Fórum Nacional – Seção Especial As Relações Econômicas Brasil-China Trajetória Recente e Perspectivas Cláudio R. Frischtak e André Soares 18 de Setembro de 2013 1 As Relações Econômicas Brasil-China: Trajetória Recente e Perspectivas Claudio R. Frischtak e André Soares1 I. Introdução Na última década as relações econômicas Brasil-China sofreram uma transformação de grande magnitude principalmente no plano do comércio, mas também na dimensão do fluxo bidirecional de investimentos. Este trabalho revê a dinâmica recente do relacionamento econômico dos dois países e o potencial impacto da transição da economia chinesa para um novo padrão de desenvolvimento. A seção II examina as relações de comércio entre os países. Dois fatos são enfatizados: primeiro, o crescimento do fluxo de comércio, que no decênio 2002-12 partiu de US$ 4,1B para alcançar US$ 75,5 B ao final do período, uma taxa media de 38,8% a.a. Segundo, ainda que o fluxo tenha se arrefecido em 2012, no primeiro semestre de 2013, tanto as exportações quanto as importações cresceram a uma taxa superior às grandes economias (EUA e Europa) de regiões, confirmando a centralidade da China para o comércio do país. A continuidade do crescimento chinês – ainda que a taxas mais moderadas, i.e., em torno de 7-7,5% a.a nos próximos anos - sugere que a China manterá sua posição como maior parceira comercial do Brasil. As relações de investimento são outra dimensão de grande relevância no intercâmbio econômico dos dois países, e será discutida na terceira seção. Nesse caso há uma assimetria considerável: com base nos anúncios confirmados de investimentos diretos chineses no Brasil, estes avançaram consideravelmente desde 2009, e mudando sua composição rapidamente. 1 Respectivamente “Country Director”, International Growth Center e Consultor – Conselho Empresarial Brasil China, e coordenador de pesquisa do CEBC. Os autores agradecem a excelente assistência de pesquisa de Katharina Davies. 2 Não há, contudo evidência que o reverso é verdadeiro. A seção explora as possíveis razões para esse padrão distinto nos fluxos de investimento. A seção IV tenta estabelecer o impacto das mudanças na economia chinesa principalmente sobre as exportações de bens e serviços (e os investimentos diretos) brasileiros. Na medida em que se esgotam as reservas de trabalhadores rurais, e o país ultrapassa o “Lewis Turning Point”, os salários dos trabalhadores chineses entrarão numa trajetória fortemente ascendente. Em paralelo, o governo está compromissado a alterar as relações de crédito que reforçam a tendência à hiper acumulação de capital, tendo por contrapartida a compressão do consumo (das famílias) na demanda agregada. Nesse sentido, a participação dos investimentos no PIB – acima de 50% - irá, inevitavelmente, se contrair, e do consumo se expandir. O resultado será uma magnificação do poder aquisitivo acima de sua tendência natural (na ausência da mudança do modelo) e consequentemente uma rápida ampliação da classe média nos próximos anos. Esse processo de rebalanceamento da economia chinesa será reforçado com um novo sistema de seguridade social, consistente com as mudanças demográficas em curso, com a queda da natalidade e o aumento da expectativa de vida. Nessa perspectiva é importante salientar que as mudanças na economia chinesa e seu modelo de desenvolvimento, não deverão alterar radicalmente a demanda por produtos do Brasil, que ainda estará concentrada em commodities (mesmo que com um viés a favor das agrícolas e florestais). Contudo, novas oportunidades para as exportações e investimentos oriundos do Brasil se abrirão, com a emergência de uma classe média que se tornará majoritária na próxima década (atualmente estimada em 350 a 400 milhões de pessoas). Serão as preferências, opções de estilo de vida e preocupações dessa classe média que irão ditar não apenas a composição do consumo das famílias chinesas, como a própria orientação da política econômica. Sua liberalização irá ampliar os horizontes econômicos dessas novas camadas mais educadas e bem informadas, e – em última instancia - retroalimenta-las. A seção V conclui com uma síntese das principais conclusões do trabalho. 3 II. A Expansão do Comércio Brasil – China Na década de 2000, houve uma transformação de grandes proporções nas relações econômicas Brasil-China. Inicialmente, essa mudança foi reflexo de um rápido aumento do fluxo de comércio entre os países, alavancado pela forte complementaridade das duas economias. Já no início da década, a China esgotava sua capacidade de prover matérias para uma indústria em rápido crescimento, num contexto de um acelerado processo de urbanização, deslocando a demanda do agronegócio e da mineração brasileira. Em paralelo, a China expandiu a oferta de bens industriais (enquanto “workshop of the world”), comprimiu seus preços em escala global, e foi instrumental para o choque positivo nos termos de troca experimentado pelo Brasil. Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial do Brasil. Em 2012, o volume de comércio foi de US$ 75,5 bilhões, decrescendo marginalmente, e permanecendo em elevado patamar, com um saldo positivo de US$ 7 bilhões (Gráfico 1). Gráfico 1: O Fluxo de Comercio Brasil-China 2002-2012 (em US$ Bilhões) Fonte:MDIC 4 No primeiro semestre de 2013, o fluxo de comércio voltou a crescer, e o fez a uma taxa de 9% em relação ao mesmo período em 2012. Comparado com o primeiro semestre de 2012, as exportações tiveram uma leve aceleração, enquanto que o ritmo de crescimento das importações não se moveu em relação ao mesmo período do ano anterior. Gráfico 2: Evolução do Comércio por Semestre Percentual em relação ao ano anterior 2009-2010 a 2012-2013 70% . 60% 59% 49% 50% 44% 40% 30% 34% Exportação 37% Importação Fluxo Comercial 20% 19% 10% 0% 9% 9% 9% 9% 7% 6% 2009-2010 2010-2011 2011-2012 2012-2013 Fonte: MDIC; e CEBC, China Brazil Update, 8, Setembro de 2013. Na realidade, o ano de 2013 reafirma um fato singelo: a China se mantém como principal vetor positivo para o crescimento do comércio brasileiro (Gráfico 3). De fato, dentre os principais mercados para as exportações do país, a China foi a que mais cresceu, e já é o segundo maior destino (o primeiro sendo a América Latina). Vale notar o desempenho sofrível das exportações, não apenas para a Europa em recessão (- 9,1%), mas também para os EUA em recuperação (- 16,4%), a própria América Latina (0,7%) e a Ásia ex-China (1%). O quer os dados parecem sugerir é que a menos de mercados fortemente demandantes de commodities em que o Brasil tem inerentemente fortes vantagens comparativas, os demais parecem estar em retração para os produtos brasileiros. 5 Gráfico 3: Exportações brasileiras no primeiro semestre US$ bilhões 26,0 24,6 (0,7%) 24,4 24,0 24,0 23,0 22,0 21,8 21,2 (9,0%) (-9,1%) 20,0 America Latina China 18,0 Europa Asia-China 16,0 14,9 14,7 (1,0%) EUA 14,0 13,7 12,0 11,5 (-16,4%) 10,0 2012 2013 Fonte: Ver Gráfico 2. É provável que a recuperação das grandes economias (EUA e Europa), que deve acelerar no segundo semestre de 2013, possibilite uma retomada das exportações do país no seu agregado e para mercados tradicionais de manufaturas (a exemplo dos EUA). A forte desvalorização do real deve atuar como acelerador das exportações após um período de transição, isso ocorrerá se a desvalorização nominal não acelerar a inflação, corroendo os ganhos de competitividade de preço propiciada por esse movimento cambial. Ao mesmo tempo, a economia chinesa está sinalizando não apenas uma estabilização na contração do crescimento em torno de 7-7,5 %, como contínuos impulsos endógenos numa fase complexa de transição entre modelos de crescimento (como se verá mais abaixo). 6 III. Do Comércio ao Investimento: uma nova dinâmica. Os investimentos estrangeiros diretos (IED) na China cresceram acentuadamente nas três últimas décadas (Gráfico 4). Desde que seu ingresso que foi autorizado em 1978, o IED foi na realidade um dos principais elementos da política de abertura econômica enunciada pelo então Presidente Deng Xiao Ping. Em 2012, 45% dos fluxos globais de IED foram direcionados para apenas seis países, sendo os EUA o principal recipiente (com US$ 167 B ou 12% do total), seguido da China (US$ 121 B), Hong Kong (US$ 74 B), Brasil (US$ 65 B), Ilhas Virgens Britânicas (US$ 65 B), Reino Unido (US$ 62 B) e Austrália (US$ 57 B)2. Gráfico 4: Fluxo e Estoque de IED na China 1980 – 2012 (US$ Bilhões) Fonte: UNCTAD O investimento estrangeiro foi na realidade determinante para dar forma ao modelo de desenvolvimento chinês. Chegou a representar 6,25 % do PIB e acima de 10% do total de investimento do país em 1993, se reduzindo gradativamente a menos de 2% a partir de 2009 (Gráfico 5). Do ponto de vista qualitativo, o IED foi – e tem sido - instrumental para desenvolver setores industriais avançados em bens de capital e consumo durável, e criar a maior e mais eficiente base manufatureira exportadora do mundo. E mais recentemente, o IED vem estimulando a modernização do comércio, distribuição e logística. 2 Ao se considerar Hong Kong integrado à China, a RPC se torna o maior recipiente de IED globalmente. 