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jesus e
o apocalipse*
Cleide Lazarin**
Resumo: o Apocalipse é o Livro mais alegre e celebrativo do Novo
Testamento, mesmo trazendo a dura realidade da perseguição do império romano sobre as comunidades apocalípticas, que eram pequenas
e enfrentavam, com resistência dinâmica e criativa, um império forte
e prepotente. É o livro que mais fala da presença de Jesus no meio das
comunidades e o identifica com diversos nomes. Aqui serão destacados
apenas quatro: Senhor, Cordeiro, Cristo e Jesus.
Palavras-chave: Revelação. Prostituição. Abominação. Comunidades
apocalípticas originárias.
A
pocalipse é uma palavra grega que significa revelação. Uma revelação
da realidade, da história, da vida feita a partir da fé, da iluminação
pela palavra de Deus, da confiança na presença de Jesus no meio da comunidade. Uma revelação que fortalece a resistência coletiva e a coragem
de doar a vida no testemunho de Jesus ressuscitado.
A revelação apocalíptica se dá por meio de símbolos e linguagens,
sonhos e visões especiais, que funcionam como senhas ou códigos que
* Recebido em: 05.08.2011.
Aprovado em: 16.08.2011.
* Mestranda em Ciências da Religião na PUC Goiás. Pós-Graduada em Assessoria
Bíblica pela EST, São Leopoldo (RS). Bacharel em Secretariado Executivo pela
UFBA, Salvador (BA).
Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 21, n. 10/12, p. 627-640, out./dez. 2011.
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a comunidade sofredora, marginalizada e levada entende e através deles
reanimar e fortalecer a fé que se encontra esmorecida por causa da perseguição e violência imperial.
O Livro do Apocalipse foi escrito por um prisioneiro na Ilha de
Patmos (Grécia). É palavra profética: “Feliz o leitor e os ouvintes das
palavras desta profecia...” (Ap 1,3). Foi escrito em torno do ano 90 dC,
época em que o imperador romano Domiciano perseguia violentamente
os cristãos. Foi escrito com sangue de cristãos – homens e mulheres que
preferiram a morte à liberdade do império.
A chamada “liberdade” consistia em manter as indefiníveis e infindáveis despesas do império romano e adorar o imperador e/ou o império.
Se os/as subalternos não se rebelassem, viveriam a “pax romana”.
Os catecúmenos eram preparados não somente para o batismo,
mas também para entregar a vida no testemunho da palavra de Deus e
de Jesus ressuscitado (morte/martírio).
No Novo Testamento é o Livro que mais acentua a presença de
Jesus no meio das comunidades sofredoras e perseguidas. É contundente
às palavras finais de Mateus (28,20): “Eis que estarei convosco até a consumação dos tempos”. A certeza da presença de Jesus nas comunidades e na
história fez do Apocalipse um Livro de oração e profunda profissão de fé.
O Apocalipse com toda segurança e clareza mostra onde está o
projeto de Deus e onde está o projeto da besta. Onde está a dimensão
humana e onde está a relação bestial. Onde está a vida e onde está a
morte. Onde está a verdade e onde está a mentira.
A APOCALÍPTICA
A explosão do pensamento apocalíptico aconteceu no século
II, durante o reinado de Antíoco IV Epífanes entre os anos 175 e
164 aC. Nesta época a classe sacerdotal de Jerusalém era corrupta.
Em 167 aC, Antíoco, com o apoio de Menelau invadiu a cidade de
Jerusalém o Templo (Dn 11,31). O Templo, na tradição hebraica era
muito importante.Por causa desse evento houve uma reação religiosa,
política e militar por parte dos israelitas. Tornou-se uma luta armada
em nome de Iahweh (FERREIR A, 2012, p. 136).E desde então deu-se
início à perseguição dos fiéis (2Mc 4,1-7,42) e o povo se viu entregue
à violência.A situação de perseguição, violência e mortes fez crescer as
ideias apocalípticas entre o povo. As grandes visões de Daniel surgiram
nesta época.
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A tradição oral da apocalíptica teve início no período da dominação grega (333 a 63 aC) e a escrita, em geral, aconteceu no período da
dominação romana (63 aC. a 135 dC). Estes escritos eram muito lidos
no ambiente judaico cristão e de certa forma retratam em parte, o modo
de pensar no tempo de Jesus. O movimento apocalíptico alcançou seu
ponto alto nas comunidades cristãs, no tempo durante as duas guerras
judaicas de 70 e 135 dC.
