Avaliação Pré-anestésica SBA

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Avaliação pré-anestésica
Ligia Andrade da Silva Telles Mathias e Álvaro Antonio Guaratini
O propósito principal da avaliação pré-operatória é reduzir a morbimortalidade do
paciente cirúrgico1. São também objetivos inerentes, minimizar a ansiedade préoperatória, diminuir o custo do atendimento perioperatório e possibilitar ao paciente a
recuperação de suas funções em um ritmo adequado2.
Pasternak et al.3, em 2002, definiram avaliação pré-anestésica (APA) como parte da
avaliação pré-operatória, constando de processo de avaliação clínica que precede a
entrega dos cuidados da anestesia para a cirurgia e procedimentos não-cirúrgicos, nos
quais são analisadas informações de múltiplas origens, que podem incluir registros
médicos do paciente, entrevista, exame físico e achados de testes e de avaliações
médicas.
Os componentes da avaliação pré-anestésica podem ser indicados para vários
propósitos, incluindo, mas não limitando, a descoberta ou a identificação de doenças
que podem afetar o cuidado anestésico perioperatório, a investigação de patologias
preexistentes, o planejamento da anestesia e de alternativas específicas e a investigação
da terapia médica ou alternativa, que pode afetar o cuidado anestésico peroperatório 3.
AMBULATÓRIOS OU CONSULTÓRIOS DE AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA
A avaliação pré-anestésica ideal deve ser realizada antes da internação, em ambulatório,
como uma consulta comum. Estudos têm demonstrado que a avaliação pré-anestésica,
realizada nos consultórios, clínicas ou ambulatórios de avaliação pré-anestésica,
promove redução do tempo médio de permanência e de internação pré-operatória,
devido ao aumento de admissões no mesmo dia da cirurgia e do número de pacientes
submetidos a cirurgias em regime ambulatorial.
Ocorre redução do número de cirurgias suspensas e do atraso do início das cirurgias4-10.
A avaliação pré-anestésica ambulatorial, além de permitir maior tempo para a consulta,
proporciona também melhor documentação das informações sobre os pacientes5. É
importante notar que avaliações inadequadas, com falta de informações, foram
identificadas como fator de eventos adversos, segundo estudo australiano de incidentes
anestésicos11.
O ambulatório de avaliação pré-anestésica é um investimento positivo para os serviços
de anestesia e para os hospitais, porque diminui custos, melhora a eficiência do
atendimento clínico, implementa protocolos, desenvolve programas educacionais e
aumenta
a
satisfação
de
pacientes,
anestesiologistas
e
cirurgiões8.
ANSIEDADE
PRÉ-OPERATÓRIA
Pacientes que se submetem a cirurgia experimentam angústia aguda no período préoperatório, principalmente pela antecipação de danos durante a cirurgia, dor pósoperatória, separação da família, incapacitação, perda da independência, além de medo
da cirurgia, da anestesia e da morte.
A ansiedade pré-operatória pode ser influenciada pela presença prévia de doenças
psiquiátricas12-13 e pode determinar aumento da demanda por analgésicos para o
controle da dor pós-operatória, bem como elevação do consumo de anestésicos no intraoperatório, o que pode produzir nível baixo de satisfação com o tratamento12,14.
Na entrevista pré-anestésica realizada no ambulatório de avaliação pré-anestésica
(AAPA), os pacientes indicam como maior fonte de ansiedade “o medo do
desconhecido”. A atenção adequada do anestesiologista minimiza essa ansiedade,
dispensando
por
vezes
o
uso
de
medicamentos2,15,16.
AVALIAÇÃO
PRÉ-ANESTÉSICA
A American Society of Anaesthesiologists (ASA), em uma tentativa de otimizar o
atendimento ao paciente a ser anestesiado, propôs, em 1987, as Normas de Cuidados
Anestésicos (ASA Standards for Anesthesia Care)17, que incluem:
Revisão do prontuário do paciente;
Visita pré-anestésica: história clínica, anestesias prévias, medicamentos em uso;
Aspectos do exame físico de importância e/ou risco durante o ato anestésicocirúrgico;
Exames de laboratório e/ou consultas especializadas.
Entre os itens especificados, alguns merecem atenção, porque alterações aí
resultaram em significativo aumento da qualidade no atendimento do paciente cirúrgico
nos
últimos
anos.
