi cinco vezes superior e o aumento dos níveis
de creatinina, duas vezes superior.
Em Janeiro deste ano, Makani et al., publicaram no
British Medical Journal uma metanálise com o intuito de
perceber efectivamente a existência de algum benefício
terapêutico com o duplo bloqueio do sistema RAA e a
segurança do mesmo.
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Eficácia e a segurança do duplo bloqueio do eixo RAA
Tabela III
Escolha de fármacos antihipertensores consoante o perfil do doente, de acordo com as guidelines da ESC
Lesão subclínica órgão alvo
Hipertrofia ventricular esquerda
IECA, ACC, ARA
Aterosclerose assintomática
ACC, IECA
Microalbuminúria
IECA, ARA
Disfunção Renal
IECA, ARA
Evento Clínico
AVC prévio
Enfarte Miocárdio prévio
Angina de peito
Insuficiência Cardíaca
Qualquer antihipertensor
BB, IECA, ARA
BB, ACC
Diuréticos, BB, IECA, ARA,
Antagonistas receptores aldosterona
Recorrente: IECA, ARA
Fibrilhação Auricular
Insuficiência Renal / Proteinúria
Doenaça Arterial Periférica
Permanente: BB, ACC não di-hidropiridinicos
IECA, ARA, Diuréticos de ansa
ACC
Condição Clínica
HTA sistólica isolada / idosos
Diuréticos, ACC
Síndrome metabólica
IECA, ARA, ACC
Diabetes mellitus
Gravidez
Raça Negra
IECA, ARA
ACC, Metildopa, BB
Diuréticos, ACC
Legenda: IECA – Antangonistas Enzima Conversão Angiotensina. ARA – Antangonistas Receptores Angiotensin a II. ACC – Antagonistas Canais Cálcio. BB – BetaBloqueantes.
Foram elegíveis nesta metanálise 33 estudos (entre
1990 – Agosto de 2012), com um total de 68 405 doentes,
um período mínimo de follow-up de um ano e um mínimo de 50 doentes incluídos. Em 22 estudos era comparada a monoterapia com o duplo bloqueio do eixo RAA com
IECA e ARA, em três estudos IECA e Aliscireno, em sete
ARA e Aliscireno e num último IECA ou ARA em associação
com Aliscireno. Estes grupos foram ainda posteriormente
estratificados em doentes com ou sem insuficiência
cardíaca de forma a se perceber a existência ou não de
efeitos nestes subgrupos.
Dos resultados apurados, relativamente à mortalidade
global, evidencia-se a inexistência de diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos. No entanto,
estratificando por subgrupos, existe um aumento significa-
tivo de mortalidade no grupo de doentes sem insuficiência cardíaca sob duplo bloqueio do eixo RAA. É demonstrado que a utilização desta associação leva à redução de
18% nas admissões hospitalares por insuficiência cardíaca,
à custa do subgrupo com insuficiência cardíaca (embora se
verifique também esta tendência no subgrupo sem insuficiência cardíaca). No entanto, estes resultados não se
traduzem por reduções de mortalidade cardiovascular em
qualquer dos grupos quando comparada à utilização de
IECA/ARA em monoterapia.
No que concerne à segurança na utilização do duplo
bloqueio do eixo RAA, os resultados evidenciam consistentemente e de forma estatisticamente significativa os
riscos desta associação. A ocorrência de hipercaliémia
(definida como K+> 5.5mmol/L) aumenta em 55% com54
Revista Factores de Risco, Nº30 JUL-SET 2013 Pág. 52-55
Bibliografia sugerida:
parativamente à monoterapia, quer na coorte geral quer
nos subgrupos com ou sem insuficiência cardíaca, verificando-se o mesmo relativamente à ocorrência de hipotensão, com um risco aumentado de 66%. Do ponto de vista
de disfunção renal (definida pelos autores com creatininémia acima de 2.0mg/dL ou a duplicação dos valores
basais de creatinina), existe um aumento do risco de 41%,
à custa essencialmente do subgrupo com insuficiência
cardíaca – com diferenças estatisticamente significativas
entre os dois subgrupos. Comparativamente à monoterapia, verificou-se ainda um aumento de 27% de descontinuação de terapêutica no grupo com duplo bloqueio do
eixo.
Estratificando por subgrupo de tratamento, a segurança do duplo bloqueio varia consoante o fármaco em
monoterapia utilizado na comparação. Desde a ocorrência
estatisticamente significativa de todos os efeitos adversos
na comparação da utilização de IECA com IECA + ARA, à
ausência de diferença entre o uso de Aliscireno em
monoterapia ou associado a IECA ou ARA.
1. Makani et al. Efficacy and safety of the dual blockade of the
renin-angiotensin system: meta-analysis of randomised trials.
BMJ, 2013. 346:f360.
2. Kaplan, N. Victor, R. Clinical Hypertension. Lippincott Williams
& Williams. 10th edition. 2010. Philadelphia. U.S.A.
3. Mancia et al. The Task Force for the Management of Arterial
Hypertension of the European Society of Hypertensions (ESH) and
the European Society of Cardiologia (ESC). 2007 Guidelines for
the Managemente of Arterial Hypertension. EHJ. 2007. 28: 1462
– 1536.
4. Aronow et al. A Report of the American College of Cardiology
Foundation Task Force on Clinical Expert Consensus Documents.
ACCF / AHA 2011 Expert Consensus Document on Hypertension in
the Elderly. JACC. Vol 57. N20. 2011.
5. Gradman et al. ASH Position Article – Combination Therapy in
Hypertension. Journal of the American Society of Hypertension. 4(1)
2010 42-50.
6. National Institute for Health and Clinical Excellence.
Hypertension – Clinical Managemente of Primary Hypertension in
Adults. NICE clinical guidance 127. 2011.
Conclusão:
7. Parving et al. Cardiorenal Endopoints in a trial of Aliskiren for
type 2 Diabetes. ALTITUDE Trial. N Eng J Med 2012. 367: 2204 –
2213.
Com a excepção na redução das hospitalizações por
insuficiência cardíaca, a utilização do duplo bloqueio do
eixo RAA não demonstra benefícios a longo prazo quer na
mortalidade global, quer na mortalidade por causa cardiovascular (tendencialmente aumentando até a mortalidade
global, especialmente nos doentes sem insuficiência
cardíaca). Deve ser enfatizada a questão da segurança da
utilização destas associações devido à ocorrência de forma
persistentemente significativa de hipercaliémia, insuficiência renal, hipotensão e descontinuação de tratamento
por efeitos adversos dos fármacos.
Ainda que alguns estudos (nomedamente o COOPERATE – que acabou por ser retirado de circulação por inconsistências), demonstrem a redução da creatininémia ou o
aumento do tempo até doença renal terminal com uso
desta associação (sem que inequivocamente demonstre
nefroprotecção), à luz destes resultados, baseados numa
metanálise com mais de 68 000 doentes, a utilização do
duplo bloqueio do eixo renina-angiotensina-aldosterona é
fortemente desencorajado. Apenas em casos altamente
seleccionados de ausência de resposta terapêutica ou
intolerância a outras classes de fármacos nos doentes com
HTA resistente, IC sintomática, nefropatia diabética ou proteinúria esta associação deverá ser considerada.
8. The ONTARGET investigators. Telmisartan, Ramipril, or Both in
patients at higher risk for Cardiovascular Events. N Eng J Med
2008. 358: 1547 – 1559.
Dinis Valbom Mesquita
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