Estimulação elétrica da medula espinal no tratamento da angina

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THIEME
Review Article | Artigo de Revisão
Estimulação elétrica da medula espinal no
tratamento da angina refratária
Spinal Cord Electrical Stimulation for Refractory Angina
Treatment
Gustavo Veloso Lages1,2
Jose Oswaldo Oliveira Júnior2,3
1 Ambulatório de Dor, Hospital da Santa Casa de Montes Claros e
Hospital Dilson Godinho, Montes Claros, MG, Brasil
2 Departamento de Terapia Antálgica, Cirurgia Funcional e
Cuidados Paliativos da Escola de Cancerologia Celestino Bourroul
da Fundação Antônio Prudente (FAP), São Paulo, SP, Brasil
3 Conselho Superior da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
(SBED), São Paulo, SP, Brasil
Address for correspondence Gustavo Veloso Lages, MD, Hospital da
Santa Casa Montes Claros, Montes Claros, MG, Brazil
(e-mail: [email protected]).
Arq Bras Neurocir
Resumo
Palavras-Chave
► neurocirurgia
funcional
► dor visceral
► angina de peito
► angina pectoris
► angina instável
► estimulação elétrica
da medula espinhal
received
June 13, 2016
accepted
August 30, 2016
A doença cardiovascular (DCV) é a principal causa de morte em todo o mundo, inclusive
no Brasil. A angina do peito permanece como entidade clínica desafiadora devido ao
fato de sua manifestação clínica nem sempre estar relacionada com o grau de
obstrução. A dor visceral de qualquer origem pode ser totalmente incapacitante. Ela
influencia em todos os aspectos da vida de um paciente, podendo ser uma das
principais causas de interrupção das atividades laborais e da estrutura familiar. A
estimulação elétrica da medula espinal (EEME) tem sido tradicionalmente aplicada para
o tratamento de dor neuropática apresentando de bons a excelentes resultados. A
síndrome de dor visceral pode ser tão debilitante e incapacitante como as dores
somáticas ou neuropáticas; no entanto, parece haver uma falta de consenso sobre o
tratamento adequado e as estratégias para estas desordens. A grande diferença na
estimulação medular para a dor visceral, em comparação com a síndrome póslaminectomia ou síndrome complexa regional, é o número de dermátomos a serem
estimulados. A grande maioria das vísceras tem somatotopia de dois a quatro níveis
medulares, algumas das vezes necessitando de lateralidade. Após revisão da literatura,
conclui-se que a EEME é hoje uma opção viável, de baixo risco e com resultados
satisfatórios para o tratamento de dores de origem neuropática e visceral, portanto,
passível de utilização na angina refratária, sendo indicada após a falha da terapia
padrão. Porém, ainda há necessidade de mais estudos para maior empregabilidade e
eficácia do procedimento na prática clínica.
DOI http://dx.doi.org/
10.1055/s-0036-1594256.
ISSN 0103-5355.
Copyright © by Thieme Publicações Ltda,
Rio de Janeiro, Brazil
EEME no tratamento da angina refratária
Abstract
Keywords
► neurosurgery
functional
► pain
► visceral pain
► angina pectoris
► unstable angina
► spinal cord
stimulation
Lages, Oliveira Júnior
Cardiovascular disease (CVD) is the main cause of death worldwide, including in Brazil.
Survival of the clinical manifestation is not always related to the degree of obstruction.
Visceral pain from any source can be totally disabling. It influences all aspects of a
patient’s life and can be one of the main causes of disruption of labor activities and
family structure. Spinal cord stimulation (SCS) has traditionally been applied for
neuropathic pain treatment, from good to excellent results. The visceral pain syndrome
can be as debilitating and disabling as somatic or neuropathic pain; however, there
seems to be a lack of consensus on appropriate treatment and strategies for these
disorders. The major difference in SCS for visceral pain, compared to the postlaminectomy syndrome or regional complex syndrome, is the number of dermatomes
to be stimulated. The vast majority of the viscera have somatotopy of two to four
medullar levels, and sometimes needing laterality. After reviewing the literature, it is
concluded that SCS is now a viable, with low-risk option and satisfactory results for the
treatment of pains of neuropathic and visceral origin, therefore, susceptible to use in
refractory angina, being indicated after failure of standard therapy. However, there is
still a need for further studies for greater employability and efficacy of the procedure in
clinical practice.
