O posicionamento e suas transformações na publicidade Bianca Waideman PEREIRA1 Edson Roberto Bogas GARCIA2 Resumo O conceito de posicionamento está diretamente ligado ao modo como a publicidade executa suas estratégias. A partir dessa proposição, o presente trabalho, de caráter exploratório e teórico, discute o posicionamento de marketing, dada a sua evolução desde a concepção do conceito e a variabilidade com que vem sendo tratado. O avanço da tecnologia fez que vivêssemos hoje em uma explosão de informação, levando a um embotamento da percepção do ser humano, sendo, dessa maneira, mais difícil ocupar lugar de destaque na mente do consumidor. Isso possibilitou que o surgimento da ‘Era do Posicionamento’ acarretasse mudanças na maneira de ver e de pensar a publicidade e suas estratégias, pois existem produtos, empresas e informação demais. É necessário criar um novo conceito na mente dos possíveis consumidores, religando tudo aquilo que eles já possuem, e, se possível, até mesmo, redirecionando todas essas conexões já préexistentes. Palavras-chave: Comunicação. Posicionamento. Publicidade. Consumidor. Informação. Introdução O conceito de posicionamento, atualmente, pode ser considerado uma nova abordagem à comunicação e está envolvido de forma direta na evolução da publicidade. Dessa maneira, o presente estudo tem como objetivo ligar os conceitos básicos envolvidos nessa abordagem. Essa proposição parte do princípio de que, por vivermos em meio a uma explosão de informação, foi necessária uma reformulação na forma de ver e pensar a publicidade. Mais do que inverter o processo tradicional de comunicação, tornou-se essencial uma nova modelagem das mensagens para o posicionamento da uma determinada marca ocupar a mente saturada do seu potencial cliente. 1 Graduada em Publicidade e Propaganda pelo Centro Universitário de Votuporanga – UNIFEV. E-mail: [email protected]. 2 Doutor em Estudos Linguísticos pela Universidade Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP. Professor de Língua Portuguesa e de Redação Publicitária do Centro Universitário de Votuporanga – UNIFEV. E-mail: [email protected]. 1 Ano X, n. 02 – Fevereiro/2014 A história da publicidade é marcada por uma evolução cronológica, acompanhando o avanço da tecnologia. O surgimento da “Era do Posicionamento” deixou para trás a “Era do Produto” e a “Era da Imagem”, criando na publicidade uma maneira estratégica de se comunicar. Na “Era do Produto”, as publicidades se resumiam em destacar as vantagens dos produtos oferecidos pelo sistema capitalista e isso era suficiente para seduzir o público da época. Já na “Era da Imagem”, as mensagens publicitárias se esgotavam na encenação, ou seja, era o estágio da representação, no âmbito da virtualização. Foi nesse período que a publicidade passou a ser vista como articuladora que estabelece vínculos entre a massa o desejo de consumir. A partir do momento em que o potencial cliente ganhou o topo do processo de comunicação na publicidade, surgiu a “Era do Posicionamento”. De forma estratégica e levando em conta a posição da concorrência, tornou-se essencial criar relações entre o novo e o antigo. Assim, religar conceitos já existentes de maneiras inusitadas atendendo à necessidade daquele que consome tornou-se o objetivo central do posicionamento e da publicidade. 1. O surgimento e o conceito básico de posicionamento O conceito de posicionamento foi inicialmente desenvolvido pelo publicitário David Ogilvy, presidente da Ogilvy & Mather Advertising, na década de 60, e, posteriormente, desenvolvido, em 1972, por Al Ries e Jack Trout como uma nova abordagem da comunicação, publicidade e do marketing. Para Ries e Trout (2009, p. 2), o posicionamento é o que se realiza, a princípio, na mente do cliente em potencial. Até então, falava-se de produto e não de marca. Com os estudos de posicionamento, o cliente potencial, aquele que recebe a informação das suas vantagens competitivas, é o que passa a ser importante para a estratégia de marketing. Dessa maneira, deu-se o início da “era do posicionamento”, em que apenas a criatividade não era mais suficiente, nascendo assim a necessidade de se pensar e de se agir de forma estratégica (TROUT, 1971, p. 117). Em outras palavras, ser criativo nas mensagens da propaganda não é o