AS REPRESENTAÇÕES DO CONTEXTO DE PRODUÇÃO DA

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AS REPRESENTAÇÕES DO CONTEXTO DE PRODUÇÃO DA REDAÇÃO DO
VESTIBULAR
Cláudia Valéria Doná HILA (UEM)
ABSTRACT: There has been an oscillation between the so called rhetorical modes and, occasionally, the
textual genres in composition writing orientation in state schools in Paraná This has led to a kind of
misdirection, especially for students and teachers from High School concerning the objects of teaching and
learning writing. The article aims, then, at raising hypotheses so as to understand on which writing orientation
the candidate to a vacancy at the Entrance University Exam is grounded, when he writes the composition
required on the first day. Didactic implications are the contribution envisaged. Grounding the study on the
theoretical assumptions of the Socio-discursive Interactionism, two out the four subject-candidates selected
come from the private school sector and two from public schools in Paraná. The results demonstrate that the
candidate’s writing orientation basis, regarding textual genres, is rather confusing, especially when the sociosubjective parameters are considered.
KEYWORDS: context of production; exam composition; writing.
1. Introdução
Muito do que se faz hoje no ensino de Língua Materna, especialmente Ensino Médio,
tem como base o vestibular. Esse efeito retroativo que as provas de vestibulares assumem
como instrumentos (re)direcionadores do ensino/aprendizagem de Língua Materna tem
enfatizado, no plano da produção escrita, o ensino baseado meramente nas modalidades
retóricas (dissertação e narração, principalmente).
Especificamente no momento do vestibular, o cenário é conflituoso: os alunos
demonstram dificuldades em produzir um texto com proficiência e os professores de cursinho
e /ou ensino médio igualmente não sabem ao certo como orientar esses alunos, tendo em vista
propostas institucionais no Paraná que vêm incorporando o gênero como objeto de avaliação
(UEL, Unioeste, etc.), e outras que, ainda, mantém as modalidades retóricas (UEM) . Regra
geral, o que se vê, ainda, em sala de aula, no ensino da escrita, ou é uma preocupação voltada
à forma, ou à estrutura do texto. E, em ambos os casos não há espaço para a reflexão do
processo que o agente-produtor (cf. BRONCKART, 2003) se envolve antes de ter o seu texto
acabado, nas operações, de ordem psicológica, que podem explicar e/ou hipotetizar por que o
agente toma determinadas ações.
Neste sentido, o Interacionismo Sócio-Discursivo (ISD) oferece teoricamente
reflexões importantes sobre as ações de linguagem envolvidas nesse processo. Isso significa,
em outras palavras, perceber, inicialmente, a base de ação da linguagem envolvida no
contexto de produção do gênero redação de vestibular. Será que está claro para o vestibulando
a situação de produção em que ocorrerá sua ação de linguagem? Na tentativa de entender
melhor essa questão, pretendo, neste artigo, levantar hipóteses no sentido de compreender a
base de orientação para a escrita (BRONCKART, 2003) do candidato à vaga do Vestibular,
na prova de redação.
Para alcançar esse objetivo, o corpus da investigação vem composto de entrevistas
com 4 vestibulandos, dois da escola pública e dois da privada, de um grande cursinho da
cidade de Maringá-PR. O trabalho organiza-se da seguinte forma: - na primeira parte faço
reflexões sobre o contexto de produção, com base, principalmente, em Bakthin; - na segunda
parte enfoco o contexto de produção na perspectiva do ISD, dando especial destaque aos
mundos representados e às formações discursivas envolvidas no vestibular e, na terceira parte,
discuto a ação de linguagem do vestibulando e as suas representações com os resultados do
questionário e, por fim, apresento as considerações finais.
2
2. O contexto de produção
Entender o contexto de produção de uma ação de linguagem, requer, inicialmente, que
busquemos sua base fundadora em Vygotsky e Bakthin, nos quais a linguagem é vista como
forma de ação social.
Vygotsky (1979) demonstrou que são as intervenções deliberadas das pessoas que
tornam possível, à criança, a apropriação de unidades significativas da língua e,
conseqüentemente, a caracterização do pensamento consciente. O autor demarca fortemente a
origem social do funcionamento mental, bem como reconhece a importância da mediação do
outro e do signo no processo de desenvolvimento intelectual. Isso porque o uso da linguagem,
na perspectiva sociointeracionista, realiza-se em interações sociais e culturais concretas. Daí a
grande tese vygotskiana de que o percurso do desenvolvimento intelectual do sujeito vai do
social para o individual.
Da mesma forma, Bakthin (1992) ressalta o percurso do social para o individual,
enfatizando, de forma mais específica, o caráter dialógico de toda enunciação. Isso quer dizer
que não existe enunciado isolado, fora de um contexto de produção, mas que todo enunciado
pressupõe aqueles que o antecederam e todos os que os sucederão. Afirma Bakthin (1992,
p.298): “a obra é um elo da cadeia da comunicação verbal”, o que implica na incorporação e
no encontro de vozes em um espaço e um tempo sócio-histórico específico. Será, assim, a
alternância dos sujeitos falantes que comporão o contexto do enunciado, que, em Bakthin, é
visto como enunciado concreto, histórico e social.
Embora Bakthin não estivesse preocupado com questões didáticas, sua obra nos
permite encontrar algumas categorias fundantes sobre as condições de produção de um
enunciado. Para o autor, os signos (por natureza ideológicos) só emergem de processos de
interação entre uma consciência individual e outra, o que quer dizer que a formulação do
discurso está relacionada às condições de produção engendradas por determinado contexto.
Nenhum ato humano pode ser compreendido fora do contexto dialógico de seu tempo e, por
isso, a “interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua”
(BAKTHIN/VOLOSHINOV, 1997, p.123)
O conceito de dialogia bakthinano nos faz buscar uma primeira categoria das
condições de produção: o destinatário. Em Marxismo e filosofia da linguagem (1929/1997,
p.113), o autor afirma que a palavra comporta duas faces “ela é determinada tanto pelo fato de
que procede de alguém, como pelo fato que se dirige a alguém”. Assim, faz parte da natureza
da palavra ser ouvida, buscar a compreensão responsiva do destinatário, ou do “outro”, na
visão bakthiniana. Afirma Bakthin (1992:320):
Os outros, para quais o meu pensamento se torna, pela primeira vez, um pensamento real (e,
com isso, real para mim), não são ouvintes passivos, mas participantes ativos da
comunicação verbal. Logo de início, o locutor espera deles uma resposta, uma compreensão
responsiva ativa. Todo enunciado se elabora como para ir de encontro a essa resposta. O
índice substancial (constitutivo) do enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de estar
voltado para o destinatário.
