Um estudo baseado no modelo da aprendizagem social

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
JULIANA KATO PACHECO FERRAZ
A TELENOVELA REBELDE E A EROTIZAÇÃO DA INFÂNCIA: UM
ESTUDO BASEADO NO MODELO DA APRENDIZAGEM SOCIAL
SÃO CARLOS/SP
2009
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A TELENOVELA REBELDE E A EROTIZAÇÃO DA INFÂNCIA: UM
ESTUDO BASEADO NO MODELO DA APRENDIZAGEM SOCIAL
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
JULIANA KATO PACHECO FERRAZ
A TELENOVELA REBELDE E A EROTIZAÇÃO DA INFÂNCIA: UM
ESTUDO BASEADO NO MODELO DA APRENDIZAGEM SOCIAL
Monografia apresentada ao Curso de
Graduação em Licenciatura em Pedagogia
– da Universidade Federal de São Carlos,
como requisito parcial para obtenção da
licenciatura em Pedagogia.
Orientação: Prof. Dr. João dos Santos
Carmo.
SÃO CARLOS/SP
2009
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JULIANA KATO PACHECO FERRAZ
A TELENOVELA REBELDE E A EROTIZAÇÃO DA INFÂNCIA: UM
ESTUDO BASEADO NO MODELO DA APRENDIZAGEM SOCIAL
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da licenciatura em
Pedagogia.
Universidade Federal de São Carlos.
São Carlos, 30 de Novembro de 2009
Orientador:
João dos Santos Carmo
Universidade Federal de São Carlos
---------------------------------------------------------------------
Examinadora:
Kelci Anne Pereira
UAB/Universidade Federal de São Carlos
5
-----------------------------------------------------------------------------
Examinadora:
Priscila Mara de Araújo Gualberto
Universidade Federal de São Carlos
----------------------------------------------------------------------------
6
Dedico este trabalho com todo o meu amor, aos
meus pais, por todo o seu amor.
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AGRADECIMENTOS
Registro brevemente alguns agradecimentos às pessoas mais próximas de meu
convívio social, àquelas que de perto acompanharam a elaboração desta monografia.
Ao meu orientador e professor João dos Santos Carmo, por tamanha dedicação e
paciência nos momentos de reunião, questionamentos e dúvidas. Agradeço pelas transmissões
de saberes, visões e apontamentos, que muito me auxiliaram para a elaboração desta
monografia.
À minha família. Pelas tantas horas de apoiou durante a escrita deste trabalho, que
mesmo com a distância me ouvia e me ajudava. Pela força e estímulo dado nos momentos de
cansaço e esforço mental. Obrigada por sempre estarem comigo.
Às minhas amigas mais próximas, consideradas como irmãs, que com certeza irão
deixar saudades dos anos de faculdade. Obrigada pelo apoio, amizade, fraternidade, e
paciência pelas horas falando sobre o trabalho de conclusão e curso, me escutando e
estimulando. Agradeço a união e o amor compartilhados durantes estes anos.
Agradeço também, ás minhas irmãs Márcia e Érica, pelo apoio e ajuda na elaboração
deste trabalho. Obrigada pela companhia e amizade sempre!
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“As coisas mudaram aos poucos: nosso olhar procurava a sossegada
imagem de uma felicidade infantil em um mundo encantado, feito de
vestidinhos de renda e blusas de marinheiro. Depois, desejosos de
garantir à criança um acesso à vida adulta, (...) passamos a vesti-las
de terno e gravada ou de saia plissée. Hoje _ síntese hegeliana _, elas
seguem a imagem da felicidade dos adultos: roupa esporte e fantasias
de Xuxa. Ao instantâneo desbotado do nenê sem sexo, à foto
amarelada do homenzinho e da mulherzinha de blazer, se substituiu
um cartão postal que se parece com o folheto publicitário de um
pacote de férias, vôlei na praia e promessas eróticas.”
(Contardo Calligaris)
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RESUMO
O objeto de estudo desta monografia são as possíveis influências que a mídia exerce
sobre as crianças, tendo como foco a telenovela mexicana Rebelde; já que na época em que
foi exibida obteve muito sucesso; alcançando um número elevado de fãs, que seguiam seus
passos, e desejavam ser como os ídolos. Assim, neste trabalho iremos investigar em que
medida essas telenovelas contribuem para a aprendizagem de padrões afetivos e sexuais na
infância, tendo como base teórica o modelo da aprendizagem social. Esta pesquisa tem caráter
teórico-documental, e foi escrita a partir de estudos e análises de textos teóricos, DVDs da
terceira temporada da telenovela Rebelde e CDs da banda RBD. Destacam-se a teoria da
aprendizagem social de Bandura (1980), a relação desta com a mídia; concepções de infância,
influência da mídia no desenvolvimento infantil, assim como na erotização precoce das
crianças. Abordam-se questões relacionadas às cenas e diálogos da terceira temporada de
Rebelde, e trechos de músicas da banda RBD, de modo a analisar àquelas que influenciam e
contribuem para a vivência precoce da sexualidade infantil. Discutem-se possíveis
implicações educacionais visando uma educação para a mídia nos currículos escolares, a fim
de formar crianças críticas e reflexivas, capazes de filtrar os ideais, concepções e modelos
midiáticos favoráveis a sua formação da personalidade. A pesquisa buscou estudar e analisar
exemplos que comprovem que telenovelas, como Rebelde, possuem conteúdos que abordam o
tema sexualidade, de forma a contribuir para a erotização precoce na infância. Algumas das
conclusões deste trabalho referem-se à forma como elementos sutis ou não, encontrados em
telenovelas, principalmente expressos nos comportamentos de personagens significativos;
influenciam e interferem diretamente no desenvolvimento infantil, podendo proporcionar uma
erotização precoce na infância, além de interferir na construção de identidade da criança.
Palavras-chave: Aprendizagem Social; Infância; Mídia; Rebelde; Erotização infantil;
Educação.
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ABSTRACT
The object of this paper is the possible influences that the media has on children,
focusing on the Mexican soap opera “Rebelde”, which was very successful when it was on
TV, reaching a large number of fans who followed their footsteps, and wanted to be like the
idols on the show. In this study we will investigate how these soap operas contribute to the
learning of sexual and affective patterns on childhood, based on the model of social learning.
This research has a theoretical and documentary character, and it was written starting from
studies and analysis of theoretical texts, DVDs of the third season of the soap opera Rebelde
and CDs of the band RBD. Highlights to the social learning theory of Bandura (1980), its
relationship with the media, concepts of childhood, the influence of the media on child
development, as well as the children‟s early eroticism. This study addresses issues related to
the scenes and dialogues of the third season of “Rebelde”, and snippets of songs from the
band “RBD”, in order to examine those that influence and contribute to the sexuality
experience in childhood. On the paper, possible educational implications will be discussed
aiming an education to the media on school, so that children will be taught about the effects of
the media in order to form critical and reflective children, who will be able to filter the ideas,
concepts and favorable models of media to form their personality. The research sought to
examine and analyze evidences that comprobe that soap operas such as "Rebelde", have
contents that address the subject sexuality contributing to the early eroticism on childhood.
Some of the conclusions of this study relate the form as subtle elements or not so subtle, from
soap operas, mainly expressed in the behaviors of significant characters from these novels;
they influence and they interfere directly in the child development, could provide an early
eroticism on childhood, besides interfering in the construction of the child's identity.
Keywords: Social Learning; Childhood; Media; "Rebelde"; Erotization on childhood;
Education.
11
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1. Foto dos personagens centrais da telenovela Rebelde e integrantes
da banda RDB...................................................................................................
44
12
LISTA DE TABELAS
Quadro 1. Categorias extraídas de cenas e diálogos presentes em alguns episódios
da terceira temporada da telenovela Rebelde.......................................................... 48
Quadro 2. Categorias extraídas de trechos das letras de algumas músicas do grupo
RBD...................................................................................................................
58
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
12
1
A TEORIA DA APRENDIZAGEM SOCIAL
15
1.1.
Aprendizagem Social e Mídia
22
2
TEORIA, MÍDIA E EROTIZAÇÃO INFANTIL
26
2.1
Conceito de Infância
27
2.2
Novo conceito de infância e transformações da Modernidade
30
2.3
Influência da mídia no desenvolvimento infantil
32
2.4
Mídia e erotização da infância
35
3
TELENOVELA REBELDE E APRENDIZAGEM SOCIAL
42
3.1
Caracterização da telenovela
44
3.1.1 Personagens principais
45
3.2
Características atrativas da telenovela Rebelde
47
3.3
Categorias de análise
48
3.3.1 Cenas e Diálogos presentes na telenovela Rebelde
49
3.3.2 Letras e Músicas
59
3.4
Conclusões
65
4
EDUCAÇÃO COMO MEIO DE INTERVENÇÃO SOCIAL
68
4.1
Implicações educacionais na família
68
4.2
Implicações educacionais na escola
71
4.3
Implicações educacionais na sociedade
73
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
76
REFERÊNCIAS
79
14
INTRODUÇÃO
Há tempos que a mídia vem ditando modos de vestir, comer, ser, pensar, enfim
“ensina” a forma como o ser humano deve agir. Assim, corpos e modos de vida vão sendo
criados e copiados pelos espectadores, pois estes modelos estão relacionados ao glamour, luxo
e status, fazendo com que os seres humanos almejem esses ideais de vida que são
representados em comerciais, telenovelas e demais meios de comunicação.
Conseqüentemente, as crianças tornam-se alvos fáceis da mídia, já que, segundo
Santos e Jablonski (2003), esta as considera como pequenos consumidores, pelo fato de
ficarem muitas horas expostas na frente da televisão, assistindo desenhos, filmes, telenovelas,
propagandas e tudo que é transmitido. Como na TV não existem filtros, fica a critério dos pais
ou familiares a escolha do conteúdo que a criança irá assistir, isto quando a escolha não fica a
cargo da própria criança que passa a assistir programas sem a supervisão ou conhecimento do
adulto. Com isso, milhares de crianças e jovens ficam em contato com cenas, conteúdos e
temas, desapropriados às faixas etárias, acabando por encontrarem na mídia temas como
sexualidade e violência. Uma vez que estes são novos na infância, sendo pouco discutidos
com pais e educadores, conseqüentemente, as crianças, identificadas com seus ídolos,
observam e imitam o comportamento e personalidade destes, a fim de tornarem-se parecidas
com estes. A partir desta observação e imitação, as crianças passam a adquirir conhecimentos,
conforme a Teoria Social de Bandura (1980), que explica a forma como os sujeitos aprendem,
partindo de observações e imitações de modelos significativos.
Como a mídia de massa acredita que o conteúdo erótico é um dos temas que mais
chama a atenção do público, ela acaba por expandi-lo de forma ilimitada, fazendo com que
telenovelas e propagandas de produtos destinados ao público infantil contenham cenas com
conteúdos sexuais e afetivos, que contribuem para a erotização precoce da infância. Visto que,
muitas crianças nem entendem que atos, vestimentas e comportamentos podem influenciar em
sua sexualidade, apenas aprenderam por meio da observação.
Assim, o objetivo desta pesquisa consiste em analisar e estudar em que medida
telenovelas, como Rebelde, influenciam e contribuem para a aprendizagem de padrões sexuais
e afetivos na infância, partindo de um estudo do modelo teórico da aprendizagem social, pois
este apresenta grandes possibilidades de análise dos comportamentos de observação e
imitação, que constituem a aprendizagem social tão utilizada pelas mídias.
15
As análises realizadas na pesquisa foram pautadas na telenovela mexicana Rebelde,
pelo fato desta ter proporcionado muito sucesso entre os espectadores, uma vez que seus
conteúdos e temas eram próximos dos cotidianos do público alvo (infanto-juvenil),
ocasionando uma forte identificação entre seu grupo de pares. Assim, muitas crianças
identificadas com os personagens centrais da trama, acabavam por moldar seus
comportamentos e modos de ser e pensar conforme os padrões de comportamentos dos ídolos;
sem realizarem uma reflexão crítica do que estavam imitando e aprendendo por meio da
observação dos personagens.
A partir disto, o estudo sobre a influência da mídia, e especificamente, das telenovelas,
na precocidade da erotização infantil se torna essencial para a compreensão de como a mídia
constrói informações, reforça clichês, estereótipos e interfere na vida dos sujeitos. Assim,
poderemos pensar e refletir em ações e formas de agir, visando conscientizar as crianças e
jovens sobre a mídia e seus modelos midiáticos, de maneira a formar uma consciência crítica
e reflexiva, capaz de selecionar os conteúdos apropriados para a construção das próprias
personalidades.
Quanto à metodologia utilizada para a elaboração deste estudo, este partirá de uma
análise teórico-documental, em função de que há poucos estudos com essa característica sobre
a temática escolhida, já que a maioria das pesquisas encontradas estabelece relações de
adolescentes com a telenovela Rebelde, pelo conteúdo desta ser mais apropriado aos jovens,
pelo alto erotismo presente nesta.
Não há estudos que se refiram às repercussões da telenovela Rebeldes na erotização da
infância e, portanto, este trabalho representa um primeiro passo para sistematizar uma análise
teórica com base no modelo de aprendizagem social.
Para conseguirmos alcançar os objetivos propostos, os procedimentos metodológicos
consistiram em levantamentos de estudos sobre a aprendizagem social, objetivando construir
o referencial teórico; busca de referências bibliográficas que discorressem sobre concepções
de infância; relações entre mídia e erotização precoce na infância; análise da terceira
temporada de Rebelde e da discografia da banda RBD, a fim de buscar dados que indicassem
como as telenovelas podem contribuir para a vivência precoce da sexualidade infantil; e por
fim, foi realizada uma reflexão sobre possíveis implicações educacionais, capazes de intervir
no processo de erotização da infância.
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Para tanto, esta monografia foi dividida em quatro capítulos que contemplará os
seguintes estudos: o primeiro capítulo discorrerá sobre a teoria da aprendizagem social de
Bandura (1980), delineando seus principais aspectos e demonstrando como nossos
comportamentos sociais são, em grande parte, um efeito da observação e imitação de modelos
significativos dados pela sociedade. Neste sentido, será enfatizado o papel da mídia como
fornecedora de modelos que condicionam padrões de comportamento. O segundo capítulo
estudará a história do conceito de infância, indicando suas mudanças e influências sofridas
pela mídia, ocasionando a precocidade da erotização infantil; no terceiro capítulo estudaremos
de forma categórica, as cenas, diálogos, trechos de letras de músicas presentes na telenovela
Rebelde, visando análises e conclusões da forma como telenovelas contribuem para a
aprendizagem de padrões afetivos e sexuais na infância; e por fim, o quarto capítulo
contemplará implicações educacionais no âmbito da família, escola e sociedade, de maneira a
refletir sobre possíveis intervenções na forma como as crianças lidam com a mídia e
aprendizagens decorrentes deste meio.
Enfim, o que o leitor encontrará neste trabalho são estudos que indicam como a mídia,
e especificamente, telenovelas, como Rebelde, influencia e contribui para a vivência precoce
da sexualidade infantil. Não pretende-se esgotar o tema, mas gerar inquietações e possíveis
reflexões que despertem novos caminhos para futuras investigações.
17
Capítulo 1
A TEORIA DA APRENDIZAGEM SOCIAL
Pensar em aprendizagem nos remete a inúmeros significados, pois se trata de um
processo complexo que envolve os aspectos cognitivo, social, cultural, psíquico, emocional e
orgânico dos indivíduos. Partindo de uma abordagem inicial sobre aprendizagem, podemos
dizer que esta envolve mudanças; portanto, enquanto aprendemos, estamos modificando
comportamentos,
adquirindo
novos
conhecimentos,
desenvolvendo
habilidades
e
competências.
Os indivíduos, desde o nascimento, estão predispostos aos processos de aprendizagem,
pois em interação com o meio em que vivem passam por mudanças que determinam seu modo
de ser e pensar. A condição de estar predisposto a aprender é natural do ser humano, e a partir
de sua formação cultural, social e política, este passa a discriminar as aprendizagens de seu
interesse. Porém, a aprendizagem pode ocorrer de várias formas, podendo ser um processo
intencional, em que alguém incentiva e propicia certo ensinamento de forma explicita ou
implícita, ou ainda pode ser não intencional, ou seja, o individuo aprende por uma casualidade
em uma situação corriqueira; por exemplo, uma pessoa sem querer escuta uma conversa
alheia sobre um conceito matemático e conseqüentemente acaba por aprender este. Ainda, a
aprendizagem pode ser colateral, ou seja, certo conhecimento pode ser adquirido por meio de
um contexto que desencadeou algo bom ou ruim para o indivíduo. Assim, uma pessoa pode
aprender algo de situações que ocorrem no dia-a-dia, como por exemplo, um aluno ao invés
de estudar para a prova, passa o dia brincando, após ver que seu desempenho na prova foi
negativo, aprende que precisa estudar os conteúdos e não apenas se divertir.
Por vivermos tipicamente em interação social, estamos em constante processo de
aprendizagem, pois ao nos relacionarmos com outros e com o meio, estamos interagindo, e
trocando informações a todo o momento, assim como presenciamos situações que nos levam à
aquisição de conceitos e habilidades.
Existem muitas formas de ocorrer a aprendizagem, mas a que estudaremos neste
capítulo refere-se à obtida por meio da observação e imitação, chamada de Aprendizagem
Social, proposta por Albert Bandura. Partindo desta perspectiva, Bandura (1980) acredita que
toda aprendizagem direta pode acontecer por meio da observação e imitação do
comportamento do outro.
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Quando estamos em contato com outras pessoas, tendemos a observar o modo como
estas se comportam; por exemplo, um indivíduo que utiliza o metrô pela primeira vez, vai
observar as pessoas que estão ao seu redor que estão familiarizadas com a situação, para
identificar comportamentos e expressões que estas utilizam, já que precisa saber como pedir
para parar o metrô, ou como passar pela catraca. Assim, ele fica atento a estes
comportamentos e os reproduz da maneira como observou no modelo, a fim de conseguir
realizar suas tarefas.
Desde pequenas, as crianças se identificam com seus pais, tornando-os modelos a
serem seguidos. Logo, antes mesmo de falar, já conseguem imitar os comportamentos e
atitudes dos pais, como gestos que fazem enquanto comem, se expressam com movimentos,
entre outros, que a criança reproduz quando brinca com as bonecas ou em jogos simbólicos,
dramáticos. Com isso, é essencial que os pais e educadores tomem cuidado na hora de
pronunciar palavras de baixo calão, ou agir de forma incorreta quando lida com estas, pois
basta uma única vez que a criança observa o comportamento do modelo, para que ela o imite.
Bandura (1980) classifica como aprendizagem vicariante o fato de observar e imitar
comportamentos de um modelo, sendo que este é aquele que primeiro realiza o
comportamento. As pessoas são influenciadas por observarem o modo como os outros se
comportam; mas também se lêem ou ouvem informações sobre o modelo, podem utilizar estas
informações para modelar seus próprios comportamentos.
Os modelos podem ser reais, ou seja, o observador presencia e tem contato com o
modelo, ou também podem ser simbólicos, que não estão presentes fisicamente junto com o
observador. Exemplo a TV expõe e cria muitos modelos simbólicos, assim como filmes com
seus personagens, livros, revistas e desenhos.
Na maioria das vezes estamos em situações em que podemos observar o
comportamento alheio, conseqüentemente, podemos ser influenciados por modelos sociais
muitas vezes ao longo do dia. Tal modelação social pode ser sutil ou escancarada, ou seja,
uma pessoa pode escutar outra falando com palavras sofisticadas e se identificar com isso, e
logo ela passa a utilizar as mesmas palavras que escutou do modelo. Essa imitação pode ser
tão sutil ao ponto das outras pessoas nem notarem a diferença, ou ela pode utilizar esse novo
vocabulário de forma “gritante”, ao passo que as pessoas que a rodeiam logo notarão a
diferença.