Introdução
A doença cardiovascular (DCV) é a principal causa de morte
em todo o mundo, inclusive no Brasil.1 Dados fornecidos pela
Organização Mundial da Saúde mostram que as DCV foram
responsáveis por aproximadamente 17 milhões de mortes
em 2011 (ou 30,4% de todas as mortes naquele ano).2 No
Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde, as DCV
foram responsáveis por 28,6% de todas as mortes no país
naquele mesmo ano, e dados de 2008 informam que as
doenças do aparelho circulatório foram responsáveis por
80,2% das internações a partir dos 50 anos de idade e 10%
de todas as causas de internações.3 Grande parte dos óbitos
por DCV é devida à doença arterial coronária (DAC), ou
doença isquêmica do coração.
Dentre as doenças cardíacas que se manifestam com dor
torácica, destacam-se as cardíacas isquêmicas (angina estável,
angina instável, infarto agudo do miocárdio) e as não cardíacas
(pericardite, dissecção aguda da aorta e valvular).4 Estima-se
que 5 a 8 milhões de indivíduos com dor no peito ou outros
sintomas sugestivos de isquemia miocárdica aguda sejam vistos
anualmente nas salas de emergência nos Estados Unidos.5
A doença arterial coronária estável, cuja principal manifestação clínica é a angina de peito, caracteriza-se pela
ocorrência de episódios reversíveis de desequilíbrio entre a
oferta de sangue e a demanda metabólica miocárdicas,
habitualmente induzíveis por exercício físico, emoção ou
outros tipos de estresse; eventualmente, tais episódios podem ocorrer de maneira espontânea.6
As várias apresentações clínicas da angina estável estão
relacionadas com diversos mecanismos fisiopatológicos que
incluem: (1) obstrução por placas ateroscleróticas das artérias coronárias epicárdicas; (2) vasoespasmo focal ou difuso
de artérias coronárias; (3) doença microvascular; (4) disfunArquivos Brasileiros de Neurocirurgia
ção ventricular esquerda secundária a infarto do miocárdio
prévio e/ou miocárdio hibernante (isquemia crônica). Vários
dos processos acima podem coexistir em um mesmo paciente, contribuindo para a diversidade de manifestações
clínicas associadas ao diagnóstico de DAC.6
A angina do peito permanece como entidade clínica
desafiadora devido ao fato de sua manifestação clínica nem
sempre estar relacionada com o grau de obstrução,
mostrando-se de forma distinta nos indivíduos, resultando
em uma variedade de apresentações clínicas: desde indivíduos completamente assintomáticos, ou com sintomas anginosos clássicos associados ao esforço, até indivíduos com
dor anginosa refratária e morte súbita.4
A dor visceral de qualquer origem pode ser totalmente
incapacitante. Ela influencia em todos os aspectos da vida de
um paciente, podendo ser uma das principais causas de interrupção das atividades trabalhistas e desestruturação familiar.7
O objetivo do tratamento da dor crônica é prover qualidade de vida, tarefa complexa, árdua e fatigante, considerando-se todos os aspectos envolvidos. Quando o objetivo é
amenizar um quadro álgico de origem viscerovascular, além
de todos os adjetivos já descritos, podemos acrescentar
desafiador e laborioso, considerando a fisiopatologia ainda
desconhecida na sua totalidade.8
A individualização no tratamento é sempre utilizada,
pois em um paciente ativo e saudável, o objetivo do tratamento é geralmente a completa eliminação álgica e o
retorno à atividade física vigorosa. Por outro lado, um
paciente idoso com angina mais grave e várias morbidades
associadas, um resultado satisfatório seria uma redução nos
sintomas, o que permitiria a realização de atividades diárias
limitadas.8
A busca por novas técnicas para controle álgico, a diminuição do sofrimento e melhora da qualidade de vida para
EEME no tratamento da angina refratária
aqueles que sofrem de angina refratária é o objetivo deste
artigo.
