CHIMÉRICA José Eustáquio Diniz Alves1 Chimérica é a junção de China e América, o maior país poupador e investidor e o maior devedor e consumidor do mundo. O termo foi popularizado por Niall Ferguson2, que em artigo no Washington Post, no final do ano passado, afirmou: "Mais do que outra coisa foi a estratégia da China de acumulação de dólares da reserva norte-americana que financiou a dívida norte-americana; as poupanças chinesas foram a razão para a baixa das taxas de juros de longo prazo e para que o fluxo dos empréstimos continuasse. O tempo do leverage acabou. Agora é o tempo da Chimerica e a parceria entre o grande entesourador e o grande despesista a chave para o equilíbrio que importa reestabelecer". Na reunião do G-20, em Washington, em dezembro de 2008, o próprio presidente George Bush – que fez um governo marcado pelo unilateralismo – reconheceu a importância da “hiperpotência” chinesa, parceiro com que os Estados Unidos terão que se articular nos próximos anos e décadas. Para Ferguson, a Euroásia morreu. Nasceu a CHIMÉRICA. O Pacífico norte passa a ser mais importante do que o Atlântico norte. Em 2009, a primeira visita ao exterior da Secretária de Estado do governo Barack Obama foi à Ásia, começando pelo Japão e terminando com uma visita ao país mais populoso do mundo. Hillary evitou criticar a questão de direitos humanos na China e elogiou a decisão do governo chinês de se manter como um dos maiores investidores em papéis do Tesouro americano, mesmo em meio à crise econômica mundial. Ao encerrar o ciclo de contatos, a Secretária de Estado americana afirmou que China e EUA “sobem ou caem juntos”. Os dados da tabela 1 mostram que a China cresce em um ritmo mais de duas vezes em relação ao PIB mundial e mais de 3 vezes ao ritmo de crescimento americano. Com a crise econômica atual, houve uma desaceleração geral nas taxas de crescimento, mas a diferença entre o ritmo de crescimento da China e os EUA aumentou, refletindo os melhores fundamentos econômicos do gigante asiático. Tabela 1: Crescimento anual do PIB para EUA, China e o mundo: 2001-2009 Mundo e Chimérica 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009* PIB mundial 2,4 3 4 5,3 4,9 5 5,2 3,4 0,5 EUA 0,3 2,2 3 3,9 3,2 2,9 2,0 1,1 -1,6 China 7,5 8 9,3 10,1 10,2 11,1 13,0 9 6,7 Fonte: World Economic Outlook (WEO), setembro de 2003, abril de 2004, abril 2006 e abril de 2008 www.imf.org Nota: * previsão com base no WEO de 28/01/2009. 1 Professor titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE. Tel: (21) 2142 4696. E-mail: [email protected] 2 FERGUSON, Niall. The Ascent of Money: A Financial History of the World, Allen Lane, London, p. 464, 2008 A economia internacional possui assimetrias e complementariedades que vêm de longe. Os déficits externo e interno dos Estados Unidos adquiriram proporções gigantescas, enquanto a China adota uma estratégia “mercantilista” para promover aumento das exportações para os EUA e o resto do mundo. Até recentemente, os desequilíbrios se compensavam, como mostrou Alves (2004)3: “O mecanismo funciona da seguinte maneira: com o objetivo de estimular suas economias, os países “mercantilistas”, especialmente aqueles do Leste Asiático, emprestam dinheiro aos EUA para que os americanos adquiram suas exportações, enquanto os déficits se acumulam e os EUA vão se tornando um grande devedor mundial. Os países da “zona da conta de comércio externo” garantem o crescimento econômico e a expansão do emprego doméstico em troca de uma moeda cada vez mais sem lastro, mas que, paradoxalmente, se sustenta na força de um país cada vez mais endividado. A China tem papel central neste jogo, pois apresentou saldo positivo, em 2003, com americanos e europeus de US$ 55 bilhões e US$ 18 bilhões, respectivamente. Em compensação, a China é deficitária em relação aos vizinhos: Japão (US$ 14 bilhões), Coréia (US$ 21 bilhões), Taiwan (US$ 37 bilhões), os tigres de segunda geração (US$ 15 bilhões) e o resto da Ásia (US$ 22 bilhões). Entre 2002 e setembro de 2003, as reservas cambiais asiáticas cresceram US$ 546 bilhões. Os superávits asiáticos são usados para fechar o balanço de pagamento norte-americano. Assim, se os países asiáticos pararem de financiar as dívidas (externa e interna) americanas, os EUA entrariam em crise arrastando, por sua vez, as economias asiáticas e o restante do mundo. Como se vê, a economia internacional se sustenta em desequilíbrios e o crescimento com edividamento dos Estados Unidos não pode se manter por muito tempo”. Em 2008 o saldo da balança comercial chinesa com o mundo aumentou para um montante próximo a U$ 290 bilhões e o saldo em transações correntes ficou em torno de US$ 440 bilhões (cerca de 10% do PIB chinês). Em janeiro de 2009, enquanto o Japão apresentou déficit na balança comercial, a China apresentou um superávit recorde de quase US$ 40 bilhões, em apenas um mês. A queda do preço das comodities deve impulsionar o superávit comercial chinês em 2009, mesmo em um ano de retração do comércio internacional. A China vai continuar vendendo barato e financiando os EUA e o resto do mundo? A Chimérica é responsável, ou solução, pela crise atual? Muitos analistas consideram que a relação simbiótica ("desequilíbrio estável") entre poupança chinesa e dívida americana que parecia perfeita, foi na realidade a responsável pelo crédito barato, o que, na essência, ajudou a a inflar a bolha do mercado imobiliário dos Estados Unidos. O problema começou no mercado do sub-prime, se espalhou por todo o mercado imobiliário, atingiu Wall Street e depois a “Main Street” (a economia real). Samuel Huntington fala da inevitabilidade de uma Guerra de Civilizações, com Estados Unidos representando a civilização branca, ocidental e cristã e a China representando a civilização amarela, oriental e budista/confucionista. Já a Chimérica representa um espaço de interdependência entre as duas nações, que parecem, pelo menos no curto prazo, estar com o destino selado: “sobem ou caem juntos”. 3 ALVES, J. E. Panorama das economias internacional e brasileira, Caderno de Texto, Conad, Brasília, maio de 2004, p. 9.