19
Quando um indivíduo se expõe às influências modeladoras podem ocorrer três
processos diferentes, que são determinados por um conjunto de variáveis: aprendizagem
observacional, efeitos de modelação inibitórios e desinibitórios e efeitos facilitadores de
respostas. A aprendizagem observacional acontece quando o observador adquire novos
comportamentos que antes não existiam em seu repertório comportamental. E isso ocorre
quando o modelo mostra respostas novas e desconhecidas para o observador, a fim de que
este aprenda e passe a reproduzir de forma igual. O observador pode imitar o comportamento
do modelo que nunca havia feito antes apenas assistindo-o. Por exemplo, uma garotinha pode
observar a mãe mexendo uma panela, e, assim, ela pega um objeto e começa a imitar o
comportamento desta. Isto não garante que a garota irá se aperfeiçoar em culinária, mas a
observação permite que aprendamos uma infinidade de novas atividades.
E ainda, se o nível de desenvolvimento do observador estiver próximo ao do
comportamento do modelo, ele será capaz de imitar e aprender pela observação sem ficar
muito tempo praticando.
Segundo Baldwin e Baldwin (1998), os efeitos do processo de modelação que inibem
ou desinibem respostas no observador variam conforme a reposta obtida pelo modelo,
podendo ser positiva ou negativa. Assim, se um observador presencia um modelo executando
uma ação que trouxe para ele respostas positivas, tanto o observador, quanto o modelo irão
repetir esse comportamento, visto que este efeito é considerado desinibitório, pois é
reforçador. Mas, se o observador notar que certo comportamento executado pelo modelo lhe
causou conseqüências negativas, ele passará a não imitar o modelo, sendo que isto é
considerada uma resposta inibitória, pois inibiu a resposta do observador perante o
comportamento do modelo.
Exemplificando esse efeito, podemos citar uma garota que acaba de entrar em uma
escola nova e percebe que a maioria das garotas usa roupas cor de rosa; conseqüentemente,
ela passa a utilizar roupas rosa para garantir sua aceitação no meio escolar, ou seja, este efeito
foi reforçador para ela. Porém, se ela era dedicada ao estudo de matemática no antigo colégio,
e percebe que suas novas amigas detestam quem se destaca nesta disciplina, poderá passar a
depreciar a matemática para ser aceita no grupo, visto que este efeito inibiu um
comportamento da observadora.
Um último efeito que a modelação proporciona ocorre quando um comportamento de
um modelo serve como facilitador e induz um observador a realizar o mesmo. Mas estes
efeitos facilitadores, assim como os inibidores ou desinibidores (citados acima), não
20
envolvem novos aprendizados para os observadores, sendo que os efeitos facilitadores são
momentâneos, ou seja, servem apenas como um estímulo para que um observador realize o
mesmo comportamento do modelo, mas não influenciam no aumento ou diminuição da
execução da mesma ação futuramente. Por exemplo, se uma pessoa está andando na rua e
observa que as pessoas estão se abaixando para evitarem balas perdidas, ela provavelmente se
abaixará também. Neste ato, ela não obteve nenhum aprendizado novo, mas foi induzida a
realizar um comportamento.
No estudo do comportamento, muitos autores estudaram a teoria da aprendizagem,
mas três se destacaram por a abordarem de forma diferente, mas que acabam se
complementando. Skinner afirmava que apenas os fatores do meio (externos) influenciavam o
comportamento; Freud explicava que o comportamento era resultado do “id”, e Bandura
afirmava que era a interação do meio externo com os aspectos pessoais do indivíduo,
juntamente como o seu comportamento, que permitiam um estudo sobre a aprendizagem
social.
Da mesma forma que houve controvérsias sobre a teoria da aprendizagem, ocorreram
discussões sobre o processo de modelação, que antes foi considerado inato nas pessoas, mas
posteriormente, psicólogos como Humphrey (1921), Allport (1924) e Holt (1931)
fundamentaram seus estudos na teoria associativa, a qual afirmava que, se um adulto imitasse
a resposta de uma criança, ela tenderia a repetir o comportamento do adulto, e à medida que
este ciclo associativo perdurasse, o comportamento do adulto se tornaria um estímulo eficaz
crescente para as respostas das crianças, sendo que, se neste meio tempo o adulto introduzisse
algo novo para a criança, esta o imitaria. Mas, com o advento de novas idéias, esta teoria da
associação foi substituída pela teoria do reforçamento, tendo Skinner como autor principal
desta. Assim, por esta teoria, para ocorrer a aprendizagem por modelação seria necessário um
indivíduo motivado pelos reforços positivos que recebeu por imitar as respostas corretas de
um modelo. Entretanto, esta teoria não considera quando um indivíduo imita o
comportamento do outro sem receber um incentivo, realizando-o apenas pelo fato de querer
ser como o modelo.
Segundo Bandura (1980), as principais discussões entre as teorias vicariantes estão
sobre a questão de saber quais são as condições necessárias e suficientes para adquirir novas
respostas em observações. Sendo que, naturalmente, pessoas aprendem por imitação de
modelos sem receber nenhuma recompensa (reforço). E isto pode ocorre porque as pessoas,
na medida em que se interessam pelo comportamento de outrem, acabam por imitá-lo. Ou
21
seja, as pessoas possuem uma reprodução seletiva, que é regulada pelo valor utilitário que elas
colocam sobre a imitação. Visto que este valor varia conforme os interesses do sujeito, cultura
e meio a que pertence, enfim, por diversos fatores que não são considerados nos testes em
laboratórios realizados por estudiosos e pesquisadores sobre a teoria da aprendizagem.
Os fatores que influenciam os processos vicariantes podem ser emocionais, ou seja,
aqueles estímulos condicionados que são despertados no observador pelas emoções do
modelo; por exemplo, quando vemos uma criança muito feliz ao ganhar um presente, nós
somos estimulados pelo seu comportamento e passamos a desempenhar uma reação parecida
com a criança, no caso somos levados a sorrir e sentir prazer neste momento. Assim como,
quando vemos modelos muito tristes, recebemos estímulos condicionados que nos levam a ter
respostas emocionais que demonstram tristeza e angústia.
Estes estímulos condicionados podem servir como recompensas ou punições, que
podem facilitar ou impedir respostas nos observadores, visto que estas são muito importantes
para o aprendizado observacional de comportamentos. Assim, consideramos uma recompensa
para a aprendizagem vicariante, quando, por exemplo, uma garota possui uma amiga que
gosta de dançar balé, e o modo como esta se expressa proporciona respostas emocionais para
a garota, fazendo-a se interessar pela dança. Dessa forma, se em um momento a amiga sorri
para ela quando está fazendo um movimento próprio do balé, isso se torna uma recompensa
para esta, facilitando a aprendizagem social. Já a punição acontece quando, por exemplo, uma
pessoa está envolvida com algum jogo, e, de repente, aparece neste uma cena agressiva a qual
mostra uma mulher sendo assassinada. Se esta cena lhe proporcionar resposta emocional
condicionada de tristeza, estes se tornarão punições, que irão desestimular a pessoa a jogar.
O processo de aprendizagem observacional é influenciado por muitas variáveis que
determinam a seleção das respostas pelo observador. Assim, enquanto um indivíduo está
mudando seu comportamento por meio do aprendizado observacional, dois fatores interferem
nesta aprendizagem: a aquisição da resposta e o desempenho desta. Sendo que o primeiro é o
pré-requisito para que ocorra o segundo, e ao considerar esta lógica, deve-se ponderar que
uma pessoa pode adquirir um comportamento em um momento, mas passa a executá-lo
semanas depois, ou até mesmo pode nunca tê-lo desempenhado. (BANDURA, 1980).
Para comprovar esta separação entre aquisição e desempenho, Bandura (1965) realizou
um experimento no qual colocava três crianças diante de um modelo filmado contendo cenas
agressivas (verbais e físicas) novas para as crianças. No primeiro momento, o modelo foi
severamente punido por exibir comportamento agressivo, no segundo, o modelo foi
22
recompensado com guloseimas, e no terceiro, não recebeu nenhuma resposta por seu
comportamento.
O resultado deste experimento foi diferente quanto aos graus de comportamento.
Dessa forma, as crianças que viram o segundo e terceiro modelo apresentaram maior grau
imitativo que no primeiro caso (punição). E isso pode ser explicado pela recompensa que foi
dada ao modelo por agir de forma agressiva, visto que recompensas positivas dadas por um
comportamento fazem com que este ganhe um valor prático; ou seja, o comportamento do
modelo garante satisfação e é digno socialmente, pois recebeu uma recompensa positiva pela
ação. Logo estes facilitam a aprendizagem observacional.
Outro ponto a se discutir neste estudo refere-se ao fato dos meninos se comportarem
mais agressivamente conforme o modelo, do que as meninas. Esta questão de gênero na
aprendizagem observacional é conseqüência da ideologia presente na sociedade e bagagem
cultural de cada indivíduo, já que na sociedade em que vivemos, é muito forte e presente, a
idéia de que os meninos devem brincar de jogos que envolvem ação e comportamentos
agressivos, e as meninas são mais dóceis, brincam de fazer “comidinha” e não se comportam
agressivamente. A partir disto, podemos perceber que a aprendizagem social varia conforme a
cultura dos sujeitos, pois se uma pessoa tem internalizado a idéia de que se comportar de
forma agressiva é algo bom e permite satisfação pessoal, ela prontamente irá se identificar
com o comportamento do modelo e passará a imitá-lo.
Ainda sobre o experimento, em outro momento, as crianças dos três grupos receberam
incentivos após os atos imitados, a fim de garantir que estas desempenhassem o que
adquiriram pela observação do modelo. E o resultado constatou que as mudanças antes
analisadas desapareceram, pois as crianças se comportaram quase igual, sendo que as
diferenças que ocorreram de gênero também foram eliminadas, pela presença do incentivo
positivo.
Com isso, vemos a diferença na análise da aprendizagem e do desempenho. A
primeira diz respeito à forma pela qual variáveis em operação, pela exposição aos estímulos
modeladores, resultam no grau de aprendizagem do comportamento modelado. Já o segundo
refere-se aos fatores que dirigem a vontade das pessoas para executarem a resposta que
aprenderam.
Muitos aspectos influenciam para a aquisição de novos comportamentos por meio da
observação, como o fato do observador admirar o modelo, pois, se este considera o modelo
23
como uma pessoa de status, maravilhosa e importante socialmente, o observador tenderá a
imitar os comportamentos do modelo apenas por considerá-lo possuidor de qualidades
respeitosas que estão ligadas a sua figura.
Por exemplo, se uma pessoa é fã de determinado cantor, ela receberá recompensas
vicariantes só de prestar atenção nos comportamentos dele, pois esta pessoa possui amor e
admiração pelo cantor que lhe faz querer ser igual a ele.
Outros fatores que facilitam a aprendizagem social estão relacionados ao fato de como
o observador se identifica com o modelo ao qual se assemelha. Por exemplo, se uma garota
organizada vê dois modelos arrumando uma cama, mas um é organizado e o outro
bagunceiro, a garota irá imitar o modelo que se parece com ela. E também, em como o
observador tende a imitar o modelo quando estão realizando uma mesma atividade, pois isso
faz com que a pessoa que observa imite o comportamento dos modelos que realizam a
atividade primeiro.
A teoria da aprendizagem por observação envolve vários processos de caráter
modelador, como o processo de atenção, retenção, reprodução motora e de estímulos
reforçadores. O primeiro é responsável por prender a atenção do observador em alguns
aspectos característicos do modelo que despertam seu interesse, de modo a diferenciá-lo de
outros modelos. Estes aspectos podem ser qualidades positivas, poder social, status, ser uma
celebridade, idade, sexo, entre outras, que facilitam a aprendizagem por serem fatores de
identificação dos observadores. Podem ocorrer diferenças nos níveis de aquisição de respostas
entre pessoas em uma mesma condição de estimulação modeladora, pelo fato das
características prévias dos observadores serem determinantes na aprendizagem observacional.
O processo de retenção ocorre sem a presença de um modelo, visto que envolve
aspectos cognitivos, pois reterá as informações de forma simbólica, que permitem que o
observador adquira certo comportamento em um momento, mas o execute tempos depois, já
que estes ficam armazenados em períodos variáveis.
No processo de reprodução motora, a aprendizagem por observação envolve
movimentos e esta pode ocorrer por meio da observação de comportamentos de um modelo,
ou a partir de explicações que ensinam como executar tais respostas.
E por fim, alguns fatores servem como motivacionais e de estímulo. Dessa forma,
dependendo do incentivo que a pessoa recebe ao imitar o modelo, ela pode ou não transformar
a aprendizagem observacional em ação. Assim, se o incentivo for negativo uma pessoa pode
24
não manifestar resultados do que adquiriu nos eventos modelados. Ou se o incentivo for
positivo ela rapidamente adquire os resultados manifestos. Com isso, este fator pode se
apresentar como um facilitador da atenção e também da retenção seletiva, pois o observador
irá selecionar o que considera útil.
1.1.
Aprendizagem Social e Mídia
Partindo desse estudo sobre a aprendizagem social, podemos fazer uma ponte com
relação à mídia, mais especificamente a TV, que usufrui desse tipo de aprendizagem para
ditar regras, padrões de vida, comportamentos, moda, enfim, uma infinidade de ideais que
“constroem” os sujeitos.
Segundo Santos e Jablonski (2003), pela programação televisiva ser assistida por todas
as faixas etárias, ela possui forte influência na construção da personalidade infantil, sendo que
a mídia de massa reforça o papel das crianças como consumidoras, pelas relações sociais
ocorrerem no contexto de produção e consumo capitalista. Assim, a mídia aproveita-se deste
papel das crianças como consumidoras para explorarem o universo infantil de forma
desmedida, colocando em propagandas e programas destinados ao público infanto-juvenil
conteúdos que garantam o consumo e imitação de modelos midiáticos, mesmo que estes não
correspondam às faixas etárias a que foram destinadas.
Ainda segundo os autores citados acima, pelo estilo de vida contemporâneo, repleto de
mudanças e agitações, as pessoas acabam por escolher a TV como principal meio de
comunicação para ficarem por dentro das informações, já que podem executar seus afazeres
ao mesmo tempo em que se atualizam sobre o mundo. Assim, ela passa a ser o principal
instrumento para socializar os indivíduos.
Considerando que a televisão faz parte do cotidiano das pessoas, ela se torna uma das
principais fontes que difundem não apenas imagens, mas também padrões sociais e modelos
comportamentais, que ditam como os indivíduos devem ser, conforme a sociedade estipula.
Dessa forma, as pessoas, deslumbradas pelo status e luxo que estes proporcionam aos
telespectadores, acabam por almejarem esses ideais de vida, e, assim, passam a imitar e
aprender pela observação os modelos de comportamento que a televisão mostra, a fim de
serem aceitos socialmente. Porém, a maioria destes modelos expostos na mídia não é benéfica
às pessoas, já que abusam da sexualidade, violência e valores sociais nocivos para a educação
dos sujeitos, principalmente das crianças, que ficam horas na frente da TV, e, sem um
25
acompanhamento e instrução para lidar com as informações e imagens recebidas, se tornam
os principais alvos fáceis das aprendizagens midiáticas, fazendo com que elas desejem ser
como seus ídolos, e por tamanha exposição ao conteúdo televisivo, somado ao estágio de
desenvolvimento e baixas condições de julgamento ético, acreditam que tudo que é
transmitido é verdadeiro, passando a imitá-los ilimitadamente.
A mídia proporciona um universo simbólico para as pessoas, sendo que estas são
levadas a se espelharem nos comportamentos alheios, pela capacidade de simbolizar todos os
aspectos que estão ligados direta ou indiretamente a sua vida, que os levam a compreensão do
ambiente que os cerca. Já que é a partir dos símbolos que o homem compreende suas
experiências, sendo que essa análise simbólica varia conforme a capacidade cognitiva dos
sujeitos.
A televisão em si possibilita a transmissão de expressões e sentimentos, que
influenciam ainda mais para a aprendizagem observacional, visto que se um modelo midiático
demonstra emoções prazerosas ao realizar tal comportamento ou quando obtém certos
objetos, o telespectador recebe estímulos vicariantes que proporcionam respostas emocionais
parecidas com as do modelo. Estas atuam como facilitadoras da aprendizagem social, e assim,
milhares de pessoas passam a imitar o comportamento dos modelos.
Dessa forma, a mídia explora esses conceitos ligados à aprendizagem observacional
para vender seus produtos e formar identidades, pois relaciona a venda de certo objeto a
imagem, repleta de símbolos e valores dos modelos, que são pessoas famosas ou em alta
posição de status. Se um indivíduo deseja ser como esta celebridade, logo fará de tudo para
ser como tal, e assim, comprará os objetos que ela usa, se vestirá como tal, e ainda, se
comportará igualmente ou semelhante ao modelo, a fim de conseguir se adaptar e ser aceito
no contexto social em que se encontra.
Concluindo, a aprendizagem social é uma das formas mais rápidas dos sujeitos serem
ensinados, porém, é necessário que tenhamos o cuidado para não nos tornamos vítimas da
mídia, que exagera em seu universo simbólico para obter o que planeja, mesmo que para isso,
ela precise abusar de conteúdos agressivos e eróticos, visto que considera que estes são os que
mais proporcionam emoções vicariantes, que levam os telespectadores a não saírem de frente
da TV e consumirem os produtos expostos.
A mídia é um importante meio comunicativo que influencia o comportamento das
pessoas, pois ela expõe modelos que despertam desejos nos sujeitos de serem como eles, pois
26
a sua imagem está ligada a ganhos sociais e conseqüências positivas para a pessoa que
facilitam a imitação do comportamento. Assim, milhares de pessoas são levadas a se
comportarem como a mídia “manda”, pois ela trabalha com os processos que governam a
aprendizagem observacional, como o processo de atenção, uma vez que ela proporciona aos
indivíduos a exposição de modelos e imagens de seus interesses funcionais e afetivos,
conforme suas necessidades. Logo, é importante que sejamos seletivos aos modelos que
iremos observar e aprender, pois nem todos possibilitam ganhos sociais, e alguns só nos
trazem conseqüências negativas e desvaloração social.
Segundo Ferreira e Souza (2008), a programação transmitida em rede nacional não
permite uma formação humanizada, influenciando na construção de conceitos, valores, ideais,
modos de comportamento e conduta sexual, visto que estas atribuições educativas
corresponderiam aos pais e educadores, mas pela extrema exposição à mídia em que estamos
sujeitos, estas acabam por serem ensinadas pela televisão.
Consequentemente, modelos criados pela mídia se tornam ideais de modos de vida e
comportamento de muitos sujeitos, os quais deslumbrados pela posição social que estes são
colocados, acabam por imitarem seus comportamentos, sem juízo de valores, ou seja, sem
questionarem se o tipo de comportamento que estão colocando como modelo será benéfico
para si e para a sociedade. Assim, as crianças e adolescentes, que ainda estão em processo de
formação da “personalidade” se tornam os principais alvos dessa aprendizagem observacional
desmedida, pois como estão construindo suas identidades, acabam por moldarem seus
comportamentos partindo da observação dos modelos que desejam na televisão.
Dessa forma, os indivíduos são influenciados por diversos modelos e conteúdos
televisivos, e cabe a eles, ao governo por meio de leis, ou aos pais e educadores, trabalharem
com estes aspectos, de modo a construírem um senso crítico capaz de filtrar os conteúdos
transmitidos na televisão, para que possam distinguir as informações e aprendizagens boas das
ruins. Visto que a mídia abusa de conteúdos sexuais, criando modelos sensuais, já que estes
garantem altos índices de audiência, por despertarem, mais facilmente, respostas emocionais
nas pessoas. Assim, a mídia interfere diretamente na erotização infantil precoce, pois, as
crianças observam e imitam seus ídolos, sem saberem que estes possuem comportamentos
erotizados, já que não são instruídos por um adulto ou educador, que lhes falem o que é
apreciado ou depreciado socialmente.