Alguns aspectos caracterizam a apocalíptica e a diferenciam das
outras tradições: sonhos e visões; eventos cósmicos que atingem a terra
toda e todo o cosmos; imagens, símbolos metafóricos; periodização da
história; trono, tribunal; o “dia de Iahweh”; divisão do mundo em dois
planos – o “de cima” e o “de baixo”.
As imagens apocalípticas são linguagens simbólicas que revelam
que o momento é de resistência e de se ter esperança. É hora de firmar-se
no projeto comunitário no seguimento de Jesus.
A apocalíptica é uma literatura oral ou escrita que surge na história
judaica e cristã em época de perseguição e mortes. Tem por finalidade
fortalecer a resistência das pessoas violentadas pelo império. Em tempos
de tensão e repressão tão violenta foi necessário criar uma forma de
comunicação que protegesse as lideranças e as comunidades originárias.
JESUS O SENHOR, CORDEIRO, CRISTO E JESUS
NAS COMUNIDADES APOCALÍPTICAS
As comunidades apocalípticas reconhecem a presença de Jesus
como: Senhor, Cordeiro, Cristo e Jesus.
O termo Senhor, kyrios em grego (Ap 1,10; 4,11; 17,14; 19,16; 22,20),
sofreu influência de sentido, do ambiente em que surgiu na civilização
helenista. Significa poder e autoridade, especialmente o poder de dispor
de pessoas e objetos. Assim esse termo é usado para identificar o dono
de escravos, para o legislador ou conquistador de povos subjugados, para
o chefe de família ou dono de uma casa, para o tutor de um menor e
raramente para o dono de uma propriedade.
A partir do século I aC passa a ser utilizado como uma designação
honorífica dada aos deuses e aos reis. Com o início do Império Romano sob o
governo de Augusto, pelo ano 33 aC, o título passou a ser aplicado aos Césares.
O uso de Kyrios nos evangelhos sinóticos é uma palavra comum,
uma forma de tratamento utilizada para Jesus, refletindo o costume
aramaico e equivale a “senhor” em linguagem coloquial.
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A utilização do termoKyrios a Jesus provavelmente teve origem nas
comunidades originárias do cristianismo (Rm 10,9; 1Co 12,3; Fl 2,11) e
tem a tonalidade de inovação litúrgica e aclamação. A missão dos apóstolos
é a de anunciar que Jesus é o Senhor (2Co 4,5). Os cristãos são, portanto,
escravos/servos do Senhor a quem devem servir (Rm 12,11; Ef 6,7; Cl
3,24). Ele, o Senhor, aponta a missão que os apóstolos devem desempenhar
(1Co 3,5) e aos cristãos, seu modo de vida (1Co 7,17) e governa a vida
dos apóstolos (1Co 16,7). É a Ele que os cristãos entregam sua vida (2Co
8,5). É para Ele que os cristãos vivem e morrem, porque a finalidade de
sua vida foi a de fazê-lo Senhor dos vivos e dos mortos (Rm 14,8-9). Ele
é o único Senhor de todos – judeus e gregos (Rm 10,12).
O termo Cordeiro (Ap 5,6.12; 6,16; 7,10; 12,8; 14,1.4; 17,14; 19,7;
21,23; 22,3)é um título que surgiu provavelmente de uma combinação da
aplicação a Jesus da imagem do Servo de Iahweh (Is 53,7), que também
aparece em At 8,32 e da imagem do Cordeiro Pascal encontrada em Jo 19,36.
O título Cordeiro é aplicado a Jesus 28 vezes no Livro do Apocalipse
de uma forma muito particular e não se encontra semelhança em outras
citações no Novo Testamento. É apresentado como o cordeiro sentado
no trono e glorificado (Ap5,8.12-13; 7,9s; 15,3; 22,1.3), irado (6,16).,
vitorioso na guerra (17,14), o juiz que possui o livro da vida (13,8; 21,27).
O Cristo (Ap 1,1; 11,15; 12,10, 20,4) tal como aparece no Novo
Testamento, tornou-se um nome pessoal. Na origem era um título grego
a Jesus, o Messias.Contudo, o título de Messias não é suficiente para
expressar quem é Jesus e sua missão. Desta forma, o Novo Testamento
conferiu a Jesus diversos outros títulos, que são messiânicos no sentido
de que descrevem alguns aspectos de sua pessoa e missão.