Sobre o destinatário, Bakthin (1992) define três tipos: - o destinatário real, concreto; o destinatário virtual, secundário, possível e o destinatário terceiro ou superdestinatário,
constituído por um conjunto ideológico mais amplo (Deus, o povo, a ciência, etc) ao qual o
autor pertence ou quer satisfazer (sendo este, na perspectiva bakthiniana ,o que exerce mais
influência nas decisões do sujeito). Assim, o destinatário é fundamental para a definição do
enunciado, pois, além de determinar a sua configuração, fornece material lingüísticodiscursivo para o próprio discurso do agente-produtor. O outro, nessa perspectiva, não é um
ouvinte passivo, mas participante ativo da interação em jogo, na qual o locutor espera deles
3
uma resposta, uma compreensão responsivo-ativa. Bakthin (op.cit.) enfatiza que todo
enunciado se constrói para ir de encontro a essa resposta.
Além, portanto, dos participantes da interação (locutor e destinatário), a estrutura da
enunciação é determinada pela situação social mais imediata e pelo meio social mais amplo.
Segundo Bakthin (1992), o discurso, no sentido que nasce no meio dos indivíduos é
socialmente organizado, é ideológico, por isso não pode ser compreendido fora de seu
contexto. O contexto compreende a época, o meio social, o micromundo (família, amigos,
conhecidos) e acaba por dar um tom à comunicação. Em outras palavras, a obra, estabelece
um vínculo orgânico com a ideologia cotidiana na época. A situação de produção e os
participantes dão forma à enunciação.
Outra categoria, de origem bakthiniana, é o intuito, o querer dizer do locutor
(BAKTHIN, 1992). Esse querer dizer se realiza na escolha de um gênero textual e é
determinado tanto pela especificidade de uma dada esfera de comunicação (no nosso caso a
esfera do Vestibular) como pelas escolhas temáticas e pelos parceiros da interação. Além
disso, ele entra em combinação com o objetivo do enunciado, vinculado à situação concreta
da comunicação verbal.
Também o tratamento exaustivo do objeto de sentido – o tema, é parte constitutiva do
enunciado. O autor explica que o tema existe em função dos objetivos a se atingir, estando ele
circunscrito dentro dos limites do intuito definido pelo autor. São, portanto, o tratamento
exaustivo do tema, o intuito definido pelo autor e as formas realizáveis do gênero escolhido
que configuram os critérios de acabamento de um enunciado.
Dessa forma, resumidamente, as categorias bakthinianas do contexto de produção,
poderiam ser elencadas:
CONTEXTO DE PRODUÇÃO EM BAKTHIN
1. Parceiros da interação = locutor e destinatário
2. Objetivo da interação, querer-dizer do locutor
3. A esfera onde ocorrerá a interação, que delimita o contexto da situação, com suas marcas
ideológicas, sociais e culturais
4. O tema
4. O gênero escolhido (e suas formas realizáveis)
Quadro 1. Condições de produção com base em Bakthin.
Na próxima seção, veremos as influências dessas categorias na proposta do ISD.
2.1. O contexto de produção no ISD
No quadro epistemológico do ISD, no qual Bronckart é seu maior representante, as
condições de produção nascem de bases epistemológicas fundadas em diferentes correntes
epistemológicas.
Foi, especialmente, com a posição epistemológica denominada de interacionismo
social (na qual situam-se várias correntes das ciências humanas e da filosofia) e,
principalmente com os trabalhos de Vygotsky e Bakthin que a linguagem começa a ser vista
sob outro prisma. A grande tese do interacionismo social é a de que o desenvolvimento do
propriamente humano é resultado de um processo histórico de socialização, possibilitado pelo
desenvolvimento de instrumentos semióticos, no qual a linguagem é, sem dúvida, o maior
deles.
O surgimento da linguagem (diferentemente dos animais), na espécie humana, teria
sido motivada por uma necessidade de acordo/cooperação das pretensões à validade
designativa das produções sonoras entre membros de um grupo envolvidos em uma mesma
atividade. Na visão bronckartiana :
4
Na espécie humana, a cooperação dos indivíduos na atividade é, ao contrário, regulada e
mediada por interações verbais e atividade caracteriza-se, portanto, por essa dimensão que
Habermas (1987) chamou de agir comunicativo (grifos do autor). (BRONCKART, 2003,
p. 32)
Habermas (1989, p.166) explica-nos o agir comunicativo como:
O agir comunicativo pode ser compreendido como um processo circular no qual o
ator é as duas coisas ao mesmo tempo: ele é o iniciador, que domina as situações por
meio de ações imputáveis; ao mesmo tempo, ele é o produto das tradições nas quais
se encontra, dos grupos solidários aos quais pertence e dos processos de socialização
nos quais se cria.
Dessa forma, o agir comunicativo é constitutivo do social e os signos revelam representações
negociadas, as quais se estruturam em configurações de conhecimentos, denominadas por Habermas
(1989) de mundos representados, a saber:
1. Mundo objetivo ou físico: envolve o ato material da enunciação;
2. Mundo social: compreende os conhecimentos coletivos acumulados entre os membros de um
grupo, suas normas, valores, regras, etc.;
3. Mundo subjetivo: compreende a imagem que o agente-produtor dá de si ao agir, sua autorepresentação e a imagem que faz do outro.
Os mundos representados constituem o contexto específico da ação de linguagem, o que revela a
tese central do ISD:
A tese central do interacionismo sócio-discursivo é que a ação constitui o resultado
da apropriação (grifo do autor), pelo organismo humano, das propriedades da
atividade social medida pela linguagem. (...) o agir comunicativo produz formas
semiotizadas veiculadoras dos conhecimentos coletivos/sociais, que se organizam
nesses três mundos representados que definem o contexto próprio do agir humano.”
