Jornal A Tarde, sexta-feira, 13/01/1978 Assunto: AZAR MEU! Um milhão e trezentos mil candidatos às Universidades esperam os resultados de sua Prova de Redação, em todo o País. Pela primeira vez, em muitos anos, exige-se dos vestibulandos essa prova de domínio da linguagem, depois de um longo período de testes de conhecimentos pelo chamado método das perguntas objetivas com respostas em cruzinhas. Não se haviam encontrado outros meios para avaliar a capacidade dos postulantes aos cursos superiores. Este método é discutível e, ao que parece, apesar da prometida adoção de “salvaguardas” contra a aprovação de candidatos despreparados um dos seus resultados é o ingresso nas Faculdades e Institutos de massas ponderáveis de estudantes incapazes de acompanhar um curso de nível realmente universitário. Apesar disto, por incrível que pareça, um dos Reitores brasileiros teve a luminescente idéia, estes dias, de propor que se facilite a admissão às Universidades de alunos sem estudos precedentes e sem qualificação pelos vestibulares mas que mostrem vocação! Diz esse Magnífico que assim se procede noutro país, resultando em que esses alunos por vezes superem os que mostraram competência nas provas de admissão. Não é, porém, o nosso assunto. Salvo erro ou omissão, começa mal a prova de Redação: não se pede aos alunos, desacostumados a esse exercício, que exponham o que pensam, sem maiores complicações. É bem verdade que fizeram leituras, ouviram professores e até, segundo se diz, aprenderam nos Cursinhos a responder questões complicadas e mesmo coisas que ignoram. Os Cursinhos, uma coisa séria que não se deve simplesmente combater sem verificar o que têm de didático, divulgam roteiros de redação tão complexos que derrotariam muito escritor consagrado. Um desses modelos divide a redação em nada menos de cinco etapas, que se decompõem em não sei quantas fases que correspondem aos parágrafos em que as idéias devem ser ordenadas e expostas. Esse “processo técnico” permite ao vestibulando dar de si o máximo, tomando o enunciado da prova e o submetendo, mais ou menos metodicamente, a um esforço de criação de ampliação, de ordenação de desenvolvimento e finalmente de transporte, que é momento culminante de passar o rascunho a limpo mostrando quanto já estudou e sabe de gramática, de estilística, de estética. Não há dúvida que essa sistemática ajuda muito, apesar do seu mecanismo, a ordenar as idéias e possivelmente, a transpô-las para o papel. Mas será que este é o medo de agir dos que sabem pensar e escrever? Será que esse suposto cartesianismo desenvolve o raciocínio e conduz à clareza de expressão, à fluidez do estilo, à clareza da exposição, ao senso critico? Não sei se os filósofos os historiadores, os escritores de renome, notáveis pela transparência do pensamento e pela beleza literária dos seus textos, são submetidos a essa preparação tão formal. O que os faz excelentes escritores - sobre isto não há dúvida - é o estudo acurado das Letras clássicas e modernas, da Filosofia, da História de tal maneira que, conduzidos pelo hábito da correção gramatical e semântica, maravilham os seus leitores com sua claridade de redação. É claro que não se pode voltar a um passado em que no Brasil, certamente em nível modesto, se fazia aproximadamente assim, com a generalidade dos estudantes, no ginásio. Lembro-me do tempo em que os secundaristas do tempo em que “a escola era risonha e franca”, faziam suas “composições” e “descrições” sem toda essa sistemática, servidos pelo que haviam aprendido na leitura e até na elocução e nas repetidas e cuidadosas análises gramaticais, inclusive as semânticas, tudo escrito e corrigido pelos mestres em asseados “cadernos de deveres”. A maioria habilitava-se, por tais meios, a exprimir-se claramente, a ponto de alguns se tornarem pelo trato com a boa literatura, outros tantos escritores e poetas. Ao método agora adotado ninguém lhe negará a excelência, todavia parece complicar demais as coisas para o comum dos estudantes, com sua “dosimetria” de parágrafos e períodos, com os avisos contra as “termomanias”, com a recomendação de destaques, de recursos de estilo e controles do número de linhas etc. Não admira, alias, que assim seja quando se vê que Lingüística remexe na linguagem a ponto de reduzir os textos literários mais belos e abstrusas fórmulas matemáticas graças a cansativos exames de estruturas narrativas, de conjuntos frasais, de seqüências de proposições, de relações alternativas, atributivas e obrigatórias... que tiram todo sabor à leitura. Sucede que uma competente lingüista analisou, em tese de concurso, uns textos meus, junto com outros de Orlando Gomes e de alguns homens de letras baianos, e não consegui entender que nota me deu em redação! Azar meu...