Jesus em grego Iesus corresponde ao hebraico Yeshû’a (Ap 1,1;
22,6a.16; 19,10). Em Mt 7,21 e Lc 2,21, alude-se ao significado do nome
“Iahweh é salvação”. Salvador foi um dos títulos cristãos a Jesus. Jesus
Cristo ocupa um lugar importante nos escritos do Novo Testamento.
Em Jesus está a vontade do Pai (Mt 6,10 cf Sl 143,10) a ser vivida e cumprida por seus seguidores e seguidoras. Ele é o caminho que
leva à vida. A expressão mais profunda da fé é reconhecer Jesus como o
Senhor da vida e da comunidade e não o imperador com sua pretensão
de senhorio do mundo. Jesus nasceu pobre, em lugar pobre e veio para
os(as) pobres, marginalizados(as) e vive para as multidões de sofredores
e continua presente nos povos perseguidos e dominados pelos impérios.
Jesus nasce sob a lei (Gl 4,4), mas não é a lei que salva, e sim, ele. Esse
Jesus que salva, liberta, resgata a vida é presença viva nas comunidades
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apocalípticas. Mas, o ponto de atenção será a pessoa de Jesus em Ap
19,10, sem esquecer que este versículo faz parte do bloco de 17,1-19,10.
JESUS EM Ap 19,10
Olhando o bloco (Ap 17,1-19,10) de maneira geral, pode-se propor
a seguinte estrutura:
- Introdução ao bloco: 17,1-2: julgamento da prostituta e da prostituição.
A) A besta e a prostituta: 17,3-18
a) Visão da besta e da prostituta: v 3-7
b) Explicação da visão: v. 8-18.
B) Juízo da Babilônia (prostituta): 18,1-24
a) Visão do anjo poderoso: “Caiu! Caiu Babilônia. A Grande!”
b) Veio então outra voz do céu
- Centro: lamentações pela queda de Roma: v. 9-19
• Lamentações dos reis da terra: v. 9-10
• Lamentações dos mercadores da terra: v. 11-17a
• Lamentações da marinha mercante: v. 17b-19
b’) A voz prossegue: v. 20.
a’) Ação do anjo poderoso: v. 21-24.
C) Liturgia do triunfo final: 19,1-8
a) Liturgia no céu: v. 1-5
Deus julgou a grande prostituta
Deus vingou nela o sangue de seus servos.
b) Liturgia na terra: v. 6-8
Deus estabeleceu o seu reino
Chegaram as Bodas do Cordeiro
- Finalização: 19,9-10 (RICHARD, 1999, p. 218-9).
O capítulo 17 traz uma nova visão (v. 3-6) apresentando o império
romano como uma prostituta, por um anjo que leva o autor do Apocalipse ao deserto. Os v. 1-2 são uma introdução não somente ao capítulo
dezessete, mas a todo o bloco (17,1-19,10). Os v. 7-18 narram a explicação
que o anjo dá ao autor sobre o mistério da mulher e da besta com sete
cabeças e dez chifres que a carrega. O julgamento mesmo à prostituta se
dá somente no capítulo 18.
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A visão (Ap 17) da grande prostituta é como se fosse um novo começo – como se o autor e sua comunidade ainda não conhecessem o império
romano.Há um paralelismo entre a visão de Roma-Babilônia-prostituta e
a de Jerusalém-esposa do Cordeiro (Ap 21,9-27).
Pela primeira vez Roma aparece como prostituta (MESTERS;
OROFINO, 2003, p. 299), como antiga Babilônia (Jr 51,13) e embriaga
os habitantes da terra (Jr 51,7). Em Ap 17,2 encontramos descrito o poder
do império: “Os reis da terra se prostituíram com ela (Roma) e com o
vinho de sua prostituição embriagaram-se os habitantes da terra.” Os reis
se prostituíram e fizeram com que o povo todo cedesse às atrações do
Império, entrasse em seu projeto e se afastasse do projeto de Deus.
A visão tem por finalidade mostrar como será julgado esse centro de
poder mundial: “Vem! Vou te mostrar o julgamento da grande prostituta!”
Neste sentido, o julgamento é sinônimo de condenação. A mulher prostituta
aqui aparece sentada sobre a Besta (Ap 17,3-6). Há uma modificação, na
visão de Ap 13,1, Roma é a Besta e no cap. 17 a Besta tornou-se o trono
que dá sustento a Roma que agora aparece como mulher.
Na descrição da cidade-mulher aparece as contradições que existem no centro do poder mundial. Por um lado, concentração de poder e
acúmulo de riqueza (púrpura, escarlate, ouro, pedras preciosas, pérolas).