(BRONCKART,2003, p.42)
Quando o agente-produtor, neste trabalho visto como o vestibulando, engaja-se em uma
ação de linguagem (a produção de seu texto) ele irá, inicialmente, mobilizar representações
sobre os mundos descritos por Habermas. Interessa-nos, então, entender como se constitui
uma ação de linguagem.
A ação de linguagem é, sobretudo, no ISD, uma unidade de cunho psicológico e “designa
as propriedades dos mundos formais (físico, social e subjetivo) que podem exercer influência
sobre a produção textual” (BRONCKART, 2003, p.91). São, portanto, as ações verbais e nãoverbais (que configuram gêneros textuais) as verdadeiras unidades de análise do ISD. Dentro
dessa perspectiva teórica, considera-se ação de linguagem como sendo do indivíduo e
atividade de linguagem como sendo coletiva. A ação de linguagem apresenta-se sob duas
formas:
1. Situação de linguagem externa: composta pelas características dos mundos formais;
2. Situação de linguagem interna: representações do agente-produtor sobre esses mundos, tais
como o agente as interiorizou.
Bronckart (2003) defende que é justamente a ação interiorizada que vai influir sobre a
produção de um texto empírico. Evidentemente, alerta o autor, que, em princípio, o
pesquisador não tem acesso direto a essa situação, mas pode formular hipóteses sobre ela.
Exatamente por isso, as relações entre uma situação de ação e um texto empírico nunca
poderão representar um caráter de dependência direta ou mecânica. Na visão de Schneuwly
(apud Bronckart, 2003) essas representações constituiriam apenas uma base de orientação, a
partir da qual uma série de decisões serão tomadas, dentre as quais escolher o gênero mais
5
apropriado à situação de comunicação, os tipos de discurso, os mecanismos de textualização,
os mecanismos enunciativos, dentre outros.
Ao produzir um texto, o que fará o agente-produtor? Ele criará uma base de
orientação para sua ação de linguagem, tendo em vista um contexto específico de produção.
O contexto de produção, no ISD, pode, então, ser definido como “o conjunto dos
parâmetros que podem exercer uma influência sobre a forma como um texto é
organizado” (BRONCKART, 2003, p.93). Essa influência, reitera o autor, é necessária,
mas não mecânica sobre a organização textual. O contexto de produção estaria, assim,
formado:
MUNDO FÌSICO
"!$#% &(')*!$+),)+(- % /.10/
- o lugar de produção
-o momento de produção
- o emissor
- o receptor
3254)- % 7682 ,)9;:! <% =/3')/.10/
MUNDO SOCIAL
- o lugar social
- a posição social do emissor
- a posição social do receptor
- o objetivo da interação
Dentro do mundo físico o lugar de produção compreende o lugar físico em que o texto é
produzido; o momento de produção, a extensão do tempo durante a qual o texto é produzido;
o emissor, a pessoa que produz fisicamente o texto e o receptor, a(s) pessoa(s) que pode(m)
perceber/receber o texto.
Dentro do mundo social o lugar social compreende a instituição na qual o texto é
produzido (por exemplo, a família, a escola, a mídia, etc.); a posição social do emissor – que
lhe confere o estatuto de enunciador – o papel social que o emissor desempenha na interação
em curso (de professor, de pai, de cliente, etc.); a posição social do receptor – que lhe confere
o estatuto de destinatário – o papel social atribuído ao receptor do texto (de aluno, de criança,
de subordinado, etc.); as relações de objetivo que se podem estabelecer entre esses dois tipos
de papéis, as regras, os valores, as normas dessa situação o objetivo (ou objetivos) da
interação, o efeito que o texto pode produzir no destinatário.
Bronckart (2003) esclarece que a entidade emissor (pessoa física) e enunciador (pessoa
social) pode ser denominada e simplificada pela expressão agente-produtor. Neste sentido,
descrever uma ação de linguagem do agente-produtor significa identificar, no caso dos
vestibulandos, os valores precisos que são atribuídos pelo agente-produtor a cada um dos
parâmetros do contexto de produção e, também, ao que Bronckart chama de conteúdo
temático, entendido como o conjunto de informações que são explicitadas pelas unidades
declarativas do texto.
Assim, ao produzir o texto, o agente-produtor constitui uma base de orientação para ação
da linguagem, compreendida por dois níveis simultâneos - o sociológico – composto pelos
parâmetros contextuais (físicos e sociais), que constituem o objetivo deste trabalho e o nível
psicológico, composto pelas operações de textualização, que neste artigo só serão
identificadas, mas não trabalhadas. Esse processo pode ser melhor compreendido no quadro
abaixo, adaptado de Cristóvão e Nascimento (2005, p.38):
A LINGUAGEM MATERIALIZADA EM TEXTOS ORAIS E ESCRITOS
6
>@?"AB)CD/EGFIH8EJC;KGLHF$E
OPERAÇÕES DE CONTEXTUALIZAÇÃO
INCIDINDO SOBRE OS PARÂMETROS
CONTEXTUAIS
Criação de 3 conjuntos de parâmetros
contextuais de atividade de linguagem:
1. Representações do mundo físico da ação
• O local, os interlocutores
• O momento
• O lugar
2. Representações do mundo sóciossubjeação
:
• Tipo de interação social em jogo
• Lugar social do agente
• Lugar social do destinatário
• Finalidade da atividade
• Relações entre os parceiros
3. Representações referentes à situação e
aos conhecimentos disponíveis do agente:
• Referentes ao tema que será
expresso no texto;
• Referentes ao conhecimento pessoal
do arquitexto de uma comunidade verbal
• Referentes aos modelos de gêneros
disponíveis no arquitexto.
