Avaliação pré-anestésica Ligia Andrade da Silva Telles Mathias e Álvaro Antonio Guaratini O propósito principal da avaliação pré-operatória é reduzir a morbimortalidade do paciente cirúrgico1. São também objetivos inerentes, minimizar a ansiedade préoperatória, diminuir o custo do atendimento perioperatório e possibilitar ao paciente a recuperação de suas funções em um ritmo adequado2. Pasternak et al.3, em 2002, definiram avaliação pré-anestésica (APA) como parte da avaliação pré-operatória, constando de processo de avaliação clínica que precede a entrega dos cuidados da anestesia para a cirurgia e procedimentos não-cirúrgicos, nos quais são analisadas informações de múltiplas origens, que podem incluir registros médicos do paciente, entrevista, exame físico e achados de testes e de avaliações médicas. Os componentes da avaliação pré-anestésica podem ser indicados para vários propósitos, incluindo, mas não limitando, a descoberta ou a identificação de doenças que podem afetar o cuidado anestésico perioperatório, a investigação de patologias preexistentes, o planejamento da anestesia e de alternativas específicas e a investigação da terapia médica ou alternativa, que pode afetar o cuidado anestésico peroperatório 3. AMBULATÓRIOS OU CONSULTÓRIOS DE AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA A avaliação pré-anestésica ideal deve ser realizada antes da internação, em ambulatório, como uma consulta comum. Estudos têm demonstrado que a avaliação pré-anestésica, realizada nos consultórios, clínicas ou ambulatórios de avaliação pré-anestésica, promove redução do tempo médio de permanência e de internação pré-operatória, devido ao aumento de admissões no mesmo dia da cirurgia e do número de pacientes submetidos a cirurgias em regime ambulatorial. Ocorre redução do número de cirurgias suspensas e do atraso do início das cirurgias4-10. A avaliação pré-anestésica ambulatorial, além de permitir maior tempo para a consulta, proporciona também melhor documentação das informações sobre os pacientes5. É importante notar que avaliações inadequadas, com falta de informações, foram identificadas como fator de eventos adversos, segundo estudo australiano de incidentes anestésicos11. O ambulatório de avaliação pré-anestésica é um investimento positivo para os serviços de anestesia e para os hospitais, porque diminui custos, melhora a eficiência do atendimento clínico, implementa protocolos, desenvolve programas educacionais e aumenta a satisfação de pacientes, anestesiologistas e cirurgiões8. ANSIEDADE PRÉ-OPERATÓRIA Pacientes que se submetem a cirurgia experimentam angústia aguda no período préoperatório, principalmente pela antecipação de danos durante a cirurgia, dor pósoperatória, separação da família, incapacitação, perda da independência, além de medo da cirurgia, da anestesia e da morte. A ansiedade pré-operatória pode ser influenciada pela presença prévia de doenças psiquiátricas12-13 e pode determinar aumento da demanda por analgésicos para o controle da dor pós-operatória, bem como elevação do consumo de anestésicos no intraoperatório, o que pode produzir nível baixo de satisfação com o tratamento12,14. Na entrevista pré-anestésica realizada no ambulatório de avaliação pré-anestésica (AAPA), os pacientes indicam como maior fonte de ansiedade “o medo do desconhecido”. A atenção adequada do anestesiologista minimiza essa ansiedade, dispensando por vezes o uso de medicamentos2,15,16. AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA A American Society of Anaesthesiologists (ASA), em uma tentativa de otimizar o atendimento ao paciente a ser anestesiado, propôs, em 1987, as Normas de Cuidados Anestésicos (ASA Standards for Anesthesia Care)17, que incluem: Revisão do prontuário do paciente; Visita pré-anestésica: história clínica, anestesias prévias, medicamentos em uso; Aspectos do exame físico de importância e/ou risco durante o ato anestésicocirúrgico; Exames de laboratório e/ou consultas especializadas. Entre os itens especificados, alguns merecem atenção, porque alterações aí resultaram em significativo aumento da