Por outro lado, Roma, a Grande Babilônia pretende ser a Deusa-Mãe do
mundo, contudo, não passa de uma mãe das prostitutas e abominação
da terra (MESTERS; OROFINO, 2003, p. 300).
PROSTITUIÇÃO E ABOMINAÇÃO
Prostituição e abominação são palavras conhecidas na comunidade
apocalíptica pela tradição bíblica. A infidelidade a Deus é chamada de
prostituição por inúmeras vezes pelos profetas (Is 1,21; 57,7-13; Jr 2,20;
3,1-4.6; Ez 16 e 23; Os 1-30). A mesma metáfora é utilizada nos livros
denominados de históricos (Ex 34,16; Lv 17,7; 20,5; Nm 14,33; Dt 31,16;
Jz 2,17; 8,27). Essa metáfora vigorosa é o reverso do entendimento da
união com Deus e o povo de Israel. A metáfora do adultério é utilizada
no mesmo sentido (Na 3,1-7; Is 23,15-18), para a profecia, a atividade
comercial da grande cidade era meretrício.
A moralidade do mundo romano-helenístico concernente à prostituição era mais livre do que a do Antigo Oriente Médio. O intercurso
sexual era considerado como parte normal e necessária a uma vida saudável
e bem ordenada, e as prostitutas prestavam um serviço à comunidade tão
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bem respeitável como os serviços do açougueiro e o padeiro. Por isso, as
alusões à prostituição e as advertências contra ela são numerosas, sobretudo nas epístolas (Rm 1,24-25; 1Cor 6,9; 5,9-12; 6,15-20; 2Cor 12,21;
Gl 5,19-20; Ef 5,3.5; Cl 3,5; 1Ts 4,3ss).
A prostituição mencionada em Ap 2,14.20 está associada com práticas culturais. No império romano do Oriente, muitas formas da antiga
prostituição cultual sobreviveram. Babilônia (Roma) é descrita em Ap
17-19 como a grande prostituta. Esta imagem é um reflexo de Na 3,1-7.
A abominação diz respeito ao horror do devastador (Dn 9,27; 11,31).
Provavelmente essas passagens foram escritas por ocasião da ereção de um
altar a Zeus Olímpico no santuário do Templo de Jerusalém, fato devido
a AntíocoIV Epífanes em 168 aC. (1Mc 1,54; 6,7; 2Mc 6,2).
Na literatura profética e apocalíptica é comum o recurso à universalização de acontecimentos particulares. Assim, neste fato se vê a profanação do sagrado pela ação das forças da incredulidade e da impiedade.
Esse tema aparece constantemente na história. Nesse sentido Jesus alude
às palavras de Daniel em Mt 24,15 e Mc 13,14 referindo-se à presença
idólatra e criminosa do exército romano – devastador de Jerusalém. No
Apocalipse relaciona-se ao ouro, a idolatria e o sangue dos santos e dos
mártires. A mulher traz na fronte um escrito misterioso: Babilônia, a
Grande, a mãe das prostitutas e das abominações da terra. Roma além
de ser prostituta é mãe das prostitutas. Roma é a fonte e o protótipo de
toda a idolatria que domina o Império. As abominações são as imagens
da Besta, sobretudo nas moedas e nas insígnias dos exércitos romanos
(RICHARD, 1999, p. 222).
A SIMBOLOGIA DA MULHER
O símbolo da cidade-mulher (Ap 17,15-18) mostra a destruição do
domínio universal de Roma. As águas são a multidão dos povos, nações e
línguas. Os dez chifres, os reis destes povos, que na verdade, aparentam
submissão ao Império, mas na realidade odeiam Roma e aguardam a
oportunidade de se levantarem contra a cidade prostituta.E a Besta que
antes sustentava a prostituta, agora se une aos reis para despojá-la, deixá-la
nua, comer suas carnes e entregá-la às chamas.
A previsão é de que a queda de Roma seja provocada pela revolta
dos povos que estão dominados e explorados pelo Império. Se os povos
todos se levantassem Roma não teria como resistir e seria derrotada. É bem
provável que a revolta dos judeus da Palestina nos anos 60 tenha ensinado
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à comunidade e ao autor do Apocalipse que é possível o enfrentamento
desde que seja unificado.