27
A partir desta relevância quanto à erotização infantil, no próximo capítulo será
abordado esta temática, de forma a analisar a aplicação da teoria da aprendizagem social ao
entendimento da relação que se estabelece entre mídia e erotização.
28
Capítulo 2
TEORIA, MÍDIA E EROTIZAÇÃO INFANTIL
Ao Considerar que a mídia influencia no comportamento das crianças, de modo que
estas, interessadas pelos modelos expostos pelos meios de comunicação, aprendem
observando e imitando, conforme a teoria da Aprendizagem Social de Bandura (1980) é
essencial que entendamos a forma como esta influência interfere no desenvolvimento infantil,
especificamente na temática da erotização da infância.
Os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, expõem modelos que
se comportam conforme padrões estipulados pelo capital, que exageram na agressividade,
culto ao corpo, sexualidade, entre tantos outros valores que acabam por selecionar “tipos”
padronizados de comportamentos e corpos. E para compreender como as crianças e jovens,
sem notarem, são modelados pela mídia, é necessário que nos aprofundemos no estudo da
infância, enfatizando sua historicidade e possíveis entendimentos, assim como na influência
da mídia para uma possível mudança na concepção de infância e uma erotização precoce
desta.
O estudo acerca da erotização da infância se torna essencial para uma melhor
compreensão do conflito estabelecido pelo conceito moderno, segundo Postman (2005), de
inocência infantil, que acredita na pureza e ingenuidade das crianças, e as atuais formas de
manifestações e atuações infantis para se inserirem no mundo. É preciso considerar que as
possíveis formas da criança buscar e construir identidades varia conforme os contextos
históricos, sociais, econômicos, políticos e culturais, na qual elas crescem e se desenvolvem.
Assim, são construídas diferentes concepções de infância, pois estas acompanham o tempo e o
contexto social, logo, não podemos estipular que toda criança é ingênua e inocente, pois as
diversas modificações sociais influenciam nas atuações e pensamentos infantis.
Logo, se a mídia se torna, na atualidade, um instrumento de forte poder sobre a
educação das crianças e adolescentes, e principalmente a televisão que não se importa com a
carga de conteúdos inapropriados para crianças em seus programas e propagandas, muitas
crianças acabam por formar suas personalidades, baseando-se nestas informações. Sendo que,
segundo Ferreira e Souza (2008) a programação que se veicula nas principais emissoras de
TV não contribui para uma formação humanizadora, fazendo com que o público infantil seja
influenciado em seus comportamentos, linguagem, visões de certo e errado por meio das
informações adquiridas na televisão.
29
Os autores ainda complementam que “As emissoras não estão atentas à qualidade,
prioritariamente, estão interessadas na quantidade de informações transmitidas, esteja quem estiver
assistindo.” (FERREIRA e SOUZA, 2008, p. 3)
Este capítulo tem como objetivo entender a maneira como a mídia influencia os
comportamentos das crianças, as quais sem um acompanhamento de um adulto ou educador,
acabam muitas vezes vítimas dos modelos midiáticos, pois aprendem certos modos de ser e
pensar dos seus ídolos observando-os e imitando-os, sem consciência dos valores
impregnados em tais comportamentos. Assim, iremos analisar a construção do conceito de
infância na sociedade, relacionando-o com a mídia e principalmente a TV, a fim de buscar
relações que demonstrem a forma como este meio comunicativo influencia na vivência
precoce da sexualidade das crianças, uma vez que delimita conteúdos próprios para cada fase
do desenvolvimento, de acordo com seus interesses, e ainda abusa de conteúdo erótico em
programas, novelas e comerciais destinados às crianças.
2.1 Conceito de Infância
Considerando que a concepção de infância varia conforme a cultura e a época, é
essencial estudarmos a sua história, a fim de analisarmos a noção predominante acerca deste
período da vida em diferentes contextos. A partir disto, estabeleceremos relações com a mídia
e a erotização precoce da infância.
O conceito de infância sofreu muitas alterações ao longo da história. Os estudos de
Phillippe Ariès contribuíram para o entendimento dessas alterações. Ariès (1981) descreve
que a noção de infância é conseqüência de processos sociais, históricos e políticos no
ocidente, e não por motivos puramente fisiológicos ou naturalistas, que afirmavam que os
indivíduos já nasciam gostando e amando as crianças.
Neste mesmo ideal de amor às crianças, Badinter (1986) questiona o amor materno,
quanto a sua naturalidade, já que temos internalizado esse ideal em nossa cultura desde o
século XIX. Dessa forma, a autora afirma que nem sempre essa relação maternal foi assim,
visto que esta era muito mais biológica do que afetiva nos séculos XVII e XVIII, uma vez que
as mães deixavam seus filhos, no momento em que nasciam, com as amas de leite (mulheres
que amamentavam e cuidavam dos filhos de outras mulheres, as quais, por estética e status
30
social, não queriam realizar esta função) até que as crianças completassem cinco anos de
idade.
Segundo a mesma autora, o amor materno é algo construído socialmente, pois depende
do afeto, da proximidade física e emocional, sendo conquistado com a convivência. Ele varia
conforme os costumes e a época, e por ser um sentimento humano, ele é frágil, imperfeito,
podendo existir ou não, variando de acordo com condições que mãe e filho se encontram.
Portanto, não pode ser considerado inato.
Esta consideração é importante para o estudo da infância, pois acrescenta em seu
processo histórico, dados que indicam que o amor pela criança e infância não foi algo que
sempre existiu, ou seja, provavelmente não é natural do ser humano. Assim, a partir destas
constatações, podemos entender que o conceito da infância foi construído e alterado ao longo
dos séculos, uma vez que descobrindo que este amor não é inato, consequentemente o estudo
da infância também não pode ser considerado presente em todas as épocas, já que existiu
momentos em que esta fase do desenvolvimento não era importante para a sociedade. A
infância não era diferenciada da fase adulta, não possuindo estudos específicos sobre ela, as
quais destacassem sua importância e necessidades especiais.
Ariès (1981) inicia seu estudo sobre o conceito de infância, escrevendo que seu
processo de construção iniciou-se no século XVI, quando o conceito de idade se torna objeto
de atenção especial para a civilização, uma vez que “é escrita nos retratos como um sinal
suplementar de individualização, de exatidão e de autenticidade.” (ARIÈS, 1981, p. 31).
As idades da vida eram muito importantes na Idade Média; dessa forma, tinham-se:
infância e puerilidade, juventude e adolescência e velhice e senilidade. Estas também
significavam formas de evidenciar a biologia humana.
Assim, a partir desses estudos sobre a idade, o autor parte para a análise do conceito de
infância nos séculos anteriores. Para ele, na Idade Média, não existiu o sentimento de
infância, visto que o autor se refere não a afeição pelas crianças, mas à consciência da
particularidade infantil, ou seja, a essência que distingue a criança do adulto.
As crianças foram, por muito tempo, tratadas como adultos em miniatura, sendo que
isto era evidenciado no modo como eram vestidas (elas trajavam as mesmas roupas dos
adultos pertencentes a sua classe social), em seus jogos e brincadeiras (xadrez, arco e flecha,
cartas, entre outros), nas participações em festas e reuniões, na forma como os adultos se
31
relacionavam com as crianças, como também na maneira que falavam com estas, visto que
diziam palavras grosseiras e discutiam assuntos diversos, inclusive sobre sexualidade, uma
vez que eles não acreditavam na inocência infantil.
Por muitos séculos houve altas taxas de mortalidade infantil e infanticídio, no qual as
crianças eram jogadas fora e substituídas por outras “melhores”, com mais saúde, ou mais
fortes, por exemplo. Este fato ocorria porque os adultos e pais não se importavam com as
crianças, já que não reconheciam as suas almas, a forma como se expressavam, comunicavam
e se movimentavam. Elas eram insignificantes e a sociedade não possuía sensibilidade para
com elas. (ARIÈS, 1981)
Com o passar dos tempos foi aparecendo uma preocupação maior com as crianças,
reconhecendo que suas almas eram imortais, e também quanto à saúde, diminuindo a taxa de
mortalidade infantil. No fim do século XVI, surge um respeito pelas crianças quando os
educadores e moralistas deixam de permitir livros destinados a elas, que possuíssem
conteúdos duvidosos, assim, poderiam apenas fornecer às crianças edições expurgadas dos
clássicos.
No século XVII, aparece a idéia de inocência infantil, e, a partir destas modificações
no conceito de infância, o sentimento por esta começa a surgir entre os eclesiásticos e
moralistas que se preocupavam com a disciplina e racionalidade dos costumes. Eles não se
conformavam com a idéia das crianças servirem apenas como distrações para os adultos, já
que as consideravam criaturas frágeis e que necessitavam de cuidados e disciplina. (ARIÈS,
1981)
No século XVIII, este sentimento pela infância se concretiza; assim, as famílias
passaram a se preocupar com a higiene e saúde dos filhos, e as crianças se tornaram fontes de
estudos sobre as particularidades da infância, ocupando um lugar digno na sociedade, que as
diferenciavam dos adultos, quanto à psicologia, valores morais, educação, saúde, entre outros
estudos.
Frota (2007) acrescenta que
“A infância e a criança tornam-se objetos de estudos e saberes de diferentes
áreas, constituindo-se num campo temático de natureza interdisciplinar.
Independente da forma como era olhada, do posicionamento teórico que se tivesse
sobre ela, a infância tornou-se visível como um estatuto teórico.” (FROTA, 2007, p.
149)
32
A partir deste conceito moderno sobre a infância, o protótipo da família moderna
também foi alterado, uma vez que a criança passa de figura insignificante, para o centro das
atenções e dinâmicas familiares. Este novo conceito de infância, que evidencia as crianças
quanto a sua inocência, adoração, fragilidade e particularidades, se torna fonte principal de
estudos teóricos.
Segundo Postman (2005) o período entre 1850 e 1950 representou o ponto alto do
conceito moderno e tradicional de infância, uma vez que as crianças foram tiradas das fábricas
para ocuparem lugar dentro das escolas, com suas próprias roupas, jogos e mundo social.
Assim, um conjunto significativo de leis e normas visando o bem social e proteção da criança
foram criadas, destacando as diferenças destas perante os adultos. Nesse período, os pais
passaram a ter um alto grau de empatia pelos filhos, além de se responsabilizarem por estes.
Este ideal de infância se propagou tanto que,
“ (...) na virada do século a infância chegara a ser considerada como direito
inato de cada pessoa, um ideal que transcendia a classe social e econômica.
Inevitavelmente, a infância veio a ser definida como uma categoria biológica, não
um produto da cultura.” (POSTMAN, 2005, p. 81)
Este apanhado histórico acerca da infância é importante para notarmos como o
conceito de infância se modificou ao longo dos tempos, não podendo ser classificado como
presente em todas as épocas históricas. Já que muitas pessoas acreditam que a infância sempre
foi importante na sociedade, com suas especificidades e cuidados especiais, como se fosse
algo fisiológico do ser humano, como se estivéssemos “programados” para amar as crianças.
Dessa forma Badinter (1986) discorda do “amor materno” que muitos acreditavam.
Logo, cada contexto cultural pode construir uma concepção particular de criança, visto
que as maneiras de se relacionar com ela, e a própria função desta na sociedade, resultam de
um complicado jogo de valores e regras predominantes nesta sociedade.
2.2 Novo conceito de infância e transformações da Modernidade
Em meio às transformações ocorridas na Modernidade, a sociedade enfrentou
mudanças de cunho social, político, econômico e cultural, sendo que estas foram refletidas no
modo como os sujeitos e a sociedade passaram a se organizar.
33
Dessa forma, também ocorreram mudanças na educação das crianças, na forma como
se desempenhavam em seu mundo social, nas dinâmicas familiares, funções dos pais e
educadores, enfim, na própria maneira de “vermos” a infância, e como as crianças passaram a
se desenvolver na sociedade.
Postman (2005) acredita que após a criação do telégrafo elétrico ocorreu uma grande
transformação no meio social que influenciou na criação das crianças e consequentemente no
conceito de infância. Segundo o autor, o telégrafo quebrou com o vínculo entre transporte e
comunicação, já que, pela primeira vez, a velocidade da mensagem ultrapassava a do corpo
humano, gerando um mundo de simultaneidade e instantaneidade. O telégrafo transformou
uma informação pessoal em mercadoria de valor mundial, criando a “indústria da notícia”.
Esta perda de controle das notícias influenciou diretamente a infância, já que este meio
de comunicação expandiu o tipo de informações que as crianças recebiam (que antes se
concentravam em conteúdos escolares ou assuntos familiares). E com o telégrafo as
informações extravasaram para todos os lados, sem especificar quantidade, qualidade e
público alvo, possibilitando assim que crianças entrassem em contato com os mais variados
conteúdos, incluindo violência e sexo.
Segundo Postman (2005), junto com a expansão da comunicação elétrica se
desenvolveu o “mundo gráfico” e simbólico como os desenhos, cartazes, figuras e estampas.
E como estes passaram a caminhar juntos, ocorreu uma grande revolução no meio
comunicacional, já que a imagem mudou a forma da informação, transformando-se de
racionalista para ser emotiva, de discursiva a não-discursiva e de proposicional a
apresentacional. Uma vez que as imagens exigiam respostas emotivas dos observadores, e não
certificação de hipóteses e veracidade como exigiam da linguagem e da palavra impressa.
Este mesmo autor aponta o paradoxo que se instaurou durante o período de 1850 a
1950, pois ao mesmo tempo em que, especificamente os EUA, se esforçavam para se
tornarem letrados, tirando as crianças das fábricas e as colocando nas escolas, ocorria a
revolução da comunicação e da imagem que contribuíram para acabar com esse objetivo, já
que assistir TV não implica grandes habilidades e esforços mentais como a palavra escrita,
que necessita destas para ser compreendida. O paradoxo estava na idéia de que ao mesmo
tempo em que os EUA estavam preocupados com a educação das pessoas, este artefato
midiático contribuía para que estas não necessitassem de muitos esforços para adquirirem
informações, substituindo livros e escritos pelas imagens e televisão. Em 1950 ocorreu um
34
agravamento dessa situação, pois foi nesse ano que a televisão ficou disponível nos lares dos
sujeitos, e a partir deste momento que podemos dizer que a linha divisória entre infância e
fase adulta começou a ser destruída, uma vez que a TV é um dos fatores que contribui para
este processo.
A televisão contribui para o desaparecimento do conceito moderno de infância (aquele
em que a sociedade, ao mesmo tempo em que protege e enfatiza as crianças, também pode as
colocar em situação de risco, ao passo que os avanços tecnológicos e transformações nos
diversos setores da sociedade influenciam em sua formação) e um fator crucial foi o fato dela
disponibilizar o acesso à informação de forma banalizada, possibilitando que todos
recebessem as notícias e as interpretassem como lhes fossem convenientes. Quando as
pessoas vêem TV, o que lhes chamam a atenção são as imagens e não as informações orais,
uma vez que, “embora a linguagem seja ouvida na televisão e às vezes assuma uma certa
importância, é a imagem que domina a consciência do telespectador e comporta os significados
cruciais”. (POSTMAN, 2005, p. 92). Logo, os sujeitos apenas vêem TV, sendo que este meio
apesar de exigir um entendimento imediato das informações, fato este que é possível por meio
das imagens, ver TV não implica em nenhuma habilidade, o que a torna acessível a todos.
Assim, as crianças começam a ver televisão muito cedo e toda “programação infantil”
é destinada para todos, pois a TV não estipula quem deve assistir tais programações e
conteúdos televisivos, as imagens são destinadas a qualquer pessoa, não possuindo diferenças
entre crianças e adultos.
Dessa forma, este meio de comunicação de massa acaba mesclando a infância com a
fase adulta, pois todos sem distinção de idade podem vê-la, e por não precisar de esforço
mental para interpretá-la ou assisti-la, as crianças recebem as mesmas informações que os
adultos, ocasionando um processo de adultificação da criança, pois permite que esta entre em
contato com assuntos, como sexo, sendo abordado a partir de vivências e valores do mundo
adulto.
2.3. Influência da mídia no desenvolvimento infantil
A partir do advento da TV, a mídia, compreendida como qualquer dispositivo (TV,
propagandas, livros, revistas, etc.), mas principalmente a TV, por seus diversos modos de
“atingir” o telespectador e universalizar o acesso às informações, mais do que outro
dispositivo, influencia no comportamento das crianças. Estas ficam muitas horas expostas a
35
programas diversos, sendo que na maioria das vezes permanecem sozinhas, sem um
acompanhante responsável que selecione os conteúdos próprios para a faixa etária.
Com isso, elas entram em contato com vários conteúdos, independente se são
apropriados ou não para a idade, como sexo e violência, grandes temas explorados pela mídia,
e que atualmente estão inseridos em desenhos infantis, propagandas, ou seriados destinados
ao público infanto-juvenil. Como exemplo, podemos citar a telenovela “Rebelde” (produzida
pela rede televisiva mexicana “Televisa”, mas que foi exibida no Brasil pela emissora de TV
“SBT”). Apesar de ser destinada a crianças e adolescentes, a novela apresentava conteúdos
impróprios para a idade, pois, em seu enredo, possuía os seguintes elementos: apelos eróticos
(no modo como algumas personagens se insinuavam para outros, nos figurinos dos
personagens, entre outros); descobertas sexuais, que deveriam ser introduzidas pelos pais e
não pela TV; valores como inveja, ambição, traição, os quais, se não forem bem trabalhados
com as crianças, estas podem interpretá-los de qualquer forma e se comportarem guiados por
estes; entre outros. Enfim, a telenovela obteve tanto sucesso que as crianças acabaram se
comportando da mesma maneira que os ídolos, por desejarem ser como eles, uma vez que se
identificaram com os personagens, facilitando assim a aprendizagem observacional, e
consequentemente, as crianças acabaram realizando ações, falando e se vestindo como tais, e
descobrindo informações inapropriadas para a idade.
Dessa forma, podemos ver como este veículo de comunicação é capaz de intervir na
vida das pessoas e na organização social. Já que, por meio da TV a cultura foi banalizada,
pois o que antes era um tabu, algo escondido, após a TV foi escancarado e mostrado ao
público (POSTMAN, 2005).
A “inocência” das crianças foi perdida, ao passo que a TV mostrava a elas conteúdos
que eram apenas do saber do adulto; com isso, ela acabou igualando crianças e adultos,
podendo-se comparar ao contexto da Idade Média, em que os adultos falavam sobre sexo com
as crianças, pois não distinguiam a infância da fase adulta, além de não possuírem o conceito
de inocência infantil.
Por tamanha exposição das crianças à TV, Postman (2005) afirma que elas passam a
entender sobre os assuntos dos adultos, e, muitas vezes, acreditam mais nas informações
adquiridas pela mídia, do que nas fornecidas pelos adultos, e ainda, as crianças entram em
contato e recebem respostas a perguntas que nunca elaboraram.
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Postman aponta que a TV, ao revelar os segredos do sexo, praticamente acabou com o
conceito de aberração sexual, desmistificando, até mesmo, o fato dos adultos cobiçarem
meninas jovens ou crianças. Assim, a TV mostra meninas de doze e treze anos como objetos
eróticos, pois isto se tornou socialmente aceito, deixando de ser um segredo 1 que os homens
guardavam para si.
A TV, por acabar com os mistérios e expor todos os assuntos sem restrições, interfere
diretamente na erotização infantil, pois as crianças estão acostumadas a receberem e verem
conteúdos sexuais pela mídia. A partir disto, elas notam que apresentar comportamentos
eróticos é aceito na sociedade, uma vez que elas não vêem os modelos serem punidos, pelo
contrário, são gratificados e aplaudidos pela mídia. Logo, as crianças acabam imitando, pela
aprendizagem observacional, e consequentemente, contribuindo para a banalização pela
sociedade da erotização infantil.