qualidade no atendimento do paciente cirúrgico nos últimos anos. História clínica Independentemente da idade e da doença principal, devem-se fazer perguntas sobre os diversos sistemas e órgãos, a saber: Cardiovascular, respiratório, nervoso-ósseo-muscular, digestório, endócrino, geniturinário, hematopoiético e de coagulação. Devem, ainda, ser inquiridas informações sobre: condições da dentição (presença ou não de todos os dentes e de próteses fixas ou móveis); história de febre alta relacionada ao ato anestésico, ou de origem inexplicada; Dependência de drogas e álcool e uso de substâncias, tais como fitoterápicos, fórmulas e suplementos vitamínicos. Entre os dados a serem obtidos na história clínica, deve-se dar ênfase à investigação profunda sobre história atual ou pregressa de alergia e suspeita de hipertermia maligna. Alergia O paciente em geral sabe referir quando teve um quadro alérgico importante. Deve-se tentar averiguar a(s) droga(s) envolvida(s) e, na dúvida, encaminhar para um alergista ou imunologista. Nos casos em que existe a suspeita de choque anafilático e não há possibilidade de levantamento dos dados, deve-se atuar como se esta fosse uma realidade e não utilizar as mesmas drogas (quando for possível identificá-las)18. A incidência de reações aos derivados do látex tem aumentado em todo o mundo (2,9% a 75%), tornando obrigatória a sua investigação de rotina na APA. O diagnóstico nem sempre é fácil, pois a história clínica da reação ao látex em anestesia é diferente, há uma latência maior para o surgimento dos primeiros sinais e sintomas; vários casos rotulados como “parada cardíaca súbita, de causa ignorada”, em investigação posterior, mostraram-se ser devidos à reação aos derivados do látex. É importante, por conseguinte, sempre que houver história de alteração hemodinâmica e/ou pulmonar inexplicável, pensar na hipótese de reação anafilática ao látex, cujos principais fatores de risco para o seu desenvolvimento, entre outros, são: história de múltiplas exposições aos derivados do látex, atopia e alergia a determinados alimentos (banana, kiwi, abacaxi, abacate, maracujá e frutas secas). Exposições múltiplas aos derivados do látex são encontradas em: pacientes submetidos a múltiplas cirurgias e/ou com sondagens repetidas; profissionais/funcionários da área da saúde; trabalhadores que utilizam derivados do látex (cabeleireiras, trabalhadores da limpeza, da indústria alimentar e que manipulam diretamente o látex); crianças com defeitos do tubo neural, em especial meningomielocele19-21. Dos grupos de risco, as crianças com meningomielocele têm a maior incidência de reação aos derivados de látex, variando de 18% até 73%, quando são atópicas e quando foram submetidas a múltiplas cirurgias21,22. Pacientes com história de alergia a derivados do látex (qualquer tipo de borracha) devem ser avaliados pelo alergista ou imunologista, para confirmação ou não de sensibilidade. Nos casos positivos, como a reação pode ocorrer em qualquer momento (desde a internação até a alta, bastando o contato com derivados do látex), deve-se alertar todo o pessoal médico e de enfermagem, em especial o cirurgião e o anestesiologista (quando este que for fazer a APA não for o mesmo que anestesiará o paciente), para substituição de todo o material anestésico-cirúrgico derivado de látex18,19. Miopatias Devem ser investigadas mesmo no paciente supostamente ASA I e familiares. A história de miopatia, ou quadros de febre grave inexplicada (não infecciosa), durante ou fora do ato anestésico, leva à suspeita de hipertermia maligna, devendo os pacientes e seus familiares ser encaminhados para centro de investigação apropriado. Medicamentos em uso De forma geral, existe a orientação de se manterem as drogas de uso contínuo no período pré-operatório; entretanto, suas doses e horários de administração devem ser conhecidos pelo anestesiologista, bem como suas possíveis interações com os anestésicos23-25. Anti-hipertensivos A presença de hipertensão arterial tem sido associada a aumento de complicações no per-operatório, principalmente quando ocorrem