>@?"AB)CNM/D)HFEC1KGLHFE
OPERAÇÕES DE TEXTUALIZAÇÃO
Operações de cálculo sobre valores
contextuais:
1.Operações de ancoragem textual:
O no eixo da situação da ancoragem enunciativa
(implicada ou autônoma)
O no eixo da referencialidade da ancoragem enunciativa (conjunta ou disjunta)
2.Operações de planificação/adequação tivo da
a um modelo de linguagem (gênero textual)
em função dos parâmetros contextuais:
O Tipos de discurso
O Tipos de seqüências
3. Operações de constituição de estratégias
lingüísticas e discursivas:
O conexão
O coesão (verbal e nominal)
O vozes e modalizações
AÇÃO DE LINGUAGEM EFETIVAMENTE PRODUZIDA
Como se pode observar, no primeiro nível, o agente-produtor ao realizar sua ação de
linguagem passa pelo primeiro processo – de natureza sociológica – que visa mobilizar as
representações do agente-produtor sobre: 1. o quadro físico da ação; 2. o quadro
sociossubjetivo da ação verbal; 3. outras representações referentes à situação de produção e
aos conhecimentos disponíveis pelo agente (sobre o tema, sobre o conhecimento pessoal dos
diferentes arquitextos, etc.). Com essas representações o agente-produtor constrói uma base
de orientação para sua ação.
Em um segundo nível, que mantém uma estrutura dialética com o primeiro, o agenteprodutor realizará operações (portanto, ainda psicológicas) de construção de sua arquitetura
interna do texto, pensando agora na infra-estrutura textual (constituída pelo plano global,
pelos tipos de discurso e de seqüências; na coerência temática (conexão, coesão verbal e
nominal) e na coerência pragmática (questão das vozes e modalizações).
Para realizar essa ação de linguagem, a qual insere-se no quadro de uma determinada
formação social específica e contextualizada, o agente buscará empréstimo “de construtos
teóricos que são os gêneros de texto” (BRONCKART, 2003,p.108). Os gêneros estão
disponíveis no que Bronckart denomina de arquitexto de uma determinada comunidade
verbal, o qual é constituído pelo conjunto de gêneros de textos elaborados pelas gerações
precedentes e orientados pelas formações sociais contemporâneas. Isso equivale a dizer, tal
como afirma Bakthin que os gêneros são “tipos relativamente estáveis de enunciados”
(BAKTHIN, 2003, p.262), mas se adaptam às múltiplas indexações sociais que vão
recebendo. O agente-produtor, para Bronckart, principalmente o inexperiente, parte desses
arquitextos, de modelos indexados, dos parâmetros de representação e do conteúdo temático,
7
mas no final do processo pode e deve encontrar
BAKTHIN/VOLOCHINOV, 1997).
seu
estilo
individual (cf.
3. Formações discursivas envolvidas no vestibular
Na seção anterior afirmamos que toda ação de linguagem está inserida dentro do
quadro de uma determinada formação social, que neste trabalho é a formação social do
vestibular. Nesse sentido nos perguntamos: que sociedade engendrou esse gênero? Como ela
se caracteriza? A formação social na qual o gênero encontra-se é uma das categorias de
análise do ISD. Baseado no trabalho de Foulcault, na obra “Arquelogia do Saber”, Bronckart
(2005, p.141) parte da noção de formação discursiva, mas adapta a expressão para formações
sócio-discursivas ou sócio-linguajeiras, “designando essa expressão as diferentes formas que
toma o trabalho de semiotização em funcionamento nas formações sociais” .
Se entendemos que o vestibular é visto como uma estrutura de poder, na qual aqueles
que sabem mais, ou que detém mais recursos (Meurer, 2000, p.157) prescrevem as regras e as
normas válidas, é fundamental que observemos essas estruturas por meio dos textos e dos
discursos, materializados em gêneros textuais. O autor explica que aqueles que detêm
recursos, por exemplo, o Estado, os responsáveis pela estrutura do vestibular, determinam as
regras, as formas de legitimação, os tipos de comportamentos esperados dentro dessa esfera
comunicativa.
O problema é que nem sempre esses recursos (intelectuais, financeiros, entre outros)
são sociamente distribuídos de forma democrática, visando a melhoria do indivíduo. Nem
todas as pessoas têm acesso aos textos – lugar de materialização dessas estruturas de poder. O
efeito é a legitimação, por parte daqueles que detém os recursos, de um discurso normalmente
hegemônico.
Pensando especificamente na esfera do vestibular, sob uma perspectiva histórica, a
pedagogia da redação vestibular, denominada por pedagogos como Luckesi (1991) de
pedagogia de exame, está atrelada às relações de força e de poder estabelecidas pela escola
enquanto aparelho ideológico de Estado a serviço da manutenção do modelo social capitalista
(ALTHUSER, 1992).
No âmbito sócio-filosófico e acadêmico-científico, diferentemente do que se possa
pensar, as ciências humanas não estão isentas do controle e da vigilância impostos pelas
instituições nas quais ela acontece. Na verdade, elas constituem conjuntos de enunciados, de
práticas discursivas constitutivas da “arqueologia” de saberes oficiais reificados, com pouca
abertura para reformulações e adaptações responsivas aos paradigmas nos quais se assentam
as ciências modernas e as demandas emergenciais de uma sociedade globalizada
(FOULCAUT, 1987). É nessa memória de saberes reificados, que a redação-vestibular está
instituída, como um dos mecanismos da ideologia defendida pelo “Aparelho Ideológico
Escolar” (SAVIANI 1989).
A pedagogia redação-vestibular desenvolvida nas universidades públicas, não
obstante as evoluções político-sociais e científicas, as sucessivas reformas educativas, os
novos anseios e até algumas práticas autônomas, na suas bases burocráticas, continua
fortemente gerida pelos interesses do Estado e por aqueles que detém os recursos, no caso, os
professores que elaboram as provas. Paralelamente a esse aspecto, é mister ressalte-se que as
bases filosóficas, de orientação preponderantemente lógica (ainda vigentes em muitas provas
de redação), que defendem a relação entre as palavras e as coisas, e que colocam a gramática,
mais precisamente a sintaxe, como meio de ‘cartografar’ a organização do mundo real das
coisas, ainda têm lugar garantido em provas de vestibulares. Essa visão de mundo e de
linguagem está em perfeita consonância com a função da gramática normativa, como vetor de
divisão de classes, visão esta que sobrevive em plena pós-modernidade.
8
No caso, com o devido cuidado para se evitar ideologismos pode-se dizer que a
redação-vestibular é um dos mais poderosos vetores ideológicos de perpetuação da dinâmica
de força e poder exercida pela escola (FOUCAULT, 1987). De há muito tempo, ela é um
mito, porque, mesmo em uma sociedade pós-moderna, com múltiplos desafios para identificar
o modo como o homem se dá a conhecer e como estabelece o seu diálogo com o mundo que o
cerca (BAKHTIN/ VOLOCHINOV, 1992), ela tem o poder de fazer com que as pessoas
pensem que é realmente um meio de avaliar as competências comunicativas possíveis de
serem expressas na linguagem escrita.