História
clínica
Independentemente da idade e da doença principal, devem-se fazer perguntas sobre os
diversos sistemas e órgãos, a saber:
Cardiovascular, respiratório, nervoso-ósseo-muscular, digestório, endócrino,
geniturinário, hematopoiético e de coagulação.
Devem, ainda, ser inquiridas informações sobre: condições da dentição
(presença ou não de todos os dentes e de próteses fixas ou móveis); história de febre alta
relacionada ao ato anestésico, ou de origem inexplicada;
Dependência de drogas e álcool e uso de substâncias, tais como fitoterápicos,
fórmulas
e
suplementos
vitamínicos.
Entre os dados a serem obtidos na história clínica, deve-se dar ênfase à investigação
profunda sobre história atual ou pregressa de alergia e suspeita de hipertermia maligna.
Alergia
O paciente em geral sabe referir quando teve um quadro alérgico importante. Deve-se
tentar averiguar a(s) droga(s) envolvida(s) e, na dúvida, encaminhar para um alergista
ou imunologista. Nos casos em que existe a suspeita de choque anafilático e não há
possibilidade de levantamento dos dados, deve-se atuar como se esta fosse uma
realidade e não utilizar as mesmas drogas (quando for possível identificá-las)18.
A incidência de reações aos derivados do látex tem aumentado em todo o mundo
(2,9% a 75%), tornando obrigatória a sua investigação de rotina na APA. O
diagnóstico nem sempre é fácil, pois a história clínica da reação ao látex em anestesia
é diferente, há uma latência maior para o surgimento dos primeiros sinais e sintomas;
vários casos rotulados como “parada cardíaca súbita, de causa ignorada”, em
investigação posterior, mostraram-se ser devidos à reação aos derivados do látex. É
importante, por conseguinte, sempre que houver história de alteração hemodinâmica
e/ou pulmonar inexplicável, pensar na hipótese de reação anafilática ao látex, cujos
principais fatores de risco para o seu desenvolvimento, entre outros, são: história de
múltiplas exposições aos derivados do látex, atopia e alergia a determinados alimentos
(banana, kiwi, abacaxi, abacate, maracujá e frutas secas). Exposições múltiplas aos
derivados do látex são encontradas em: pacientes submetidos a múltiplas cirurgias e/ou
com sondagens repetidas; profissionais/funcionários da área da saúde; trabalhadores
que utilizam derivados do látex (cabeleireiras, trabalhadores da limpeza, da indústria
alimentar e que manipulam diretamente o látex); crianças com defeitos do tubo neural,
em
especial
meningomielocele19-21.
Dos grupos de risco, as crianças com meningomielocele têm a maior incidência de
reação aos derivados de látex, variando de 18% até 73%, quando são atópicas e quando
foram
submetidas
a
múltiplas
cirurgias21,22.
Pacientes com história de alergia a derivados do látex (qualquer tipo de borracha)
devem ser avaliados pelo alergista ou imunologista, para confirmação ou não de
sensibilidade. Nos casos positivos, como a reação pode ocorrer em qualquer momento
(desde a internação até a alta, bastando o contato com derivados do látex), deve-se
alertar todo o pessoal médico e de enfermagem, em especial o cirurgião e o
anestesiologista (quando este que for fazer a APA não for o mesmo que anestesiará o
paciente), para substituição de todo o material anestésico-cirúrgico derivado de
látex18,19.
Miopatias
Devem ser investigadas mesmo no paciente supostamente ASA I e familiares. A história
de miopatia, ou quadros de febre grave inexplicada (não infecciosa), durante ou fora do
ato anestésico, leva à suspeita de hipertermia maligna, devendo os pacientes e seus
familiares ser encaminhados para centro de investigação apropriado.
Medicamentos
em
uso
De forma geral, existe a orientação de se manterem as drogas de uso contínuo no
período pré-operatório; entretanto, suas doses e horários de administração devem ser
conhecidos pelo anestesiologista, bem como suas possíveis interações com os
anestésicos23-25.
Anti-hipertensivos
A presença de hipertensão arterial tem sido associada a aumento de complicações no
per-operatório, principalmente quando ocorrem flutuações pronunciadas na pressão
arterial.
Os pacientes hipertensos candidatos a cirurgia podem apresentar hipertrofia
ventricular esquerda, doença da artéria coronária, insuficiência renal e doença
cerebrovascular, que devem ser sempre investigadas.