flutuações pronunciadas na pressão arterial. Os pacientes hipertensos candidatos a cirurgia podem apresentar hipertrofia ventricular esquerda, doença da artéria coronária, insuficiência renal e doença cerebrovascular, que devem ser sempre investigadas. Em pacientes com hipertensão arterial grave (PAS > 180 mmHg e PAD > 110 mmHg), há recomendação para o controle dos níveis pressóricos antes do procedimento cirúrgico26,27. Recomenda-se manter os betabloqueadores na manhã da cirurgia, visto que sua retirada associa-se a crise hipertensiva e taquicardia. Além disso, eles são as únicas drogas que efetivamente oferecem alguma proteção ao sistema cardiovascular25-29. Em pacientes que utilizam diuréticos no controle da insuficiência cardíaca, estes devem ser mantidos e precisa-se tomar cuidado com a depleção volêmica causada por tais medicamentos. Os inibidores da enzima conversora da angiotensina e os bloqueadores do receptor da angiotensina continuados até o dia da cirurgia têm sido associados a hipotensão arterial intra-operatória significativa, hipovolemia e aumento de perda sangüínea. Pacientes que apresentam hipotensão arterial respondem de forma inadequada ao tratamento com hidratação, efedrina e fenilefrina; assim, alguns autores recomendam retirar essa classe de anti-hipertensivos no dia da cirurgia desde que não se considere vital seu uso para tratar hipertensão arterial grave ou insuficiência cardíaca30,31. Hipoglicemiantes Existe consenso em favor da suspensão de hipoglicemiantes orais de longa duração, rotineiramente no período pré-operatório, não havendo necessidade, porém, de suspendê-los em cirurgias de pequeno porte e naquelas em que os pacientes podem ser realimentados no pós-operatório imediato. Deve-se conhecer o hipoglicemiante em uso, uma vez que sua duração de ação pode levar à hipoglicemia no período peroperatório. A metformina deve ser retirada 48 horas antes de grandes procedimentos cirúrgicos pelo risco potencial de exacerbar acidose lática e, em pacientes que farão uso de contraste iodado, só deve ser reintroduzida após 48 horas e avaliação da função renal. Para pacientes em uso de insulina, existem vários esquemas de administração da droga no período pré-operatório, com vantagens e desvantagens. Nesses pacientes, deve-se ainda diferenciar o indivíduo ambulatorial daquele internado. Grande parte destes últimos se beneficiará do uso de parte da dose do uso rotineiro de insulina, na manhã da cirurgia, pois isso facilita o controle da glicemia, havendo possibilidade de se administrar glicose caso o paciente desenvolva hipoglicemia. Os pacientes ambulatoriais devem ser instruídos a não administrarem insulina na manhã do procedimento pelo risco de produzir hipoglicemia, mesmo antes de chegar ao hospital, ou durante a espera para o procedimento cirúrgico, além da possibilidade de desenvolvimento de hipoglicemia tardia quando ainda não estão capacitados a se alimentar. Tais pacientes devem ter os níveis de glicemia monitorados ao chegar ao hospital, e pequenas doses de insulina devem ser administradas conforme as concentrações de glicose plasmática32,33. Anticoagulantes Vários pacientes são admitidos recebendo medicações que podem causar sangramento, cabendo ao anestesiologista sempre avaliar a relação risco–benefício do uso de anticoagulantes versus procedimento anestésico adotado. \ Alguns fitoterápicos, como alho, ginko biloba e ginseng, diminuem a agregação plaquetária, podendo ter efeito sobre a coagulação, principalmente em pacientes recebendo medicação anticoagulante34. Estudos com grande número de pacientes sugerem que ácido acetilsalicílico e antiinflamatórios não esteróides (AINE) não são fatores maiores de risco para a formação de hematoma após bloqueio espinhal34. Recente consenso da American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine [ASRA] sobre pacientes recebendo medicações anticoagulantes está resumido na tabela 135,36. Todo paciente recebendo medicação que altere a coagulação sangüínea deve ter coagulograma recente, mesmo que essas medicações não o alterem de forma isolada. Além