Seminário 5 – Doença Renal (parte 2) Prof.: Manoel Ricardo Sara

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Seminário 5 – Doença Renal (parte 2)
Prof.: Manoel Ricardo
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Sara Raoux - 2015
Clearance: Volume de plasma depurado de uma determinada substância por unidade de tempo. Ex.:
Clearance de 90 mL – significa que 90 mL do plasma foram “limpos” da creatinina por minuto.
Para se calcular a filtração glomerular, é necessário utilizar-se de uma substância que seja totalmente
excretada pelos rins. Inicialmente, a substância utilizada era a inulina (uma substância exógena, que era
administrada especificamente para cálculo do clearance). A dosagem da urina de 24h era colocada
na seguinte fórmula:
Clearance da inulina = Volume urinário x inulina urinária/inulina plasmática
Atualmente, utiliza-se para o cálculo uma substância endógena: a creatinina. É uma enzima muscular
produzida constantemente, com níveis séricos aproximadamente constantes, sendo 90% filtrada pelo
glomérulo e 10% secretada pelo túbulo:
Clearance da creatinina = volume urinário x creatinina urinária/creatinina plasmática
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Valores de referência da creatinina: 0,6 – 1,2. No entanto, estes valores não são muito utilizados
clinicamente, já que a creatinina de um paciente idoso, com menos massa muscular, costuma ter uma
creatinina sérica mais baixa que, por exemplo, um homem jovem com grande massa muscular. O valor
de referência é, portanto, muito relativo, devendo ser avaliado em cada caso isoladamente.
Valores de referência do clearance: 100 – 120 mL
Se a filtração renal estiver reduzida (IRA, desidratação, obstrução renal, DM e HAS com fibrose renal...),
a tendência é que a creatinina sérica suba. Deve-se, então, colher a urina das 24h e uma amostra de
sangue e calcular o clearance.
A equação de Cockcroft-Gault permite o cálculo do clearance da creatinina sem que seja necessária
a coleta da urina de 24h:
Clearance da creatinina = (140 – idade) x Peso em Kg/72 x creatinina plasmática  mulher x 0,85
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OBS.: o peso utilizado deve ser o IDEAL do paciente, pois se o paciente estiver em sobrepeso, a massa
muscular será proporcionalmente muito menor.
Ex.:
 Homem, 90 anos, 50Kg, creatinina = 1  Clearance = 34 mL/min (IR!)
 Homem, 20 anos, 60Kg, creatinina = 1  Clearance = 100 mL/min (normal)
Pode-se inferir, portanto, que o valor da creatinina sérica, isoladamente, não garante presença de
insuficiência renal ou de função renal preservada. DEVE-SE SEMPRE CALCULAR O CLEARANCE!
Como esta equação apresenta problemas (principalmente relacionados à massa ideal do paciente),
existe uma fórmula mais adequada para o cálculo do clearance, que é o MDRD. No entanto, este
cálculo só é possível com o auxílio de um computador.
Clearance < 60  Insuficiência Renal
Clearance entre 60 e 100  Redução da filtração glomerular
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A) Injúria Renal Aguda:
Toda situação em que há redução da filtração glomerular com instalação rápida (de horas a dias).
Prevalência alta em pacientes internados (5 – 7%)
Mortalidade de 86% quando associada à sepse.
Alta mortalidade também associada à internação em UTI e à idade avançada.
Mais de 90% dos casos são reversíveis.
Condições que levam à redução da filtração glomerular:
1) Pré-renal: Causa mais comum. Na insuficiência cardíaca grave, por exemplo, o débito cardíaco diminui,
reduzindo a perfusão renal e, consequentemente, a filtração glomerular e aumentando a creatinina
sérica. Desidratação e sangramentos, assim como a cirrose hepática (síndrome hepato-renal) também
são causas de IRA pré-renal. Resumindo as principais causas:
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Hipovolemia: diarreias, vômitos, etc.
Insuficiência cardíaca
Síndrome Hepato-renal: vasoconstrição intensa no rim; é muito grave.
Sepse: pode causar hipovolemia relativa e vasodilatação (mas normalmente, está relacionada à lesão
tubular).
2)
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


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Pós-renal: Causas:
Hiperplasia de próstata;
Estenose de uretra;
Tumores das vias urinárias, como da bexiga;
Litíase;
Fibrose retroperitoneal (muito raro – a massa de fibrose envolve os ureteres, obstruindo-os);
Compressão extrínseca (tumores, como tumor de útero, do reto, etc.).
3) Renal: Drogas nefrotóxicas, sepse gerando choque com hipoperfusão renal e necrose tubular aguda,
reação alérgica à penicilina (nefrite intersticial). Estes casos são mais dificilmente revertidos, sendo,
muitas vezes, necessária a diálise até a resolução natural do quadro.