Angina Refratária e EEME
A dor torácica clássica na síndrome coronariana aguda é uma
dor, ou desconforto, ou queimação, ou sensação opressiva
localizada na região precordial ou retroesternal, que pode ter
irradiação para o ombro e/ou braço esquerdo, braço direito,
pescoço ou mandíbula, acompanhada frequentemente de
diaforese, náuseas, vômitos, ou dispneia. A dor pode durar
alguns minutos (geralmente entre 10 e 20) e ceder, como nos
casos de angina instável, ou cerca de 30 minutos, como nos
casos de infarto agudo do miocárdio.5
A dor crônica pós-toracotomia é uma afecção comum, e
chega a acometer 67% dos pacientes submetidos a esse
procedimento, sendo que 38% persistem com o quadro álgico
por mais de 3 anos, segundo Fabregat. A maioria dos pacientes relata a dor como leve a moderada, porém mais de 5%
a descrevem como sendo intensa e/ou incapacitante. Visando
o manejo dessa dor, vários estudos clínicos apontam resultados positivos a longo prazo com a neuromodulação.
A etiologia da dor pós-toracotomia, apesar de não estar
completamente compreendida, está relacionada com o
trauma mecânico à abertura do tórax, que lesa os feixes
nervosos de maneira direta. Além disso, há lesão secundária
devido ao dano à rede vascular torácica. Somando-se a isso,
afirma-se a existência de um componente visceral na formação da dor em mais de metade dos casos.
Até recentemente, a dor crônica visceral era caracterizada
como somática, nociceptiva, portanto, não passível de tratamento por estimulação elétrica da medula espinal (EEME).
No entanto, evidências recentes apontam para indícios de
que a dor visceral crônica pode, de fato, não ser nociceptiva
de natureza, e sim uma dor neuropática.9,10 As vísceras têm
menos terminações nervosas em comparação com a pele, e
geralmente há um envolvimento multisegmentar. A angina
refratária, que acomete mais de 6 milhões de americanos, é
um exemplo de dor visceral.11
A nocicepção, tradicionalmente, passa pelos neurônios
periféricos ou de primeira ordem (como, por exemplo, no
plexo celíaco) – que fazem sinapse com os de segunda ordem,
localizados no corno dorsal da medula espinal – e ascende
pelo trato espinorreticular e/ou espinotalâmico lateral.12
Nos últimos anos, houve avanços importantes no tratamento
da angina, tanto na vertente farmacológica quanto nas técnicas
de reperfusão (angioplastia ou cirurgia). Em 1999, a Associação
Americana do Coração definiu angina do peito como uma
síndrome clínica caracterizada por desconforto no peito, queixo,
ombro, costas ou braço, geralmente agravada por esforço ou
estresse emocional,13 e definiu angina refratária como aquela
em que não há controle satisfatório dos sintomas álgicos mesmo
quando as terapias acima descritas são associadas.14
A EEME tem sido tradicionalmente aplicada para o tratamento de dor neuropática, apresentando de bons a excelentes
resultados. A síndrome de dor visceral pode ser tão debilitante
e incapacitante como as dores somáticas ou neuropáticas; no
Lages, Oliveira Júnior
entanto, parece haver uma falta de consenso sobre o tratamento adequado e as estratégias para estas desordens.10,15,16
A neuroestimulação está revolucionando a cirurgia funcional por se tratar de um procedimento de finalidade
modulatória, com baixo risco associado. Assim, tem sido
utilizada para tratamento de diversas condições, incluindo
síndrome complexa regional, síndrome pós-laminectomia,
doença vascular periférica, dor neuropática, angina refratária
e, mais recentemente, dor visceral e dor pélvica crônica.11
Além disso, há diversos estudos clínicos que relatam sua
eficácia.
Apesar da EEME com finalidade analgésica ter sido proposta por Shealy et al. em 1967,17 somente em 1987 Murphy
et al. descreveram o primeiro caso de angina refratária.14,18
Vários estudos controlados vieram a comprovar a eficácia
da EEME no controle da dor de origem isquêmica, principalmente em membros, mas demonstraram a inexistência de
diferença estatística em relação à amputação. A EEME,
contudo, fornecia alívio da dor, maior capacidade de locomoção, melhora da função global do membro e da qualidade
de vida.19 Já o estudo realizado por Jivegard et al. demonstrou
benefício a 51 pacientes com isquemia grave inoperável em
membro, realizando seguimento por 18 meses, e encontrou a
sobrevida livre de amputação (62%) superior à do grupo
controle (45%), o que foi estatisticamente significativo
(p > 0,05).19
Em 2000, Ceballos et al. foram os primeiros a utilizar a
neuroestimulação com finalidade analgésica para dor visceral, em um paciente com dor secundária a isquemia mesentérica crônica.13 Já em 2004, Krames e Mousad20 relaram um
caso de estimulação para síndrome do cólon irritável.