7 Gráfico 5: Fluxo de IED e Participação no PIB Chinês 1990 – 2012 (em %) Fonte: UNCTAD, Banco Mundial e cálculos próprios Ainda que na composição dos investimentos, manufatura e construção civil representam mais de 70% do IED, aquela atinge o seu auge na década de 2000, com forte presença nas Zonas Econômicas Especiais (ZEE). Já o setor de construção absorve cerca de um quinto do fluxo de investimentos, e com a acessão a OMC, comércio, distribuição e serviços se abrem e se modernizam. Vale sublinhar que a mudança no perfil dos investimentos estrangeiros reflete a prioridade de política de governo Antes as empresas buscavam eficiência em custo e mercado, e atualmente deslocam para a China atividades críticas de seus negócios, como centros de pesquisa, desenvolvimento, e engenharia, em setores de ponta. O Gráfico 6 ilustra as mudanças de prioridades do governo chinês ao longo das últimas décadas, e com base nas políticas de atração de IED divulgadas através do Catálogos Guias para Investimento Estrangeiro Direto. Se ao início a prioridade era aprender a produzir de uma forma eficiente bens de 8 consumo não duráveis, já na década de 1990 a ênfase eram os bens duráveis, e os setores modernos (a exemplo de automotivo, eletrônica de consumo). Na década passada as prioridades passaram a bens e serviços mais complexos e sofisticados, migrando em anos recentes para biotecnologia, energia renovável etc. Gráfico 6: As Ondas de Ingresso de Investimento Estrangeiro Fonte: Governo da RPC (Catálogos de Investimentos) e CEBC Apesar da importância da economia chinesa, os investimentos brasileiros são aparentemente bastante modestos, com um volume pequeno e uma dinâmica acanhada (Gráfico 7). De fato, olhando-se os investimentos pelo lado do estoque de recursos, este somava em 2010 cerca de US$ 600 milhões, tendo por referência os dados dos reguladores chineses3. Na 3 Há um conjunto limitado de empresas de forte projeção e “pegada” produtiva local, a exemplo da WEG e Embraer. Há ainda grandes exportadores cuja plataforma principal é o Brasil e cujo foco é a venda de produtos associada a prestação de serviços – Vale, Suzano, Bunge, BR Foods, dentre outros. Finalmente, a presença empresarial do Brasil se dá ainda por meio de prestadores de serviços (tradings, financeiros, legais) e escritórios cuja atividade de sourcing ou compras por empresas voltadas ao mercado doméstico brasileiro. 9 última década, estima-se que a China tenha sido o destino de apenas 0,06% dos investimentos que saem do Brasil, e o Brasil a origem de apenas 0,04% dos investimentos que ingressam na China. Gráfico 7: Estoque de Investimentos Brasileiros na China 2000-2010 700 638 573 600 525 500 388 400 MOFCOM (US$ milhões) 316 307 300 200 100 154 167 138 148 77 39 39 15 0 Banco Central (US$ milhões) 246 14 15 95 83 48 28 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 Fonte: MOFCOM, Banco Central e CEBC Porque essa dissonância entre um fluxo extremamente expressivo de comércio e exportações brasileiras, e investimento direto? Na realidade, há um conjunto de barreiras ao ingresso das empresas brasileiras, que em parte explica a razão dos fluxos ainda modestos. Primeiramente, a distância física e cultural entre o Brasil e o país asiático, inclusive o fato que o ambiente de negócios chinês possui características particulares e idiossincrasias. Segundo, a falta de informação e conhecimento sobre as prioridades do governo chinês, como ingressar na China e lidar com as diversas instâncias governamentais. Além disso, a necessidade de autorizações e aprovações do Governo Chinês para projetos em setores regulados, e o não reconhecimento de práticas adotadas internacionalmente pelo sistema judiciário, no que tange à questão da propriedade intelectual, pode acaba por favorecer o lado chinês. 10 Finalmente, o desalinhamento entre os objetivos estratégicos das empresas brasileiras e de seus parceiros chineses4. O fluxo de investimentos, contudo é bi-direcional, e nesse sentido há evidência de uma forte assimetria, com um elevado volume de investimentos chineses anunciados, e um subconjunto significativo de investimentos confirmados e sendo levados adiante em anos recentes. De fato, levantamento recente dos Investimentos chineses no Brasil indicou 60 projetos, totalizando US$ 68,5 B, sendo que até junho de 2013, 39 tinha sido confirmados no valor de US$ 24,4 B (de um total anunciado de US$ 44,1 B)5. Um total de 44 empresas chinesas anunciaram investimentos, sendo sete parte de um grupo especial de SOEs (espinha dorsal da economia chinesa); a maioria dos projetos (47 de um total de 60) tem o governo, direta ou indiretamente, como sócio da empresa. Gráfico 8: Investimentos Chineses no Brasil Anunciados e Confirmados 2007-2012 (junho) 25 21 Número deProjetos 20 18 14 15 Anunciados Confirmados 13 10 9 12 4 75% 5 3 1 2 1 0 2007 2008 2009 2010 2011 2012 (junho) Fonte: CEBC 4 Para uma discussão detalhada, ver dos autores, Empresas Brasileiras na China: Presença e Experiências, Conselho Empresarial Brasil-China, Rio de Janeiro, 2012. 