Em outros dizeres, a redação-vestibular é mito porque “tem o poder de fazer com que
as coisas sejam tais como são ditas e pronunciadas” (CHAUÍ, 2003, p.148). Ainda, a redaçãovestibular é um mito porque, além da força e do poder ideológico, cultural e social imbricados
no seu acontecer, ela, assentada na sua legitimidade institucional, perpetua valores,
socialmente considerados como de verdade, e dá a idéia de completude, ainda que a sua
função pedagógica para avaliar as habilidades e as competências comunicativas esteja aquém
das demandas e das restrições impostas pela sociedade pós-moderna.
Lemos (1977), já alertava na década de 70, em um estudo realizado cm redações de
vestibulandos, que os candidatos usam estruturas estereotipadas (estratégias chamadas por ela
de preenchimento), produzindo seqüências sem coesão e sem coerência. Não há representação
do outro (para o vestibulando) como sujeito sócio-histórico-ideológico, ainda que seja um
sujeito imaginário. Sem interação, os textos caem na artificialidade. De acordo com
Mendonça (2001,p.251):
Nessas práticas escolares de escrita, a palavra do sujeito-aluno é silenciada e seu
texto, quando não é desinteressante, cheio de clichês, fragmentado, contraditório,
etc., toma uma forma padronizada (diga-se estereotipada) de gênero. Também nessa
segunda possibilidade há silencia mento, fechamento de possibilidades de
linguagem(...).
Assim, podemos perceber que o Vestibular é formado por uma estrutura clara de
poder, vinculada a uma sociedade neo-liberal que faz questão de definir aqueles que dominam
e os que são dominados, o que pode acabar por emudecer o vestibulando.
4. Material e métodos
Tendo em vista, conforme já advertiu Bronckart (2003), que o pesquisador não tem
acesso direto às representações de mundo formuladas pelo agente-produtor, mas que pode, no
entanto, formular hipóteses sobre elas (que não terão caráter de dependência direta entre a
ação e o texto materializado), valemo-nos da etnografia, através do uso de entrevistas, para
formular as hipóteses sobre as representações dos vestibulandos. Bazerman (2005, p.43)
afirma que “para visualizar toda a gama de práticas implícitas, você pode fazer uma pesquisa
etnográfica no local do trabalho, na sala de aula, ou outro local de produção, distribuição, ou
uso de textos.” Assim, aplicamos um questionário, composto de 12 perguntas (8 fechadas e 4
abertas), no intuito de formular nossas hipóteses, a 4 vestibulandos (dois provenientes da
escola privada e dois provenientes da escola pública), escolhidos de forma aleatória. A
pesquisadora dirigiu-se a um dos mais populosos cursinhos da cidade de Maringá, no mês de
julho, próximo à realização das provas e solicitou voluntários para realização da pesquisa.Os
questionários foram respondidos na frente da pesquisadora, na biblioteca, a fim de evitar a
interferência de terceiros nas respostas.
4.1.Os sujeitos da investigação
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A1 é uma vestibulanda, de 19 anos, proveniente de uma escola privada, no entanto, fez
o ensino médio em função de uma bolsa de estudos recebida. Gosta da área de humanas e
tenta ingressar no curso de Direito na Universidade Estadual de Maringá ou Universidade
Estadual de Londrina. A2 tem 18 anos, proveniente de escola privada e está tentando
vestibular para o curso de Medicina, em várias instituições do país. A3 fez o ensino
fundamental e médio em instituições públicas e também está tentando ingressar no curso de
Direito. Já A4 também veio de instituição pública e tenta ingressar no curso de Farmácia.
5. A ação de linguagem do vestibulando e suas representações dos parâmetros
contextuais
Vimos que os parâmetros contextuais, que configurarão parte da base de ação do
vestibulando incidem sobre três tipos de representações sobre: - o mundo físico; - o mundo
sociossubjetivo e à situação e conhecimentos disponíveis do agente-produtor.
Sobre as representações do mundo físico: essas representações são claras e quase
unânimes entre os vestibulandos, ou seja, temos aqui sujeitos reais (A1, A2, A3 e A4), que
nesse momento configuram-se como emissores da ação; um receptor que para os
vestibulandos (A1, A2, e A4) é representado pelo professor de língua portuguesa da
universidade, enquanto que para A3 é representado pelo professor do ensino médio; o local da
interação, que é a instituição na qual realizam-se as provas de vestibulares e o tempo
determinado da realização da prova de redação.
Em relação à figura do receptor a representação sobre ser uma professor de língua
portuguesa da universidade ou do ensino médio evidenciam duas imagens diferentes, muito
embora as duas estejam revestidas pela questão de poder legitimado do professor. Os
professores estão como representantes de saberes oficiais (quer pelo ensino médio ou pela
universidade), sem muita abertura para alterações ou adaptações (cf. FOULCAULT, 1987)
Sobre as representações do mundo sociossubjetivo: em relação às categorias
propostas por Bronckart (2003) teríamos que o lugar social da ação é a prova de redação de
uma instituição universitária, que tem como objetivos:
- para A1, “analisar o conteúdo gramatical, de conhecimento, argumentativo do candidato”;
- para A2, “ver se o candidato possui conteúdo gramatical e de conhecimento”;
- para A3, “analisar o conteúdo gramatical do candidato”:
- para A4, “saber se o aluno é dotado de conhecimento sobre o assunto pedido e se ele sabe
falar sobre suas opiniões”.
Pelas respostas, o lugar social do vestibular é validado, principalmente, pela força da
gramática tradicional (A1, A3 e A3). Essa visão de linguagem reforça a idéia de que este
gênero, como grande aparelho ideológico, perpetua a manutenção de um modelo escolar ainda
dentro do paradigma experimental ou positivista, que desconsidera a natureza social, histórica
da linguagem. Por que em uma sociedade na qual as mudanças ocorrem em ritmo acelerado
essa visão de linguagem, que remonta a pedagogia da década de 60, ainda não conseguiu ser
alterada de forma significativa? Que sociedade é essa? A resposta, na visão de Althusser
(1992), está em uma sociedade capitalista que quer manter de forma coercitiva os indivíduos
dependentes do aparelho ideológico estatal, a fim de que as suas próprias forças de poder (e
de subjugação) sejam reforçadas.