critério essencial, é necessário ser o melhor, segmentar e posicionar-se de maneira eficaz com relação aos seus concorrentes dentro 2 Ano X, n. 02 – Fevereiro/2014 de uma perspectiva de longo prazo. Assim, tornou-se fundamental saber criar e comunicar seu diferencial para o público consumidor. Sendo um conceito recente, a questão de posicionamento ainda está sendo estudada pelos teóricos da área e é possível encontrarmos diferentes abordagens sobre o assunto. Para Aaker e Shansby (1982, p. 56), por exemplo: “Posicionamento significa coisas diferentes a diferentes pessoas. Para alguns significa a decisão de segmentação. Para outros é uma questão de imagem. Para outros ainda, significa selecionar qual característica do produto será enfatizada. A função básica do posicionamento, portanto, não é criar uma coisa nova e diferente, mas persuadir o indivíduo realizar inusitadas ligações entre ideias e conceitos a fim de atender o cliente de modo a não contrariar suas regras e ideologias. A abordagem básica do posicionamento não é criar algo novo e diferente, mas manipular aquilo que já está dentro da mente, reatar as conexões que já existem. O mercado de hoje já não reage a mais as estratégias que deram certo no passado. Há produtos demais, empresas demais e barulho de marketing demais. (RIES;TROUT, 2009, p. 19). Podemos definir posicionamento também partindo do conceito de imagem. Ou seja, posicionamento é a imagem que um produto possui frente a um grupo de pessoas com crenças, costumes e conhecimentos distintos. Para Kotler (2000, p. 321) “posicionamento é o ato de desenvolver a oferta e a imagem da empresa para ocupar um lugar destacado na mente dos clientes-alvo”. Dessa forma, o conceito de posicionamento representa um marco na história da publicidade, tornando-se ponto essencial nos estudos da comunicação e do maketing, quebrando com os paradigmas da década de 50. Para Kotler (1998, p. 234), “o ponto central do marketing estratégico moderno pode ser descrito como marketing SAP – segmentação, alvo e posicionamento”. 2. Uma explosão de informação A evolução da publicidade acompanha o desenvolvimento descontrolado das novas tecnologias e do sistema capitalista. Estamos na era da informação, em que tudo se atualiza em questão de frações de segundos. Para Lipovetsky (2003, p. 160): “a lógica econômica realmente varreu todo ideal de permanência, é a regra do efêmero que 3 Ano X, n. 02 – Fevereiro/2014 governa a produção e o consumo dos objetos”. Os meios de comunicação em massa surgiram em oposição à durabilidade e a permanência. Um jornal, por exemplo, é feito para ser lido num dia e jogado fora no dia seguinte. Um filme, que é visto hoje, será substituído por outro, no mesmo cinema, daqui a poucos dias ou semanas. Programas de televisão, que funcionará como documentário dos programas anteriores, assim por diante. Enfim, trata-se de uma cultura do efêmero, do passageiro, fugaz. Cultura, que por isso mesmo, produz nostalgia. (SANTAELLA, 1996, p. 35). Depois da Segunda Guerra Mundial, ocorreu uma explosão das mídias para suprir nossa necessidade demasiada de consumo e de se comunicar. Hoje, temos televisão aberta e fechada, Rádios AM, FM e comunitárias, jornais e tablóides diários, revistas semanais, quinzenais e mensais, abrangendo todos os segmentos. Publicidade de todos os tipos e tamanhos e nos mais diferentes locais, como avião, ônibus, metrô, elevadores. Internet com uma infinidade de sites, blogs, redes sociais. Sem contar o nosso corpo humano que também se tornou uma forma de publicidade com a consumação da moda, visto que vestimos marcas carregadas de signos e significados que transmitem o nosso estilo, ou podemos dizer até que transmitem nosso próprio posicionamento frente a essa globalização do mundo contemporâneo. “Quando absorvida elas mídias, qualquer coisa, seja lá o que for, passa a ter caráter volátil, aparece para desaparecer” (SANTAELLA, 1996, p. 36). Expostos a um nível saturado de informação, encontramo-nos em frente a uma “Sociedade Supercomunicativa”, ou seja, uma sociedade que se comunica em excesso. “Estamos num universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido” (BAUDRILLARD, 1991, p. 103). A quantidade de informação possui relação com a produção de sentido, porém o que se nota na modernidade é que um excesso de informação não leva a um excesso de sentido, pelo contrário. “A informação devora os seus próprios conteúdos. Devora a comunicação e o social” (BAUDRILLARD, 1991, p. 105). Essa teia mundial de informações instantâneas possibilita o embotamento da percepção como defesa a essa saturação. Assim, segundo Ries e Trout (2009, p. 20), “em nossa sociedade supercomunicativa, falar a respeito do “impacto” da sua publicidade é superestimar a eficácia potencial da sua mensagem”. 