O controle álgico da angina refratária foi investigado em
dois estudos prospectivos randomizados sobre a EEME.9,14
Os resultados demonstraram melhor capacidade e qualidade
de exercício no grupo em que foi realizada a EEME em
comparação ao grupo controle.21,22
Mannheimer et al. (1996) demonstraram – através de um
estudo prospectivo, randomizado, comparativo entre a EEME
e a revascularização miocárdica, com 104 pacientes e seguimento de 5 anos – que houve melhora dos sintomas de
angina e da qualidade de vida em ambos os grupos; contudo,
a mortalidade foi maior no grupo da revascularização.23,24
Hoje, é considerada categoria 2Bþ de eficácia.24
O fluxograma abaixo pode auxiliar no raciocínio do paciente que sofre de angina refratária e na melhor indicação de
EEME nestes casos24 (►Fig. 1).
A indicação da EEME é feita hoje, no Brasil, basicamente
em casos de síndrome complexa regional e síndrome póslaminectomia. Mekhail et al.11 demostraram a incidência da
indicação da estimulação elétrica da medula espinal em 707
pacientes, conforme ilustra a gráfico abaixo (►Fig. 2).
Exemplo clínico
W.M., 61 anos, sexo masculino, portador de cardiopatia
isquêmica desde 2011, depois de dois infartos agudos do
miocárdio (IAM). Após os eventos isquêmicos, manteve-se
em um quadro anginoso, apesar da terapêutica extensa
Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia
EEME no tratamento da angina refratária
Lages, Oliveira Júnior
2. Ramo descendente posterior da corornária direita com
lesão moderada de 50% no óstio.
3. Artéria descendente anterior com lesão intensa de 90 a
95% no óstio.
4. Primeiro ramo diagonal (moderada importância) com
lesão suboclusiva de 95% no óstio.
5. Segundo ramo diagonal (importante) com lesão moderada de 50% no terço proximal (reestenose intrastent).
6. Artéria circunflexa com lesão suboclusiva (98%) no
óstio (reestenose intra-stent).
Fig. 1 Fluxograma para indicação de estimulação elétrica da medula
espinal (EEME) no paciente com angina refratária.
realizada, pouca satisfação do ponto de vista álgico foi
alcançada. O paciente foi submetido a dois procedimentos
de angioplastia, revascularização miocárdica através de três
pontes safena, obtendo-se o mesmo desfecho.
Almejando-se redução do quadro doloroso, foi realizada
nova angioplastia. Desta vez, utilizando-se stent revestido
por fármacos; porém, o paciente persistiu com quadro álgico.
Laudos de três cateterismos realizados:
27/06/2012:
1. Coronária direita com lesão intensa de 80% no terço
médio (reestenose intra-stent).
Fig. 2 Incidência da indicação de estimulação elétrica da medula
espinal (EEME). Fonte: Mekhail et al., 2011.11
Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia
04/10/2012:
1. Coronária direita com lesão intensa de 80% no terço
médio (reestenose intra-stent).
2. Artéria descendente anterior com lesão intensa de 90 a
95% no óstio.
3. Primeiro ramo diagonal (moderada importância) com
lesão intensa de 90% no óstio.
4. Segundo ramos diagonal (importante) com lesão moderada de 50% no terço proximal (reestenose intrastent).
5. Artéria circunflexa com lesão suboclusiva (98%) no
óstio (reestenose intra-stent)
6. Ponte de safena aorta – ramos marginais – isenta de
lesões significativas.
7. Ponte de safena aorta descendente posterior isenta de
lesões significativas.
8. Lesão intensa de 80% na anastomose da artéria mamária esquerda descendente anterior.
05/01/2013:
1. Coronária direita com lesão intensa de 80% no terço
médio (reestenose intra-stent).
2. Artéria descendente anterior com lesão intensa de 90 a
95% no óstio.
3. Primeiro ramo diagonal (moderada importância) com
lesão intensa de 90% no óstio.