Em pacientes com hipertensão arterial grave (PAS > 180 mmHg e PAD > 110
mmHg), há recomendação para o controle dos níveis pressóricos antes do procedimento
cirúrgico26,27.
Recomenda-se manter os betabloqueadores na manhã da cirurgia, visto que sua
retirada associa-se a crise hipertensiva e taquicardia. Além disso, eles são as únicas
drogas que efetivamente oferecem alguma proteção ao sistema cardiovascular25-29.
Em pacientes que utilizam diuréticos no controle da insuficiência cardíaca, estes
devem ser mantidos e precisa-se tomar cuidado com a depleção volêmica causada por
tais medicamentos.
Os inibidores da enzima conversora da angiotensina e os bloqueadores do
receptor da angiotensina continuados até o dia da cirurgia têm sido associados a
hipotensão arterial intra-operatória significativa, hipovolemia e aumento de perda
sangüínea. Pacientes que apresentam hipotensão arterial respondem de forma
inadequada ao tratamento com hidratação, efedrina e fenilefrina; assim, alguns autores
recomendam retirar essa classe de anti-hipertensivos no dia da cirurgia desde que não se
considere vital seu uso para tratar hipertensão arterial grave ou insuficiência
cardíaca30,31.
Hipoglicemiantes
Existe consenso em favor da suspensão de hipoglicemiantes orais de longa duração,
rotineiramente no período pré-operatório, não havendo necessidade, porém, de
suspendê-los em cirurgias de pequeno porte e naquelas em que os pacientes podem ser
realimentados no pós-operatório imediato.
Deve-se conhecer o hipoglicemiante em uso, uma vez que sua duração de ação
pode levar à hipoglicemia no período peroperatório. A metformina deve ser retirada 48
horas antes de grandes procedimentos cirúrgicos pelo risco potencial de exacerbar
acidose lática e, em pacientes que farão uso de contraste iodado, só deve ser
reintroduzida após 48 horas e avaliação da função renal.
Para pacientes em uso de insulina, existem vários esquemas de administração da droga
no período pré-operatório, com vantagens e desvantagens. Nesses pacientes, deve-se
ainda diferenciar o indivíduo ambulatorial daquele internado. Grande parte destes
últimos se beneficiará do uso de parte da dose do uso rotineiro de insulina, na manhã da
cirurgia, pois isso facilita o controle da glicemia, havendo possibilidade de se
administrar glicose caso o paciente desenvolva hipoglicemia. Os pacientes
ambulatoriais devem ser instruídos a não administrarem insulina na manhã do
procedimento pelo risco de produzir hipoglicemia, mesmo antes de chegar ao hospital,
ou durante a espera para o procedimento cirúrgico, além da possibilidade de
desenvolvimento de hipoglicemia tardia quando ainda não estão capacitados a se
alimentar. Tais pacientes devem ter os níveis de glicemia monitorados ao chegar ao
hospital, e pequenas doses de insulina devem ser administradas conforme as
concentrações
de
glicose
plasmática32,33.
Anticoagulantes
Vários pacientes são admitidos recebendo medicações que podem causar sangramento,
cabendo ao anestesiologista sempre avaliar a relação risco–benefício do uso de
anticoagulantes versus procedimento anestésico adotado. \
Alguns fitoterápicos, como alho, ginko biloba e ginseng, diminuem a agregação
plaquetária, podendo ter efeito sobre a coagulação, principalmente em pacientes
recebendo medicação anticoagulante34. Estudos com grande número de pacientes
sugerem que ácido acetilsalicílico e antiinflamatórios não esteróides (AINE) não são
fatores maiores de risco para a formação de hematoma após bloqueio espinhal34.
Recente consenso da American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine
[ASRA] sobre pacientes recebendo medicações anticoagulantes está resumido na tabela
135,36.
Todo paciente recebendo medicação que altere a coagulação sangüínea deve ter
coagulograma recente, mesmo que essas medicações não o alterem de forma isolada.
Além disso, os indivíduos devem ser seguidos no pós-operatório imediato para detecção
precoce de sinais que sugiram hematoma espinhal34,35.