4 Ano X, n. 02 – Fevereiro/2014 Existe a necessidade de fazer relação entre a quantidade exagerada de informações que recebemos, assim tornamos-nos mais seletivos. Estamos expostos a uma quantidade enorme de publicidades e existe uma diferença muito grande entre o tempo das informações e o tempo que nossa mente leva para absorver essas informações. Tudo é efêmero e rápido demais para nossa mente assimilar e acompanhar. Segundo Ries e Trout (2009), a mensagem deve ser mais sintética possível, para melhor sobrepor a sua acumulação na mente do cliente em potencial. Porém, caracterizá-la como simplificada é como se afirmássemos que essa é inferior as outras mensagens. E não é isso que acontece. Tudo é uma questão de como se estrutura ou se organiza sintaticamente a informação, ou seja, é uma questão de linguagem e, nesse contexto, o meio afeta seriamente. Não podemos tratar de mensagem sem falar de meio e da célebre provocação de McLuhan “o meio é a mensagem” (2007). Devemos entender a diferença de meio, como se refere o autor, aos meios de comunicação e a todas as extensões humanas e às linguagens. Em outras palavras, os meios se superam enquanto os meros suportes materiais, canais físicos, nos quais as linguagens se corporificam e através dos quais transitam e transformam-se em mediadores e produtores de significação. Ou seja, é impossível separá-los da mensagem, pois ela é determinada muito mais pelo meio que a veicula do que pelas intenções do seu autor. O “conteúdo” de um meio é como a “bola” de carne que o assaltante leva consigo para distrair o cão de guará da mente. O efeito de um meio se torna mais forte e intenso justamente porque o seu “conteúdo” é outro meio. O conteúdo de um filme é um romance, uma peça de teatro ou uma ópera. O efeito uma forma fílmica não está relacionado ao conteúdo de seu programa. O “conteúdo” da escrita ou da imprensa é a fala, mas o leitor permanece quase que inteiramente inconsciente, seja em relação à palavra impressa, seja em relação à palavra falada. (MCLUHAN, 2007, p. 33). Para McLuhan (2007), meio é tudo que serve para vincular o homem ao próprio homem. São ferramentas que o homem cria como ambiência para nele se firmar. Dessa forma, os meios são educadores privilegiados dos sentidos e geradores de novos comportamentos. Assim, os meios advindos da 1ª e 2ª Revolução Industrial geraram novos procedimentos técnicos e, com isso, o aparecimento de novas linguagens, que quebraram com o modelo tradicional de comunicação e, consequentemente, reinventaram a forma de se comunicar na publicidade. 5 Ano X, n. 02 – Fevereiro/2014 Nesse sentido, o autor vai afirmar que o homem inventa ferramentas e essas reinventam o próprio homem, assim, como um meio se satura ou se reinventa a partir da tecnologia que o antecede, como, por exemplo, a internet, essa ressignificação abrange todas mídias anteriores ao advento do digital. E o que Ries e Trout (2009) afirmam é que, com essa explosão de informação, o surgimento do posicionamento leva a um reinvento da linguagem. Para que, assim, seja capaz de produzir sentido e não se tornar apenas tentativas de sedução do consumidor. 3. Inversão de valores: modelo linear da comunicação X modelo circular ou organicista da comunicação O que acontece na publicidade com o surgimento do posicionamento, na verdade, é uma inversão de valores. Passa-se da ênfase dada ao produto ao potencial do cliente. Ou seja, a relação emissor e receptor não faz mais tanto sentido. De outro modo, trata-se de uma inversão do modelo tradicional da comunicação, cuja ênfase recaía na emissão, que, na publicidade, era representada pelo produto que procurava, por meio de estratégias de sedução, persuadir o cliente a comprá-lo. Hoje, entretanto, a estratégia desloca-se para o estudo do potencial do