4. Segundo ramo diagonal (importante) com lesão moderada de 50% no terço proximal (reestenose intrastent).
5. Artéria circunflexa com lesão suboclusiva (98%) no
óstio (reestenose intra-stent)
6. Ponte de safena aorta – ramos marginais – isenta de
lesões significativas.
7. Ponte de safena aorta descendente posterior isenta de
lesões significativas.
8. Artéria mamária esquerda descendente anterior pérvia
e stent com bom aspecto angiográfico.
Após novo cateterismo, não foi evidenciada lesão vascular
que justificasse o quadro, sendo iniciada uma análise, sob o
ponto de vista funcional, a fim de amenizar o sofrimento.
Dessa forma, o paciente foi encaminhado pelo serviço de
neurocirurgia funcional do Hospital Dilson Godinho, de
Montes Claros. Com queixa de dor de padrão de neuropático,
piora com o esforço físico, contínua, tipo queimação em
região anterior do hemitórax esquerdo, com valor de
EEME no tratamento da angina refratária
intensidade na escala Verbal Numérica, entre 0 ou zero
(ausência de dor) e dez (a dor mais forte imaginável pelo
próprio doente) ou pela sigla: EVN, igual a 5, já em uso de
atenolol 50 mg de 12/12 h, sustrate 10 mg de 12/12 h,
hidroclorotiazida 25 mg 1 x dia, adalat oros 30 mg 1 x dia,
gabapentina 600 mg de 8/8 h, nortriptilina 25 mg à noite e
tramadol 100 mg quando dor intensa.
Paciente referia também que a deambulação por pequenas distâncias, menos de 100 m, fazia sua dor mudar de
padrão, caracterizando-se como pontada e de EVN ¼ 8,
sendo necessário haver pausas frequentes.
Após a avaliação psicológica não identificar nenhuma
contraindicação de ordem psíquica para o procedimento
cirúrgico, foi feita a opção pelo implante do neuroestimulador medular com eletrodo fornecido pela Medtronic
5 6 5, ao nível do processo espinhoso de T2.
O procedimento foi realizado em agosto de 2014. O
eletrodo foi acondicionado em contato com a face posterior
da medula através de microlaminectomia, e o acesso de pele,
em torno de 6 cm, de 1 a 2 níveis inferior ao nível desejado.
Após 2 meses, atingiu-se a programação que permanece
até o momento: 35 Hz, 2,4 V, 60 ms.
Cintilografia miocárdica realizada em 12/02/2015 mostrou quadro normal, não evidenciando lesões isquêmicas e/
ou cicatriciais no miocárdio do ventrículo esquerdo.
Discussão
A grande diferença na estimulação medular para dor visceral
em comparação com a síndrome pós-laminectomia ou
síndrome complexa regional é o número de dermátomos a
serem estimulados. A grande maioria das vísceras tem
somatotopia de dois a quatro níveis medulares, algumas
das vezes necessitando de lateralidade.
Como alguns eletrodos têm um limitador do tamanho, o
posicionamento, escolha do material e seleção correta dos
casos são os pontos-chave para resultados positivos e satisfação do paciente.