5 Ver dos autores, Uma análise dos investimentos chineses no Brasil: 2007-2012, Conselho Empresarial Brasil-China, Rio de Janeiro, Junho de 2013 (com Tania O´Conor). 11 Chama atenção o salto de anúncios e confirmações em 2010. Há indicações que esta mudança ou salto de escala foi deflagrado no póscrise por conta da decisão das empresas de estabelecer plataformas de produção no Brasil, pressionados pelo colapso de mercados no último trimestre de 2008, e estimuladas pela parceria estratégica dos dois países. Enquanto a primeira rodada de grandes investimentos chineses foi direcionada à busca por matérias-primas, que aparentemente confirmava as expectativas sobre o foco da atuação destas companhias no exterior, a mais recente rodada de anúncios e projetos de investimento mudou essa noção. O Brasil foi escolhido como base de produção em bens de capital, veículos, equipamentos de telecomunicações e fabricantes de produtos de alto valor agregado, para abastecimento do mercado doméstico e – em muitos casos - regional. Nesse sentido, empresas em busca de recursos naturais – dominantes em 2010 – foram substituídas por empresas em busca de mercado em 2011 e foco no setor de manufaturas, sendo o modo de ingresso tipicamente de investimentos greenfield. Em síntese: ao se debruçar sobre as relações econômicas Brasil China nas suas dimensões essenciais, esse trabalho aponta transformações muito rápidas no âmbito do comércio, e mais recentemente no plano dos investimentos. Nesse último aspecto há efetivamente uma dissonância relevante: não apenas em termos absolutos, mas relativos, a presença das empresas chinesas é significativamente maior no Brasil do que a de empresas brasileiras na China. Em ambos os países, o investimento direto externo ganhou escala na década de 20006. E nos dois casos, a projeção inicial das empresas se deu no plano regional – no caso da China, a Ásia; e no caso do Brasil os países do Mercosul, e posteriormente as Américas. Foi no contexto do segundo movimento - de globalização efetiva -, que as empresas chinesas chegaram ao país. A seção que segue examina em que medida as mudanças prováveis na economia chinesa poderão a direção e a intensidade das relações Brasil-China. 6 Vale assinalar que há mais de uma década o IED com origem na China se tornou um fenômeno,sendo que em 2010 a China ultrapassou o Japão e se tornou o quinto maior investidor direto no exterior, correspondendo a 5% do total global (< 1% em 2007). 12 IV. As mudanças em curso na economia chinesa e suas Implicações para o Brasil. Há poucas dúvidas que o modelo chinês de desenvolvimento econômico está em transição. Pode-se caracterizar a economia socialista de mercado da China como um sistema de fato comandado centralmente nos seus fundamentos, e cujos pilares são uma combinação de bancos estatais de porte (na realidade os maiores do mundo); um enorme número de empresas estatais centrais, provinciais e municipais, cujos investimentos são impulsionados pelo crédito dos bancos públicos; um número igualmente grande de joint ventures público-privadas, forma dominante de presença dos investimentos estrangeiros; e um conjunto de empresas de fato privados, e em rápido crescimento. Uma oferta altamente elástica e cada vez mais educada de mão de obra, e uma taxa extremamente levada de investimento têm sido nas últimas décadas o motor da economia, em conjunto com ganhos elevados de produtividade (Quadro 1). A dinâmica, porém é elucidativa: uma contribuição decrescente do fator trabalho; uma participação do capital humano/educação que atinge um máximo na década de 2000; e uma acumulação de capital em ascensão contínua para compensar os demais fatores; e ganhos crescentes de produtividade. Quadro 1: China - Decomposição do Crescimento do PIB Projeções 1981199120011981201120211990 2000 2007 2007 2020 2030 8,34 9,09 11,15 9,35 6,09 4,98 PIB 2,53 1,18 0,93 1,61 0,34 -0,08 Trabalho 0,70 1,19 0,83 0,91 0,65 0,15 Educação/Capital Humano 2,09 3,00 3,33 2,76 2,74 2,74 Capital 3,02 3,72 6,06 4,07 2,36 2,17 PFT Nota: PFT = Produtividade Fatorial Total Fonte: Jong-Wha Lee and Kiseok Hong, "Economic Growth in Asia: Determinants and Prospects," ADB Economics Working Paper Series, September 2010; e inferências próprias para a contribuição do capital. 