Classificação, quanto à família, dos espécimes de morcegos

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Chiroptera Neotropical 16(1) Supl., April 2010
Classificação, quanto à família, dos espécimes de morcegos submetidos ao
diagnóstico da raiva no Instituto Pasteur, no período de 2007 a 2009.
Karin Corrêa Scheffer*, Rodrigo Fernandes Barros e Samira M. Achkar
Instituto Pasteur de São Paulo.
*Corresponding author. E-mail: [email protected]
Palavras-chave: Vírus da raiva, Vigilância epidemiológica
gambás, mangostas e morcegos de diferentes
espécies e hábitos alimentares (Kotait et al.
2006).
O objetivo deste estudo foi classificar os
diversos espécimes de morcegos recebidos para
diagnóstico da raiva, no laboratório do Instituto
Pasteur de São Paulo (IP-SP) e conhecer a
positividade dos mesmos.
Introdução
Dentre as espécies de mamíferos conhecidas,
os morcegos representam 24% e pertencem à
ordem Chiroptera, constituída por 1.113
espécies, que podem ser classificadas segundo
os hábitos alimentares (Reis et al. 2007). No
Brasil, estão divididos em nove famílias e,
aproximadamente, 165 espécies (Simmons
2005; Peracchi et al. 2006).
Os
morcegos
são
animais
com
características peculiares quando comparados
com outros mamíferos, seja por sua vasta
diversidade de hábitos alimentares, ou por sua
exímia capacidade de vôo. Estas características
se tornam fundamentais se analisar a capacidade
de distribuição desses animais que são
encontrados mundialmente, exceto nas regiões
polares e ilhas muito afastadas dos continentes
(Taddei 1996).
Esses
animais
exercem
importante
contribuição para o equilíbrio natural
desempenhando atividades como polinizadores,
disseminadores de sementes e controladores de
populações de insetos (Taddei 1996; Pedro et al.
1995). Porém, podem transmitir diversas
doenças, dentre elas a raiva (Baer e Smith
1991).
A
possibilidade
dos
morcegos
desempenharem o papel de reservatório na
propagação do vírus da raiva foi pela primeira
vez levantada por Carini (1911). Acreditava-se
que somente os morcegos hematófagos eram
responsáveis em disseminar o vírus, porém, na
década de 50, após um incidente com um
morcego insetívoro, os pesquisadores voltaram
suas atenções aos morcegos não hematófagos
(Bigler et al. 1974).
A raiva é uma zoonose transmitida por vírus
pertencente à família Rhabdoviridae, gênero
Lyssavirus e as principais formas de
transmissão são pela mordedura, lambedura
e/ou arranhadura de animal infectado (Baer e
Smith 1991).
Às Ordens Carnivora e Chiroptera
pertencem os principais reservatórios do vírus
da raiva e os principais transmissores são os
cães, cachorros do mato, raposas, guaxinins,
Material e Métodos
Todos os espécimes recebidos entre 2007 e
2009 foram submetidos às técnicas preconizadas
pela Organização Mundial da Saúde para
diagnóstico do vírus da raiva, quais sejam: (1)
Imunofluorescência Direta (IFD): a partir do
sistema nervoso central (SNC) dos morcegos
suspeitos, foram preparadas 02 lâminas, as quais
foram submetidas à técnica de IFD (Dean et al.
1996), utilizando conjugado fluorescente antivírus da raiva, produzido pelo IP-SP (Caporale
et al. 2009) e (2) Isolamento Viral (IV): foram
preparadas suspensões a 20% (peso/volume) a
partir do SNC dos morcegos suspeitos, e
submetidas ao IV em cultivo celular, realizado
em microplacas com 96 poços seguindo o
protocolo descrito por Webster e Casey (1996),
com adaptações realizadas no IP-SP (Castilho et
al. 2007).
Amostras positivas foram inoculadas via
intracerebral em camundongos albinos suíços de
21 dias, com peso entre 11 e 14g, de acordo
com a técnica preconizada por Koprowski
(1996), como
contra prova e para
reprodutibilidade viral, para estudos genéticos,
moleculares e epidemiológicos.
Todos os espécimes recebidos para
diagnóstico foram identificados quanto à
família, seguindo a chave visual, estabelecida
por Bredt et al. (2002). Quando o diagnóstico
foi positivo, os morcegos foram classificados
quanto à espécie, por análise morfológica e
morfométrica, utilizando chave de identificação
de Vizotto e Taddei (1973) e Gregorin e Taddei
(2002).
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Conforme o hábito alimentar, os morcegos
insetívoros foram os mais numerosos,
totalizando 83 (56.85%) dentre os positivos,
fato previsível por serem estes morcegos os de
maior densidade demográfica em nosso meio
(Taddei 1996). Entre os frugívoros, foram
encontrados 52 (35.62%) positivos para raiva,
sendo 100% do gênero Artibeus dividido nas
espécies A. lituratus, A. fimbriatus e A.
obscurus, e todos os morcegos hematófagos
(2.05%) foram identificados como Desmodus
rotundus.