Em relação à posição social do enunciador, perguntamos aos vestibulandos se quando
escrevem a redação no vestibular eles: - procuram ser verdadeiros em suas opiniões, sendo
eles mesmos: - procuram adequar as opiniões e os sentimentos que expressam ao leitor do
texto de vestibular, mesmo que tenham que “fantasiar” para isso. Em relação às respostas
obtivemos: A1 e A2 marcaram a segunda opção (“adequar o texto à imagem do
destinatário”), enquanto A3 e A4 afirmaram “procurar ser verdadeiros em suas opiniões”.
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Ora, essas respostas já esboçam, no mínimo, uma confusão em relação ao objetivo da prova e
em relação ao próprio destinatário. A1 e A2 acabam por escamotear suas posições em função
do leitor que imaginam ler suas redações. Isso quer dizer que os temas que escolhem, o
conteúdo proposicional é feito e regulado em função do destinatário. Isso até seria
interessante (até por que, na visão bakthiniana, o destinatário é a grande força da produção
textual), se eles tivessem claramente definido quem são os destinatários, o que não ocorre e
veremos mais adiante por quê. Informalmente, A1 revelou que houve uma prova de redação
da Universidade Estadual de Maringá (UEM), cujo tema era “Em que situações se justifica
mentir?”, em que ela defendeu que a mentira não se justificava em hipótese alguma. Foi mal
na prova e revelou ter assumido essa posição pois acreditava que “o corretor não gostaria de
dissesse outra coisa”. Vê-se que é a imagem de um corretor moralizante que acabou por reger
as escolhas discursivas e argumentativas da candidata, anulando sua própria potencialidade
argumentativa.
Quando perguntamos aos vestibulandos qual o leitor imaginário que interage com eles
nas seguintes situações : a. um artigo de opinião para o jornal do colégio: b. um jornal mural
para o colégio; c. uma carta do leitor para o jornal da cidade; c. uma dissertação; d. uma
narração, obtivemos as seguintes respostas.
- em relação ao artigo de opinião para o jornal do colégio: A1 aponta “os jovens ou colegas
de sala”; A2, “os jovens”; A3, “qualquer leitor” e A4 “para o diretor da escola e professor”.
Visualmente, teríamos os seguintes destinatários projetados:
jovens/ colegas de sala
jovens
...................... P
gênero artigo de opinião
para jornal do colégio
qualquer leitor
diretor da escola/
professor
- em relação ao conto para um jornal mural do colégio: A1 define “jovens, professores,
diretores e pais” como prováveis destinatários: A2, aponta “alunos e professores”; A3,
“professores”; A4, “qualquer pessoa”.
Jovens/professores/diretores/pais
.................... P conto para jornal
mural do colégio
alunos/professores
professores
qualquer pessoa
- em relação à carta do leitor para o jornal da cidade: A1 define como provável destinatário
“um adulto”; A2, também “adulto”; A3, “adulto” e A4 “qualquer leitor”.
.................. P carta do leitor para
jornal da cidade
adulto
qualquer leitor
- em relação à dissertação: A1 coloca como destinatário “qualquer pessoa”; A2 “corretor
exigente”, A3, “qualquer leitor” e A4 “alguém com ensino médio e superior completo”.
Qualquer pessoa
........................... P
Dissertação
Corretor exigente
Qualquer leitor
Alguém com ensino médio e
Superior completo
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- em relação à narração: os vestibulandos repetem a mesma resposta que colocaram em
relação à dissertação.
Se vimos, conforme Bakthin (1992) que o destinatário influi e formata o enunciado, e
conforme Bronckart (2003) que as decisões de textualização decorrem também dessa imagem,
vê-se, a confusão que se cria na cabeça do vestibulando em relação aos destinatários de seu
texto. Para a situações de ação com gêneros e locais de produção mais definidos, os
vestibulandos esboçam tentativas de imaginar um destinatário mais concreto à situação, como
“jovens, pais, diretores, etc”, muito embora de forma bastante vaga. No entanto, trazem à tona
também que o destinatário legitimado pela prova de redação – o professor – tanto que quando
perguntados como vêem a pessoa que corrigirá a redação, somente A1 respondeu vê-la como
“avaliadora”, os demais vestibulandos assumiram a imagem de “corretor”. É, portanto, em
função de uma imagem coercitiva, já legitimada e mitificada pela escola, que eles traçam
grande parte de sua base de orientação.
Em relação ao objetivo da prova de vestibular tivemos as seguintes repostas:
- A1 afirma que a prova tem como objetivo “analisar o conteúdo gramatical, de conhecimento
e argumentativo do candidato”; A2, “ver se o candidato possui conteúdo gramatical e de
conhecimento”; A3, “saber se o aluno é dotado de conhecimento sobre o assunto pedido e se
sabe argumentar sobre sua opinião”; A4, “analisar o conteúdo gramatical do candidato”.
Reforça-se, novamente, a força da gramática tradicional na formação desses vestibulandos,
que quase em sua totalidade vêem como objetivo de uma produção a mera avaliação
gramatical, muito provavelmente, porque foi essa a imagem construída nos anos de sua
formação.
Em relação ao que o julgador espera ver na redação do vestibulando, pergunta que
tinha como propósito apreender as regras, normas, valores presentes na situação, tivemos as
seguintes respostas: A1, “o poder argumentativo, a forma o conteúdo e a criatividade”; A2,
“bons argumentos, opinião clara, criatividade e forma”; A3, “a minha opinião sobre o assunto
e a forma clara”, A4, “a gramática, a forma, a correção e a boa argumentação”. Reforça-se,
mais uma vez, que as normas esperadas são aquelas trazidas pela gramática normativa . Outro
aspecto interessante foi o fato de A1 e A2 apontarem a “criatividade” como elemento, regra
esperada pela banca. Chega a soar no mínimo estranho pensar em criatividade, quando
enfatizam que o objetivo da prova é avaliar a forma do texto, quando a imagem de quem
corrige é de uma pessoa cerceadora, moralmente correta. A palavra “criatividade” cai, na
verdade, em um clichê presente na sala de aula, em que o professor não tendo conhecimentos
suficientes para justificar a nota dada ao aluno e, muitas vezes, aponta a “falta de criatividade”
como critério a justificar as dificuldades argumentativas, principalmente.