Este tema (erotização infantil) já se tornou tão comum na sociedade, por conta da
mídia, que muitos pais e adultos acham “bonitinho” seus filhos rebolando como um artista
famoso, falando sobre assuntos de adultos, ou querendo se vestir e se portar de forma erótica
para atrair o sexo oposto.
Esses tipos de comportamentos são tão usuais na mídia que as crianças imitam e
gostam, pois não sabem o que estão fazendo, pelo fato de a TV não restringir conteúdos. Com
isso, gradativamente as crianças vão perdendo a sua infância, já que as particularidades desta
fase vão se descaracterizando e mesclando-se com a fase adulta.
Conforme Postman (2005), a TV transmite informações e conhecimentos que são
destituídos de continuidade histórica ou de um contexto histórico. Assim, estes são passados
em uma sucessão rápida e fragmentada, fazendo com que as informações fiquem “jogadas‟‟,
pois estão descontextualizadas. Já que este meio de comunicação enfatiza o presente,
instantâneo, assim, inadvertidamente muitos pais não percebem o controle sutil que a mídia
exerce sobre o comportamento de seus filhos, de forma que acabam aceitando que as crianças
desejem a satisfação momentânea, como também a indiferença destas perante as
conseqüências de seus atos, visto que isto se tornou tão comum na mídia que os adultos
consideram normal tais atitudes.
1
Este conceito sobre os “segredos” entre a infância e a fase adulta será mais bem discutido no capítulo
quatro desta monografia.
37
A mídia, além de expor modelos a serem seguidos por seus telespectadores, induz as
crianças a se tornarem consumistas, pois as imagens dos comerciais despertam desejos
imediatos (que precisam ser satisfeitos) no público. Com isso, as crianças querem ter os
produtos para se tornarem parecidos com os seus ídolos, para terem a satisfação imediata, sem
perceberem os valores que estão ocultos nas ações e desejos, e em como a mídia modela seus
comportamentos, gostos e subjetividades.
2.4 Mídia e erotização da infância
Um dos problemas decorrentes da influência que a mídia desencadeia no público
infanto-juvenil está no fato de que,
“Mesmo que os pais desejem dialogar sobre sexo com seus filhos antes que
estes atinjam a maturidade sexual, antes mesmo que surjam as conversas sobre sexo
entre colegas, forma predominante de acesso a informações entre pré-adolescentes, a
mídia a que todos estamos expostos já fez seu papel na transmissão da informação
sexual recheada de clichês, estereótipos e preconceitos.” (SANTOS e JABLONSKI,
2003, p. 39)
Dessa forma, milhares de crianças e adolescentes se informam sobre sexualidade,
porém de uma maneira errônea, já que a mídia, principalmente a TV, expõe e discute sobre
este tema com crenças e idéias prontas que se baseiam em valores que julgam a beleza, corpo
físico magro e forte, sedução, sensualismo, insatisfação com a inexperiência sexual, entre
outros que acabam por proporcionar dúvidas e questões sobre a própria sexualidade e
atratividade física das crianças.
Por este tema ser novo na infância, as crianças o compreendem como a mídia mostra,
de forma que iniciam sua vida sexual precocemente, sem ao menos terem conhecimento sobre
relações amorosas, sexo, valores morais, entre outras considerações que deveriam auxiliar as
crianças antes da primeira relação sexual. Com isso, muitas delas passam por desilusões e
traumas que interferirão na vida adulta, ocasionando diversas falhas de personalidade ou
problemas psicossociais. Além de estimular a erotização precoce nestas, despertando desejos
sexuais e apontando visões sobre sexualidade recheadas de clichês, estereótipos e
preconceitos, os quais, segundo Santos e Jablonski (2003), influenciam os jovens, com pouca
ou nenhuma experiência sexual, na forma como constroem suas estruturas de idéias, crenças e
atitudes sobre sexo. Como exemplo, os autores citados acima, discorrem sobre o fato dos
jovens não alcançarem a gratificação sexual imediata mostrada na mídia, na vida real,
38
podendo causar frustrações e malefícios na construção dos próprios valores e
comportamentos.
Conforme estudos de Santos e Jablonski, as imagens das pessoas que a TV e a mídia
transmitem aos telespectadores e consumidores são todas belas, sadias, sensuais, bronzeadas,
enfim padronizadas, uma vez que a mídia molda o ideal de ser humano bem sucedido e feliz,
estipulando assim modos de vestir, comer, falar, se portar e comportar. Porém, essas imagens
fazem com que os indivíduos almejem tais ideais de estilos de vida e estereótipos de corpo, já
que eles sempre estão relacionados, nas propagandas e programas televisivos, à felicidade e
realização pessoal. Visto que se as pessoas não alcançam tais ideais apontados na mídia, estas
acabam insatisfeitas com si próprias.
Para os mesmos autores, as visões e imagens de mulher que a mídia retrata estão quase
sempre relacionadas com esta sendo objeto sexual dos homens, ou a mulher dependente do
marido, como sendo o sexo frágil, entre outras. Assim, muitas crianças formam identidades
baseadas nestes valores concebidos às mulheres, fazendo com que se erotizem para chamar a
atenção dos homens, que se rebaixem perante estes. Enfim, a mídia “produz” crianças
erotizadas, que acreditam que para cumprirem seus papéis como mulheres (mostradas na
mídia), precisam se comportar do modo como elas vêem na televisão, ou outros meios.
Estas questões referentes ao cumprimento dos papéis, e a própria criação destes,
advém de um processo denominado, segundo Duarte Jr (1989), de “tipificação”, que impõe
padrões de interações entre os indivíduos, nos fazendo ver o outro conforme as classificações
que lhes são dadas. É a partir deste processo que a estrutura social vai se delineando, pois vão
se estabelecendo as funções de cada um, permitindo uma relação mais estável para seus
membros.
Como resultado deste processo de tipificação, as pessoas vão formando hábitos, pois
os comportamentos só podem se tornar previsíveis e conhecidos no meio social se houver a
criação de uma rotina padronizada decorrente dos padrões de interação humana. Feito isso, é
ocasionado o processo de institucionalização ou naturalização, que ocorre por meio da
tipificação recíproca entre os indivíduos em interação, já que uma vez estabelecidos os
padrões de comportamento e rotina, essa tipificação é percebida de modo objetivo, ou seja,
como sendo função própria de certos papéis sociais, que podem ser desempenhados por
qualquer pessoa que assumi-los.
39
Dessa forma, na medida em que algumas ações adquirem um padrão, baseado nas
tipificações, estas ações podem vir a ser executadas por diversas pessoas da mesma forma,
pois estas foram institucionalizadas, se tornando previsíveis a todos.
Duarte Jr (1989) ainda afirma,
“é como se as instituições tivessem uma realidade própria, cuja existência
não mais é percebida como criação humana. Elas adquirem uma objetividade, uma
solidez de coisa dada." (DUARTE JR, 1989, p. 42)
As instituições possuem uma origem histórica, já que surgiram com uma finalidade
específica pelos seus criadores. Mas, na medida em que são passadas de gerações a gerações
elas se "cristalizam", ou seja, passam a ser independentes dos indivíduos que as mantêm.
Assim, as instituições se tornam mais importantes que os homens, como se possuíssem uma
vida própria, ou como se fosse uma criação independente dos homens.
Isto ocorre, conforme Duarte Jr, pelo fato dos seres humanos não notarem que a
estrutura social se fez assim por causa deles. Pois, para os sujeitos ela sempre se apresentou
dessa forma, uma vez que nascemos e ela já estava presente e também, pelo fato de
acreditarmos que ela provavelmente irá permanecer contínua após a nossa morte.
Este fenômeno é chamado, pelo autor citado acima, de "reificação", visto que a
realidade socialmente construída é sempre reificada, ou seja, transformada em coisa,
adquirindo um estatuto de natural. Logo, a institucionalização pela qual se edifica a realidade
possui um controle social, já que como os seres humanos acreditam que elas são naturais, não
procuram alterá-las, mas apenas se adaptam a estas, caso contrário acreditam estarem
caminhando contra o estado natural da estrutura social. Assim, essa possível realidade
objetiva acaba por condicionar a consciência dos homens em seu processo de socialização.
Enfim, estes processos descritos acima são importantes para o entendimento do modo
como os papéis sociais são estabelecidos e aceitos como naturais pela sociedade, pois cada um
deles prescreve modos específicos de nos comportarmos perante os outros, retirando-nos a
possibilidade de realizarmos nossos desejos individuais. A partir disto, podemos estudar o
fato da "reificação" no fenômeno de exploração do prazer e corpo feminino pela mídia, já que
este, de tanto ser usufruído pelos meios de comunicação, acabou se tornando naturalizado
socialmente, de forma que os indivíduos passaram a aceitar tais classificações dadas à
imagem da mulher, como se o papel dela fosse realmente ligado à sensualidade destinada aos
homens, ou como se fosse dependente destes. Assim, a mulher e a própria sociedade aceitam
40
esta visão exibida pela mídia, pois uma vez que ela sofreu o processo de reificação, se tornou
uma criação independente dos seres humanos.
A fim de exemplificar tais afirmações, Santos e Jablonski (2003) discorrem sobre a
forma como a mídia explora a imagem da mulher, e impõe ideais de feminilidade, como
também constrói a masculinidade, que exige dos homens afirmação e desempenho sexual,
fazendo com que meninos, desde cedo, internalizem esses valores e busquem a satisfação
sexual, despertando seus desejos, tornando-se também uma das causas da erotização precoce
na infância.
Segundo Ferreira e Souza (2008), os conteúdos inapropriados para as crianças, com os
quais elas possuem contato e até se educam, fazem com que elas “pulem” etapas do
desenvolvimento, pois despertam um amadurecimento precoce, fazendo com que as crianças
ao invés de desejarem, brincar e se vestirem de forma apropriada para a idade, por serem
expostas às imagens sexualizadas de homens e mulheres que a mídia constrói, elas passam a
se “adultificarem”, ou seja, desejando vestir roupas de adultos que afirmem sua sexualidade, e
se comportando como os sujeitos padronizados pela mídia, que apesar de expressarem
péssimos valores e comportamentos, na mídia, possuem altas posições de status social.
A mídia de massa, além de despertar a erotização precoce das crianças, ainda veicula
em seus meios, imagens erotizadas destas, pois usufrui de meninas como sendo objetos
sexuais de adultos em propagandas e programas televisivos. A exploração da pornografia
infantil pode ser causa dos inúmeros abusos sexuais com crianças, gravidez na infância e
adolescência, prostituição infantil, venda de corpos de menores pelos próprios pais, que
necessitando de dinheiro prostituem as filhas, como forma de renda financeira, entre tantas
outras formas que relacionam infância e sexualidade, de maneira a utilizar a crianças como
objeto do sexo reificado, ou seja, tornado como coisa; naturalizado na sociedade, por tamanha
exposição da mídia.
Conforme Felipe e Guizzo (2003), neste contexto, podemos encontrar um paradoxo
em nossa cultura, ao passo que enquanto a mídia produz e divulga imagens erotizadas de
crianças, veiculam-se na sociedade discursos e manifestos que são contra qualquer relação
sexual entre adultos e crianças.
Com isso, podemos questionar até que ponto a sexualidade infantil se torna um
problema social, pois apesar de inúmeros discursos que desaprovam a erotização precoce na
41
infância, a mídia continua abusando de imagens que influenciam no comportamento sexual
das crianças, por fins lucrativos.
Enfim, a mídia se constitui de um meio de comunicação que interfere na formação da
personalidade dos sujeitos, e principalmente das crianças. Já que estas, por estarem em
tamanha exposição de seus meios, acabam adquirindo conhecimentos através destas, e
conseqüentemente se erotizando precocemente.
Visto que, as crianças desejam ser como os adultos que a mídia padroniza e coloca
como ideal de vida e satisfação pessoal, independente dos valores que estão agregados a estes
modelos, pois muito do que as crianças aprendem advém do que elas observam e imitam em
seu cotidiano, baseando-se em modelos ou informações que despertam seus interesses, a fim
de se transformarem ou chegarem perto de se tornarem e comportarem-se como os modelos
criados pela mídia.
Enfim, esta abordagem dada à erotização infantil decorrente da mídia é algo que, por
mais que ocorram discursos contra a utilização da imagem da criança exposta em propagandas
com o fim de seduzir o público adulto, entre outras abordagens que podem ocasionar a
precocidade da vivência sexual na infância, dificilmente deixarão de ser veiculadas na mídia,
mesmo porque, por tamanha exposição destas imagens na sociedade, muitas pessoas passaram
a naturalizarem este fato, não se importando com a erotização infantil.
Com isso, torna-se necessário uma conscientização dos pais, educadores e das próprias
crianças quanto aos meios de comunicação de massa, com ênfase na TV, e quanto à
sexualidade. Pois, conforme Hamann (2002), a criança de hoje, não é mais aquela inocente e
vulnerável. Agora ela pode manifestar-se sob uma multiplicidade de faces: a criança que
deseja o consumo, aquela que precisa lidar com a ausência parcial (ou total) dos pais, crianças
que se deixa educar pela televisão, pelo videogame, e pela mídia, ou aquela que vai à escola
para tornar-se adulta.
Segundo Bujes (2002, apud FELIPE e GUIZZO, 2003, p. 121), o conceito de infância
passou por um longo processo de construção e elaboração, partindo de inúmeras teorias dos
diferentes campos do conhecimento. Várias concepções foram se delineando, na área médica,
psicológica, jurídica, pedagógica, antropológica e sociológica, da maneira que, atualmente,
não podemos classificar o conceito de infância como estável, “natural” e homogêneo.
42
Assim, conforme Felipe e Guizzo, podemos falar que existem inúmeras infâncias em
constantes processos de ressignificação e transformação, que variam conforme o tempo,
classe social, gênero, cultura em que as crianças estão inseridas. Já que, como Hamman
(2002) afirma, existe uma multiplicidade de faces em que a criança se manifesta, logo,
podemos dizer que o conceito de infância é plural, ou seja, não existe uma concepção de
infância única e imutável, mas existem “infâncias”, que variam conforme os modos de
atuações das crianças na sociedade, em diversos contextos.
Para Belloni (2007), podemos considerar as crianças como atores sociais que
participam da sociedade, pois decorrente das transformações sociais que as crianças
acompanham, estas sofrem mudanças, e se tornam alvo de visibilidade, status e direitos
destinados a elas. Ao passo que em meio a estas transformações na sociedade, as crianças se
tornaram cidadãos plenos, e consumidores reais e potenciais. Assim, evidencia ainda mais as
diversas formas de atuação das crianças, e as mudanças que a concepção de infância passa,
confirmando a pluralidade do seu conceito.
Considerando estas mudanças no cenário infantil, não podemos simplesmente privar
as crianças dos conteúdos erotizados transmitidos em determinados programas, já que,
segundo Hamann, devemos considerar dois pressupostos:
“1. É quase inviável controlar absolutamente todos os conteúdos televisivos
a que as crianças têm acesso - mesmo porque, como vimos, cenas de sexo e
violência são transmitidas até nos intervalos entre os programas infantis; e 2. Não se
deve considerar a criança como um telespectador passivo, subestimando-a enquanto
mero receptáculo de informações, e sim trabalhar para que ela desenvolva um senso
crítico e possa, ativamente, refletir sobre as mensagens televisivas.” (HAMANN,
2002, p. 69-70)
Dessa forma, precisamos levar a educação sobre a mídia para o currículo das escolas
do Brasil, já que, conforme Belloni (1991, Apud HAMANN, 2002, p. 70) a TV é um dos
meios socializadores mais importantes, por sua onipresença na vida cotidiana de várias
pessoas e pela suposta objetividade de suas imagens, estas acabam ganhando credibilidade
dos telespectadores, e afirmando sua legitimidade no processo de socialização.
Belloni afirma que certamente este processo não seria fácil, já que muitas escolas
públicas enfrentam problemas financeiros, e sofrem pela falta de recursos materiais e
pedagógicos para ensinar os educadores quanto a esta disciplina. Mas, esse ideal de educação
para a mídia seria benéfico para instruir as crianças quanto aos apelos midiáticos, que
possuem uma carga de valores morais, visões de mundo, estereótipos, além de explorar o
tema sexualidade e violência (temas frequentemente utilizados pela mídia) que necessitam ser
43
discutidos com um educador ou adulto, a fim de educar as crianças, para que estas não se
deixem moldar pelas informações recebidas pela mídia, e possam construir suas
personalidades refletindo sobre as mensagens televisivas.
Assim, no capítulo seguinte iremos expor e exemplificar a erotização infantil mostrada
na mídia, especificamente na telenovela mexicana “Rebelde”, que obteve muito sucesso,
influenciando o modo de comportamento de muitas crianças e adolescentes. Visto que, ainda
possuía conteúdos impróprios para a faixa etária a qual foi proposta, como por exemplo,
explorava a sexualidade (tema temido pelos pais, por causar certo constrangimento, advindo
da cultural social, mas que precisava ser discutido com as crianças, antes delas se educarem
pela televisão, a fim de esclarecer as questões destas e evitar a erotização precoce).
44
Capítulo 3
TELENOVELA REBELDE E APRENDIZAGEM SOCIAL
Após compreendermos as teorias que envolvem o meio midiático, principalmente no
que se refere à televisão, e o modo como esta pode proporcionar e influenciar o aprendizado
de milhares de pessoas, que observando e imitando os “tipos” e modelos apresentados pela
mídia acabam por se educar, conforme explica a teoria da aprendizagem social, neste capítulo
iremos estudar, tendo como base a telenovela mexicana Rebelde, os aspectos mais relevantes
quanto à temática sexualidade e mídia, que pode ser causa de uma erotização precoce na
infância.
Para tanto, iremos analisar a telenovela, partindo de categorias, que serão agrupadas
conforme a recorrência de alguns temas retratados em Rebelde, pois assim, poderemos efetuar
um estudo com base em trechos de cenas, falas, letras e músicas, que podem influenciar na
vivência precoce da sexualidade na infância, com isso pretendemos realizar um estudo crítico
da forma como a mídia, especificamente a televisão, pode influenciar seus receptores, quanto
à aquisição de novos comportamentos e aprendizagens. Este estudo terá como respaldo
teórico as teorias apresentadas nos dois primeiros capítulos desta monografia.
Como o propósito desta monografia é analisar a influência de telenovelas, como
Rebelde, no comportamento e precocidade da sexualidade infantil, partindo de um estudo
baseado no modelo da aprendizagem social. Este capítulo tem como objetivo analisar os
dados extraídos tanto da telenovela, como das letras e músicas da banda RBD (acoplada à
telenovela Rebelde), a fim de realizar um estudo que direcione e indique alguns aspectos
encontrados na telenovela, que possam contribuir para a aprendizagem de padrões sexuais e
afetivos na infância.
A telenovela Rebelde foi escolhida para análise neste trabalho porque obteve grande
sucesso entre o público infanto-juvenil, de modo que crianças e adolescentes se identificaram
tanto com os personagens da trama, que muitos deles moldaram seus comportamentos a partir
de observações e imitações de seus ídolos, sem uma consciência crítica dos valores e ideais
impregnados em certos comportamentos e atitudes dos artistas. Visto que muitas vezes, as
emissoras de TV e produtores de telenovelas, para garantir a audiência, abusam de conteúdos
impróprios para a faixa etária à qual é destinado o programa ou novela, fazendo com que
crianças entrem em contato com temas desconhecidos ou ainda não discutidos; aprendendo
por meio do que é exposto na televisão conceitos sobre sexualidade com visões elaboradas
45
pela mídia, que incorpora valores e crenças repletas de preconceitos e clichês. Como afirmam
Santos e Jablonski (2003), acabam por influenciar a criança ou jovem no modo como constrói
sua concepção sobre sexo, já que este assunto é novo na infância.