A mulher é a cidade de Roma, que estava no auge de seu poder e
que reinava sobre os reis da terra (Ap 17,18). O autor só diz abertamente
que é Roma após ter mostrado a derrota da cidade-prostituta. Deixa claro
o contraste. Esse poder que brilha não passa de uma aparência destinada
a desaparecer. É como se fosse um monstro de papel e as comunidades
não podem se deixar intimidar por ele. Ela tem aparência de riqueza e de
luxo, mas esconde o vazio e o roubo. Aparenta poder e divindade, mas
não passa de ídolo. Aparenta segurança, contudo, esconde em seu interior
a iminência de queda. Aparenta boa nutrição, mas está embriagada com
o sangue dos pobres das comunidades.
Neste capítulo há mobilidade das imagens. Roma aparece com vários
nomes: prostituta (Ap 17,1), mulher (Ap 17,7), Grande Babilônia (Ap 17,5).
Por vezes, ela está à beira das águas (Ap 17,1), ora se encontra em cima da
Besta (Ap 17,3), às vezes, sobre os sete montes (Ap 17,9). A Besta se apresenta com sete cabeças que às vezes, são os reis (Ap 17,9), às vezes são
as montanhas (Ap 17,9). E os sete reis, na realidade são oito (Ap 17,11)
(MESTERS; OROFINO, 2003, p. 304).
A ideia da cidade como mulher-prostituta era comum no Antigo
Testamento. Mesmo que a profecia deixe claros os motivos da prostituição,
é uma imagem depreciativa para a mulher. Em se tratando de Roma, ela
se apresentava ao mundo como a Deusa-Mãe e o autor do Apocalipse
desmonta essa imagem. Mantém a figura da mãe, mas a denomina como
mãe das prostituições. É uma análise que revela a estrutura perniciosa
do Império com a divinização do estado, do imperador e da cidade de
Roma. A propaganda imperialista, mesmo que falsa, favorecia e legitimava
o acúmulo de riquezas em Roma (Ap 17,4; 18,3.7.11-24).
Em Ap 12 aparece uma imagem positiva da mulher. A mulher
como símbolo da vida e de todos os que lutam pela vida. No capítulo 17
a imagem da mulher-prostituta é utilizada para esvaziar e criticar Roma
em seu desejo de ser a Deusa-mãe. Nos capítulos 21 e 22, a imagem da
mulher é a noiva, simbolizando o povo de Deus.
AMEAÇA AO IMPÉRIO
O Capítulo 18,1-24 apresenta uma ameaça ao império que se acha
grande e forte.Essa leitura tem a ver com a política nacional e internacional,
com a economia e a religião. Esse capítulo é uma grande celebração com
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textos de profecia e cânticos de vitória do Antigo testamento. A letra dos
cantos ouvida e meditada ajudava as comunidades a entenderem melhor
a realidade e não se envolverem com a propaganda do Império. O clima
celebrativo acordava e ativava a memória da comunidade desanimada e
perseguida. Suscitava energia vital para a luta, despertava a consciência
adormecida e dava novo vigor à fé esmorecida.
Este capítulo apresenta catástrofes. A destruição de Roma traz consigo morte, luto, fome e fogo (Ap 18,18). As comunidades já conheciam
essa realidade, quando Roma foi incendiada por Nero em 67 e quando
Jerusalém foi destruída por Roma em 70.Morte, luto, fome e fogo são
símbolos, vistos pelo retrovisor da história e projetados para o futuro com
a finalidade de mostrar como será a destruição do mal.
As catástrofes nivelam as pessoas, fazendo desaparecer as diferenças e
todas se tornam iguais no sofrimento, na solidariedade e na ajuda. O Apocalipse não quer a destruição pela destruição, mas a quer de forma simbólica
da igualdade diante de Deus e diante da vida. Não projeta a destruição
do mundo casa comum, mas do mundo das injustiças.
O domínio romano sobre muitos povos, multidões, nações e línguas
(Ap 17,15) fazia com que todos pagassem pesados tributos e exigia que o
culto imperial fosse implantado, fazendo do imperador o senhor universal.
As tropas romanas garantiam a sobrevivência das grandes cidades
por meio dos saques, impostos, taxas, tributos e muito trabalho escravo.
A maioria das guerras realizadas por Roma tinha por finalidade angariar
escravos para servirem como remadores de navios e trabalharem nas minas
e nas pequenas fábricas, como: tecidos, couros, metais, etc.
Roma viveu no auge de seu apogeu. Transpirava riquezas: muito
ouro, vestes de púrpura, pedras preciosas, pérolas, joias (Ap 17,4; 18,1113), contudo era apenas uma pequena minoria que vivia bem, sugando as
regiões subjugadas. A população, em sua maioria, formada por escravos,
trabalhava para garantir o conforto e a riqueza da elite.