Tabela 1. Efeitos do uso de medicações anticoagulantes sobre a anestesia
<=
AAS
++++
++++
++++
++++
1:150.000
>=
AINE
++++
++++
++++
++++
1:150.000
Heparina Venosa
baixo
nadir
nadir
++++
++++
D/T 12
D/T 12
D/T 12
D/T 12
HBPM pré-op.
alto
horas
horas
horas
horas
HBPM pós-op.
alto
24 horas 24 horas 24 horas 24 horas
INR > 3 =
Varfarina
INR < 1,4 INR < 1,4 INR < 1,4 INR < 1,4
alto
Antagonistas
alto
perigoso perigoso perigoso
++
CPIIb/IIIa
Trombolíticos
muito alto perigoso perigoso perigoso perigoso
Antidepressivos
São utilizados em grande número de doenças (dor crônica, neuroses e psicoses,
síndrome do pânico, obesidade) e estão entre as drogas mais prescritas no mundo.
Inúmeras interações medicamentosas podem ocorrer entre as várias classes de
antidepressivos, anestésicos e técnicas anestésicas. Nas últimas décadas, tem aumentado
o número de antidepressivos disponíveis com diferentes mecanismos de ação
(inibidores da captação de serotonina, ou da serotonina e norepinefrina, estimulantes da
liberação de dopamina), mudando as condutas clássicas, quais sejam, no caso dos
inibidores da monoamino-oxidase (IMAO), suspensão três semanas antes do ato
anestésico-cirúrgico e evitação do uso de drogas que causam interação grave com os
antidepressivos
tricíclicos37.
É importante lembrar, mesmo aqueles que baseiam sua conduta no conceito antigo, que
a suspensão só pode ser decidida de comum acordo com o médico que indicou a
medicação, e que, no caso de síndrome do pânico, ela pode desencadear essa síndrome
no pré-operatório, pela situação de ansiedade característica do momento. Deve-se
procurar saber qual a classe de antidepressivo em uso, qual o tempo de tratamento e
evitar drogas simpaticomiméticas, meperidina, halotano, pancurônio e, possivelmente,
tramadol38-41.
Fitoterápicos
e
suplementos
vitamínicos
Segundo estudo americano, pelo menos 50% dos pacientes que fazem uso de
medicações alternativas não relatam seu uso para os médicos42. Levando-se em conta a
possibilidade de interação medicamentosa e efeitos adversos (Tabela 2), fica evidente a
necessidade, durante a APA, de se tentar obter informações fidedignas sobre o uso de
tais substâncias43.
Tabela 2. Fitoterápicos: efeitos colaterais e interações medicamentosas
Fitoterápico
Efeitos colaterais/interações medicamentosas
aumenta sangramento, especialmente em pacientes com
Efedra
anticoagulantes
interação com antidepressivos/vasopressores (aumenta PA e
Alho
FC)
aumenta sangramento, especialmente em pacientes com
Ginseng
anticoagulantes
aumenta sangramento, especialmente em pacientes com
Ginko biloba
anticoagulantes
aumenta sangramento, especialmente em pacientes com
Ginger
anticoagulantes
Erva-de-Sãoprolonga os efeitos da anestesia
João
aumenta sangramento, especialmente em pacientes com
Vitamina E
anticoagulantes
Outras
drogas
Drogas utilizadas para tratamento de arritmias, convulsão, asma, distúrbios da tireóide e
doenças gastresofágicas devem ser continuadas no período pré-operatório.
Aspectos do exame físico de importância e/ou risco durante o ato anestésicocirúrgico
Pressão
arterial
A hipertensão arterial crônica é a doença associada mais freqüente em pacientes
cirúrgicos, sendo a principal causa clínica de suspensões ou adiamentos de cirurgias. A
sua detecção no ambulatório de avaliação pré-anestésica é importante, pois é necessário
intervalo de tempo para o tratamento adequado e orientação dos pacientes. No
ambulatório, é preciso definir quais pacientes são realmente hipertensos e quais estão
hipertensos no momento da consulta, seja pelo estresse, pois sabem que estão sendo
submetidos a uma consulta que vai decidir sua condição cirúrgica, seja pela obesidade
(diâmetro do braço aumentado), quando a pressão arterial medida com
esfingmomanômetro comum mostra valores falsamente elevados. Nessa situação, é
obrigatória
a
utilização
de
manguito
apropriado.
Avaliação
da
perviedade
das
vias
aéreas
Geralmente não é realizada por cirurgiões e clínicos. Deve ser feita minuciosamente,
observando-se presença de dentes falhos, anômalos e próteses, anormalidades da boca,
cavidade oral, queixo e pescoço. Vários testes foram propostos para verificação da
previsibilidade de dificuldade na intubação traqueal, mas nenhum deles é eficaz em
100%
das
vezes44,45.