Assim, é essencial discutirmos sobre esse assunto, tendo como exemplo a telenovela
Rebelde, a fim de construímos um estudo de caso objetivando compreender como uma
simples manifestação de uma criança desejar usar uniformes curtos e botas de cano alto, como
os personagens favoritos utilizam, pode influenciar no modo como conduzirá seu ideal de
sexualidade e ainda ocasionar uma precocidade na erotização infantil. Logo, se
compreendermos a maneira como telenovelas interferem nos padrões afetivos e sexuais na
infância, poderemos estabelecer formas de auxiliar e orientar os diversos tipos de crianças e
infâncias para que se conscientizem e se eduquem sobre a mídia e sobre as informações que
ela veicula.
A telenovela Rebelde é composta por três temporadas que contam a história dos alunos
da Elite Way School. No decorrer dos capítulos, os personagens passam por diversas
situações, que os levam a novas descobertas, conflitos amorosos, familiares, criação de laços
afetivos, entre outros.
Esta monografia analisará a terceira temporada desta telenovela, pois os personagens
principais já estão no último ano do colégio e o tema sexualidade e erotização é mais bem
explorado nesta temporada, uma vez que o casal principal de Rebelde começa a pensar na
primeira relação sexual, e outros personagens também conversam sobre esta temática. Na
primeira e segunda temporada, alguns aspectos como sensualidade e “azaração” 2 permeiam a
telenovela, mas é na última temporada que estes ficam mais evidentes para o telespectador,
pelo fato dos personagens demonstrarem em falas e cenas que esperam ansiosamente as
experiências sexuais.
Dessa forma, as principais fontes de dados referentes à Rebelde foram os DVDs da
última temporada, e também um apanhado das músicas interpretadas pelos integrantes da
banda RBD, de forma a categorizar os temas mais freqüentes, que se unem à discussão sobre
sexualidade na mídia e a decorrência desta para as crianças.
3.1. Caracterização da telenovela
2
Esta gíria permeia o ambiente jovem e possui significado similar a paquerar.
46
Rebelde é uma telenovela mexicana produzida pela emissora Televisa, exibida no
México de 04 de outubro de 2004 até 02 de junho de 2006, dividida em três temporadas. No
Brasil foi transmitida pelo Sistema Brasileiro de Televisão - SBT no período de 15 de agosto
de 2005 até 29 de dezembro de 2006, totalizado em 440 episódios, sendo transmitida às
18h30min.
Sua história é baseada, sem muitas alterações, no enredo de produção argentina
Rebelde Way, produzido pela emissora Cris Morena Group. Nesta telenovela os personagens
principais formam a banda Erreway, que alcançou muito sucesso nos países em que foi
transmitida.
A trama se passa em uma escola particular de elite chamada Elite Way School, que
abrange filhos de pessoas ricas e famosas, como celebridades, políticos, empresários, etc. Este
colégio é como um semi-internato de Ensino Médio, que tem a função de fornecer uma
educação exemplar para o futuro promissor dos jovens que freqüentam este local. Esta
instituição possui um sistema de regras próprias, que se diferencia das demais escolas; assim,
foi estabelecido com o governo que as regras seriam aceitas, se a direção da escola fornecesse
bolsas de estudos para pessoas de baixa renda. Porém, poucos bolsistas conseguem se formar,
pois são perseguidos por uma sociedade secreta chamada La Logia (“A seita”, em português),
que objetiva manter a “pureza” da elite.
O que chama a atenção na novela são as vestimentas que os personagens usam, como
por exemplo, as meninas, que se vestem com camisetes, gravatas desalinhadas, minissaias e
botas de cano alto, sendo que estas roupas são sensuais, atrativas e parecem despertar desejos
no sexo oposto. Podemos dizer que os personagens centrais alcançaram sucesso por
manifestarem uma suposta rebeldia contra algumas atitudes dos pais e sistema escolar,
proporcionando identificação com as crianças e jovens espectadoras que também passam por
momentos inconstantes na vida, relacionando a telenovela com a vida real.
Em síntese, o enredo da novela é constituído por temas corriqueiros, como relações
amorosas, conflitos familiares, corrupções políticas, sexo, gravidez, intrigas, preconceito,
entre outros assuntos que nos remetem à vida cotidiana. Estes são explorados na vivência dos
adolescentes que desejam expressar sua rebeldia na busca pela identidade.
São seis os personagens principais desta novela, os quais, apesar de possuírem
personalidades distintas, se unem pelo amor à música, construindo no decorrer da trama o
47
grupo musical chamado RBD composto pelos mesmos atores principais da novela (Anahí,
Dulce Maria, Maite, Christian, Alfonso e Christopher). O grupo obteve tanto sucesso na
telenovela, que passou a se tornar real, com a realização de shows e gravações de CDs,
“arrastando” legiões de fãs por todos os países em que Rebelde foi transmitida. Segundo
Budag (2008), esta telenovela foi exibida em mais de 70 países, entre eles: México, Chile,
Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Estados Unidos, Porto Rico, Peru, Venezuela, Brasil,
Espanha, Angola, República Dominicana, Paraguai, Guatemala, Bolívia, Indonésia,
Nicarágua, Japão, Romênia, Canadá, Rússia, Índia, Inglaterra e Equador.
3.1.1 Personagens principais
O grupo dos personagens principais, conforme mostrado na Figura 1, é composto por
Mía Colucci, interpretada pela atriz Anahí Portilla; Roberta Pardo Rey, interpretada por Dulce
Maria Espinoza Saviñon; Diego Bustamante, interpretado por Christopher Alexander Luis
Casillas von Uckermann; Miguel Arango, interpretado por Alfonso Herrera Rodriguez; Lupita
Fernández, interpretada por Maite Perroni Beoriegui e Giovanni Méndez López, interpretado
por Christian Chávez Garza.
Figura 1. Personagens centrais de Rebelde e integrantes da banda RBD. Da esquerda para a direita temos:
Diego Bustamante, Roberta, Giovanni, Mía Colucci, Lupita e Miguel Arango.
Os perfis destes personagens se configuram da seguinte maneira: Mia é uma garota
rica de 17 anos, com fama de “patricinha” 3, cheia de caprichos, gosta de ser o centro das
atenções no colégio. Sofre pela ausência do pai Franco Colucci, que sempre está viajando e
não pode acompanhar o crescimento e descobertas da filha, assim como sente falta da mãe,
3
Este termo é dado às meninas ricas, mimadas pelos pais, que gostam de fazer compras, e possuem
como características principais a futilidade e o consumismo.
48
que supostamente faleceu quando Mía ainda era criança. Ela se apaixona pelo garoto mais
improvável do colégio, Miguel, o qual classificava como “caipira”. Roberta tem 17 anos, e
pode ser considerada a pessoa mais rebelde da telenovela, pois não mede palavras para
discutir com os outros e ainda possui personalidade forte. É filha da cantora famosa e símbolo
sexual Alma Rey (interpretada por Ninel Conde), mas não demonstra um bom relacionamento
com a mãe, já que sempre estão em conflitos e desentendimentos. Ela odeia “patricinha” e
moda, por isso está sempre brigando com Mía. Na trama vai se envolver com Diego de forma
turbulenta e inconstante. Diego, por sua vez, é um menino de 17 anos, filho de um político
corrupto famoso, o qual não consegue enfrentá-lo, deixando-se levar pelos valores machistas
e conservadores do pai, que deseja que o filho tenha uma carreira na vida política e não em
uma banda musical. Diego gosta de Roberta, mas ambos não admitem isto, assim, passam a
maior parte da novela brigando. Miguel é um garoto de 19 anos, já formado, mas que vai
estudar no Elite Way pelo programa de bolsas de estudo, com o fim de vingar o suposto
assassino do seu pai (Franco Colucci). Assim, pensando em destruir a vida da filha do Sr.
Colucci, acaba se envolvendo com Mía e se apaixonando por esta, ficando, assim, em um
conflito pessoal. Lupita é uma menina de 17 anos, que sempre está disposta a ajudar as
pessoas. É muito boa e romântica. Na trama possui uma irmã chamada Lola, que possui
ciúmes da irmã por considerar que os pais gostam mais dela. Por fim, Giovanni é um menino
de 18 anos, muito interesseiro. De origem pobre, o qual se envergonha e esconde de todos,
ficou rico após os pais ganharem na loteria.
Os personagens centrais de Rebelde são donos de personalidades fortes e marcantes,
com características que chamam a atenção dos telespectadores, como a estética das roupas e
cabelos ou jeito de falar, fazendo com que muitas crianças e adolescentes se deixem
influenciar pelos comportamentos dos ídolos na novela. Assim, “tipos” vão sendo criados pela
mídia, que explora cada detalhe da roupa, cabelo, acessório, modo de falar, porta-se e pensar
dos personagens em evidência. Já que se esses padrões de comportamentos forem aceitos e
desejados pelo público, a mídia pode vender seus produtos, impor valores, e moldar os
sujeitos mais facilmente.
Conforme a teoria da aprendizagem social de Bandura (1980), as pessoas têm a
capacidade de aprender a partir de observações e imitações de modelos que de, alguma forma,
despertaram seu interesse, facilitando a aprendizagem para a aquisição de novos
comportamentos que antes inexistiam em seu repertório comportamental. Dessa forma, se
uma criança está assistindo a telenovela Rebelde e se identificou com a personagem Mía, no
49
modo de falar, vestir-se e se comportar (já que esta, na telenovela, sempre tem êxito em sua
vida, e ainda se destaca entre as demais, alcançando um sucesso entre as garotas do colégio), a
criança receberá um estímulo reforçador para imitar a ídola, uma vez que ela observa que as
respostas do comportamento da personagem são positivas, assim, passa a imitá-la a fim de
conquistar a posição de status e de destaque como Mía apresenta ter na telenovela.
3.2. Características atrativas da telenovela Rebelde
A partir destas considerações sobre o modo como os telespectadores são influenciados
pelos personagens preferidos, uma consideração acerca do conceito sobre melodrama e
telenovela são importantes para compreendermos o motivo pelo qual são tão atrativas ao
público. Assim, segundo Budag e Baccega (2008) “(...) o melodrama data do século XVIII e
constitui a matriz cultural da telenovela: a telenovela apropria-se da base estética e emocional do
melodrama.” (BUDAG e BACCEGA, 2008, p. 2). Apesar de algumas mudanças e adaptações
feitas nas novelas, a base de formação discursiva e audiovisual advêm do melodrama.
Conforme as mesmas autoras, as características peculiares das telenovelas, como a
dramaturgia, linguagem e demais elementos que as compõem, de gênero figurativo,
conseguem expor conceitos e idéias de forma ágil, facilitando a persuasão do público em
geral. A telenovela trabalha com aspectos da realidade, apresentando-a no campo simbólico,
assim, pode até mesmo mudar a visão e concepções de muitos indivíduos, tanto de forma
escancarada, como discreta. Por exemplo, uma telenovela pode apresentar conteúdos repletos
de ideologias, assim, ela pode expor estas nas falas de personagens, ou no modo como é
conduzida a telenovela, a fim de divulgar estes conceitos para todos, ou ela pode
simplesmente expressá-las de forma sutil, que o receptor nem se dá conta que mudou seu
ponto de vista.
Assim, podemos entender como Rebelde alcançou tanto sucesso com o público
infanto-juvenil, já que suas temáticas principais circundam as vivências, experiências,
dúvidas, anseios do público para qual a novela é destinada. Os temas mais recorrentes em
cenas, músicas e do enredo são próximos dos telespectadores, por se tratarem de fatos do
cotidiano, de suas realidades. Sendo assim, em Rebelde suas temáticas principais são: amor;
rebeldia; busca pela identidade; desavenças familiares; amizade; música; sexualidade; drogas;
dentre outros aspectos ligados aos jovens.
50
Esta telenovela proporcionou tanta audiência para as emissoras para as quais estava
sendo transmitida, que teve a duração de três temporadas, sendo que cada uma destas
possuem 06 DVDs, com o tempo de 13 horas para cada temporada.
Junto com o sucesso da telenovela, ocorreu a “explosão” musical da banda formada
pelos integrantes centrais desta, denominada RBD, que foi muito importante para tamanha
repercussão que a novela causou nos lugares em que foi transmitida, sendo que segundo
Budag (2008), Rebelde conseguiu interferir com intensidade nas práticas de consumo material
e simbólico dos sujeitos, pois concede muito destaque para a música da telenovela, e para o
RBD.
Basicamente, o enredo da terceira temporada irá percorrer os caminhos e
amadurecimentos dos personagens da telenovela, os quais, estando no último ano do Ensino
Médio,
demonstram
seus
anseios
perante
a
formatura,
separações
amorosas,
desentendimentos familiares, descobertas pessoais, traições, início das experiências sexuais, e
sucesso do grupo musical RBD, que os levam a descobertas sobre o amor, amizade, família,
amor pela música e entre eles.
Feita esta breve caracterização da telenovela, iniciaremos as categorizações realizadas
a partir das cenas e falas coletadas na terceira temporada de Rebelde, e, posteriormente, uma
análise crítica sobre os dados, objetivando compreender a forma como a telenovela pode
influenciar na erotização precoce da infância, e como a aprendizagem social contribui para a
educação de comportamentos e valores colocados pela mídia, representados pela
personalidade dos personagens.
3.3. Categorias de análise
Damos início a uma análise das cenas, diálogos, letras e músicas da telenovela
Rebelde, focada em dois objetivos. O primeiro consiste em selecionar por categorias os
valores e temas mais recorrentes em falas e cenas da novela, que estejam relacionados ao
tema sexualidade e erotização e, em seguida, iremos analisar estes dados, a fim de identificar
os padrões sexuais encontrados na telenovela e que podem influenciar na erotização precoce
das crianças. O segundo objetivo é realizar este mesmo procedimento com as letras e músicas
tocadas na novela, pertencentes à banda RBD.
Para a categorização das cenas e diálogos presentes na telenovela Rebelde foram
analisados trinta episódios, totalizando treze horas de vídeo. Em vinte e quatro destes
51
episódios foram encontrados diálogos e cenas que contribuíram para a análise da telenovela
como possível fator contribuinte para a aprendizagem precoce de padrões afetivos e sexuais
na infância. As categorias foram estipuladas a partir da análise da terceira temporada de
Rebelde, de forma a agrupar os temas mais recorrentes nos episódios relacionando com o
tema do presente trabalho.
Quanto à análise das músicas da banda RBD, foram analisados cinco CDs totalizando
66 músicas. As categorias sobre os diferentes tipos de amor foram construídas após a análise
das músicas, de modo a selecionar as temáticas mais recorrentes e que poderiam contribuir
para a aprendizagem de padrões sexuais e afetivos na infância.
3.3.1 Cenas e Diálogos presentes na telenovela Rebelde
Primeiramente, analisaremos as cenas e diálogos relacionados ao tema desta
monografia (sendo que as falas e diálogos, no quadro, são apresentados em itálico e entre
aspas, para uma melhor visualização do/a leitor/a.). Estes dados foram retirados dos DVDs 4
da terceira temporada desta telenovela, e assistindo-os podemos criar as seguintes categorias
de análise: Relacionamento Amoroso; Traição; Sexualidade; Insinuações Sexuais e Sexo.
A partir da elaboração do quadro de análises (ver Quadro 1), podemos refletir sobre os
exemplos retirados de cenas e diálogos da telenovela, visando estabelecer de que forma falas e
modos de comportamentos dos personagens podem interferir diretamente no comportamento
dos sujeitos, já que muitas crianças e jovens querem ser igual aos ídolos, independente se os
valores contidos em ações ou modos de falar forem ruins para seus desenvolvimentos. Por
exemplo, muitas vezes, as crianças imitam certos comportamentos sem ao menos entendê-los,
ou seja, sem saber que tal ato poderia demonstrar um comportamento erotizado.
Quadro 1. Categorias extraídas de cenas e diálogos presentes em alguns episódios da
terceira temporada da telenovela Rebelde.
Categorias
A.) Relacionamento Amoroso
Exemplos de cenas e diálogos
*1. Cena de beijo entre Mía e Miguel. (capítulo 1 –
“Orfanato”.)
*2. Cena de beijo entre Lola e Diego. (Capítulo 3 – “O
4
REBELDE – terceira temporada da novela. EMI Music, 2007. 3 DVD, (780min), son., color.
52
Flagra”.)
*3. Cena de beijo entre Roberta e Diego e cena de
carinhos entre Pilar e Tomás. (capítulo 16 – “Na praia”.)
*4. Cena de beijo entre Roberta e Diego. (capítulo 24 –
“Miguel em coma”.)
*5. Cena de Mía e Miguel conversando.
Mía: - “Ah! Eu quero que você seja o primeiro e único
homem de minha vida. Você quer?”
Miguel: “Eu quero muito!” (capítulo 4 – “Trair”.)
*6. Cena de Mía e Miguel no quarto, prontos para terem
a primeira relação sexual.
Mía: - “Bebê, eu te amo. E quero que saiba que estou
me entregando a você, porque é a pessoa mais legal do
mundo. E que eu mais confio.” (capítulo 10 – “O
Problema de Mía”.)
B.) Traição
*1. Cena em que Isac trai Roberta com uma “suposta”
prima, mas que na verdade é namorada dele. (capítulo 2
– “Paloma e Roberta”.)
*2. Cena entre Miguel e Sabrina sentados no sofá da
casa dela.
(Sabrina): - “Se eu fosse sua namorada, eu te daria tudo
o que me pedisse”.
Neste momento Miguel a beija e ambos deitam no sofá,
ele fica passando a mão na perna dela e querendo por a
mão embaixo da saia que a personagem estava vestindo.
Neste momento fica subtendido que o casal irá ter
relações sexuais. (capítulo 3 – “O Flagra”.)
C.) Sexualidade
*1. Cena de Miguel desabafando e chorando para os
amigos.
Miguel: - “Eu bebi muito ontem... não sabia o que
estava fazendo..aí não me cuidei...”
Amigos: - “Que? Como não se cuidou?”
Miguel: - “Pois é... lá na hora do bem e bom e nas
condições que eu me encontrava...”(alcoolizado)
Santos: “Você é burro? Tem que estar sempre com
camisinha!”
Miguel: - “Ah ta! Tá na moda ficar levando camisinha
toda hora, né?!”
Miguel: - “Tá, eu não tinha camisinha... e o que vocês
queriam que eu tivesse feito? Ah?”
Miguel desesperado grita: - “Nossa! E se a Sabrina ficar
53
grávida?!”
Santos: - “Vocês são idiotas?! Uma única vez já basta
para engravidar uma mulher.” (capítulo 4 – “Trair”.)
*2. Cena de Miguel e Mía conversando.
Mía: - “Miguel, eu queria ir no médico antes da gente
fazer...para ver como que é esse lance de engravidar,
sabe?!”
Miguel: - “É ele também pode falar sobre as doenças...a
AIDS...”
Mía: - “Ah! Mas isso você não precisa se preocupar,
porque eu nunca tive relação com ninguém... E você
teve?”
Miguel: - “Tive... Mas foi há muito tempo... eu nem
tinha te conhecido.”
Mía: - “Mas, você se cuidou?”
Miguel: - “Não...”
Mía: - “Miguel, você precisa fazer seus exames.”
Miguel: - “Mas, eu vou fazer com camisinha...”
Mía: - “Mas, a Vick falou que elas rasgam.” (capítulo 4
– “Trair”.)
*3. Cena de Mía e Roberta no ginecologista. Elas
perguntam sobe os métodos contraceptivos. E o médico
fala sobre a AIDS e doenças venéreas. Roberta pergunta
se é verdade que quando faz com camisinha não sente
nada, e o médico afirma que isso é mentira. (capítulo 4 –
“Trair”.)
*4. Cena em que o pai de Mía e a mãe de Roberta
encontram as filhas saindo do consultório do
ginecologista, e este parabeniza os pais pelo fato das
filhas serem responsáveis por consultarem um
profissional para saberem sobre sexo seguro. Neste
momento o pai de Mía desmaia inconformado com a
informação. (capítulo 5 – “Mentira”.)