Doenças viscerais, frequentemente, manifestam-se por
hiperalgesia secundária nos dermátomos fornecidos pelos
mesmos segmentos espinais que suprem as vísceras. Esta
hiperalgesia pode envolver todos os dermátomos ou apenas
uma parte específica.25
Patologicamente, a angina instável não se correlaciona
com a extensão da estenose coronariana prévia, segundo
Latif. A lesão tem sua origem na formação temporária de
trombo, mediada por uma complexa cascata de interações
celulares entre o endotélio vascular e as plaquetas na artéria
coronária aterosclerótica,26 tendo como resultado o desequilíbrio entre oferta e demanda de oxigênio do miocárdio,
originando isquemia, lesão celular e, consequentemente,
dor.27
Fisiologicamante, a EEME provê analgesia através da sua
atuação sobre as unidades neuronais segmentares da medula
espinal, levando à excitação antidrômica das fibras do
funículo posterior ou das vias de condução sensitiva inespecífica da medula espinal. Sua ativação causa percepção de
parestesia que se associa à analgesia obtida.8,28
Lages, Oliveira Júnior
O efeito benéfico da EEME na dor de origem vascular e na
dor isquêmica periférica é promover o reequilíbrio na relação
entre oferta e demanda de oxigênio, reparar e atenuar os
efeitos isquêmicos adicionais.9,12 Os níveis aumentados de
estimulação, por efeito de ativação antidrômica, ativam as
fibras aferentes das raízes dorsais, levando à liberação de
óxido nítrico e do polipepetídeo relacionado com o gene da
calcitonina (PRGC) na periférica, que produz vasodilatação
cutânea.21,29
Ocorre também uma inibição nos neurônios WDR
(wid-dynamic-range), ativados previamente pela lesão ali
presente, diminuindo assim sua ação algiogênica.22 Alguns
estudos demonstraram que a hiperexcitabilidade neuronal
está relacionada com baixos níveis de neurotransmissor
GABA e que, após a EEME, ocorre não só uma normalização
deste neurotransmissor como também, uma redução do seu
análogo excitatório, o glutamato.22
Estímulos que não geram efeito parestésico podem ter
efeito benéfico simpaticolítico, melhor demonstrado em
estudos sobre angina refratária.30
O tratamento para a dor visceral depende de uma combinação do tratamento farmacológico associada a terapias
cognitivas e comportamentais, bem como a uma mudança
de estilo de vida. Além disso, a dor secundária a estados de
baixo fluxo sanguíneo requer restauração do fluxo sanguíneo, ou melhora da oxigenação, o que nem sempre é possível
com cirurgias convencionais.9
O uso da estimulação elétrica nervosa transcutânea
(TENS) e da EEME para o tratamento da síndrome dolorosa
complexa regional tipo I (distrofia simpaticorreflexa) tem
sido amplamente documentado. Ao tomar esta associação
entre a EEME e uma síndrome de dor que é simpaticamente
mediada à sua extensão teórica, pode-se aplicar a EEME no
Fig. 3 A figura ao lado adaptada33 representa de forma esquemática
a tabela acima.
Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia
EEME no tratamento da angina refratária
Lages, Oliveira Júnior
Tabela 1 Resumo de órgãos e respectivos níveis medulares
para EEME
Órgão
objetivado
Nível
Observação
Pâncreas
T7/T8
Linha média
Fígado
T6 a T9
Linha média ou lateralizado
(direita)
2 World Health Organization. Death and disability due to CVDs
3
4
5
Estômago
T6 a T9
Linha média ou lateralizado
(esquerda)
6
Cólon
ascendente
T9 a L1
Linha média ou lateralizado
(direita)
7
Cólon
trasverso
T9/T10
Linha média
Cólon
descendente
T9 a L1
Linha média ou lateralizado
(esquerda)
Coração
T2 a T4
(C7 a T1)
8
Linha média ou lateralizado
(esquerda)
Alguns relatos indicaram que este nível seria mais eficaz.13
tratamento da dor visceral, que deve ser mediada em grande
parte da mesma maneira7,16,25 (►Fig. 3).
A ►Tabela 1 resume os órgãos objetivados e o nível
medular a ser estimulado.
As complicações da EEME apresentam uma taxa de 3040%. A migração do eletrodo está entre as complicações mais
comuns, com incidência de 13,2 a 22,6%.7,31
A migração do eletrodo é definida como o deslocamento
de sua localização original desejada, e é causada pelo estresse
mecânico, mobilidade aumentada (região cervical), técnica
cirúrgica inadequada de fixação, trauma, infecção, espasmo
muscular, e resulta na perda da estimulação eficaz. Tal
complicação leva a um aumento do risco de infecção com
as cirurgias para revisão, além de um aumento dos custos.7
Fístula dural, cefaleia, déficit neurológico, compressão
medular, hemorragia, fibrose epidural, mau funcionamento
do sistema (considerado por muitos a complicação mais
frequente, 20-25%), fraturas do eletrodo ou das conexões
são outros exemplos de complicações.31–33
Conclusão
A EEME é hoje uma opção viável, de baixo risco e com
resultados satisfatórios para o tratamento de dores de origem neuropática e visceral, sendo portanto passível de
utilização na angina refratária. Para esse fim, hoje, a EEME
está indicada após a falha da terapia padrão, com controle
significativo da dor e melhora na qualidade de vida. Porém,
ainda há necessidade de mais estudos para a maior empregabilidade e eficácia do procedimento na prática clínica.
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Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia
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