disso, os indivíduos devem ser seguidos no pós-operatório imediato para detecção precoce de sinais que sugiram hematoma espinhal34,35. Tabela 1. Efeitos do uso de medicações anticoagulantes sobre a anestesia <= AAS ++++ ++++ ++++ ++++ 1:150.000 >= AINE ++++ ++++ ++++ ++++ 1:150.000 Heparina Venosa baixo nadir nadir ++++ ++++ D/T 12 D/T 12 D/T 12 D/T 12 HBPM pré-op. alto horas horas horas horas HBPM pós-op. alto 24 horas 24 horas 24 horas 24 horas INR > 3 = Varfarina INR < 1,4 INR < 1,4 INR < 1,4 INR < 1,4 alto Antagonistas alto perigoso perigoso perigoso ++ CPIIb/IIIa Trombolíticos muito alto perigoso perigoso perigoso perigoso Antidepressivos São utilizados em grande número de doenças (dor crônica, neuroses e psicoses, síndrome do pânico, obesidade) e estão entre as drogas mais prescritas no mundo. Inúmeras interações medicamentosas podem ocorrer entre as várias classes de antidepressivos, anestésicos e técnicas anestésicas. Nas últimas décadas, tem aumentado o número de antidepressivos disponíveis com diferentes mecanismos de ação (inibidores da captação de serotonina, ou da serotonina e norepinefrina, estimulantes da liberação de dopamina), mudando as condutas clássicas, quais sejam, no caso dos inibidores da monoamino-oxidase (IMAO), suspensão três semanas antes do ato anestésico-cirúrgico e evitação do uso de drogas que causam interação grave com os antidepressivos tricíclicos37. É importante lembrar, mesmo aqueles que baseiam sua conduta no conceito antigo, que a suspensão só pode ser decidida de comum acordo com o médico que indicou a medicação, e que, no caso de síndrome do pânico, ela pode desencadear essa síndrome no pré-operatório, pela situação de ansiedade característica do momento. Deve-se procurar saber qual a classe de antidepressivo em uso, qual o tempo de tratamento e evitar drogas simpaticomiméticas, meperidina, halotano, pancurônio e, possivelmente, tramadol38-41. Fitoterápicos e suplementos vitamínicos Segundo estudo americano, pelo menos 50% dos pacientes que fazem uso de medicações alternativas não relatam seu uso para os médicos42. Levando-se em conta a possibilidade de interação medicamentosa e efeitos adversos (Tabela 2), fica evidente a necessidade, durante a APA, de se tentar obter informações fidedignas sobre o uso de tais substâncias43. Tabela 2. Fitoterápicos: efeitos colaterais e interações medicamentosas Fitoterápico Efeitos colaterais/interações medicamentosas aumenta sangramento, especialmente em pacientes com Efedra anticoagulantes interação com antidepressivos/vasopressores (aumenta PA e Alho FC) aumenta sangramento, especialmente em pacientes com Ginseng anticoagulantes aumenta sangramento, especialmente em pacientes com Ginko biloba anticoagulantes aumenta sangramento, especialmente em pacientes com Ginger anticoagulantes Erva-de-Sãoprolonga os efeitos da anestesia João aumenta sangramento, especialmente em pacientes com Vitamina E anticoagulantes Outras drogas Drogas utilizadas para tratamento de arritmias, convulsão, asma, distúrbios da tireóide e doenças gastresofágicas devem ser continuadas no período pré-operatório. Aspectos do exame físico de importância e/ou risco durante o ato anestésicocirúrgico Pressão arterial A hipertensão arterial crônica é a doença associada mais freqüente em pacientes cirúrgicos, sendo a principal causa clínica de suspensões ou adiamentos de cirurgias. A sua detecção no ambulatório de avaliação pré-anestésica é importante, pois é necessário intervalo de tempo para o tratamento adequado e orientação dos pacientes. No ambulatório, é preciso definir quais pacientes são realmente hipertensos e quais estão hipertensos no momento da consulta, seja pelo estresse, pois sabem que estão sendo submetidos a uma consulta que vai decidir sua condição cirúrgica, seja pela obesidade (diâmetro do braço aumentado), quando a pressão arterial medida com esfingmomanômetro comum mostra valores falsamente elevados. Nessa situação, é obrigatória a utilização de manguito apropriado. Avaliação da perviedade das vias aéreas Geralmente não é realizada por cirurgiões e clínicos. Deve