13 Porque o imperativo da transição do modelo econômico? Pelo lado da oferta, há três fatores críticos. Primeiro, a eficiência marginal do capital vem caindo nas duas últimas décadas – a acumulação de capital estaria “comprando” cada vez menos crescimento (Gráfico 9). Em 2012, esse valor atingiu 6,2, cerca de duas vezes maior quando comparado ao início da década de 1990. Gráfico 9: China - A Eficiência Cadente do Investimento 1992-2012 Fontes: World Economic Outlook e Banco Mundial; Elaboração própria. Segundo, a contribuição dos fatores demográficos ao crescimento econômico continuará se reduzindo rapidamente nos próximos anos, deixando de ser marginalmente positiva na tua década, para se tornar negativa na década de 2020 (Quadros 1 e 2). As mudanças operadas na dinâmica populacional da China apontam para o fato de que já nesta década, a contribuição da demografia será menor na China que nos EUA, invertendo a posição do período anterior. De qualquer forma, o mais relevante é que a China caminha para uma contribuição negativa da população ao PIB, tal qual o Japão. 14 Quadro 2: Demografia e Crescimento China, EUA e Japão Período de Base 1996-2005 Média anual de crescimento real do PIB Contribuição Direta dos Fatores Demográficos Contribuição do Crescimento Populacional Contribuição do Crescimento da População em Idade Ativa China Estados Unidos Japão 8,8 1,4 0,8 3,3 1,3 1,1 1,1 -0,3 0,2 0,6 0,2 -0,5 0,3 0,6 0,5 0,9 -1,0 -0,3 -0,3 -0,3 -0,7 Impacto da Mudança Demográfica 2011-2020 Contribuição Esperada dos Fatores Demográficos para o Crescimento Anual do PIB Contribuição do Crescimento Populacional Contribuição do Crescimento da População em Idade Ativa Fonte: Jamie Hall e Andrew Stone, “Demography and Growth”. RBA Bulletin, Junho 2010 Terceiro, como notado acima, a contribuição (marginal) da educação/capital humano já atingiu o seu ápice, e deverá se retrair nos próximos anos, na medida em que o país se aproxima da universalização do ensino primário e secundário7, e cai progressivamente a taxa de crescimento do terciário O esgotamento da acumulação dos fatores leva inevitavelmente à necessidade do país – pelo lado da oferta – estimular ganhos contínuos de produtividade. Na realidade, em anos recentes tanto a produtividade fatorial total (Quadro 1) quanto a produtividade do trabalho (Quadro 3) tiveram papel instrumental em garantir elevadas taxas de crescimento. Contudo, é possível que os chamados ganhos mais fáceis (“low hanging fruit”) já tenham sido colhidos, de modo que o desafio da produtividade é cada vez mais o desafio da inovação, tanto no plano das tecnologias de ponta para a produção quanto para o bem estar da população (Gráfico 6). 7 Vale notar, por exemplo, que a taxa de repetência na China (0,3 e 0,2 para o primário e secundário respectivamente) se aproxima à da Coréia do Sul (zero). 15 Quadro 3: Produtividade do Trabalho, PIB (em PPC, US$ por Pessoa Empregada) Variação Média Anual (% a.a.) País 1996-2012 2013* China 8,66 7,1 Índia 4,86 2,9 Coréia do Sul 3,66 2,4 Indonésia 3,24 3,6 Turquia 2,26 1,6 Brasil 1,38 1,2 EUA 1,30 0,6 UE 1,05 0,2 Fonte: The Conference Board Total Economy Database O esgotamento do modelo pelo lado da oferta tem claras implicações para a demanda agregada. Primeiro, há evidência que a China estará enfrentando nos próximos anos o esgotamento de uma oferta antes “ilimitada” de trabalho, ao passar do Lewis Turning Point8, e custos unitários de trabalho crescentes. Nesse sentido, haverá possivelmente um arrefecimento do impulso exportador e um estímulo às importações na medida em que os custos do trabalho e a renda disponível se elevam em tandem. O processo de substituição do componente externo da demanda pelo elemento doméstico deverá se acentuar na medida em que o Estado chinês introduz um conjunto de reformas no sistema de seguridade social e amplia a rede de proteção, principalmente direcionada à área rural, comunidades mais pobres e setor privado. 8 Ver o trabalho clássico de W. Arthur Lewis, "Economic Development with Unlimited Supplies of Labor," Manchester School of Economic and Social Studies, Vol. 22, 1954, pp. 139–91. Em trabalho recente, estima-se que a transição para uma economia com efetiva escassez de trabalho se dará já ao início da próxima década. Ver Mitali Das and Papa N’Diaye, “Chronicle of a Decline Foretold: Has China Reached the Lewis Turning Point?”, IMF Working Paper 13/26, Janeiro 2013. 