cliente enquanto principal agenciador da mensagem publicitária. Tal mudança deve (re) configurar todo complexo comunicativo, na medida em que os elementos que participam desse processo não são estáveis, muito menos fixos ou estáticos como se pensava anteriormente. Para entender isso, é importante ressaltar que, em todo processo de comunicação, existe um emissor, um canal, um código, uma mensagem e um receptor. O conteúdo da informação (mensagem) é produzido por uma fonte de informação (emissor) e transmitida através de um canal para um receptor. No modelo linear da comunicação, mantém-se o esquema de causa e efeito presente na teoria hipodérmica da comunicação, em que se supõe que uma mensagem midiática, quando enviada a um público de massa, afeta da mesma maneira todos os indivíduos, ou seja, afirma-se que o movimento (emissor-mensagemreceptor) permanece absolutamente íntegro de uma ponta a outra. Nesse modelo, a importância maior está no emissor e o receptor é visto como apenas um dos integrantes do sistema, obtendo uma posição passiva e tendo que se adaptar aos sistemas de 6 Ano X, n. 02 – Fevereiro/2014 informação que lhe é submetido. Dessa maneira, o modelo linear da comunicação se baseia na distinção entre o corpo e o espírito, o sujeito e o objeto. A comunicação é a mensagem que um sujeito emissor envia a um sujeito receptor através de um canal. O conjunto é uma máquina cartesiana concebida com base no modelo de bola de bilhar, cujo andamento e impacto sobre o receptor são sempre calculáveis (SFEZ, 1994, p. 65). Contrapondo esse modelo tradicional e linear da comunicação, num contexto pós-guerra, surge o modelo circular ou organicista da comunicação. Ele é baseado na “visão em que sujeitos e objetos estão ligados” (SFEZ, 1994, p.31) e, assim, nele, os processos comunicativos se dão em espiral. O canal passa a ser mensagem, pois já vimos com McLuhan que “o meio é a mensagem” (2007), não podendo dissociar linguagem de mensagem. O receptor recebe poder de comunicar-se dentro do sistema, tirando assim a característica do modelo linear de ser uma via de mão única. A comunicação passa a levar em conta o fato de que cada receptor recebe a mensagem de uma forma e que ele deve ser a razão do comunicar-se. Existe, nesse modelo, o feedback, pois não é só mais o emissor o autor da mensagem, o receptor tem o poder da resposta e passa a ser o centro do sistema. Este modelo sustenta que a metáfora orgânica é um modelo lógico. Ele tem uma problemática própria. Não agimos mais com instrumentos com vista a comunicar. Comunicamo-nos diretamente com todo o corpo dos homens e da natureza nas duas dimensões (sincrônica) e do vir-a-ser (diacrônica). (...) A realidade do mundo não é mais objetiva, mas faz parte de mim mesmo (SFEZ, 1994, p. 49;65). E é nesse sentido que Ries e Trout (2009) defendem que se deve inverter o processo tradicional, colocando o receptor como principal elemento e entender que o objetivo dele é atender as necessidades do seu potencial cliente. É lhe mostrar o que ele quer ver por meio da mensagem que lhe é transmitida através de um canal. Quando se fala em posicionamento, não se fala no modelo linear da comunicação, mas sim no modelo circular ou organicista da comunicação. Dessa forma, afirmam Ries e Trout (2000, p. 23), que, ao inverter o processo, ao enfocar mais o potencial cliente do que o produto, simplifica-se o processo de seleção. 7 Ano X, n. 02 – Fevereiro/2014 4. Posicionamento e a explosão de produtos Outra razão importante que levou o surgimento e a consolidação do conceito de posicionamento foi a explosão de produtos. Isso ocorreu depois que a produção artesanal perdeu seu lugar para a produção em massa e o sistema começou a implantar nos EUA, “primeiramente no setor automobilístico, o princípio das linhas completas de produtos e da renovação atual de modelos” (LIPOVETSKY, 2003, p. 162). Após a Segunda Guerra Mundial, esse sistema se expandiu para todo o mundo e a produção e a criação de novos produtos tomaram uma proporção assustadora. Levando em conta que uma pessoa é capaz de receber apenas uma quantidade limitada de sensações (RIES; TROUT, 2009, p. 31), tornou-se essencial uma maneira ou estratégia de se destacar na mente do seu potencial cliente, ou seja, o posicionamento. Até então era possível