 Doenças vasculares dos rins (esclerodermia – arteríola em bulbo de cebola -, por exemplo, ou formação
de êmbolos de colesterol - ateroembolia - pelo cateterismo, que vão para os rins e causam inflamação
nos vasos renais gerando redução da perfusão e IRA; no fundo de olho, pode-se ver ateroembolia
retiniana  prognóstico ruim);
 Glomerulonefrites (glomerulonefrite rapidamente progressiva)  tratar com pulsoterapia;
 Distúrbios tubulares (necrose tubular aguda); é a causa mais comum! Uso de contraste iodado, uso de
aminoglicosídeos ou anfotericina B (nefrotóxicos) causam necrose do túbulo renal, as células
descamam e causam obstrução do túbulo, gerando IRA. A regeneração tubular é natural, mas pode
levar semanas a meses para ocorrer. A sepse também pode gerar necrose tubular aguda, assim como
uma causa pré-renal não resolvida (rim isquêmico durante horas ou dias). Causas de necrose tubular
aguda:
 Necrose tubular aguda isquêmica: pré-renal não corrigida (hipovolemia, etc.);
 Necrose tubular aguda tóxica: substâncias nefrotóxicas, como antibióticos (aminoglicosídeos,
anfotericina B, etc.), contrastes iodados (gera IRA por vários mecanismos, como liberação de radicais
óxidos e vasoconstrição renal intensa; existem estratégias para prevenir este tipo de lesão, que
consistem em hidratar bem o paciente antes e depois do exame, além do uso da acetilcisteína, que
é um antioxidante – estratégia em estudo) e pigmentos (hemoglobina, em caso de hemólises e
mioglobina, em casos de rabdomiólise – hidratar o paciente e administrar manitol para evitar as
consequências da rabdomiólise). SE O PACIENTE ESTÁ COM IRA, SEMPRE ATENTAR PARA OS
MEDICAMENTOS QUE ESTÁ TOMANDO.
Sinais e sintomas: oligúria, (DIALISAR PRECOCEMENTE! Se hidratar e passar uma sonda para tentar
desobstruir e não melhorar a oligúria, dialisar rápido), hipercalemia. Com a recuperação da necrose
tubular aguda, o rim começa a apresentar um defeito na concentração, e o paciente passa a ter uma
diurese intensa (poliúria), devendo-se hidratar bem o paciente durante a recuperação.
 Nefrite intersticial (alérgica); penicilina, antiinflamatórios, etc. A reação alérgica pode ocorrer no
interstício do rim, lesando também os túbulos. Na microscopia, verifica-se um grande número de células
inflamatórias no INTERSTÍCIO, o que a diferencia da necrose tubular, na qual as células inflamatórias se
localizam no interior dos túbulos.
 Necrose da papila; os restos da necrose causam obstrução;
 Obstrução intra-tubular; por substâncias que se depositam nos túbulos. Causa clássica: nefropatia úrica,
que pode ocorrer na quimioterapia no tratamento de linfoma: a destruição das células do linfoma gera
ácido úrico, K+, fósforo, etc. O ácido úrico precipita-se e obstrui os túbulos, gerando uma nefropatia
úrica aguda. A alcalinização da urina pode resolver.
Anamnese do paciente com IRA:
 Diurese e sintomas de uremia: Os sintomas da uremia são inespecíficos, sendo os mais precoces,
sintomas gastrointestinais (náuseas, vômitos e soluços);
 Dispnéia: congestão pulmonar pela hipervolemia (paciente tomando soro e oligúrico);
 Sintomas associados: febre e artralgia, que podem estar relacionadas às doenças sistêmicas que
causaram a IRA;
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Uso de medicamentos ou contrastes;
Procedimentos endo-vasculares (embolia por colesterol);
Edema e urina espumosa (glomerulonefrite rapidamente progressiva);
Tempo de instalação: avaliar a creatinina normal, de algum tempo antes do quadro, comparando-a
com a atual.
Exame Físico:
 Estado volêmico: medir PVC; se estiver baixa, o paciente está hipovolêmico;
 Lesões dermatológicas: podem estar associadas à vasculite ou embolia por colesterol (gera um livedo
reticular nos pés);
 Icterícia: a leptospirose causa icterícia e lesão tubular, sendo causa de IRA com hipocalemia (3 causas
de IRA com hipocalemia: leptospirose, anfotericina B e aminoglicosídeos);
 Coloração da urina (rabdomiólise – urina amarronzada);
 Sinais de uremia: flapping, pericardite (com atrito pericárdico)
 Palpar globo vesical;
 Verificar depósitos de ácido úrico, como tofos (raro ocorrer em pacientes com hiperuricemia crônica,
mas pode ocorrer).