16 Segundo, e como corolário, o consumo passará a ser o direcionador do crescimento. Mas não de imediato. A participação do consumo (final) dos domicílios no PIB no período 2008-11 foi de 34,5%, extremamente baixa quando comparado com outras economias emergentes (em torno de 60%) e mesmo àquelas que por muitos anos estiveram em marcha forçada rumo ao crescimento (a exemplo da Coreia do Sul – 53%). O reverso da compressão do consumo são as elevadas taxas de poupança - 53% do PIB em 2011 - que sustentam na China altas taxas de investimento e um superávit em conta corrente. Em contraposição, no caso da Coreia do Sul, a taxa de poupança é de 32% do PIB; 23% no Chile; 22% no Japão; e 17% no Brasil. A magnitude da taxa de poupança chinesa por sua vez é explicada tanto pelo comportamento das famílias – que poupam em excesso na ausência de um sistema de seguridade -, quanto pela propensão à retenção de lucros e sobreinvestimentos pelas empresas do Estado. Terceiro, o viés pró-investimento do modelo tem uma dimensão adicional que está no cerne do seu modus operandi, que é a oferta elástica de crédito direcionada para alavancar os gastos em capital fixo de máquinas, equipamentos e estruturas, tanto na indústria, infraestrutura e construção. Por muitos anos, governos provinciais, municipais e empresas estatais absorveram recursos em excesso, criaram ativos por vezes improdutivos ou de baixo retorno, e acumularam dívida. Nessa perspectiva, as reformas necessárias para uma transição eficaz requerem ir mais além da expansão progressiva da classe média. Supõem a inclusão de 260 milhões de trabalhadores migrantes na rede de proteção social, e a redução e eventual eliminação da pobreza extrema (que afeta outros 130 milhões de chineses). E romper com uma complexa teia de interesses e anéis burocráticos que articula bancos (e o chamado shadow finance), empresas estatais e governos nas suas diferentes instâncias, e que lubrifica uma engrenagem concentradora de riqueza e poder9. 9 Para Zhang Yuyan, Diretor do Instituto de Economia e Política Mundial da Academia Chinesa de Ciências Sociais, o que se pretende na nova fase é “sair do Estado governado por pessoas para o Estado de direito, governado pelas leis.” Valor, 05 de Abril 2013, Suplemento de Fim de Semana, p.12 e passim. 17 De toda a forma, o governo tem por alvo dobrar a renda per capita até 2020, chegando a cerca de US$ 12.500. É provável que seja também bem sucedido no processo de estabelecer uma rede de proteção social, realocar o crédito e acelerar o processo de transição da maioria das famílias chinesas para a classe média em termos de poder aquisitivo. Nessa hipótese está implícita do ponto de vista da demanda agregada uma participação maior do consumo das famílias e das importações. A revolução econômica das ultimas três décadas revelou uma nova economia, cujo tamanho, dinamismo e crescente abertura propiciaram à China um papel central no comércio internacional. Primeiro como plataforma de transformação industrial; e segundo como importadora de insumos industriais e matérias primas numa escala possivelmente sem precedentes. Além disso, vale ressaltar que apesar da diminuição projetada no ritmo de crescimento da economia, de 10% em média, no período 2000-2011, para 7-7,5% em média, para o período 2012-2022, a economia chinesa crescerá sobre uma base significativamente maior. Neste sentido, a expansão do produto em termos absolutos será, com toda a probabilidade, na margem superior ao observado em até anos recentes. Um exercício relativamente simples ilustra o fato de que a economia chinesa mudou de escala, e seu impacto global não será menor a medida que o crescimento se arrefece. Enquanto no período 2001-2012 houve um acréscimo de aproximadamente RMB 40 trilhões, em 2012-22 projeta-se um ganho de 50,2 trilhões de RMB no período (tomando uma taxa média de crescimento real de 7% a.a). Vale sublinhar que a expansão no primeiro período foi calculada em termos nominais, enquanto que no período de projeção o aumento do PIB chinês foi estimado em termos reais. Tomando-se uma inflação média de 2.5% a.a (em 2001-12 foi de 2,6% a.a), o valor nominal do PIB em 2022 seria na realidade 26% maior, ou seja, de RMB 128,6 trilhões. Nesse sentido, enquanto que o ganho real projetado é de RMB 50,2 trilhões, em termos nominais atinge RMB 78,8 trilhões, praticamente duas vezes a expansão da década precedente (Gráfico 10). 