encontrar poucos produtos de cada segmento e facilmente destacar o melhor. Com essa explosão da produção em massa, deixou de existir “o melhor”, o singular e único e passou a existir uma diversidade enorme de produtos iguais ou quase iguais que atendiam as mesmas necessidades da sociedade da época: A moda consumada assinala a generalização do sistema das pequenas diferenças supermultiplicadas. Paralelamente ao processo de miniaturização técnica, a forma moda engendra um universo de produtos ordenado pela ordem das microdiferenças. (LIPOVETSKY, 2003, p. 162) Isso levou a uma corrida entre marcas para disputar um número maior de consumidor. A produção em massa propiciou uma queda nos valores dos produtos, permitindo assim que todas as classes sociais participassem do sistema capitalista implantado. Era hora de inovar para se destacar, porém, poucos notaram que era o momento de inverter o processo da publicidade, deixando o produto e suas características de lado e focar no cliente, na mente daquele que você pretende fidelizar. Ainda pensando no produto, o conceito de design ganhou espaço no contexto dessa sociedade de consumo exagerado. Nos países desenvolvidos, o setor produtivo chegou à conclusão de que os consumidores já possuíam tudo que lhes eram ofertados. Percebendo o que acontecia, o design aproveitou a situação, sugerindo uma nova 8 Ano X, n. 02 – Fevereiro/2014 abordagem, substituindo os modelos antigos por novos produtos baseados na diferenciação, mudanças periódicas e dispostos ao ouvir o cliente. 5. As eras que marcam a história da publicidade A história da publicidade vem acompanhando as transformações da sociedade contemporânea e o desenvolvimento do sistema capitalista. “O mundo não voltará a ser o mesmo e o negócio da publicidade também não” (RIES; TROUT, 2009, p. 36). Acompanhando cronologicamente essa evolução, podemos dividir a história da publicidade em três grandes eras: a era do produto, a era da imagem e finalmente a era do posicionamento. 5.1. Era do Produto O capitalismo, principalmente o industrial e o financeiro, é um sistema econômico que visa o lucro através da produção e venda massiva de um determinado produto ou bem. A partir de um modelo burocrático-industrial toda inovação tinha como objetivo atingir o maior público possível, obtendo assim o maior lucro possível. Segundo Morin (1990, p. 23), “sem o impulso prodigioso do espírito capitalista, essas inovações não teriam conhecido um desenvolvimento tão radical e maciçamente orientado”. O que importava nessa fase era produzir produtos iguais em grande escala, desprovidos de inovações e originalidade, para os quais uma quantidade grande de consumidores se interessassem e tivessem a necessidade de adquiri-los de forma padrão. Assim, o interesse nesse processo era exclusivamente técnico e comercial. A consequência disso são produtos que usam receitas-padrão já conhecidas e testadas sob a ótica do lucro. Elas visam a garantir a boa recepção do maior público possível, ou seja, o conhecido público universal. A concentração técnico-burocrática pesa universalmente sobre a produção cultural de massa. Donde a tendência à despersonalização da criação, à predominância da organização racional de produção (técnica, comercial, política) sobre a invenção, à desintegração do poder cultural [...]. A indústria do detergente produz sempre o mesmo pó, limitando-se a variar as embalagens de tempos em tempos. A indústria automobilística só pode 9 Ano X, n. 02 – Fevereiro/2014 individualizar as séries anuais por renovações técnicas ou de formas, enquanto as unidades são idênticas umas as outras, com apenas algumas diferenças-padrão de cor e de enfeites. (MORIN, 1990, p. 25) No inicio do século XX a cultura era separada pelas classes sociais, pois não havia acesso do camponês à criação artística da burguesia, enquanto o operário produzia a sua cultura no subúrbio das grandes indústrias e dentro dos sindicatos. Assim, as divisões sociais, refletiam também a produção cultural. Essa homogeneização de valores culturais, acompanhada da necessidade de consumo da época, firmou o aparecimento de um cidadão culturalmente homogêneo. Isso contribuiu para uma mistura e uma tendência “homogeneizante” entre as culturas. Visando a atingir o maior público possível, pela