ser feita minuciosamente, observando-se presença de dentes falhos, anômalos e próteses, anormalidades da boca, cavidade oral, queixo e pescoço. Vários testes foram propostos para verificação da previsibilidade de dificuldade na intubação traqueal, mas nenhum deles é eficaz em 100% das vezes44,45. Teste de Mallampati É realizado com o paciente sentado, pescoço em posição neutra (perpendicular ao chão), boca em abertura total, língua em protusão máxima e sem fonação (Figura 1). O observador deve estar sentado, com os olhos à mesma altura da linha dos olhos do paciente. A cavidade oral é classificada em 4 classes, conforme a visibilidade das estruturas: I – palato mole, fauces, úvula e pilares visíveis; II – palato mole, fauces e úvula visíveis; III – palato mole e base da úvula visíveis; IV – palato mole não visível. Figura 1. Classificação das estruturas da faringe visíveis durante o teste de Mallampati. O teste deve ser repetido alguns minutos após descanso do paciente para confirmar a classificação. Classes III e IV são sugestivas de intubação difícil. Entretanto, Pilkington et al. (1995)46 mostraram aumento do número de casos de Mallampati IV em grávidas, sem correlação com aumento dos casos de intubação difícil, o que torna esse índice de uso limitado na gestação, podendo ser valorizado quando outros índices também estão alterados. Distância esterno-mento Com o paciente sentado, pescoço em extensão máxima, boca fechada, mede-se a distância entre o bordo superior do esterno (manúbrio) e o queixo. Distância igual ou menor que 12,5 cm é considerada sugestiva de intubação difícil (Figura 2). Figura 2. Visualização da medida da distância esterno-mento. Exames laboratoriais Nas décadas de 1960 a 1980, os exames subsidiários pré-operatórios foram considerados o método ideal de triagem de doenças associadas e não diagnosticadas previamente. Era realizada uma bateria-padrão de exames em todos os pacientes cirúrgicos, mas o custo excessivo e a análise criteriosa da relação custo–benefício mostraram que este não era o melhor método de avaliação dos pacientes47. A tendência atual é de se realizarem exames segundo os dados positivos da história clínica e do exame físico; de acordo com a necessidade dos cirurgiões ou clínicos; de determinados exames que podem sofrer alterações durante a cirurgia ou em procedimentos associados e conforme a inclusão do paciente em uma população de alto risco para alguma condição específica, ainda que sem dados positivos na história clínica ou no exame físico3,48. Assim como em vários outros hospitais do mundo, o AAPA da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP) definiu, em 1998, um padrão mínimo de exames, de acordo com a classificação da ASA (Figura 3), o que tem permitido redução considerável dos gastos hospitalares com exames sem diminuição da qualidade de avaliação do paciente. 1. ASA I <= 60 anos Hb/Ht > 60 anos Hb/Ht, ECG, creatinina, glicemia Hb/Ht, ECG, creatinina, glicemia, RX >75 anos tórax 2. ASA II Qualquer idade Hb/Ht mais exames de acordo com a doença Exame HAS controlada Qualquer idade Hb/Ht, ECG, RX tórax, creatinina, Na+, K+ 3. ASA II com doença cardiovascular 4. ASA II com diabetes Qualquer idade Hb/Ht, ECG, creatinina, glicemia, Na+, K+ 5. ASA III/IV/V Hb/Ht, ECG, creatinina, glicemia, RX tóraz, Na+, K+ mais exames de acordo com a doença Quadro 1. Exames pré-anestésicos mínimos recomendáveis (AAPA-ISCMSP) Tempo de validade Um ano para pacientes ASA I e ASA II. Exceção: exames que podem sofrer alterações mais freqüentes devido à doença e/ou ao tratamento (por exemplo, Hb em paciente com mioma, glicemia em paciente diabético). Consultas especializadas Na avaliação pré-operatória, o encaminhamento de pacientes para outros especialistas era, até algum tempo atrás, conduta dos cirurgiões. Com o surgimento dos AAPA, a decisão dessas interconsultas passou a ser, na maioria das vezes, do anestesiologista49. Assim, pacientes com doenças associadas, compensadas ou não, mas que mostrem disfunção importante do órgão acometido, devem ser encaminhados para o especialista. Os objetivos