Sobre a preparação que tiveram no ensino médio responderam: A1, “o que sei aprendi
com outra pessoa ou sozinho”; A2, A3 e A4 afirmam que “não foram bem preparados”.
Interessante notar que A1, nas respostas como um todo, foi o vestibulando que demonstrou
mais conhecimentos em torno de uma prática mais enunciativa da linguagem, mas atribui a si
mesmo ou a outras pessoas (perguntei-lhe quem seriam e ele afirmou “meus pais”) a base de
sua orientação e não ao professor.
Ainda em relação aos procedimentos metodológicos que receberam, perguntamos
quais eram os métodos mais freqüentes nas aulas, solicitando que colocassem em ordem da
freqüência os seguintes métodos: - o professor dava um tema; o professor dava uma
coletânea de textos; - o professor colocava uma música para inspirar a classe; -o professor
dava um texto para os alunos lerem; o professor organizava um debate. Os 4 vestibulandos
colocaram como primeiro item de freqüência “o professor dar o tema”. Em relação à
freqüência dos demais A1 e A2 indicam em segundo lugar que “o professor apresentava uma
coletânea” e A3 e A4 que “dava um texto”. Interessante notar que o debate foi um método
que apareceu em todos os vestibulandos em último lugar de freqüência, o que denota uma
12
prática monológica, voltada a uma metodologia tradicional que não leva em conta o caráter
dialógico da linguagem.
Também perguntamos aos vestibulandos se o professor que dava aula de redação era
o mesmo que dava aulas de gramática. A1 e A2 (alunos da escola privada) responderam que
não, já A3 e A4 (da escola pública) responderam que sim. Isso ajuda a hipotetizar algumas
conclusões sobre as representações referentes à situação, que veremos mais adiante.
Perguntamos, também, sobre qual texto o vestibulando tem mais facilidade em
produzir (dando a opção de uma dissertação, um artigo de opinião, uma carta do leitor, um
conto) e pedimos para justificar. A1, apontou a dissertação, “pois as demais formas não são
vistas na escola”; A2, também definiu a dissertação, pois é “a única treinada”; A3 também
escolhe “dissertação, pois há modelos mais fáceis a se seguir” e A4 também define a
dissertação “pois não sabe como fazer as demais”. Vê-se, para esses vestibulandos, o total
desconhecimento a prática de outros gêneros textuais.
Sobre as representações referentes à situação e aos conhecimentos disponíveis do
agente: para acessar essas representações perguntamos inicialmente que analisassem os temas
propostos geralmente na prova da redação e, para confrontar esse dado, também
perguntamos qual (is) era(m) a(s) maior(es) dificuldade(s) ao produzir(rem) a redação: A1
afirma que os temas “nem sempre são adequados pois exigem conhecimentos específicos que
não têm, como por exemplo, “quando fiz a prova da UEL e tive que escrever um artigo de
opinião e não sabia a diferença com a dissertação”. Sobre sua maior dificuldade afirma ser “a
organização das idéias em poucas linhas”. A2 respondeu que os temas “são adequados e
refletem aspectos do mundo em que vivo”, mas quando perguntado qual era sua maior
dificuldade aponta “ter bons argumentos”. A3 responde positivamente em relação aos temas,
concordando que refletem experiências por ele vividas, mas quando questionado sobre suas
dificuldades afirma “ter idéias, boa gramática e argumentos”. Igualmente A4 afirma serem os
temas adequados e quando perguntamos sobre suas dificuldades também coloca “idéias e boa
gramática”. Esboça-se, assim, uma contradição interessante. Os vestibulandos anteriormente
afirmaram que a dissertação é o tipo de texto que acham “mais fácil” de produzir e agora se
contradizem ao afirmarem a dificuldade que têm em construírem argumentos, ou seja, em
relação ao plano do conteúdo.
A fim de captarmos o conhecimento que possuem da dissertação perguntamos qual era
sua estrutura composicional e obtivemos: A1, “a dissertação tem que ter um tema, uma tese,
argumentos e construção de hipóteses”; A2, “argumentos e tema”; A3, “desenvolver um
tema” e A4 “descrever um tema polêmico”. Vê-se que, mesmo em relação aos aspectos
estruturais da tipologia dissertativa os vestibulandos apresentam confusões. A1 consegue
trazer mais elementos, como tese, hipótese, argumentos, já os demais apresentam respostas
vagas e incompletas, normalmente colocando apenas um dos elementos presentes na
seqüência argumentativa. Então que texto é esse que afirmam ser “mais fácil” de escrever se
comprovam ter dificuldades no plano do conteúdo e não têm claramente definido nem mesmo
as categorias da seqüência argumentativa? Além disso, podemos hipotetizar por esses
conhecimentos que tanto os alunos da rede privada como os da pública não possuem
referências claras e precisas sobre as categorias que compõem o gênero redação
argumentativa de vestibular.
Sobre os gêneros que saberiam escrever dando como opção redação de vestibular,
artigo de opinião, conto, carta do leitor, os 4 vestibulandos responderam “redação de
vestibular”. Sobre o que entendiam pertencer ao gênero redação de vestibular, A1, A2 e A3
apontaram a dissertação e a narração e A4 apenas a dissertação. Dessa forma, ressalta-se o
desconhecimento dos vestibulandos sobre os gêneros textuais e a força da prática escolar
voltada apenas às modalidades retóricas e, pelo que se viu nas entrevistas, de forma bastante
insuficiente.
13
Dessa forma, a fim de visualizarmos melhor a base de orientação do vestibulando para
produzir seu texto, pensando nos parâmetros contextuais, teríamos os seguintes quadros:
Vestibulando
A1
Emissor
A1
Receptor
Professor de língua
portuguesa
da
universidade
Local/espaço
universidade
Tempo
O da prova
A2
A2
universidade
O da prova
A3
A3
Professor de língua
portuguesa
da
universidade
Professor do ensino
médio
universidade
O da prova
A4
A4
Professor de língua
portuguesa
da
universidade
universidade
O da prova
Quadro 2. Representações do mundo físico da ação.