necessidade de mercado, foi necessário incorporar valores culturais da cultura camponesa, operária e burguesa, unir todas elas e formar uma cultura massificada. Dessa forma, todos tinham grande acesso a informações e o poder da massa de consumo. Todos compravam apenas o produto que lhes era ofertado, não importando os benefícios agregados a ele. Nessa era, a propaganda tinha como foco principal o produto. O profissional de propaganda só tinha olhares para as suas características e isso era o suficiente para aumentar as vendas e fidelizar o cliente de primeira. Com essa homogeneização da cultura, não eram necessárias criatividade nem estratégias por parte do publicitário. Porém, depois de uma explosão da indústria e da cultura, a sociedade necessitava de mais. “Em determinado momento precisa-se de mais, precisa-se de invenção. É aqui que a produção não chega a abafar a criação, que a burocracia é obrigada a procurar a inovação, e que o padrão se detém para ser aperfeiçoado pela originalidade” (MORIN, 1990, p. 26). Assim, ficou claro que o foco das campanhas publicitárias da época estava defasado frente ao momento em que a sociedade se encontrava. O consumidor estava perdido em meio a produtos idênticos e a promessas muito semelhantes e isso deu origem a uma nova era. 5.2. Era da Imagem Diante a explosão de informação e do avanço da industrialização, acompanhado da perda do sentido das coisas, ocorre uma sobrevalorização do simulacro. Estamos 10 Ano X, n. 02 – Fevereiro/2014 expostos a um nível saturado de informações e cabe a nós relacionarmos e criarmos vínculos entre os significados. Assim “em vez de fazer comunicar, esgota-se na encenação de comunicação. Em vez de produzir sentido, esgota-se na encenação do sentido” (BAUDRILLARD, 1991, p. 104). Seria simulacro, segundo Baudrillard, o estágio da representação, no qual a realidade é “virtualizada”. Ao entender nossa condição como a de uma ordem social na qual os simulacros e os sinais estão, de forma crescente, constituindo o mundo contemporâneo, torna-se impossível qualquer distinção entre “real” e o seu processo de virtualização. Dessa forma, o sistema social em que vivemos tem a capacidade de integrar em si mesmo a sua própria negação, por meio dos produtos do espetáculo. Tudo é absorvido pelo sistema. Tudo é incorporado aos objetos industriais e mostrado de forma fascinante pelo mundo do espetáculo. Tudo passa a ser representação. Vivemos um mundo de representações, em que nada é o que realmente significa, mas sim signos dotados de significados, perdendo assim a matriz, o ponto inicial. Ou seja, as “coisas” não representam mais o seu objeto, mas, tão somente, a imagem do objeto que é o referente signico. Nesse contexto, Baudrillard (1991, p. 104) destaca a publicidade, ou a linguagem da propaganda, da sedução. Todas as formas actuais de actividades tendem para a publicidade, e na sua maior parte esgotam-se aí. Não forçosamente na publicidade nominal, a que se produz como tal – mas a forma publicitária, a de um modo operacional simplificado, vagamente sedutor, vagamente consensual. No contemporâneo, a publicidade é cada vez mais compreendida enquanto articulador que estabelece vínculos entre o público e o seu desejo de consumir agenciado pela propaganda. Seu valor resultaria, desse modo, do próprio preço que se cobra por ele e não do trabalho, da aura ou do uso. Por exemplo, o que tornaria um objeto caro seria a própria etiqueta que, com um preço alto, daria a quem compra o status de comprar um objeto de alto custo. Qualidade, uso e troca estariam, assim, fora da equação. Publicidade e propaganda adquirem toda sua dimensão a partir da Revolução de Outubro e da crise mundial de 29. Ambas as linguagens de massa, saídas da produção de massa ou de idéias ou de mercadorias, e os seus registros, ao princípio separados, tendem a aproximar-se progressivamente. A propaganda 11 Ano X, n. 02 – Fevereiro/2014 faz-se marketing e merchandising de idéia-força, de homens políticos e de partidos com a sua “imagem de marca”. (BAUDRILLARD, 1991, p. 104). Nessa era, a função da propaganda não era apenas informar, mas criar um vínculo emocional com os consumidores e aproximá-los da empresa. Produtos fisicamente semelhantes poderiam ser diferenciados pela sua imagem. Assim, todas as propagandas passaram a exibir elegância, belas modelos, locações cinematográficas, o que os profissionais de propaganda chamam de “mundo de fantasia”. 