Teste
de
Mallampati
É realizado com o paciente sentado, pescoço em posição neutra (perpendicular ao chão),
boca em abertura total, língua em protusão máxima e sem fonação (Figura 1). O
observador deve estar sentado, com os olhos à mesma altura da linha dos olhos do
paciente. A cavidade oral é classificada em 4 classes, conforme a visibilidade das
estruturas:
I
–
palato
mole,
fauces,
úvula
e
pilares
visíveis;
II
–
palato
mole,
fauces
e
úvula
visíveis;
III
–
palato
mole
e
base
da
úvula
visíveis;
IV – palato mole não visível.
Figura 1. Classificação das estruturas da faringe visíveis durante o teste de Mallampati.
O teste deve ser repetido alguns minutos após descanso do paciente para confirmar a
classificação. Classes III e IV são sugestivas de intubação difícil. Entretanto,
Pilkington et al. (1995)46 mostraram aumento do número de casos de Mallampati IV em
grávidas, sem correlação com aumento dos casos de intubação difícil, o que torna esse
índice de uso limitado na gestação, podendo ser valorizado quando outros índices
também
estão
alterados.
Distância
esterno-mento
Com o paciente sentado, pescoço em extensão máxima, boca fechada, mede-se a
distância entre o bordo superior do esterno (manúbrio) e o queixo. Distância igual ou
menor que 12,5 cm é considerada sugestiva de intubação difícil (Figura 2).
Figura 2. Visualização da medida da distância esterno-mento.
Exames
laboratoriais
Nas décadas de 1960 a 1980, os exames subsidiários pré-operatórios foram
considerados o método ideal de triagem de doenças associadas e não diagnosticadas
previamente. Era realizada uma bateria-padrão de exames em todos os pacientes
cirúrgicos, mas o custo excessivo e a análise criteriosa da relação custo–benefício
mostraram que este não era o melhor método de avaliação dos pacientes47. A tendência
atual é de se realizarem exames segundo os dados positivos da história clínica e do
exame físico; de acordo com a necessidade dos cirurgiões ou clínicos; de determinados
exames que podem sofrer alterações durante a cirurgia ou em procedimentos associados
e conforme a inclusão do paciente em uma população de alto risco para alguma
condição específica, ainda que sem dados positivos na história clínica ou no exame
físico3,48.
Assim como em vários outros hospitais do mundo, o AAPA da Irmandade da Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP) definiu, em 1998, um padrão mínimo de
exames, de acordo com a classificação da ASA (Figura 3), o que tem permitido redução
considerável dos gastos hospitalares com exames sem diminuição da qualidade de
avaliação do paciente.
1. ASA I
<= 60 anos Hb/Ht
> 60 anos Hb/Ht, ECG, creatinina, glicemia
Hb/Ht, ECG, creatinina, glicemia, RX
>75 anos
tórax
2. ASA II
Qualquer
idade
Hb/Ht mais exames de acordo com a
doença
Exame HAS controlada
Qualquer
idade
Hb/Ht, ECG, RX tórax, creatinina, Na+,
K+
3. ASA II com doença
cardiovascular
4. ASA II com diabetes
Qualquer
idade
Hb/Ht, ECG, creatinina, glicemia, Na+,
K+
5. ASA III/IV/V
Hb/Ht, ECG, creatinina, glicemia, RX
tóraz, Na+, K+ mais exames de acordo
com a doença
Quadro 1. Exames pré-anestésicos mínimos recomendáveis (AAPA-ISCMSP)
Tempo
de
validade
Um ano para pacientes ASA I e ASA II. Exceção: exames que podem sofrer alterações
mais freqüentes devido à doença e/ou ao tratamento (por exemplo, Hb em paciente com
mioma,
glicemia
em
paciente
diabético).
Consultas
especializadas
Na avaliação pré-operatória, o encaminhamento de pacientes para outros especialistas
era, até algum tempo atrás, conduta dos cirurgiões. Com o surgimento dos AAPA, a
decisão dessas interconsultas passou a ser, na maioria das vezes, do anestesiologista49.
Assim, pacientes com doenças associadas, compensadas ou não, mas que mostrem
disfunção importante do órgão acometido, devem ser encaminhados para o especialista.