*5. Cena de Giovanni e Diego conversando.
Diego: - “Não gostei da nova namorada do meu pai!”
Giovanni: - “Por quê? Ela é super “peituda” e
“boazuda”...” (capítulo 8 – “A Partida”.)
*6. Cena de Celina e Max conversando.
Celina: - “Eu não posso estar grávida!”
Max: - “Não amor, às vezes esse atraso pode ser de
outro problema.” (capítulo 24 – “Miguel em coma”.)
54
*7. Cena de Celina, Vick e Pilar aflitas esperando o
resultado do exame de gravidez feito por Celina. E o
teste aponta positivo, Celina está grávida. Esta fica
desesperada com a notícia. (capítulo 25 – “Celina
grávida”.)
D.) Insinuações sexuais
*1. Cena entre Lola (irmã mais nova de Lupita) e Diego,
em que a personagem quer ter relações sexuais com ele,
mas Diego diz que ela é muito nova para “essas coisas”.
Lola (vestindo apenas camisa do uniforme e bota de
cano alto preta): - “Diego, me ajuda a tirar as botas?”
Diego: - “Não! Coloque sua calça.”
Neste momento são interrompidos por Lupita, que
expressa espanto e logo manda a irmã se vestir, alegando
que iria contar para os pais e para o diretor da escola,
caso a irmã negasse a se vestir naquele instante.
(capítulo 3 – “O Flagra”.)
*2. Cena de Mía conversando com a amiga Vick sobre a
primeira relação sexual.
Vick: - “Já pensou em que como vai fazer?”
Mía: - “Já! Vou me vestir como uma deusa, e vou
colocar brilhantinhos no rosto, porque os meninos
adoram!! E vou dizer: “Miguel, desculpe por ontem, eu
fui uma boba!”(na cena a personagem demonstra que
iria se portar sensualmente). (capítulo 3 – “O Flagra”.)
*3. Cena em que as alunas estão vestidas de líderes de
torcida do time do colégio e ficam rebolando vestidas
com trajes bem curtos e sensuais (micro-saia, blusa curta
deixando à mostra a barriga e botas de cano alto) de
forma a se insinuarem para os meninos que estavam
jogando bilhar.
Neste mesmo momento, uma garota vai conversar com
um destes meninos, e na hora em que a personagem virase de costas para voltar com as amigas, a câmera foca
para suas nádegas, e depois aparece os meninos
enlouquecidos com a cena. (capítulo 4 – “Trair”.)
*4. Cena da mãe de Roberta, Alma Rey, responsável por
ensaiar as danças com as líderes de torcida diz:
Alma Rey: - “É importante que o mascote dance bem e
sensualmente!” (capítulo 5 – “Mentira”.)
*5. Cena de conversa entre Diego e Giovanni.
Giovanni: - “Eu castiguei aquela lá com um chicote do
meu desprezo todo fim de semana. Ela não vai demorar
pra voltar e me pedir para voltar.”
Diego: - “A Augustinha não é assim...”
Neste momento as meninas entram na sala e aparece os
55
meninos olhando por debaixo da saia delas. (capítulo 23
– “Vamos gravar”.)
E.) Sexo
*1. Cena da personagem Mía contando para a amiga
Vick que decidiu se entregar para o namorado Miguel
para ter a primeira relação sexual com ele.
Vick: - “Não acredito que decidiu!”
Mía: - “Nem eu, mas eu já decidi. Ontem não falei para
o Miguel porque fiquei nervosa, mas hoje, eu estou
decidida, eu vou falar com ele!”
Após essa conversa as amigas celebram a decisão.
(capítulo 3 – “O Flagra”.)
*2. Cena entre Mía e Roberta conversando.
Mía: - “Roberta, eu queria fazer uma pergunta sobre
coisas que os namorados fazem...”
Roberta: - “Ah!Sexo?!”
Mía desesperada manda a amiga calar a boca.
Mía: - “Eu queria te perguntar porque você já fez, né?!”
Roberta (em pensamentos): Se ela soubesse que sou
mais virgem do que ela...
Mía: - “Quando você fez pela primeira vez, como fez?
Você se cuidou?”
Roberta: - “Eu não sei explicar...”
Mía: - “Que cuidado tomou?”
Roberta: - “Você tem que se cuidar!Isso é o mais
importante de tudo!...Tem muitos métodos...Ah!Vai a um
ginecologista!” (capítulo 4 – “Trair”)
*3. Cena de Miguel e Mía conversando com o seu pai
sobre sexo.
Franco Colucci: - “Pra mim não é fácil falar sobre sexo
com vocês. Mas, esses casais terminam, fazem sexo,
depois terminam...”
Miguel: - “Mas, eu amo a Mía e não vou largá-la.”
Mía: - “Eu também.”
Franco: - “Ah, mas eu não sei falar de sexo com vocês,
mas não vou me intrometer nisso, porque sei que vocês
se amam.” (capítulo 5 – “Mentira”.)
*4. Cena de Sabrina contando para Sol que transou com
Miguel. (capítulo 6 – “A carta”.)
*5. Cena de Sabrina conversando com Miguel.
Sabrina: - “Miguel! Eu estou desesperada! Estou com
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um atraso de dez dias!”
Miguel: - “Atraso?!”
Sabrina (chorando): - “Eu não queria dizer nada pra
você... Perdão Miguel, foi minha culpa!”
Miguel: - “A culpa não é sua, mas de nós dois...”
(capítulo 11 – “Ciúmes”.)
*6. Cena de amor de Celina e Max. (capítulo 23 –
“Vamos Gravar”)
Tendo como base as categorias acima, podemos efetuar as seguintes análises quanto à
relação entre as cenas e diálogos e as possíveis influências nos comportamentos afetivos e
sexuais dos telespectadores.
A.) Relacionamento Amoroso
A partir dos exemplos expostos nesta categoria de análise, percebemos que a
telenovela é repleta de cenas e diálogos que demonstram relações afetivas e amorosas; como
podemos citar as cenas de beijo entre os personagens Mía e Miguel ou Roberta e Diego (Ver
cenas 1, 3 e 4 da categoria “A” do Quadro 1), os quais, em grande parte da telenovela estão
envolvidos em relações amorosas. Esta temática é muito forte, ou seja, bastante explorada em
telenovelas que tem como base estética e emocional o melodrama. As cenas que exibem os
casais principais (Mía e Miguel e Roberta e Diego) despertam e “prendem” a atenção do
público. Confirma-se que, segundo Budag (2008) uma das temáticas clássicas do melodrama
é a busca pela realização amorosa, fato que é familiar aos interesses de muitos indivíduos.
Lembrando que a forma como essa busca pela pessoa amada é exibida na telenovela, perpassa
situações e aspectos relacionados aos interesses do público alvo desta (jovens e crianças), a
fim de proporcionar maiores identificações entre os personagens, trama e os receptores,
conseqüentemente maior audiência e popularidade.
Assim, em Rebelde aparecem muitas cenas de beijos e carinhos entre os casais, que
podem interferir no modo como as crianças e jovens lidam com este sentimento, pois se eles
assistem que a personagem Mía, por exemplo, trata o personagem Miguel como se ele fosse
um “bebezinho” dela, e na novela mostra que ele gosta de ser tratado assim, é bastante
provável que alguns telespectadores, visando alcançar os mesmo objetivos (ou seja, arranjar
um namorado e ficar bem com ele), irão se comportar como o modelo de casal preferido em
57
Rebelde, utilizando o mesmo linguajar, a mesma forma de acariciar o companheiro, entre
outros comportamentos.
Dessa forma, as crianças poderão construir ideais de histórias de amor, e até mesmo
“receitas” de como manter um namorado, por exemplo, baseados nos comportamentos
expostos pelos personagens. Uma vez que a imitação destes influencia diretamente nos
padrões afetivos e sexuais das crianças, a telenovela pode induzi-las a iniciar a vida amorosa
mais precocemente, ou levá-las a desejar o primeiro beijo mais desesperadamente,
construindo “tipos” de casais, e a forma como estes devem se portar, espelhados na
telenovela, e não partindo de experiências próprias que vão acontecendo naturalmente em
suas vidas.
Enfim, esta temática é importante para o estudo desta monografia pelas possíveis
influências que as crianças podem sofrer no modo como constroem conceitos do significado
do sentimento amor, das relações amorosas e namoros, já que observando os contextos dos
casais da telenovela, as crianças podem se espelhar nos comportamentos destes, visando obter
um namoro bem sucedido, como os personagens representam ter.
Esta forma de aprendizagem, que ocorre por meio da observação e imitação de modelos, é
chamada por Bandura (1980) de aprendizagem social, e, segundo este autor, as pessoas estão
sujeitas a se influenciarem pela forma como se comportam estes modelos; sendo que os
sujeitos selecionam, conforme interesses, contextos ou culturas, o que desejam aprender das
observações e imitações advindas do modelo. Com isso, fica clara a importância de
discutirmos com as crianças alguns comportamentos dos personagens da telenovela, pois na
maioria das vezes, elas acabam agindo como os ídolos, pelo fato de se identificarem com eles;
sem compreenderem os valores que estão exibindo em determinados padrões de
comportamentos.
B.) Traição entre casal
Esta categoria é importante para os objetivos desta monografia, pois a traição é um
comportamento que marca não somente a vida afetiva, mas também o caráter e personalidade
do indivíduo, e se não trabalhado devidamente com as crianças e jovens, eles podem se basear
nos modelos oferecidos pela mídia, que se comportam conforme as imposições midiáticas,
independente dos estereótipos e clichês atribuídos em seus comportamentos, podendo, assim,
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se deixarem influenciar pelos valores e condutas expressados pelos modelos no momento da
construção dos conceitos e padrões de comportamentos.
Assim, se as crianças observam seus ídolos traindo os parceiros, elas podem desejar
imitar seus comportamentos, pois na novela elas viram que por mais que os personagens
tenham traído suas namoradas, no final eles ficam juntos. E se este tema é tratado de forma
banalizada em um relacionamento amoroso, as crianças sem um acompanhamento de um
adulto, que as aconselhe e discuta a temática com elas, poderão desenvolver a noção de que a
traição faz parte do relacionamento, é algo comum, esperado e até banal.
C.) Sexualidade
Esta categoria é muito importante para o entendimento das influências que telenovelas
têm na precocidade da sexualidade infantil, pois é um tema que lida diretamente com esta
questão. Uma vez que estes não são trabalhados com as crianças e jovens, eles podem
aprender muitos conceitos e valores transmitidos pela mídia. Segundo Postman (2005), ela
não se preocupa com a “programação infantil”, sendo destinada a qualquer pessoa, pois as
imagens não escolhem tipos de telespectadores, e logo, não diferenciam crianças de adultos.
Em Rebelde, principalmente na terceira temporada, o tema sexualidade permeia as
histórias dos personagens que, mais maduros, desejam iniciar a vida sexual, descobrir sobre
sexo, gravidez, doenças sexualmente transmissíveis, entre outros assuntos relacionados à
temática. Por se tratar de um tema novo na infância e início da puberdade, precisa ser bem
discutido e compreendido pelas crianças, com o auxílio de um adulto ou educador, que possa
tirar as dúvidas, explicar conceitos, ensinar que nem tudo que aprendemos na mídia é o
correto; enfim, introduzir estes conceitos antes que a mídia o faça, a fim de educá-los para a
filtragem crítica dos valores e ideais que os meios de comunicação transmitem, visando uma
formação crítica e reflexiva.
Assim, nos exemplos de cenas e diálogos presentes na telenovela, encontramos
diversos casos que nos remetem à sexualidade, como por exemplo, quando o personagem
Miguel está conversando com seus amigos que não usou preservativo na relação sexual com
Sabrina (Ver cena 1 da categoria “C” no Quadro 1). Nesta cena, Miguel tenta convencer seus
amigos que não tinha como recusar a relação amorosa por falta de preservativos, mesmo
sabendo das doenças e gravidez indesejada; porém, quando pensa na possibilidade de Sabrina
estar grávida se desespera e chora. A partir da análise desta cena, podemos ver como a novela
59
lida com questões sexuais; logo, é de extrema importância que o assunto sexualidade seja
discutido com as crianças, caso contrário, estas podem tirar aprendizados dos comportamentos
dos personagens e agirem como tais, podendo até mesmo ocorrer situações inesperadas, como
uma gravidez indesejada.
Outra cena que nos mostra a exigência de introduzir este assunto para as crianças e
jovens é a que exibe a personagem Celina preocupada com o resultado do teste de gravidez e
seu desespero quando este aponta positivo (Ver cena 7 da categoria “C” no Quadro 1). Assim,
devemos analisar e refletir sobre a educação para a mídia que Belloni (1991, Apud
HAMANN, 2002, p. 70) sugere, visando educar e instruir as crianças quanto às cargas de
valores morais, ideologias, estereótipos e exploração de temas que geram audiência, como
sexo e violência, que a televisão e a mídia exageram em suas programações; se tais temas não
forem discutidos em um ambiente educativo, as crianças podem se deixar modeladas pelas
informações adquiridas em telenovelas, por exemplo, e também aprender conceitos que nem
compreendem (pelo assunto inserido ser novo na fase do desenvolvimento). Porém, elas
acabam imitando o comportamento dos ídolos, por verem que estes, por mais que sofram no
início em que descobrem uma notícia, como gravidez, no fim da trama acabam com um final
feliz, em que todos os amigos e familiares apóiam a personagem adolescente grávida.
Com isso, é essencial que tomemos o cuidado para que estas informações recebidas
pelos telespectadores não deixem influenciar e guiar seus comportamentos e construções de
personalidades na infância. A TV mostra muitos conteúdos impróprios para as crianças (pelo
fato das suas imagens serem transmitidas para qualquer indivíduo que possua acesso a um
aparelho televisivo); dessa forma, devemos auxiliá-las perante as imagens assistidas e
adquiridas através de telenovelas e outros meios midiáticos.
D.) Insinuações sexuais
A análise desta categoria é fundamental para o estudo da precocidade da erotização
infantil, já que insinuações sexuais demonstradas pelos personagens favoritos de crianças e
adolescentes, é um grande incentivo para que estes observem e imitem os comportamentos
dos personagens da telenovela, visando uma identificação com os ídolos e a sensação aparente
de uma aproximação com estes, por estarem se comportando como tais.
Assim, devemos estudar estes fatores, que podem estar representados em falas de
personagens, que afirmam desejar parecer sexy, ou dançar sensualmente para chamar a
60
atenção do sexo oposto, e até mesmo estilizar um uniforme. Com o objetivo de transparecer
sensualidade, na forma como as gravatas são desalinhadas, a camisa amarrada para deixar a
barriga à mostra e as botas de cano alto em conjunto com as micro-saias, que seduzem os
homens. Enfim, é um conjunto de demonstrações de sensualidade sutis (e algumas vezes
explícitas) que interferem nos padrões de comportamentos das crianças, pois estas, sem uma
concepção clara do que é sexualidade e sensualidade, acabam imitando o comportamento,
modo de falar e pensar dos personagens favoritos, mesmo que estes não representem valores
que contribuam para uma formação crítica e reflexiva. As crianças, sem um adulto instruindo
e ensinando que alguns valores não devem ser seguidos, terminam por imitarem
comportamentos sensualizados que contribuem para a precocidade da erotização infantil.
E.) Sexo
Esta categoria refere-se às cenas envolvendo sexo exibidas em Rebelde. Após analisar
as cenas e diálogos, podemos notar que este tema é bem explorado pelos personagens, pois
eles desejam saber como que é a primeira experiência sexual, em algumas cenas os
personagens dão a entender que vão ter relações sexuais; enfim, o conteúdo sexual é exibido
na telenovela em vários contextos.
Com isso, torna-se necessário uma introdução quanto à sexualidade para as crianças e
jovens, já que não podemos simplesmente privar as crianças destes assuntos exibidos na
mídia, pois segundo Hamman (2002), cenas de sexo e violência são transmitidas até em
intervalos de programas infantis, e também, devemos trabalhar com as crianças para que elas
desenvolvam um senso crítico capaz de refletir sobre o conteúdo televisivo.
Fornecer esses elementos educativos sobre a mídia e relações sexuais, possibilitará às
crianças refletir criticamente e selecionar quais aprendizagens elas gostariam de ter,
baseando-se nas observações e imitações dos personagens da novela, já que sem uma
instrução das crianças, estas poderiam desejar ter relações sexuais apenas para imitar os
personagens, sem um entendimento e compreensão do que é sexo e demais assuntos
relacionados a este tema.
61
3.3.2 Letras e Músicas
Após a análise das cenas e diálogos presentes na telenovela, serão apresentadas
categorias construídas a partir de algumas músicas, que muito contribuíram para que Rebelde
alcançasse grandes índices de audiência, se tornando uma “febre” mundial entre jovens e
adolescentes. A banda que foi criada na novela, denominada RBD, proporcionou tanto
sucesso para seus integrantes, que estes ficaram ainda mais reconhecidos e populares em todo
o mundo, tanto pela telenovela, quanto pelas músicas e shows que a banda realizava em
diversos países.
Assim, partindo de um quadro elaborado para denominar as categorias e exemplos
destas, poderemos efetuar um estudo crítico acerca de como as letras das músicas podem
influenciar nos comportamentos e pensamentos das crianças, a fim de compreendermos as
possíveis aprendizagens decorrentes destas e também seus possíveis reflexos em
comportamentos afetivos e erotizados.
Para a construção deste quadro foram analisados os CDs mais vendidos da banda, que
contemplavam a trilha sonora da telenovela. Logo, tiramos exemplos de trechos de músicas
dos seguintes discos: Rebelde: Edição em Espanhol Lançamento: 2004, Gravadora: EMI;
Rebelde: Edição Brasil Lançamento: 2005, Gravadora: EMI; Nuestro Amor Lançamento:
2005, Gravadora: EMI Nosso Amor - Edição Brasil Lançamento: 2006, Gravadora: EMI;
Live in Hollywood Lançamento: 2006, Gravadora: EMI.
Os exemplos expostos no quadro são trechos de algumas músicas da banda RBD, que
foram traduzidos objetivando facilitar a leitura e compreensão das letras, e posterior análise
crítica do conteúdo presente no quadro relacionado à temática “influência da mídia para a
erotização precoce na infância”.
Quadro 2. Categorias extraídas de trechos das letras de algumas músicas do grupo RBD.
Categorias
A.) Amor como sofrimento
Exemplos de músicas
“(...) Eu já não busco cor nem detalhe ou calor
E me nego a pensar que ao seu lado eu brilharei
E vou, arrumando cicatrizes no coração
Que não, segue outra direção.” (trecho da letra da música
Cuando El Amor Se Acaba – RBD – tradução em português)
62
“(...) Nas asas desse sentimento
Com tristeza vou
Mas você não consegue entender
O que sua falta me causou.” (Trecho da letra da música Tenerte
y Quererte – RBD – tradução em
português)
“(...)Sua voz já me faz muito mal
São mais das quatro
Entenda que não quero falar mais
Não faz sentido
Termina logo que eu vou desligar
Eu vou te dizer
Te amei como nunca amei ninguém
Você brincou comigo, me machucou tanto” (Trecho da letra da
música Fuera – RBD – tradução em português)
B.) Amor como elemento necessário para a vida
“(...)preciso de você pra respirar
não há quem possa te querer tanto assim.
Um pouco desse amor
Para poder viver
Um pouco desse amor
Pra me fazer feliz
Só um pouco desse amor
Se não, não vivo!” (Trecho da letra da música Un Poco de Tu
Amor – RBD – tradução em português)
“(...)E não posso entender e nem quero compreender
A razão dessa situação
Mas não posso seguir dependente do seu amor
Se o amor acabou, a paixão terminou e as
Lembranças não fazem bem.” (Trecho da letra da música
Cuando El Amor Se Acaba – RBD – tradução em português)
“(...)Corro atrás da esperança
Porque você não vai voltar
Sobrevivo mesmo sem tentar
Cheia de nós na garganta
E penso em você ao nem pensar
Pouco a pouco o coração
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Vai perdendo a fé, perdendo a voz
Salva-me do vazio!