da interconsulta são basicamente: · avaliação do estágio da doença, grau de comprometimento funcional (por exemplo, pneumopatia crônica) e da condição física atual do paciente; · tratamento da doença: cura ou terapêutica até o “melhor possível” para o ato anestésico-cirúrgico. Para que tais objetivos sejam atingidos, é preciso que o anestesiologista esteja em contato com o clínico para esclarecê-lo sobre o que se espera dele, ou que escreva um resumo adequado do caso, especificando suas necessidades. Entre os cuidados pré-anestésicos apresentados pela ASA, deve-se ressaltar ainda: um anestesiologista deverá ser responsável por: determinar o estado clínico do paciente; desenvolver um plano de assistência anestésica; informar este plano ao paciente ou responsável adulto. Estado clínico do paciente A determinação do estado clínico do paciente implica a avaliação do risco anestésico, ou da probabilidade de morbiletalidade. Na procura de melhoria da qualidade em relação a esse item, alguns métodos ou sistemas de classificação dos pacientes quanto ao risco anestésico foram propostos50,51. A classificação atual da ASA quanto ao estado físico dos indivíduos, apesar de ter falhas e de não ser uma classificação de risco, mas, sim, de estado físico, ainda é a mais utilizada (Figura 4), pois apresenta a vantagem de ser conhecida tanto por clínicos como por cirurgiões, o que permite uma linguagem comum a todos. Estado físico I Nenhuma alteração orgânica, fisiológica, bioquímica ou psiquiátrica e processo patológico que indica a cirurgia é localizado e não vinculado a uma doença sistêmica. Estado físico II Alteração sistêmica leve ou moderada causada pela doença cirúrgica ou por outro processo patológico. Estado físico III Alteração sistêmica grave causada por qualquer causa, mesmo que não seja possível definir o grau de incapacitação. Estado físico IV Indicativo de paciente com alterações sistêmicas graves, causando perigo de morte, nem sempre corregíveis pela cirurgia. Estado físico V Paciente moribundo, com pouca chance de sobrevida, mas que é submetido à cirurgia em última instância (desespero). Estado físico VI Paciente doador de órgãos. Emergência Quadro 2. Sistema de classificação do estado físico segundo a ASA Numerosos índices e algoritmos para avaliação de risco cardíaco em cirurgias não cardíacas já foram propostos. O Colégio Americano de Cardiologia (ACC) e a Associação Americana do Coração (AHA) publicaram em 2002, uma diretriz de risco cardíaco para cirurgias não cardíacas em uma variedade de pacientes e situações cirúrgicas, na qual o paciente com doença cardiovascular é avaliado sob três aspectos: preditores clínicos (Figura 5), capacidade funcional (Figura 6) e risco específico do procedimento (Figura 7)26. Utilizando-se esses dados, foi criado um algoritmo com o objetivo de servir como guia de auxílio na tomada de decisões26. Existem muitos outros índices para estimativa do risco do paciente com cardiopatia, cada qual com vantagens e desvantagens. Independentemente do índice ou algoritmo utilizado, o anestesiologista deve pautar sua decisão final baseado na avaliação individual do paciente e no julgamento clínico de cada caso. Predidores Maiores · Síndromes coronárias instáveis - infarto do miocárdio agudo (menos de 7 dias) ou recente (mais de 7 e menos de 30 dias), com evidências de risco isquêmico por sintomas clínicos ou estudo não-invasivo - angina instável ou grave (classe funcional III ou IV) · Insuficiência cardíaca descompensada · Arritmias graves - bloqueio atrioventricular de alto grau - arritmias ventriculares sintomáticas na presença de doença cardíaca subjacente - arritmias supraventriculares com frequencia ventricular não controlada · Doença valvar grave Preditores Intermediários · Angina moderada (classe funcional I ou II) · Infarto do miocárdio prévio ou presença de onda Q patológica · Insuficiência cardíaca prévia ou controlada · Diabetes melito · Insuficiência renal Preditores menores · Idade avançada · ECG anormal (hipertrofia ventricular esquerda, bloqueio de ramo esquerdo, anormalidades do segmento