Os
objetivos
da
interconsulta
são
basicamente:
· avaliação do estágio da doença, grau de comprometimento funcional (por exemplo,
pneumopatia
crônica)
e
da
condição
física
atual
do
paciente;
· tratamento da doença: cura ou terapêutica até o “melhor possível” para o ato
anestésico-cirúrgico.
Para que tais objetivos sejam atingidos, é preciso que o anestesiologista esteja em
contato com o clínico para esclarecê-lo sobre o que se espera dele, ou que escreva um
resumo
adequado
do
caso,
especificando
suas
necessidades.
Entre os cuidados pré-anestésicos apresentados pela ASA, deve-se ressaltar ainda: um
anestesiologista deverá ser responsável por: determinar o estado clínico do paciente;
desenvolver um plano de assistência anestésica; informar este plano ao paciente ou
responsável
adulto.
Estado
clínico
do
paciente
A determinação do estado clínico do paciente implica a avaliação do risco anestésico,
ou da probabilidade de morbiletalidade. Na procura de melhoria da qualidade em
relação a esse item, alguns métodos ou sistemas de classificação dos pacientes quanto
ao risco anestésico foram propostos50,51.
A classificação atual da ASA quanto ao estado físico dos indivíduos, apesar de ter
falhas e de não ser uma classificação de risco, mas, sim, de estado físico, ainda é a mais
utilizada (Figura 4), pois apresenta a vantagem de ser conhecida tanto por clínicos como
por cirurgiões, o que permite uma linguagem comum a todos.
Estado físico I
Nenhuma alteração orgânica, fisiológica, bioquímica ou psiquiátrica e processo
patológico que indica a cirurgia é localizado e não vinculado a uma doença
sistêmica.
Estado físico II
Alteração sistêmica leve ou moderada causada pela doença cirúrgica ou por
outro processo patológico.
Estado físico III
Alteração sistêmica grave causada por qualquer causa, mesmo que não seja
possível definir o grau de incapacitação.
Estado físico IV
Indicativo de paciente com alterações sistêmicas graves, causando perigo de
morte, nem sempre corregíveis pela cirurgia.
Estado físico V
Paciente moribundo, com pouca chance de sobrevida, mas que é submetido à
cirurgia em última instância (desespero).
Estado físico VI
Paciente doador de órgãos.
Emergência
Quadro 2. Sistema de classificação do estado físico segundo a ASA
Numerosos índices e algoritmos para avaliação de risco cardíaco em cirurgias não
cardíacas já foram propostos. O Colégio Americano de Cardiologia (ACC) e a
Associação Americana do Coração (AHA) publicaram em 2002, uma diretriz de risco
cardíaco para cirurgias não cardíacas em uma variedade de pacientes e situações
cirúrgicas, na qual o paciente com doença cardiovascular é avaliado sob três aspectos:
preditores clínicos (Figura 5), capacidade funcional (Figura 6) e risco específico do
procedimento (Figura 7)26. Utilizando-se esses dados, foi criado um algoritmo com o
objetivo de servir como guia de auxílio na tomada de decisões26.
Existem muitos outros índices para estimativa do risco do paciente com cardiopatia,
cada qual com vantagens e desvantagens. Independentemente do índice ou algoritmo
utilizado, o anestesiologista deve pautar sua decisão final baseado na avaliação
individual do paciente e no julgamento clínico de cada caso.
Predidores Maiores
· Síndromes coronárias instáveis
- infarto do miocárdio agudo (menos de 7 dias) ou recente (mais de 7 e menos
de 30 dias), com evidências de risco isquêmico por sintomas clínicos ou estudo
não-invasivo
- angina instável ou grave (classe funcional III ou IV)
· Insuficiência cardíaca descompensada
· Arritmias graves
- bloqueio atrioventricular de alto grau - arritmias ventriculares sintomáticas na
presença de doença cardíaca subjacente
- arritmias supraventriculares com frequencia ventricular não controlada
· Doença valvar grave
Preditores Intermediários
· Angina moderada (classe funcional I ou II)
· Infarto do miocárdio prévio ou presença de onda Q patológica
· Insuficiência cardíaca prévia ou controlada
· Diabetes melito
· Insuficiência renal
Preditores menores
· Idade avançada
· ECG anormal (hipertrofia ventricular esquerda, bloqueio de ramo esquerdo,
anormalidades do segmento ST e da onda T)
· Outro ritmo que não o sinusal (por exemplo fibrilação atrial)
· Baixa capacidade funcional
· História de acidente vascular cerebral
· Hipertensão arterial não controlada
Quadro 3. Preditores clínicos
Consumo de oxigênio em
equivalentes metabólicos (MET)
1 MET
4 MET
> 10 MET
Atividades do dia-a-dia
Comer, vestir-se, usar o banheiro
Caminhar dentro de casa
Caminhar a 3,2-4,8 Km.h-1
Subir escadas
Caminhar a 6,4 Km.h-1
Correr pequenas distâncias
Limpar assoalhos ou móveis
Atividades recreativas moderadas:
dançar, jogar, tênis em dupla
Participar de esportes extenuantes:
natação, tênis individual, basquete
Quadro 4. Capacidade funcional.