Salva-me da solidão!
Salva-me desse frio!
Vem depressa, vem me salvar!”(Trecho da música Sálvame –
RBD – tradução em português)
“(...) Te perdi e compreendi
Que é difícil viver
Sem seu amor,esse amor. ” (Trecho da letra da música Tenerte y
Quererte – RBD – tradução em português)
“(...)Como curar esta dor profunda
Sinto correr por minhas veias, tua respiração
Estou tão conectada a você...
Que até em meus sonhos te vejo
Sem você, eu morro...
E este coração que você roubou
Quando você se foi
Você se foi com os meus beijos
Com os meus beijos e meus sonhos” (Trecho da letra da música
Este Corazón – RBD – tradução em português)
C.) Amor como alegria
“(...) Ouvindo uma canção
Pra você e pra mim
Que fale desse sentimento
E que consiga explicar
Tudo o que eu penso
Porque eu te amo
Te dedico esta canção” (Trecho da letra da música Una Cancion
– RBD – tradução em português)
“(...)Foi tão mágico o jeito que tomou
O nosso amor(O nosso amor)
O nosso doce amor
Foi um lance que bateu dentro da gente
O nosso amor
Nosso incrível amor incrível amor
Tudo foi como num sonho
E em nosso amor as coisas não tem tempo” (Trecho da letra da
música Nuestro Amor – RBD – tradução em português)
“(...)Mas você vive em mim, junto a mim
No meu interior,
Neste coração confundido
Por isso, te peço, por favor...
64
Ensina-me...
A querer-te um pouco mais
E a sentir contigo, amor que você me dá
O frio desaparece
Quero te ver já...” (Trecho da letra da música Enséñame – RBD –
tradução em português)
D.) Amor relacionado ao desejo
“(...) O calor do meu corpo que se eleva quase sem controle
(Por só te ver)
Começa por minhas mãos e termina em meu coração
Quando sinto sua falta. (...)
E cada vez que te encontrar
Você voltará a ser
Como o desejo
Que arde lentamente com meu fogo
Sinto fogo em meu interior
Fogo que vem de você
E é mais do que pedi.(...)” ( Trecho da letra da música Fuego –
RBD – tradução em português)
“(...)Quero ter você,te querer
Quero estar com você
Te amar sem parar
Te querer,te ter
Não quero viver sem seu amor jamais
Te ter,te querer” (Trecho da letra da música Tenerte y Quererte
– RBD – tradução em português)
“(...) E estou sentindo profundamente
Como o fogo não apagou...
Continua ardendo... Continua ardendo
Enquanto existir o amor
O amor não apagou.” (Trecho da letra da música Este Corazón
– RBD – tradução em português)
As categorias de análise das letras das músicas da banda RBD têm em comum a
temática “amor”, já que a maioria delas falam sobre os relacionamentos amorosos, assim, foi
preciso subdividir em quatro categorias (A, B, C e D) a fim de realizar um estudo mais
65
aprofundado sobre os diversos tipos de influências que um mesmo tema (amor) pode
ocasionar conforme a relação e contexto em que se encontra, por exemplo, o amor
relacionado ao sofrimento proporciona outros tipos de análises e resultados nos receptores,
que a forma de amar relacionada ao desejo. Assim, analisaremos a temática sob quatro
perspectivas, a fim de estabelecer as influências nas imitações e aprendizagem de padrões de
comportamentos afetivos e sexuais na infância.
A.) Amor como sofrimento
O amor que ocasiona a tristeza e o sofrimento está em grande parte das músicas
analisadas expostas no Quadro 2, ao passo, que esta categoria se inclui no grupo de análises,
pois muitas crianças assistem à novela e escutam sua trilha sonora, de modo que despertam
seus sentimentos e se envolvem com a trama, pois as cenas ligadas às músicas do RBD
proporcionam emoção aos telespectadores, logo, estes acabam relacionando o conteúdo da
música com a novela. Assim, as crianças escutam as músicas e na maioria das vezes pensam
em seus personagens favoritos, podendo desejar sentir os mesmos sentimentos dos ídolos, que
sofriam por términos de relacionamentos amorosos, traições, ou por não ter a pessoa amada.
Dessa forma, as crianças podem manifestar seus anseios amorosos precocemente,
apenas para se comportarem como os personagens, uma vez que se identificam com suas
características e personalidades, mesmo que alguns atos não sejam benéficos para seus
desenvolvimentos. Logo é essencial a conversa e discussão sobre esse assunto, para que as
crianças não observem e construam conceitos que, por exemplo, classifiquem que em toda
relação amorosa iremos sofrer e sermos traídos. Já que, a aprendizagem social é um dos meios
mais comuns dos indivíduos se educarem, e se eles não realizarem uma análise crítica dos
conteúdos com que entram em contato na mídia, poderão julgar e formar pensamentos
baseados apenas no que a mídia dita em seus diversos meios comunicativos.
B.) Amor como elemento necessário para a vida
Nos trechos das músicas selecionadas para esta categoria, o amor aparece como algo
essencial para a vida, como podemos ver na letra que diz “Só um pouco desse amor, senão
não vivo” (Ver trecho da letra da música Un Poco de Tu Amor no Quadro 2). Esta maneira de
lidar com o amor é algo que interfere na forma como as crianças e jovens constroem os
conceitos relacionados ao amor ou relações amorosas, pois elas passam a relacionar o viver
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com a pessoa amada, como se não existisse vida com a ausência da pessoa amada. Se as
crianças concebem estes conceitos sobre o amor, elas podem se submeter a diversas situações,
boas ou ruins, para alcançarem seus objetivos. E até mesmo, podem se sujeitar ou desejar ter
relações sexuais precocemente, a fim de manter uma relação amorosa.
C.) Amor como alegria
Este modo de classificar o amor é o mais prazeroso para os sujeitos, já que a ele nos
remete felicidade e prazer de amar, visto que nos trechos selecionados, o indivíduo expressa
alegria de viver com o amado, sem pensar em sofrimentos ou outros sentimentos que as
relações amorosas podem despertar.
No trecho da música Nuestro Amor encontramos os seguintes versos “Tudo foi como
num sonho/ E em nosso amor as coisas não tem tempo” (Ver categoria “C” no Quadro 2).
Nestes versos, podemos notar a forma como o ato de amar é idealizado, e até comparado a um
sonho; assim, uma criança que ainda não passou por essa experiência, poderá tomar como
base para construir um relacionamento amoroso com o parceiro (a) as atitudes e
comportamentos expressados nas músicas e na telenovela ligada a estas; por meio das
observações e imitações, no caso das letras das músicas, das ações e concepções encontradas
nos versos destas, mesmo que ainda não tenham vivenciado tais experiências.
Este tipo de amor foi analisado, pois pode interferir na construção e aprendizagem de
padrões afetivos na infância, uma vez que as crianças entram em contato com cenas e músicas
que expressam esse sentimento, e se este não for discutido com as crianças, estas podem
formar concepções sobre o amor do modo como ele é retratado na telenovela, cheio de
estereótipos e clichês, como o amor entre pessoas magras e bonitas; relacionamento entre
pessoas de classes sociais diferentes, entre outros.
D.) Amor relacionado ao desejo
Esta categoria de análise envolve o amor com o desejo de ter a pessoa amada, mas
referindo-se a algo mais físico, por exemplo, na música “Fuego”, que possui os seguintes
versos “ E cada vez que te encontrar/ Você voltará a ser/ Como o desejo/ Que arde lentamente
com meu fogo” (Ver Quadro 2). Estes trechos deixam claro o desejo que a pessoa tem de ficar
perto do (a) amado (a), principalmente na parte que diz que um fogo arde dentro dela; sendo
que esse fogo pode ser interpretado como sendo um desejo sexual pela pessoa amada.
67
Com isso, se as crianças relacionarem a letra da música à telenovela, nos momentos
em que esta apresenta cenas e diálogos sobre sexo e sexualidade, elas podem tomar como
modelo os comportamentos erotizados de alguns personagens para conseguirem ficar com a
pessoa de seu interesse, já que, observando os ídolos, as crianças, sem um devido cuidado e
consciência crítica dos conteúdos expostos na telenovela, acabam aprendendo modos de
comportamento que podem influenciar na vivência precoce da sexualidade infantil. Uma vez
que os personagens apresentam comportamentos sensualizados, expressos no modo de
falarem, vestirem-se, gesticularem e portarem-se, assim, as crianças entram em contato com
diversas formas que demonstram erotismo, e por se identificarem com os personagens da
novela, acabam imitando-os e aprendendo, conforme explicita a teoria da aprendizagem social
de Bandura.
3.4. Conclusões
A partir dos estudos realizados por meio da elaboração dos quadros e análises das
cenas e diálogos presentes na terceira temporada de Rebelde, das letras das músicas da banda
RBD, em conjunto com as teorias estudadas nos dois primeiros capítulos desta monografia,
podemos concluir que os conteúdos expostos na telenovela Rebelde não correspondem a uma
carga de valores e conceitos próprios para as crianças. Já que temas como sexualidade, são
novos na infância e deveriam ser discutidos e apresentados primeiramente pelos pais, adultos
ou educadores; uma vez que requerem discussões e compreensões de muitos valores, que não
são abordados quando a mídia expõe esta temática; pois esta agrega aos comportamentos e
demais formas de expressar sexualidade, modelos estereotipados, com visões de certo ou
errado. Enfim, ela impõe formas de ser e se portar para o público, representados por meio de
seus modelos midiáticos.
Dessa forma, telenovelas, como Rebelde, podem agregar valores implícitos ou
explícitos em comportamentos e formas de falar dos seus personagens, pois se esta
proporcionar sucesso em seu público alvo, estes irão seguir os modelos que encontram na
novela, uma vez que se identificam com os personagens, devidos ao fato do enredo compor
aspectos do cotidiano, anseios e dúvidas que as crianças e jovens possuem diante de certos
assuntos, música, figurinos e acessórios que chamam atenção, e inseridos em um ambiente de
luxo e atraente, os telespectadores impulsionados pela posição de “status” dos personagens, e
por se identificarem pelo modo como estes se comportam perante os conflitos e
68
desenvolvimentos da vida, milhares de crianças e jovens acabam por observarem e imitarem
seus ídolos, proporcionando a aprendizagem social, na qual os indivíduos se educam através
da observação e posterior imitação de modelos que lhes chamam a atenção por determinado
motivo ou estímulo positivo e reforçador, que podem variar conforme os interesses do
observador.
Assim, se torna necessário que eduquemos as crianças visando uma conscientização
crítica dos apelos midiáticos, que abusam de sexualidade e violência, e expõe estes temas de
forma errônea repleto de clichês e estereótipos criados pela própria mídia de massa, como
forma de divulgar seus ideais e valores pela sociedade, a fim de se tornarem aceitos e
desejados pelos sujeitos, buscando manter-se no lugar de poder.
Na telenovela estudada, a sensualidade aparece como ponto forte no enredo, uma vez
que as meninas do colégio se vestiam de formas sensuais, utilizando minissaias e encurtando
as camisas, visando atrair e serem desejadas por todos os garotos do colégio Elite Way
School; um exemplo a citar é uma cena em que aparecem os meninos tentando olhar por
debaixo da saia das meninas, sendo que estas atuavam como se estivessem gostando de tais
atitudes dos garotos. Esta cena demonstra o teor de sexualidade presente na telenovela, e que
precisa ser discutido com as crianças telespectadoras, pois por elas não compreenderem
manifestações que despertam desejos no sexo oposto, e os valores que estão impregnados
nestas atitudes, poderão se comportar da mesma forma, por considerarem legais e corretas,
pelo fato dos ídolos se portarem com tais atitudes.
Outra cena que se refere ao mesmo assunto é uma em que aparece a professora, que
ensina as coreografias para as líderes de torcida do time do colégio, reforçando para as garotas
dançarem de forma bem sensual, visando atrair o público masculino. Este comentário, que
parecia inofensivo no contexto da telenovela, nos permite analisar o paradoxo em nossa
cultura, já que, segundo Felipe e Guizzo (2003), enquanto a sociedade prega discursos que
vão contra a qualquer relação sexual entre crianças e adultos, a mídia continua a divulgar e
expor imagens de crianças erotizadas, e que objetivam despertar o desejo dos adultos.
Temos como fator preocupante em nossa sociedade, o fato da erotização precoce na
infância ter se tornado algo naturalizado, ou como Duarte Jr (1989) escreve, este processo se
tornou reificado na sociedade, ou seja, a erotização precoce se transformou em coisa dada,
adquirindo um estatuto de natural, por tamanha exploração da sexualidade na mídia. Assim,
os indivíduos passam a aceitar esta condição, dificultando ainda mais a conscientização da
69
sociedade perante a erotização infantil, de forma a não refletir sobre formas de instruir as
crianças (que representam uma multiplicidade de faces e infâncias diferentes, já que elas
variam conforme os contextos e atuações das crianças na sociedade) para uma reflexão e
estudo dos conteúdos que a mídia expõe, selecionando as informações televisivas e midiáticas
que contribuem para uma formação humanizadora, e que contribuam para a construção da
personalidade não portadora de pretensões de poder nas relações de gênero.
Enfim, no capítulo seguinte iremos estudar as implicações educacionais e sociais que
podem ser efetuadas, a fim de discernir este ideal de educar as crianças e jovens para a mídia,
buscando elencar ações de educadores neste processo educativo, e visando garantir que a
multiplicidade das infâncias não sejam igualadas, mas trabalhadas de forma a destacar seus
contextos e significados diversos. Não adianta tentarmos privar as crianças dos conteúdos
erotizados presentes na mídia, pois isso é praticamente impossível, porém, devemos buscar
formas de conscientizar e educar as crianças para a recepção destes conteúdos em telenovelas
e programações televisivas diversas, para que estas não se deixem modelar pelos “tipos” e
modelos divulgados na mídia, mas selecionem conteúdos, valores e aprendizagens que
desejem tomar como modelo, objetivando uma formação baseada nos próprios valores e
ideais.
70
Capítulo 4
EDUCAÇÃO COMO MEIO DE INTERVENÇÃO SOCIAL
Os
estudos
levantados
nos
capítulos
anteriores
foram
importantes
para
compreendermos a forma como a mídia, com ênfase na TV, influencia e pode contribuir para
a vivência precoce da sexualidade infantil.
No presente capítulo refletiremos sobre as implicações educacionais nos âmbitos da
família, escola e sociedade em geral a fim de discutirmos como a educação pode interferir no
processo de imitação e aprendizagem de conceitos e idéias transmitidas na mídia pelas
crianças e jovens, e de que maneira pode contribuir para que possamos trabalhar conceitos
como sexualidade e erotização com as crianças de forma a não banalizar a temática e nem ser
a favor da erotização, fazendo-as entender os conceitos de forma crítica, para que possam
dialogar com as informações recebidas pela mídia, de modo a não se deixarem moldar pelos
modelos criados por este meio, e construírem as próprias identidades.
Apesar dos dois primeiros capítulos abordarem algumas implicações educacionais,
apontando possíveis caminhos de intervenção em escolas ou em conversas com familiares, no
presente capítulo iremos explorar esta temática de maneira mais aprofundada, organizando-se
em três grandes blocos: implicações educacionais na família; implicações educacionais na
escola; implicações educacionais na sociedade.
4.1. Implicações educacionais na família
A intervenção educacional com ênfase na família é essencial para que possamos
educar as crianças quanto às informações adquiridas tanto no meio social, quanto pela mídia,
uma vez que este veículo comunicacional é tão forte e presente na sociedade, que os ideais e
concepções transmitidas aos receptores, tanto de forma implícita quanto explícita, são
refletidos na própria sociedade; tornando-se segundo Fisher (2002) um produtor, por
excelência, de sentidos na sociedade. Conforme a mesma autora, a mídia, e especialmente os
materiais televisivos, produzem tipos de linguagem e comunicação. Produz subjetividades,
que são expressas por meio de formas de agir, sentir, atribuir valores, entre outras
manifestações de modelos criados por ela, que acabam por construir e firmar no interior da
sociedade concepções, ideais e perfis estipulados pelos dispositivos midiáticos, que por serem
71
altamente aclamados pela maioria dos receptores, se tornam “tipos” a seguir e imitar, pois
representam altas posições de status na sociedade.
Dessa forma, é importante que a família obtenha uma educação sobre a mídia, para
que, após essa instrução, os pais e familiares possam educar seus filhos/as de maneira
consciente e crítica sobre os dispositivos midiáticos. Isso porque, conforme Setton (2002),
“(...) a educação no mundo moderno não conta apenas com a participação
da escola e da família. Outras instituições, como a mídia, despontam como parceiras
de uma ação pedagógica. Para o bem ou para o mal, a cultura de massa está presente
em nossas vidas, transmitindo valores e padrões de conduta, socializando muitas
gerações.” (SETTON, 2002, p. 109)
Portanto, é preciso, antes de tudo, que eduquemos os pais quanto a essa cultura de
massa, pois recebemos informações por todos os lados e, se não soubermos lidar e selecionar
os conteúdos apropriados, podemos nos deixar levar pelas informações e concepções criadas
pela mídia. Conseqüentemente, acabamos por aderir valores e modos de comportamento não
adequados para uma formação crítica e reflexiva, tornando-nos produtos da mídia, ou seja,
nos moldamos conforme as ideologias ditadas por este meio, que variam de acordo com os
interesses de produção de sentido e competitividade, conceitos-chave no
meio
comunicacional.
Outro ponto a se considerar diz respeito à aprendizagem observacional adquirida pelas
crianças no meio familiar, já que a maioria delas acreditam que os pais ou familiares são os
modelos que devem seguir. A partir disso, vemos como é necessário que os pais selecionem e
filtrem as informações adquiridas na mídia, pois se eles se comportam como os modelos
simbólicos propostos em programas de TV ou telenovelas, de forma a aderirem os padrões
comportamentais dos ídolos e personagens, sem uma consciência crítica dos valores e ideais
que estão subtendidos em cada ação, gesto, modo de falar, vestir ou portar-se destes modelos;
as crianças podem observar que os pais ou familiares imitam seus ídolos de maneira ilimitada
e sem a realização de um juízo de valores. Como resultado, os filhos acabam por imitar tais
comportamentos, uma vez que as crianças se identificam com os pais e acreditam que todas as
ações e comportamentos deles são adequados e corretos socialmente.
Assim, é necessário um cuidado especial para interagir com as crianças, pois elas
aprendem facilmente observando e imitando grande parte do que lhes interessa, sendo que os
modelos, segundo Bandura (1980), podem ser reais, ou seja, aqueles com os quais o
observador tem contato e presencia suas ações, como também podem ser simbólicos,
72
representados pelos modelos que não estão presentes fisicamente com o observador, como os
personagens de filmes, novelas, desenhos e outros meios.
Com a conscientização dos pais e familiares quanto aos possíveis malefícios que as
informações e mecanismos midiáticos podem trazer para a educação, a formação da
personalidade, a construção e a apreciação dos comportamentos das crianças e jovens, estes
poderão refletir sobre maneiras de educar os filhos visando expor e promover diálogos sobre
os conteúdos televisivos. Assim, poderão explicar que nem sempre os valores e ideais
explorados pela mídia, contemplados em programas, desenhos, telenovelas e perfis de
comportamentos dos personagens destes, são construtivos e benéficos para a formação da
personalidade das pessoas. Assim, os pais deveriam discutir assuntos classificados como
“segredos” da infância, como a sexualidade, com os/as filhos/as, de modo a introduzir alguns
conceitos que a mídia distorce e „recheia‟ de padrões de sexualidade baseados em estereótipos
e clichês afetivos e sexuais, tais como: relacionamento amoroso entre o rico e o pobre, relação
sexual entre indivíduos ricos, bonitos e populares, entre outros perfis encontrados na mídia.