5.4. Era do Posicionamento Essa é a época em que a criatividade deixa de ser suficiente, implicando a necessidade de se pensar e de se agir de forma estratégica (TROUT, 2009, p. 38). Foi quando Ries e Trout (2009)conceituaram a “era do posicionamento”. O surgimento dessa nova era levou a uma mudança na maneira de se pensar propaganda. Ao invés de criar propagandas para o benefício básico do produto ou para a imagem da marca, começaram defender uma orientação para a concorrência, ou seja, dizer para a própria propaganda. Aaker e Shansby (1982, p. 56) concordam que o posicionamento difere do conceito de imagem, especialmente porque não se restringe a uma visão intrínseca, ou seja, implica um quadro de referência, que são os concorrentes. Nessa sociedade saturada, não existe boa comunicação se não levarmos em conta que os concorrentes existem em grande escala e que eles também se comunicam e possuem o mesmo público-alvo que você. O consumidor está saturado de informação e não tem capacidade de absorver mais nada. Trout (2002, p. 38) afirma que, na era do posicionamento, os atributos dos produtos e a imagem possuem grande importância. Além disso, ressalta a criação de uma posição na mente do consumidor potencial. Reconhece também a importância de se fixar um nome, porém deixa claro que um bom programa de posicionamento, por ser uma atividade complexa, deve ter aí o seu início e manter-se permanente. (TROUT, 1971, p. 36-40). 12 Ano X, n. 02 – Fevereiro/2014 Conclusão A publicidade, desde seus primórdios, tem passado por constantes mudanças, não só na maneira de pensar, mas principalmente na maneira de agir. O conceito de posicionamento foi responsável por muitas dessas mudanças, acarretando uma maneira estratégica de se comunicar na publicidade. Relacionar conceitos básicos da teoria da comunicação, como “o meio é a mensagem” de McLuhan (2007) e a “simulação” de Baudrillard (1991) com a evolução do posicionamento, permite clareza para destacarmos as transformações da publicidade movidas pela evolução do conceito de marketing do posicionamento. Dentro de um sistema capitalista e expostos a uma saturação muito grande de informações e simulações, fica claro que criatividade não é mais a principal característica da publicidade. Entender as necessidades do cliente e torná-lo ponto central do seu modelo de comunicação de forma estratégica é o que faz que sua mensagem alcance a mente do consumidor e obtenha lugar de destaque em meio a tantas informações que recebe durante a vida. Não há como estudar as estratégicas da publicidade atual sem entender de onde veio essa necessidade de posicionar-se diante do mercado do consumismo e como se deu a evolução cronológica das nossas tecnologias, percepções e conceito. O cliente potencial, aquele que recebe a informação das suas vantagens competitivas, é o que interessa nessa nova abordagem da comunicação, da publicidade e do marketing. Referências AAKER, David A.; SHANSBY J. Gary. Positioning your product. Business horizons. Greenwich, v. 25, n. 3, p. 56-62, mai./jun. 1982. BAUDRILLARD, Jean. Simulacro e simulação; tradução Maria João da Costa Pereira. Relógio d’Água 1991, Éditons Galilées, 1981. KOTLER, Philip. Administração de marketing: implementação e controle. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1998. análise, planejamento, ______. Administração de marketing. 10. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2000. 13 Ano X, n. 02 – Fevereiro/2014 LIPOVETSKY, Gilles. O Império do efêmero – a moda e seus destinos na sociedade moderna. São Paulo: Companhia das letras, 2003. MCLUHAN, Marshall. Os Meios de comunicação como extensão do homem; tradução de Décio Pignatari. São Paulo: Culturix, 2007. MORIN, Edgar. Cultura de Massas no século XX: o espírito do tempo. Tradução de Maura Ribeiro Sardinha. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. RIES, All ; TROUT, Jack. Posicionamento: a batalha por sua mente. São Paulo: M. Books do Brasil Ltda, 2009. SANTAELLA, Lúcia. Cultura das mídias. São Paulo: Editora Experimento, 1996 SFEZ, Lucien. Crítica da comunicação. 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