Risco alto (risco cardíaco superior a 5%)
· Cirurgias de emergência e de grande porte, especialmente no paciente idoso
· Cirurgias de aorta e outras cirurgias vasculares de grande porte
· Cirurgias vasculares periféricas
· Procedimentos cirúrgicos prolongados, associados a grandes perdas de
sangue e/ou fluidos corporais
Risco intermediário (risco cardíaco entre 1% e 5%)
· Endarterectomia de carótida
· Cirurgias intraperitoneais e torácicas
· Cirurgias de cabeça e pescoço
· Cirurgias ortopédicas
· Cirurgias de próstata
Risco baixo (risco cardíaco inferior a 1%)
· Procedimentos endoscópicos
· Procedimentos superficiais
· Extração de catarata
· Cirurgias da mama
Quadro 5. Preditores clínicos
Figura 3. Algoritmo de risco cardíaco para cirurgias não-cardíacas.
Plano
de
assistência
anestésica
Este item é fundamental para a qualidade do atendimento no centro cirúrgico,
principalmente quando quem faz a avaliação pré-anestésica não é o anestesiologista que
vai anestesiar o paciente. O primeiro deve planejar as possíveis técnicas anestésicas para
cada paciente e precisa, nos casos mais complicados (por exemplo, síndromes raras,
pacientes ASA > II), decidir sobre cuidados especiais e informar por escrito e
pessoalmente
os
anestesiologistas
do
centro
cirúrgico
e
cirurgiões.
Informações
ao
paciente
ou
responsável
adulto
O melhor momento para o paciente ser esclarecido sobre sua condição clínica, provável
técnica anestésica e analgesia pós-operatória, é durante a APA, principalmente quando
realizada no ambulatório. Isso inclui o esclarecimento sobre os riscos aos quais será
submetido
durante
a
anestesia.
A ASA propôs ainda nas Normas de Cuidados Anestésicos que o anestesiologista
responsável deverá verificar que todos os itens foram cumpridos adequadamente e
registrados no prontuário do paciente.
A APA, mesmo bem realizada, torna-se sem efeito se não for devidamente registrada.
Outro fator importante na sua documentação é que nela estejam inclusos itens que sejam
utilizados mesmo raramente, porque se isso não ocorrer, a tendência é esquecê-los e nas
poucas vezes em que se tornam necessários, deixarão de ser argüidos. Assim, uma ficha
de APA muito sucinta, com a finalidade de não ocupar espaço no prontuário do
paciente, pode com o tempo ter como conseqüência a ineficiência. Como corolário disso
tudo, ela deve ser completamente preenchida e com letra legível.
A conscientização dos itens analisados é, certamente, fator importante na qualidade da
assistência ao paciente cirúrgico. Mas, além disso, no ambulatório de avaliação préanestésica deve haver:
· Utilização de uma mesma seqüência básica de avaliação para todos os pacientes;
· Discussão dos casos com os cirurgiões e clínicos/pediatras sempre que possível e/ou
necessário;
· Levantamento periódico dos casos atendidos para verificação da satisfação dos
pacientes, cirurgiões e anestesiologistas;
· Acompanhamento das complicações e dos óbitos per e pós-operatórios para analisar se
houve falhas no atendimento e se poderiam ter sido evitados por uma melhor APA.
Vale a pena ressaltar que a finalidade dos ambulatórios de avaliação pré-anestésica e,
por conseguinte, da avaliação pré-anestésica, per se, não é liberar ou não um paciente
para o ato anestésico-cirúrgico, mas tentar de todas as formas possíveis estabelecer o
risco–benefício do ato anestésico-cirúrgico para cada paciente na situação específica em
que ele se encontra no momento da APA.
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