Dentre os morcegos insetívoros, 28.92%
pertenciam ao gênero Myotis, 21.69% ao
Eptesicus, 19.28% ao Nyctinomops, 12.05% ao
Molossus, 4.82% ao Lasiurus, 4.82% ao
Eumops, 4.82% ao Histiotus e 3.61% ao
Tadarida. Estes morcegos possuem hábito
sinantrópico, fato compreensível, pois, os
mesmos foram enviados ao IP-SP para o
diagnóstico da raiva, na maioria das vezes com
histórico de contato ou agressão às pessoas ou
animais domésticos, ou foram capturados para
fins de vigilância epidemiológica, de ambientes
urbanos ou rurais.
Entre os principais sintomas da raiva em
morcegos
hematófagos
estão:
atividade
alimentar diurna, agressividade, falta de
coordenação dos movimentos, tremores
musculares e paralisia (Kotait et al. 1996). Nos
morcegos não hematófagos ocorre geralmente
paralisia sem agressividade e excitabilidade, e
os animais são encontrados em locais não
habituais (Baer 1991; Baer e Smith 1991). O
risco epidemiológico ocorre quando morcegos
infectados pelo vírus da raiva são encontrados
com esses sintomas estando, portanto expostos à
manipulação por humanos, ou mesmo por
animais com instinto de caça, como cães e
gatos.
Por exercerem importante ação no
ecossistema,
somente
morcegos
com
características suspeitas de estarem infectados
pelo vírus da raiva devem ser encaminhados,
por profissionais capacitados e imunizados, para
diagnóstico laboratorial.
Resultados e Discussão
Entre 2007 e 2009, foi recebido um total de
9.714 morcegos para diagnóstico laboratorial do
vírus da raiva no IP-SP, os quais foram objeto
deste estudo.
No ano de 2007, foram recebidos 2.976
morcegos, os quais pertenciam à família
Molossidae (77.12%), Phyllostomidae (13.68%)
Vespertilionidae (8.42%) e Noctilionidae
(0.13%). Não foi possível a identificação de
0.71% dos morcegos recebidos, devido ao
avançado estado de decomposição. Em relação
ao resultado das técnicas empregadas 45
espécimes (1.51%) foram diagnosticados
positivos para raiva e 2.890 espécimes (97.1%)
foram negativos. Os demais, 41 (1.68%)
estavam impossibilitados devido à forma de
conservação impedir a realização das técnicas
de diagnóstico.
Em 2008 foram recebidos 3.331 morcegos,
sendo que 80.10% eram da família Molossidae,
10.66% da Phyllostomidae, 8.68% da
Vespertilionidae e 0.69% morcegos se
encontravam
impossibilitados
para
a
identificação. Os morcegos diagnosticados
positivos para raiva foram 42 (1.26%), 3225
(96.8%) eram negativos e 64 (1.92%) estavam
impossibilitados para diagnóstico.
Em 2009, dos 3.407 morcegos recebidos,
74.46% pertenciam à família Molossidae,
16.17%
à
Phyllostomidae,
8.86%
à
Vespertilionidae e 0.50% dos morcegos não
tinham condições de serem identificados.
Quanto aos resultados, 59 (1.73%) foram
diagnosticados positivos para raiva, 3302
(96.9%) eram negativos e em 46 (1.35%) o
diagnóstico ficou impossibilitado.
Dentre os 9.714 morcegos recebidos no
laboratório do IP-SP, 146 (1.50%) reagiram
positivamente às técnicas de IFD e IV. Esta
proporção de reagentes positivos não pode ser
interpretada como prevalência "real" da raiva
em morcegos no Estado de São Paulo, pois,
refere-se tão somente à prevalência "aparente"
dos testes de IFD e IV. De acordo com Baer
(1975), nos levantamentos realizados na década
de 1950 e 1960 nos Estados Unidos, a
prevalência aparente da raiva em morcegos não
hematófagos era variável, porém usualmente
inferior a 1%. Ainda de acordo com os estudos
da década de 1950 realizados nos Estados
Unidos, a "prevalência" era variável conforme o
hábito solitário ou gregário dos morcegos, pois,
até 25% dos morcegos de hábito solitário foram
encontrados positivos, enquanto que menos de
1% dos morcegos capturados de grandes
colônias apresentavam a infecção pelo vírus da
raiva (Baer 1975).
Conclusões
O número de morcegos enviados ao
laboratório do IP-SP para o diagnóstico do vírus
da raiva vem aumentando ano após ano,
demonstrando uma maior preocupação dos
municípios do Estado de São Paulo em relação à
vigilância epidemiológica nestas espécies.
Aproximadamente 77% dos morcegos
recebidos pertencem à família Molossidae, fato
que pode ser explicado devido à facilidade de
adaptação ao meio urbano e à oferta de alimento
decorrente de projetos paisagísticos e
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urbanísticos, havendo deste modo, maiores
reclamações
dos
munícipes
e
consequentemente, mais capturas.
A prevalência aparente dos testes de IFD e
IV ficou em concordância com a literatura
internacional.
Os resultados encontrados no presente
estudo demonstram a circulação do vírus da
raiva nestas espécies, evidenciando a
importância
das
mesmas
no
ciclo
epidemiológico da raiva. Assim, a necessidade
de envio para o laboratório de morcegos
suspeitos, independente da família a qual
pertença, se encontrados em locais e/ou horários
não habituais é reforçada por este estudo.
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