ST e da onda T) · Outro ritmo que não o sinusal (por exemplo fibrilação atrial) · Baixa capacidade funcional · História de acidente vascular cerebral · Hipertensão arterial não controlada Quadro 3. Preditores clínicos Consumo de oxigênio em equivalentes metabólicos (MET) 1 MET 4 MET > 10 MET Atividades do dia-a-dia Comer, vestir-se, usar o banheiro Caminhar dentro de casa Caminhar a 3,2-4,8 Km.h-1 Subir escadas Caminhar a 6,4 Km.h-1 Correr pequenas distâncias Limpar assoalhos ou móveis Atividades recreativas moderadas: dançar, jogar, tênis em dupla Participar de esportes extenuantes: natação, tênis individual, basquete Quadro 4. Capacidade funcional. Risco alto (risco cardíaco superior a 5%) · Cirurgias de emergência e de grande porte, especialmente no paciente idoso · Cirurgias de aorta e outras cirurgias vasculares de grande porte · Cirurgias vasculares periféricas · Procedimentos cirúrgicos prolongados, associados a grandes perdas de sangue e/ou fluidos corporais Risco intermediário (risco cardíaco entre 1% e 5%) · Endarterectomia de carótida · Cirurgias intraperitoneais e torácicas · Cirurgias de cabeça e pescoço · Cirurgias ortopédicas · Cirurgias de próstata Risco baixo (risco cardíaco inferior a 1%) · Procedimentos endoscópicos · Procedimentos superficiais · Extração de catarata · Cirurgias da mama Quadro 5. Preditores clínicos Figura 3. Algoritmo de risco cardíaco para cirurgias não-cardíacas. Plano de assistência anestésica Este item é fundamental para a qualidade do atendimento no centro cirúrgico, principalmente quando quem faz a avaliação pré-anestésica não é o anestesiologista que vai anestesiar o paciente. O primeiro deve planejar as possíveis técnicas anestésicas para cada paciente e precisa, nos casos mais complicados (por exemplo, síndromes raras, pacientes ASA > II), decidir sobre cuidados especiais e informar por escrito e pessoalmente os anestesiologistas do centro cirúrgico e cirurgiões. Informações ao paciente ou responsável adulto O melhor momento para o paciente ser esclarecido sobre sua condição clínica, provável técnica anestésica e analgesia pós-operatória, é durante a APA, principalmente quando realizada no ambulatório. Isso inclui o esclarecimento sobre os riscos aos quais será submetido durante a anestesia. A ASA propôs ainda nas Normas de Cuidados Anestésicos que o anestesiologista responsável deverá verificar que todos os itens foram cumpridos adequadamente e registrados no prontuário do paciente. A APA, mesmo bem realizada, torna-se sem efeito se não for devidamente registrada. Outro fator importante na sua documentação é que nela estejam inclusos itens que sejam utilizados mesmo raramente, porque se isso não ocorrer, a tendência é esquecê-los e nas poucas vezes em que se tornam necessários, deixarão de ser argüidos. Assim, uma ficha de APA muito sucinta, com a finalidade de não ocupar espaço no prontuário do paciente, pode com o tempo ter como conseqüência a ineficiência. Como corolário disso tudo, ela deve ser completamente preenchida e com letra legível. A conscientização dos itens analisados é, certamente, fator importante na qualidade da assistência ao paciente cirúrgico. Mas, além disso, no ambulatório de avaliação préanestésica deve haver: · Utilização de uma mesma seqüência básica de avaliação para todos os pacientes; · Discussão dos casos com os cirurgiões e clínicos/pediatras sempre que possível e/ou necessário; · Levantamento periódico dos casos atendidos para verificação da satisfação dos pacientes, cirurgiões e anestesiologistas; · Acompanhamento das complicações e dos óbitos per e pós-operatórios para analisar se houve falhas no atendimento e se poderiam ter sido evitados por uma melhor APA. Vale a pena ressaltar que a finalidade dos ambulatórios de avaliação pré-anestésica e, por conseguinte, da avaliação pré-anestésica, per se, não é liberar ou não um paciente para o ato anestésico-cirúrgico, mas tentar de todas as formas possíveis estabelecer o risco–benefício do ato anestésico-cirúrgico para cada paciente na situação específica em que ele se encontra no momento da APA.