18 Gráfico 10: China - Incremento do PIB Histórico e Projetado 2012 vs. 2001 (nominal) e 2022 (real e nominal) vs 201210 Fonte: China National Bureau of Statistics e calculos próprios. A transição para o novo modelo poderá se revelar de fato como uma segunda revolução econômica, com a ascensão de uma classe média dominante econômica e demograficamente, com um padrão de demanda que progressivamente deverá convergir para o das classes médias dos demais países. Ainda assim, os hábitos de consumo deverão possivelmente emular a das classes medias mais frugais (a exemplo da europeia e japonesa), e por uma questão de limitação de recursos naturais e o imperativo da conservação. Ao mesmo tempo, a pressão sobre os recursos naturais domésticos – fonte de preocupação crescente do governo - demandará novos bens e serviços de ponta para minimizar o dano da pegada ambiental. A produção de energia e de bens em caráter sustentável, esta última numa perspectiva de ciclo de vida dos produtos, com a gestão inteligente de resíduos e seu aproveitamento, será seguramente uma indústria em rápido crescimento. Ainda assim, e numa perspectiva histórica, a ascensão 10 A estimativa do tamanho da economia chinesa em 2022 foi realizada com base no valor do PIB de 2012 (RMB 51,9 trilhões), e projetando a expansão a uma taxa média real de 7% a.a e uma taxa média nominal de 9,5% a.a 19 das classes médias, inclusive com o aumento do grau de urbanização, devera significar a rápida expansão do consumo de bens tradicionalmente associados a essa transição – primeiramente alimentos. A mudança no modelo de desenvolvimento econômico chinês – e o imperativo de garantir a segurança alimentar - implicará que os produtos do agronegócio (a exemplo da cadeia soja-milho-carnes) deverão ganhar mais importância no comércio e o investimento com a China11. Ao mesmo tempo, não se deve esperar rápido declínio da importância dos minérios e outros insumos da metalurgia (minério de ferro, catodos de cobre, manganês, nióbio). Estes continuarão sendo vetores relevantes da pauta de exportação brasileira tanto pela sua qualidade (em comparação, por exemplo, com os minérios produzidos na China), como ainda por força da demanda dos novos projetos do governo. Apenas a título de ilustração, no período 2012-13, o governo vem promovendo a construção de três milhões de unidades residenciais para a população de baixa renda e 10 milhões adicionais em 2014-17. Esse exemplo sinaliza a importância que o governo chinês atribui à melhoria das condições de vida da população de menor renda, e o fato de que detém uma ampla reserva de recursos e um conjunto de ferramentas de política capazes de alavancar gastos voltados ao mercado doméstico e o crescimento econômico. No seu conjunto, são investimentos que ampliam a demanda de insumos de construção, dentre os quais aqueles de natureza mínero-metalúrgica. E finalmente, no âmbito dos produtos da pauta histórica, o Brasil deverá ainda aprofundar a cooperação no plano energético, tanto pela exportação de volumes crescentes de petróleo, na medida em que se desenvolvem os recursos do pré-sal como por conta dos investimentos chineses no setor. Em síntese, por um lado a corrente de comércio (e investimento) deverá privilegiar o agronegócio nos próximos anos por força das mudanças que já operam na economia. Por outro, não se vislumbra perdas absolutas em 11 Ver CEBC, “Especial Agronegócio Brasil-China”, Carta Brasil China, Edição 6, Novembro 2012. 20 insumos críticos para a economia chinesa, a exemplo de minério de ferro, conforme ilustra o Gráfico 11 abaixo – no seio da desaceleração da economia chinesa, as exportações críticas no país obtiveram aumentos consistentes e consideráveis em alguns casos. Gráfico 11: Evolução de produtos selecionados da pauta de exportação (US$ milhões) 1º Semestre 2012 e 2103 12.000 10.940 10.000 8.723 8.000 6.834 6.963 6.000 Primeiro semestre - 2012 Primeiro semestre - 2013 4.000 2.000 615 728 136 339 0 Soja Minérios de ferro e seus concentrados Celulose Açúcares Fonte: MDIC e CEBC, Brazil-China Update, op.cit. O aumento da renda na China mudará a composição da cesta de consumo certamente mais além de um deslocamento da demanda de alimentos, com as com as classes médias chinesas emulando as das economias mais ricas. Nessa perspectiva, um novo padrão irá emergir, na aquisição de bens e serviços associados a um “estilo de vida” caracterizado pelo paradigma bem estar (“wellness”), aparência (vetor estético), conveniência (dimensão tempo e esforço), e redução com a pegada ambiental. Esse novo paradigma demandará novos serviços e produtos – muitos dos quais o Brasil