Sujeitos da
investigação
Lugar social
Enunciador
A1
Vestibular
Vestibulando
que elabora o
texto
à
imagem
do
destinatário,
mesmo
que
tenha
que
“fantasiar”
A2
Vestibular
Vestibulando
que adequa o
texto
à
imagem
do
destinatário,
mesmo
que
tenha
que
“fantasiar”
A3
Vestibular
Vestibulando
que procura se
verdadeiro em
suas opiniões
A4
Vestibular
Vestibulando
que adequa o
texto
à
imagem
do
destinatário,
mesmo
que
tenha
que
“fantasiar”
Destinatário
O na redação
argumentativa
=um avaliador,
qualquer
pessoa
O em outros
gêneros=
jovens, colegas
de
sala,
“adulto”
O na redação
argumentativa=
um
corretor
exigente
O em outros
gêneros=
jovens, colegas
de sala,alunos,
professores
O na redação
argumentativa=
qualquer leitor
O em outros
gêneros=
qualquer leitor,
professores,
adulto
O na redação
argumentativa=
alguém
com
ensino médio e
superior
completo
O em outros
gêneros=
diretor da
escola,
Objetivo
Analisar
o
conteúdo
gramatical, de
conhecimento,
argumentativo
do candidato
Normas
da
situação
de
interação
(regras,
valores)
Poder
argumentativo,
forma,
conteúdo
e
criatividade
Ver
se
o
candidato
possui
conteúdo
gramatical e de
conhecimento
Bons
argumentos,
opinião clara,
criatividade e
forma
Analisar
o
conteúdo
gramatical do
candidato
A
minha
opinião sobre
o assunto e a
forma clara
Saber se o
aluno é dotado
de
conhecimento
sobre
o
assunto pedido
e se ele sabe
falar
sobre
suas opiniões
A gramática, a
forma,
a
correção e a
boa
argumentação
14
professor,
qualquer
pessoa,
qualquer leitor
Quadro 3. Representações do mundo sociossubjetivo da ação.
Sujeitos da
investigação
Tema
que
será
expresso no texto
A1
Nem
sempre
são
adequados, pois exigem
conhecimentos
específicos que não
tenho.
Conhecimento pessoal
do arquitexto, em
especial do gênero
redação argumentativa
de
vestibular
(e
principais dificuldades)
O Dissertação tem esse,
argumento e hipótese.
O Dificuldade
=
organização de idéias
em poucas linhas
Modelos de gêneros
disponíveis
no
arquitexto
Somente dissertação e
narração
Dissertação
em Somente dissertação e
O
argumentos e tema
narração
O Dificuldade = ter bons
argumentos
O Dissertação
Somente dissertação e
São
adequados
e
A3
narração
refletem aspectos do desenvolve um tema
O Dificuldade=
ter
mundo em que vivo
idéias, boa gramática e
argumentos
São
adequados
e O Dissertação
Somente dissertação
A4
refletem aspectos do desenvolve um tema
mundo em que vivo
polêmico
O Dificuldades= idéias e
boa gramática
Quadro 4. Representações referentes à situação e aos conhecimentos disponíveis do agente.
A2
São
adequados
e
refletem aspectos do
mundo em que vivo
6. Conclusões
A formação discursiva na qual insere-se o Vestibular e, em especial, a redação tem
suas regras e suas normas historicamente mitificadas em torno da gramática tradicional e das
modalidades retóricas. Os vestibulandos comprovaram que essa é uma esfera ainda de
natureza monológica, coercitiva que visa a padronização e a estereotipação de uma língua
morta . O resultado, como se viu, são vestibulandos que conhecem as modalidades retóricas
(no sentido apenas de saber que existem), mas que desconhecem como as seqüências
argumentativas, por exemplo, se formam e que afirmam terem dificuldade no plano de
conteúdo. Isso se justifica pela prática pedagógica de receberam, na qual o professor dá um
tema e, no máximo, um texto de apoio como subsídio para terem o que dizer. Muito embora
elejam, ainda, as modalidades retóricas, em detrimento de outros gêneros, evidenciando o
desconhecimento de outros modelo de gêneros dentro do arquitexto do Vestibular,
demonstram que os anos escolares não foram suficientes nem mesmo para a apropriação do
gênero redação argumentativa de vestibular.
Fica explícita, também, que a linguagem, materializada nos gêneros textuais, interrelaciona-se significativamente com as estruturas sociais de poder da sociedade. A quem
interessa manter um ensino da escrita que desconsidera o sujeito, que padroniza sua forma de
escrever? Viu-se que as regras constitutivas dessa esfera são coercitivas, ferem a
responsividade constitutiva do enunciado e, portanto, impedem que o jovem vestibulando
exercite uma prática sócio-histórica da escrita.
15
Nesse contexto, a base de orientação do vestibulando, quando pensamos na questão do
gênero textual é bastante confusa, em especial em torno dos parâmetros sociossubjetivos, em
relação ao destinatário que, como vimos em Bakthin (1992), é a peça-chave da produção do
texto.
Como se caracteriza, então, a base de orientação do vestibulando sobre os parâmetros
contextuais? Temos o vestibulando que faz uma prova e que coloca como destinatário um
professor corretor (coercitivo e entidade moralizante) ou que, em trabalhando com outros
gêneros, elege vários destinatários (alguns mais precisos em relação ao gênero, outros
completamente indefinidos) ou resume-os em expressões do tipo “qualquer pessoa” .
Na realidade, o destinatário foi um dos elementos que mais se mostrou confuso para os
vestibulandos, especialmente no momento em que colocamos outros gêneros e destinatários
específicos. Isso porque, as representações consolidadas e mitificadas do destinatário
“redação de vestibular” estão cristalizadas em torno da figura do professor.
Essa constatação implica em (re)direcionamentos pedagógicos nas escolas e nos
cursinhos, principalmente em função de que os gêneros textuais, como objetos de ensinoaprendizagem definidos nos documentos oficiais, aos poucos vêm incidindo nas provas de
vestibulares, sem que, para isso, os vestibulandos, os próprios professores de cursinho e
Ensino Médio estejam conscientes das devidas implicações discursivas, metodológicas e
didáticas.
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