Isto certamente produziria uma educação e construção de um “olhar” reflexivo, capaz de
dialogar com as informações recebidas e desmistificar os clichês reforçados e criados pelos
meios de comunicação.
Ao introduzir este assunto, levantando e refletindo criticamente sobre os modelos e
tipos de comportamentos evidenciados nestes meios, os pais poderão educar seus filhos sobre
as ideologias e estereótipos encontrados em comportamentos dos ídolos ou personagens
favoritos; indicando e possibilitando que a criança pense de forma crítica sobre os modelos,
objetivando filtrar as informações e selecionar apenas os conteúdos e informações que
contribuam para uma formação crítica e reflexiva das crianças.
Para que a educação dos pais e crianças sobre a mídia seja efetivada socialmente, seria
necessário uma intervenção no processo escolar das crianças, pois, dessa forma, os pais teriam
o apoio da instituição escolar e governo, já que as políticas educacionais elaboradas a favor da
implementação curricular em todas as escolas do conteúdo didático e disciplina sobre a mídia
possibilitariam aos pais e às crianças uma melhor comunicação e compreensão dos conceitos
conversados entre eles. Com a instrução das crianças sobre os conteúdos midiáticos, elas
entenderiam com mais clareza o que os pais estavam ensinando, podendo, até mesmo, iniciar
o diálogo com os pais e familiares sobre as possíveis influências da mídia em seus
comportamentos, facilitando, assim, a formação de suas consciências críticas.
73
4.2. Implicações educacionais na escola
As implicações educacionais referentes à escola correspondem àquelas apreendidas na
instituição escolar; pautada em currículos, projetos pedagógicos, políticas educacionais, e que
dependem dos profissionais da educação, como professores, gestores, educadores, entre
outros membros da equipe escolar. Assim, neste tópico focaremos em propostas destinadas
tanto aos professores, quanto às próprias instituições escolares, que teriam que elaborar
projetos visando uma educação para a mídia, como afirma Belloni (2007).
Retomando algumas idéias expostas no capítulo 2 desta monografia, a autora citada
acima nos fornece uma grande contribuição para a reflexão das implicações educacionais na
escola. Segundo Belloni (2007), as crianças passaram de simples figura, para alvo de estudos
e visibilidade social: atualmente, elas são consideradas como consumidoras em potencial e
também se constituem de diversas formas, ou seja, se expressam em múltiplas faces,
garantindo uma pluralidade infantil. Com isso, não podemos mais defender a idéia de privar
os conteúdos sexuais das crianças, pois seria impossível deter e vigiar toda a programação
televisiva com a qual as crianças possuem contato. Assim, deveríamos discutir esses assuntos
com elas, a fim de proporcionar debates e conversas que desenvolvam sensos críticos,
possibilitando a elas refletirem criticamente sobre as mensagens e informações televisivas.
Dessa forma, Belloni (1991, Apud HAMANN, 2002) propõe a introdução de
disciplinas de educação para a mídia nos currículos das escolas do Brasil, pelo fato da
televisão ser um meio socializador bastante usufruído pela população; logo, as escolas não
devem atacar e censurar este meio, mas deve trabalhar em conjunto com ele, de maneira a
refletir sobre as imagens e informações exibidas nas telas. Segundo Hamann (2002), seria
impossível esperar que a mídia cedesse seu poder a favor da educação das crianças, da mesma
forma, que é ilusório acreditar que com apenas as famílias conscientizando os filhos,
conseguiríamos formar crianças críticas às mensagens televisivas. Assim, seria necessário
uma ação em conjunto dos pais e familiares, propondo o diálogo e reflexão com os filhos,
com a educação para mídia nos currículos escolares, para que pudéssemos iniciar uma
conscientização crítica nas crianças acerca das informações adquiridas pelos meios de
comunicação de massa, que favorecem para a erotização precoce da infância.
Belloni (2007) afirma que seria necessário que a escola ensinasse para os alunos a
história, avaliação, utilização da mídia como artes práticas e técnicas, assim como o lugar que
ela ocupa socialmente; as conseqüências da comunicação midiatizada; a construção de
74
percepções e valores que ela impõe; acesso a mídia, entre outros conceitos. Assim, os alunos
compreenderiam os mecanismos e formas de atuação dos meios de comunicação; a linguagem
que eles utilizam; a forma como constroem sentidos e personalidades, impõem padrões de ser,
vestir, falar, comportar; enfim, os alunos poderiam refletir sobre a mídia, de modo a
identificar os objetivos implícitos e explícitos em cada ação ou comportamento de certo
personagem, artista em evidência, refletindo criticamente sobre informações recebidas e
visando não mais se deixarem moldar pelos modelos explorados em telenovelas, filmes, e
outros meios.
Porém, a mesma autora diz que esse processo não seria fácil, devido à precariedade
financeira de muitas escolas públicas, falta de recursos, materiais pedagógicos, além de não
possibilitar formação quanto a esta disciplina aos docentes. Mas, ressalta, que ele seria
benéfico para instruir os alunos quantos aos apelos midiáticos repletos de conteúdos que
exageram de sexualidade, violência, valores imorais e estereótipos, que influenciam para a
vivência precoce do comportamento erotizado das crianças; uma vez que estas, sem o auxílio
de educadores e adultos conscientes dessa erotização, podem moldar os padrões de
comportamentos baseados em informações e modelos propostos em telenovelas que geram
identificação com as crianças, levando-as a se portarem da mesma forma, sem ao menos
compreenderem o que estão fazendo, e sem saber os valores impregnados em tais ações.
Assim, é essencial que se discuta a temática “mídia e suas implicações sociais” com as
crianças, para que estas possam filtrar os conteúdos e refletir sobre os assuntos novos para a
fase do desenvolvimento, como sexo; de maneira a não se influenciar pelas concepções
impostas nas relações afetivas e sexuais exploradas em telenovelas, por exemplo.
Dessa forma, para que este conteúdo seja incorporado nos currículos de todas as
instituições escolares, de forma a se criar uma disciplina própria sobre educação para a mídia,
é de extrema importância que os professores sejam educados e formados para transmitir e
discutir com os alunos os conteúdos desta disciplina. Logo, é necessário que os cursos de
formação de professores disponibilizem disciplinas que contemplem a discussão e ensino
sobre os avanços tecnológicos; intensificação da mídia na sociedade; modos de transmissão e
recepção dos conteúdos midiáticos; influência destes nos indivíduos, entre outros estudos
necessários para a compreensão do alto poder que estes meios de comunicação exercem sobre
a sociedade.
75
Assim, podemos notar como o simples fato de incluir uma disciplina no currículo das
escolas desencadeia vários aspectos relacionados à educação, pois, para que esta disciplina
seja trabalhada com qualidade para os/as alunos/as, é essencial que haja profissionais
capacitados e com uma formação adequada para ensinar as crianças e jovens sobre a mídia.
Caso contrário, teríamos uma educação para a mídia que não alcançaria os objetivos
propostos pela disciplina, e, assim, não conseguiríamos formar crianças com senso crítico e
reflexivo, capazes de identificar os mecanismos midiáticos ruins para a sua formação da
personalidade.
4.3. Implicações educacionais na sociedade
As implicações educacionais na sociedade englobam tanto aquelas relacionadas à
família, quanto as no interior da escola, pois ambas refletem diretamente no social, uma vez
que, se houver uma conscientização reflexivo-crítica quanto à influência da mídia nos
comportamentos das crianças e na precocidade da sexualidade infantil para a família e os
educadores, estaríamos formando sujeitos conscientes dos apelos midiáticos, contribuindo
assim para o bem social.
Na sociedade moderna a questão da comunicação, tecnologia e mídia é muito forte e
presente. Assim, precisamos saber lidar com esses novos mecanismos, a fim de
compreendermos e sabermos como agir diante de relações sociais, que se intensificaram com
tamanha facilidade comunicacional e interacional, e dos avanços tecnológicos, como a
internet e informática, que acabaram por ocasionar mudanças sobre vários setores da
sociedade, como o educacional, social, político, econômico e cultural. Estes precisam se
adequar ás novas demandas sociais, a fim de formar pessoas capazes para lidar com essas
mudanças tecnológicas.
A própria construção de uma sociedade midiatizada, marcada pela onipresença destes
veículos comunicacionais, interfere diretamente ou indiretamente em aspectos da vida
cotidiana dos sujeitos. Faz com que eles aprendam conceitos e ideais expostos na mídia, pelo
simples fato, segundo Ferreira e Souza (2008), da mídia retratar a realidade, de modo a gerar
identificação entre os fatos e imagens exibidas na TV, por exemplo, com os acontecimentos
diários dos indivíduos.
76
Com isso, muitas crianças acabam por se influenciar pelos conteúdos televisivos, e,
apesar do Ministério da Comunicação estipular conteúdos inapropriados para faixas etárias, a
TV não o faz, transmitindo tudo a todos e não se preocupando com a formação de valores,
comportamentos, conceitos e ideais nos receptores, no caso as crianças. Assim,
“As emissoras apresentam conteúdos de sexualidade, geralmente, em
novelas, minisséries, filmes exibidos a tarde ou durante a sua programação noturna,
não lhe pertencendo o direito de dizer quem deve ou não assistir. A programação é
algo independente de cada uma.” (FERREIRA e SOUZA, 2008, p. 7)
Como conseqüência deste processo, se uma criança assiste uma cena erótica sem um
conhecimento prévio do conteúdo, ou seja, sem que um adulto ou educador tenha explorado
alguns conceitos básicos sobre sexualidade, de modo a introduzir o assunto e permitir que a
criança reflita sobre este, dialogando com o conhecimento e informação; e ela entender o
significado do conteúdo erótico, ou já ter vivenciado uma situação de abuso sexual, esta
poderá sofrer um trauma em decorrência da cena, que a prejudicará no futuro. Também,
poderá despertar nesta criança a erotização precoce, já que, se a cena que ela assiste for atuada
por ídolos e modelos televisivos de seu interesse, estes poderão fazer com que a crianças
inicie sua vida sexual precocemente, pois, se ela desejar se aproximar do ídolo, poderá se
comportar igual a ele, mesmo sem o consentimento de tais atos.
A partir desses estudos, vemos a necessidade de refletir sobre a influência na vida
cotidiana e na própria sociedade pelos meios de comunicação, e, principalmente, a TV, que
explora muitos temas em telenovelas, que proporcionam audiência e identificação com as
crianças; levando-as a uma observação e imitação dos personagens favoritos, sem o
entendimento de muitos conteúdos levantados nos enredos, que são inapropriados para as
crianças, por serem assuntos não dialogados e refletidos na infância. Dessa forma, ocorre um
processo de “adultificação” das crianças, pois estas, encantadas pelas propagandas e
publicidades da TV, segundo Ferreira e Souza (2008), acabam por almejarem se tornarem
como os adultos, que são representados e elevados em posições de status na sociedade;
ocasionando assim um amadurecimento precoce.
Por conta dessa erotização precoce na infância, muitos discursos e manifestações
contra esse processo veiculam na sociedade alegando que os indivíduos não devem aceitar
qualquer tipo de relacionamento entre crianças e adultos, que se expressam em manifestos
contra a pedofília, prostituição infantil, entre outros. Porém, conforme Felipe e Guizzo (2003),
a sociedade e a mídia continuam a exibir imagens erotizadas de crianças, ostentando o desejo
adulto. Esse processo se tornou tão banal e natural na sociedade, por conta do que Duarte Jr
77
(1989) intitula de processo de reificação, o qual naturaliza e “coisifica” algumas idéias que se
tornaram aceitas na sociedade devido à tamanha circulação no meio social, que acabam
afirmando os papéis sociais e algumas concepções. Como exemplo, podemos citar o fato de
que a veiculação de imagens de crianças adultificadas e erotizadas se tornou tão usual, que os
sujeitos passaram a aceitar de forma banal e natural que as crianças modernas “são assim
mesmo”, sem refletirem sobre as causas dessa erotização e sem elaborarem planos para
diminuir essa exposição da imagem infantil como objeto sexual dos adultos.
Assim, pensando em implicações educacionais na sociedade, podemos refletir
criticamente sobre a criação de manifestos sociais e políticos capazes de mobilizar os
indivíduos quanto à exploração da mídia nas questões sexuais, já que exagera de conteúdos
violentos e eróticos, uma vez que estes proporcionam mais audiência, e também são os que
mais despertam emoções nos receptores. Dessa forma, se toda a sociedade se manifestar
contra os abusos midiáticos, que expõe conceitos sobre sexualidade, ideais de feminilidade e
masculinidade, que favorecem a erotização da infância, poderemos conscientizar a sociedade,
de modo a exigir políticas públicas que garantam que a educação para a mídia seja introduzida
nos currículos escolares e que haja ética na comunicação, pois assim estaríamos contribuindo
de fato para que as crianças sejam instruídas quanto às informações recebidas. O objetivo é
que sejam capazes de construírem um senso critico que possa filtrar conteúdos e não mais
permitir que estas se deixem levar pelos comportamentos dos ídolos, ou pessoas de altas
posições de status e privilégios sociais. Conscientes dos mecanismos que a mídia utiliza para
conseguir seus objetivos, as crianças críticas saberão que certos padrões comportamentais
exibidos em telenovelas e outros meios não são benéficos para a construção da identidade e
personalidade.
78
Capítulo 5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo central do presente estudo foi analisar em que medida a mídia, e
especificamente,
telenovelas,
como
Rebelde,
influenciam
na
aprendizagem
de
comportamentos e padrões afetivos e sexuais na infância; tendo como base o modelo da
aprendizagem social. Para alcançarmos este objetivo, estudamos a teoria da aprendizagem
social; relações desta com a mídia; concepções de infância; papel da mídia no
desenvolvimento infantil e vivência precoce da sexualidade nas crianças; análise da telenovela
Rebelde, evidenciando cenas, falas e letras de músicas, que poderiam contribuir com a
erotização da infância; e os estudos quanto às implicações educacionais na família, escola e
sociedade. Após estes estudos podemos tecer algumas reflexões acerca da temática geral desta
monografia, que corresponde à influência da mídia na erotização precoce da infância.
A mídia, especificamente a TV, utiliza linguagens, impõe padrões de comportamentos,
modelos estereotipados, valores, que contemplam ideologias e concepções, ora implícitas, ora
explícitas, que fundamentalmente objetivam homogeneizar a sociedade, a fim de acabar com
a multiplicidade de “faces” e “tipos” existentes, e impor seus ideais de vida e
comportamentos, que respondam aos interesses mercadológicos da mídia, pois, uma vez que
se padronizem os indivíduos, facilita que estes concordem com os modelos e valores criados
por estes meios, e ainda faz com que os sujeitos comprem seus produtos e almejem o ideal de
vida imposto na mídia.
Dessa forma, os indivíduos acabam por desejarem ser como os modelos criados na
TV, pois representam uma vida perfeita, de glamour e status. Objetivando se colocarem perto
destes modelos, os sujeitos passam a observá-los e imitá-los, a fim de se comportarem como
tais e obterem um falso sentimento de poder e status. Por meio destas imitações, eles passam a
aprender conforme a teoria de Bandura explica, já que identificados com os modelos
midiáticos, passam a aprender tudo que os ídolos fazem. Os principais alvos desta
aprendizagem desmedida são as crianças, pois estão em fase de construção de identidade, e ao
se identificarem com algum personagem de novela, ídolo, ou qualquer modelo que chame sua
atenção, poderá se espelhar em seus comportamentos e modos de ser, falar e vestir, a fim de
se parecerem com eles; conseguindo formar a identidade e personalidade rapidamente, sem
conflitos ou reflexões que esta fase proporciona.
79
Como conseqüência destas imitações está a erotização da infância, já que as crianças
acabam seguindo os artistas e modelos midiáticos, sem um esclarecimento dos valores e
condutas expressos em alguns comportamentos erotizados. Conforme os autores/as
estudados/as, a mídia de massa não mede esforços para explorar o tema sexualidade, e, ainda,
não se preocupa com o público alvo, mostrando tudo a todos. Logo, é essencial que a
sociedade perceba estes abusos midiáticos, e promova discursos que vão contra a exposição
de imagens de crianças erotizadas, de conteúdos impróprios e repletos de clichês e
estereótipos em programas destinados ao público infantil, a banalização da erotização infantil,
entre outras formas nas quais a mídia interfere no desenvolvimento da infância.
Para chegar às devidas conclusões, perpassamos e exploramos a forma como as
crianças aprendem, partindo do modelo teórico da Aprendizagem Social de Bandura,
retomamos um pouco da historização da criação do conceito de infância e suas devidas
mudanças conforme os contextos históricos relacionados à sexualidade; analisamos e
identificamos na telenovela Rebelde os padrões sexuais e afetivos representados, bem como
estudamos a forma como as crianças aprendem e desejam imitar personagens significativos, e
os padrões sexuais valorizados em seus grupos de pares e na sociedade. Por fim, refletimos
quanto às implicações educacionais e sociais possíveis para superar este processo de
erotização precoce na infância.
Enfim, podemos dizer que a mídia, e especificamente telenovelas, como Rebelde,
influenciam no comportamento erotizado das crianças, pois como vimos nos capítulos
anteriores, teóricos e exemplos retirados da própria telenovela, serviram como base para
demonstrar de que forma o comportamento erotizado presente em algum personagem
significativo pode interferir no desenvolvimento infantil. Vimos, ainda, que, sem um
acompanhamento e instruções que permitam que a criança desenvolva um senso crítico capaz
de filtrar informações, esta fica sujeita a imitar o que acredita que seja correto, representado
nos valores e padrões de comportamentos dos ídolos, mesmo que estes sejam maléficos para a
construção da personalidade.
Assim, a partir do estudo desta monografia, podemos entender alguns dos mecanismos
midiáticos que influenciam para a vivência precoce da sexualidade na infância, como também
algumas implicações educacionais possíveis para refletir sobre este tema. Porém, pelo tempo
de elaboração deste trabalho ser relativamente curto e pela própria natureza de um TCC,
alguns pontos da pesquisa ficaram limitados, pois se prolongássemos esta pesquisa, bem
80
como proporcionássemos uma abertura em sua temática, abrangendo as fontes de pesquisas,
como filmes, telenovelas e propagandas, poderíamos refletir sobre inúmeros exemplos em que
a mídia explora a sexualidade infantil, propiciando assim um amadurecimento e erotização
precoce nas crianças.
Como exemplo de pesquisas futuras, poder-se-ia analisar a telenovela Rebelde, com
seus mais variados apelos sexuais, evidenciados em modos de falar, temáticas principais,
vestimentas sensualizadas, e comportamento erótico; em contrapartida com os filmes da
Disney “High School Musical” e “Hannah Montana: o filme”; ou as seqüências do filme
“Harry Potter”, que abordam questões afetivas e sexuais, sem possuírem um conteúdo
erotizado, visando despertar desejos, ou outras manifestações sexuais, que podem interferir no
comportamento erotizado das crianças. Outra possibilidade de investigação seria a análise de
propagandas de produtos destinados às crianças, que utilizam e promovem imagens de
crianças como objetos sexuais de adultos, ou aquelas que utilizam uma linguagem e modelos
utilizando acessórios infantis, expressando um comportamento adultizado, que reafirma
conceitos criados pela mídia, no qual dizem que, para uma mulher ser feminina, esta precisa
despertar o desejo sexual dos homens. Se uma criança, sem instrução do adulto ou educador,
acredita e coloca como ideal de vida estes valores e concepções, poderá se portar eroticamente
e sensualmente, visando cumprir seu papel como mulher na sociedade.
Enfim, são muitos os exemplos que podemos estabelecer relação entre mídia e
erotização da infância. Logo, devemos nos conscientizar sobre a importância desta temática a
fim de propormos mudanças efetivas neste quadro, e, assim, contribuirmos para uma
educação que contemple instruções e reflexões sobre os mecanismos midiáticos e a forma
como selecioná-los criticamente.
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