detém vantagens comparativas calcadas no seu mercado doméstico. Apenas a título de ilustração, a demanda por serviços odontológicos no Brasil, inclusive e principalmente na sua dimensão estética, essa possivelmente sem paralelo, gerou uma indústria sofisticada de insumos e equipamentos odontológicos, com potencial de penetração em um 21 mercado com consumidores crescentemente preocupados com sua aparência e sentimento de bem estar. Da mesma forma, o peso específico da indústria de cosméticos brasileira, direcionada por uma demanda desproporcional à demografia e renda do país, e com atributos relacionados à flora e frutos dos biomas únicos brasileiros, pode se acoplar a uma demanda emergente das mulheres chinesas. Finalmente, a renda mais elevada vem rapidamente expandindo o afluxo de turistas chineses, num primeiro momento para Macau, Hong Kong, Taiwan, e países asiáticos. De forma crescente, os fluxos estão se afastando do entorno territorial chinês e apresentam uma oportunidade de dimensões pouco conhecidas para o turismo receptivo no Brasil, o que equivale estrito senso a exportação de um serviço de valor agregado12. O arco de atrações do país é amplo, da Amazônia às Cataratas do Iguaçu, sendo a cidade do Rio de Janeiro a urbe turística por excelência. Contudo, o país necessita fazer um esforço estruturado para se adaptar a forma típica de fazer turismo (em grupos), das preferências chinesas, e das idiossincrasias nacionais. Da mesma forma que o aumento da renda e grau de urbanização, a rápida transição demográfica da China com a queda da taxa de natalidade e um aumento da expectativa de vida (Gráfico 12) afetará de forma profunda os padrões de consumo tal qual nos países de renda mais elevada. A demanda das chamadas terceira e quarta idade concentra-se em serviços, de modo geral não transacionáveis (inclusive pelas maiores dificuldades de deslocamento dos indivíduos). Contudo, esses serviços requerem um conjunto amplo de insumos, com foco no bem estar e nas necessidades de saúde dos indivíduos, mercado esse em rápida expansão nos próximos anos. Em que medida os produtores brasileiros – seja de software, fármacos, alimentos funcionais, dentre outros, poderá atender a essa demanda? Claramente dependerá de um esforço conjunto de produtores e governos, no sentido de alcançar um maior equilíbrio nas relações econômicas, com a captura de oportunidades em produtos diferenciados e em novas cadeias de valor. 12 Ver CEBC, “O Potencial do Turismo Chinês no Mundo e no Brasil”, Carta Brasil-China edição 8, Maio de 2013, pp. 18-23 (análise elaborada por André Soares). 22 Gráfico 12: China - Natalidade e Expectativa de Vida 1960-2011 Fonte: Banco Mundial. 23 V. Conclusão Este trabalho discute a trajetória recente e as perspectivas das relações econômicas sino-brasileiras. A decisão do governo chinês de reequilibrar a economia, no sentido de orientá-la para o consumo doméstico e o bem estar das famílias, abrira um conjunto significativo de oportunidades para as empresas brasileiras. Capturar essas oportunidades depende não apenas dos esforços empresariais como de uma decisão de governo de alçar a China a uma posição de parceiro estratégico do país. De fato, aprofundar o relacionamento econômico com a China supõe em síntese da definição de uma estratégia e de uma política no plano bilateral para construir uma relação necessariamente triangular – Governo e empresas brasileiras e Governo Chinês. Essa arquitetura relacional supõe por sua vez uma efetiva mobilização de instituições governamentais e recursos correspondentes. A relação econômica bilateral ainda se ressente de um esforço mais estruturado pelo lado brasileiro, dado principalmente o imperativo de remover eventuais barreiras – codificadas ou tácitas - e explorar as oportunidades do mercado chinês. Contudo, será a definição de uma estratégia clara e que leve em consideração as transformações em curso na economia chinesa que deve guiar o posicionamento do país e a formulação de planos acionáveis para promoção das exportações e dos investimentos brasileiros na China. Nessa perspectiva, e em conclusão, a prioridade do ponto de vista do relacionamento econômico com a China seria mobilizar os recursos políticos e administrativos – inclusive e particularmente de coordenação governamental - necessários para definir e operacionalizar uma estratégia consistente com a centralidade da China. Pois afinal, foi o país instrumental para remover na ultima década – se não in totum, mas parte considerável - das restrições externas ao crescimento brasileiro. 24