Exames Complementares:
 Hemograma, ureia, creatinina, Na+, K+, gasometria arterial;
 Enzimas musculares (rabdomiólise), complemento (nas glomerulonefrites rapidamente progressivas, o
complemento está baixo);
 Eosinofilúria: nas nefrites intersticiais agudas e na doença ateroembólica, estará positivo;
 EAS;
 Na+ urinário e fração de excreção de Na+: diferenciar uma renal de uma pré-renal. Se o rim estiver
pouco perfundido, o rim reabsorverá mais Na+ para tentar repor a volemia; no paciente com IRA prérenal, o Na+ urinário, portanto, estará baixo. A fração de excreção de sódio permite medir o percentual
de sódio filtrado que, de fato, é excretado. Na pré-renal, a fração de excreção de sódio é < 1, e na
renal, é > 2 (túbulo lesado não reabsorve o sódio devidamente):
Fração de excreção de Na+ = (Na+urinário/Na+plasmático) x (Cr plasmática/Cr urinária) x 100
Se o paciente estiver sob uso de diurético, não se pode utilizar este cálculo!
 Fração de excreção de ureia;
 US das vias urinárias, que permite avaliar o tamanho dos rins (na IRA, o rim costuma ser de tamanho
normal, enquanto nas doenças renais agudas, geralmente está reduzido de tamanho);
 Biópsia: nas doenças glomerulares.
Indicação de Diálise:
 Indicar precocemente caso o tratamento conservador não reverta a insuficiência renal;
 Hipervolemia;
 Acidose metabólica;
 Sinais e sintomas de uremia;
 Hipercalemia
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B) Doença renal Crônica:
Instalação lenta, em meses ou anos; a creatinina sobe aos poucos. A sintomatologia é muito tardia (Cl
entre 10 e 15, tendo perdido cerca de 80% da função renal), e o doente renal crônico tolera melhor a
uremia que o agudo.
Causas:
Nefropatia diabética: é a mais comum de IRC;
HAS: segunda causa mais comum de IRC;
Glomerulonefrites;
Pielonefrite (infecções urinárias de repetição);
Nefrites túbulo-intersticiais crônicas (muito como ser causada pela rifampicina, utilizada no tratamento
da tuberculose);
 Doença renal policística (genética): a partir da 5ª década de vida, o paciente começa a manifestar
hipertensão e IRC.
 Outras doenças congênitas mais raras.
 Marco da doença renal crônica – proteinúria com mais de 6 meses de evolução; se houver insuficiência
renal (aumento da creatinina de instalação lenta e rim reduzido de tamanho ao US), diz-se que o
paciente tem insuficiência renal crônica.
Insuficiência renal crônica com rim de tamanho normal: DM, amiloidose e rim policístico.
 Classificação da doença renal crônica:
Estágio I  Alterações estruturais nos rins, mas a TFG é normal (> 90);
Estágio II  Alterações estruturais e alguma redução da TFG (entre 60 e 89);
Estágio III  Paciente já com insuficiência renal; TFG baixa (entre 30 e 59);
Estágio IV  Insuficiência renal avançada com TFG muito baixa (entre 15 e 29);
Estágio V  TFG < 15; preparar para diálise ou transplante.
 Na doença renal crônica, a ureia e creatinina estão aumentadas, assim como o fósforo e o ácido úrico;
o hematócrito, o cálcio e o bicarbonato costumam estar reduzidos (acidose).
 Situações que podem levar à agudização da DCR:
 Desidratação;
 Uso de medicamentos como iECA ou antiinflamatórios;
 Obstrução;
 Contrastes;
 Infecções.
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Sinais e sintomas do paciente renal crônico:
Anemia: No paciente renal crônico há uma redução na produção da eritropoetina, além de resistência
à sua ação  anemia normocítica normocrômica. Associada à carência de ferro, pois há redução da
absorção de ferro no intestino (causada pela uremia). Deve-se administrar eritropoetina e
suplementação de ferro.
Sempre que houver insuficiência renal e anemia, suspeitar de cronicidade.
Disfunção leucocitária (pela uremia): os pacientes ficam comumente propensos a infecções.
Redução da agregação e adesão plaquetárias (devido à uremia): grande tendência a sangramentos
Doença cardiovascular: o paciente com insuficiência renal é o paciente com maior risco de doença
cardiovascular! Arritmias, infartos, AVCs são, portanto, as maiores causas de morte dentre estes
pacientes. A própria uremia é fator de risco cardiovascular, ao que se soma a DM, HAS e outras
comorbidades normalmente presentes. O tratamento deve ser precoce e o acompanhamento,
rigoroso!
