EXAME 20dez14 Menos incerteza, mais credibilidade Para Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI, a insegurança que ronda a economiabrasileira diminui os investimentos e segura o crescimento Fabiane Stefano, enviada especial a Santiago Olivier Blanchard tem observado uma das mais lentas recuperações globais da história econômica de um posto privilegiado. Economista-chefe do Fundo Monetário Internacional desde 2008, Blanchard tem acesso a dados detalhados sobre a saúde econômica dos 188 países-membros da instituição, e é a partir deles que tenta prever o que está por vir. Com relação à economia brasileira em 2015, Blanchard parece parcialmente otimista. Diz que o país tem um histórico positivo na condução da política macroeconômica, teve tropeços nos últimos anos e agora precisa restabelecer sua credibilidade. Sobre a economia mundial, Blanchard dá a impressão de ter menos certezas. Enquanto os Estados Unidos dão sinais consistentes de crescimento, a Europa é fonte de más notícias, com risco de cair em uma nova recessão no fim de 2015. "Um dos maiores pontos de interrogação hoje é a Alemanha, que tem tido um crescimento inesperadamente baixo", diz. Sobram explicações, mas ninguém sabe exatamente o que levou à desaceleração. Leia a seguir a entrevista concedida a EXAME na capital chilena, durante uma conferência do FMI sobre a economia da América Latina. O Brasil tem registrado baixo crescimento com alta inflação. Em 2014, deveremos crescer quase zero, e para 2015 a expectativa é de um avanço de 0,8%. O que é necessário para fazer o Brasil voltar a crescer? O que é surpreendente no caso do Brasil são os baixos números de investimento. Esse baixo nível gera dois efeitos: diminui a demanda agora e reduz o capital e a oferta de produtos e serviços mais para a frente. O fato de, apesar do crescimento mais baixo, a inflação continuar forte no Brasil é uma indicação de que a oferta e a demanda estão muito próximas e o baixo investimento tem afetado ambas. Se houvesse maior investimento, isso já ajudaria no curto prazo, mas, sobretudo, levaria a um maior crescimento no longo prazo. Mas o que é necessário ser feito? Basicamente, é preciso tomar medidas que elevem os investimentos público e privado. No caso do investimento público, é essencial melhorar a infraestrutura, possivelmente em colaboração com o setor privado. Na frente privada, as altas taxas de juro atrapalham, mas o principal problema é a incerteza que ronda a economia brasileira e os rumos da política. Assim que isso for esclarecido, é provável que o investimento volte. O governo brasileiro pediu o aval do Congresso para mudar o cálculo do superávit primário de 2014, a economia que o país faz para pagar a dívida pública. Isso arranha a credibilidade da política fiscal? O arcabouço fiscal do Brasil é bom, mas é fato que ele perdeu certa credibilidade nos últimos tempos. Portanto, restabelecê-la é fundamental. Creio que as prioridades são bastante evidentes. Em termos de política monetária, é claro que a inflação deve ser controlada e reduzida. Joaquim Levy, futuro ministro da Fazenda, e Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, já deram indicações nesse sentido. Isso levaria a um ambiente macroeconômico mais estável, o que permitiria ao país engrenar novamente. Levy declarou que o governo deve fazer um superávit primário equivalente a 1,2% do PIB em 2015. Essa meta é suficiente? Se for confirmada, qual será o impacto no endividamento do país? Sempre é possível fazer mais. Se é desejável ou não é outra questão. Uma dívida menor dá mais flexibilidade para a política fiscal ser anticíclica e reagir a choques adversos no futuro. E desejável, mas isso deve ser feito em um ritmo que não comprometa o crescimento no curto prazo. A América Latina está dividida: há países, como o Chile, que implementaram reformas e têm desempenho melhor e países que adotaram medidas mais heterodoxas, como a Argentina, e vão mal. Em que grupo o senhor incluiria o Brasil? Está entre os países que adotaram as melhores políticas macroeconômicas. Apesar de algumas medidas questionáveis que levaram a um desempenho pior, podemos dizer que o Brasil tem uma estrutura de política fiscal responsável. Existe também um marco de política monetária sério. O país tem muito do que se orgulhar, mas obviamente há sempre espaço para aprimorar. Falando da economia mundial, vemos que o crescimento está menor do que o projetado. Por quê? O que vem ocorrendo com a economia global é resultado de duas forças. A primeira é consequência da crise, com o alto nível de endividamento de muitos países. Esse endividamento é público, privado ou originado no mercado imobiliário. Isso tem feito com que os governos sejam mais cautelosos, as empresas invistam menos e as pessoas consumam menos. Por isso, a recuperação tem sido mais lenta. Outra força é o baixo crescimento potencial. Essa não é uma boa notícia para o futuro, mas também afeta as coisas hoje. Se uma empresa pensa em fazer um investimento, e acredita que o crescimento será baixo, poderá rever os planos. Esse comportamento em larga escala diminui a demanda daeconomia e implica uma recuperação mais lenta hoje. Mas as projeções para as grandes economias, como Estados Unidos e China, não são positivas? Temos situações bem distintas e é difícil falar da economia mundial como um todo. Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma recuperação sólida, e pensamos que a economia continuará indo bem. Mas os países da zona do euro e o Japão estão enfrentando uma fase difícil. Ainda que haja algum crescimento, ele é muito baixo. No caso dos emergentes, a China vai razoavelmente bem e a índia deve apresentar um resultado melhor do que o registrado nos últimos anos. Por outro lado, temos o Brasil, cujo crescimento tem sido baixo, e a Rússia, que está passando por uma situação ainda mais difícil. Ou seja, o número agregado de crescimento global pode não significar muita coisa no fim das contas, dada essa grande divergência entre as diversas economias. Em outubro, o FMI projetou que há risco de a Europa entrar novamente em recessão. O que está acontecendo no continente? Os números não são bons e a situação é complicada. Se olharmos os países que enfrentaram uma fase muito difícil, como a Espanha, o crescimento é frágil e o desemprego continua muito alto, mas as perspectivas parecem ser melhores. Um dos maiores pontos de interrogação hoje é a Alemanha, que tem registrado um nível de crescimento inesperadamente baixo. Existem diferentes explicações para o que ocorre com a economia alemã. Há um menor crescimento em seus mercados de exportação. Há o conflito na Ucrânia, que gera incertezas e pode ter afetado as expectativas de investimento privado. O que vale lembrar é que o desempenho econômico alemão será decisivo para que a zona do euro evite nova recessão. A China deve crescer acima de 7% em 2015, um número invejável. Há motivos para se preocupar com a economia chinesa? A China ainda enfrenta um desafio de curto prazo, que é o fim das bolhas imobiliária e de crédito. Esses foram problemas em 2013 e 2014 e continuarão sendo um tema em 2015. Dito isso, até agora os chineses têm lidado bem com essa questão. O ajuste está acontecendo, mas de forma lenta e gradual. Creio que eles já passaram do ápice desses problemas. Nos próximos cinco anos, o desafio daeconomia chinesa será mudar seu modelo de crescimento. Sair de um baseado em altas taxas de investimento para outro alicerçado em maiores taxas de consumo. Reorientar as atividades econômicas de um país, no entanto, não é uma manobra fácil.