O rim participa ativamente do metabolismo de cálcio e fósforo (além de excretar fósforo, ativa a
vitamina D, o que permite a absorção de cálcio). O aumento de fósforo sérico e a redução do cálcio
no paciente renal crônico estimulam as paratireoides, numa tentativa de compensação 
hiperparatireoidismo terciário (doença de alto turnover que gera osteíte fibrosa, que cursa com muitas
fraturas ósseas, alterações e dores). A administrar vitamina D; se não corrigir, deve-se realizar a
paratireoidectomia.
Hiperuricemia: pode cursar com gota. O tratamento pode ser complicado, já que a maioria dos
medicamentos contra a gota é excretada pelos rins.
Alterações neurológicas: flapping e até coma urêmico (devidos à uremia), além de neuropatia
periférica;
Alterações da pele: prurido urêmico (melhora com a diálise), palidez ocre/amarelada (a anemia
contribui para a palidez), podendo haver “neve urêmica”.
Alterações gastrointestinais (mais comuns!): náuseas. Vômitos, diarreias (menos comum), soluços (muito
comum!) e hemorragias digestivas (alterações de coagulação);
Acidose metabólica: excreção inadequada de amônia; piora muito a doença óssea. Fazer dieta e
suplementação com alcalinizantes orais;
Inflamação: devida à uremia. Este estado piora muito o quadro cardiovascular, sendo um dos
mecanismos da lesão endotelial;
Tratamento:
 Conservador: evitar que o paciente progrida (estágios I, II, III ou IV):
 Controlar a PA (evita a progressão da doença e reduz a mortalidade cardiovascular);
 Controlar a proteinúria (a redução da proteinúria está associada a uma progressão mais lenta da
doença renal – iECA ou ARA2: não utilizar em caso de estenose de artéria renal bilateral);
 Controle glicêmico;
 Diuréticos;
 Estatinas (controle do perfil lipídico e redução da mortalidade cardiovascular);
 Hipouricemiantes (não tem tanto valor, a não ser que seja um paciente com gota);
 Carbonato de cálcio (quelante que se liga ao fósforo e facilita sua excreção pelo intestino);
 Alcali (bicarbonatos...);
 Ferro;
 Eritropoetina.
 Substituição: diálise ou transplante (estágio V): Deve-se realizar um acesso vascular (fístula rádio-cefálica
ou cateter de duplo-lúmen na jugular ou femoral).
 Diálise peritoneal: a solução é infundida pelo cateter e o peritôneo funciona como uma barreira de
filtração. Em seguida, a solução é drenada. A infusão/drenagem deve ser contínua. Pode ser feita em
casa.
 Transplante renal: melhor modalidade terapêutica para IRC. O doador pode ser vivo ou cadáver. O
transplante preemptivo é aquele realizado no paciente, antes que ele precise dialisar (situação ideal).
OBS.: na IRA: quando o paciente está desidratado, além do Na+, a ureia também é reabsorvida (quem
sobe primeiro é a ureia). Normalmente, a relação ureia:creatinina é de 20:1; Se a ureia estiver muito
mais alta nesta relação, como por exemplo 100:2, isso é um indício de que a IRA é pré-renal.
Comentários sobre o Caso Clínico:
Mulher, 48 anos, internada com diagnóstico de endocardite infecciosa; função renal e EAS normais;
iniciado tratamento com ampicilina 3g 8/8h e gentamicina 80mg 8/8h, tendo havido remissão da febre
em 4 dias. No 12º dia de internação, a paciente ingeriu uma empadinha de camarão. Epigastralgia,
vômitos e diarreia aquosa durante a madrugada. No dia seguinte, voltou a apresentar febre. Cr: 2,5 e EAS
com traços de proteínas 20 hemácias e 30 piócitos/campo; alguns cilindros granulosos e leucocitários. O
médico optou por trocar a ampicilina por vancomicina. Quais são as hipóteses diagnósticas para a
insuficiência renal?
Trata-se de uma IRA;
Nefrotoxicidade pela gentamicina (aminoglicosídeo); necrose tubular aguda;
Nefrite intersticial alérgica pela ampicilina (beta-lactâmico);
Hipovolemia (diarreia)  IRA pré-renal;
Endocardite: glomerulonefrite proliferativa, que pode evoluir para a forma rapidamente progressiva.
Como confirmar? Hemácias dismórficas; dosar complemento (se estiver reduzido, provavelmente a
hipótese está certa, já que a síndrome nefrítica consome complemento);
 Vancomicina: pode ser nefrotóxica. Além disso, a dose não foi corrigida.
 Conduta: tirar as drogas nefrotóxicas (fazer esquema terapêutico alternativo para a endocardite);
hidratação.
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