As comunidades apocalípticas eram pequenas e enfrentavam um
Império prepotente e no auge de sua força. Necessitavam de muita fé e
coragem para dizer que esta cidade prostituta e parasita iria cair na ruína
e na desgraça e então destruída.
São quatro os cânticos que ajudaram as comunidades a rezarem e
manterem viva a fé e que apontam as causas da queda do Império.A queda
por meio das catástrofes anunciadas são aviso a todo poder totalitário – se
o Império Romano foi destruído, o império neoliberal e outros também
serão destruídos pelos mesmos motivos1.
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O capítulo 19 possui duas partes bem distintas. A primeira (Ap
19,1-10) é a continuação da celebração do capítulo 18. Aqui se conclui a
descrição da queda de Roma anunciada pelo segundo anjo (Ap 14,8). Na
segunda parte (Ap 19,11-21) dá-se início à descrição da derrota definitiva
do poder do mal, anunciada pelo terceiro anjo em Ap 14,9-11.
O capitulo 18 mostra os comerciantes arruinados com a perda de
seus bens. O Ap 19,1-10 é de alegria e gratidão. Mostra o lado positivo
da queda de Roma, vê nela um ato da justiça divina e um convite ao
louvor (Ap 19,1-6). A justiça divina não só julga, mas também faz a justiça acontecer. Roma foi para o fundo mar e o povo de Deus foi para o
coração do Cordeiro a fim de ver a sua esposa (Ap 19,7-8).
O Apocalipse é um dos livros mais alegres da Bíblia. Os perseguidos, em sua pobreza vivem uma felicidade quer os poderosos, em
sua riqueza, não entendem e nem conseguem experimentar. Mesmo em
meio à perseguição e morte, a comunidade apocalíptica tem a certeza
de estar na mão de Deus. A alegria se manifesta em canto de ação de
graças e louvores a Deus. No decorrer do Apocalipse aparecem sete
bem-aventuranças. As bem-aventuranças mostram que a visão de Deus
é diferente da visão do império (MESTERS; OROFINO, 2003, p. 318).
A maior parte dessas bem-aventuranças podem ser acréscimos
colocados pelo redator final do Apocalipse, que as utilizou como forma
de unir entre si as diversas partes do livro2.
Em Ap 19,9 há um grande anúncio: “Felizes os que foram
convidados para o banquete das núpcias do Corodeiro!” E até hoje,
em todas as celebrações se repete este anúncio-convite: “Felizes os
convidados para a Ceia do Senhor!” (MESTERS; OROFINO, 2003,
p. 318). Trata-se simbolicamente, do casamento entre Deus e a comunidade, já presente na tradição bíblica (Is 62,1-9; Sl 45; Mt 22,1s; Lc
14,15. Embora a noiva esteja preparada e vestida (Is 61,10) a cerimônia
fica em suspenso até o capítulo 21, enquanto se anuncia: Felizes e bem-aventurados os convidados para a festa das núpcias do Corodeiro. Jesus
ressuscitado se une à nova humanidade na aliança de justiça e de amor.
O casamento é o sinal da aliança confirmada e consumada: a união dos
seres humanos com Deus.
Aqui também aparece a nova humanidade como cidade perfeita.
Mostra assim a beleza da aliança com Deus. A humanidade é a esposa,
o reverso da prostituta. A cidade agora reflete a presença de Deus.
Em Ap 19,10 o autor se coloca de joelhos em adoração ao anjo que
anuncia a bem-aventurança. E este lhe diz que se deve adorar somente a
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Deus. O mesmo se repete em Ap 22,9. Aqui também se dá a conclusão
da seção de 17,1-19,10, não apenas da liturgia.
Ap 19,10 também diz que “o testemunho de Jesus é o espírito da
profecia”. Isto revela que o autor do Livro do Apocalipse é um profeta
e que pertence a uma linhagem de profetas. A Igreja do Apocalipse é
conduzida por profetas. A ordem do anjo para adorar somente a Deus
exige que os dirigentes das comunidades sejam considerados somente
como servidores. Por mais extraordinária que seja a revelação dos profetas,
a adoração se dirige somente a Deus e não a seus servos -os profetas. O
apocalipse é muito coerente. Da mesma forma que aplaca a adoração
e divinização do imperador e do império, também impede que isso
aconteça em relação àIgreja e suas lideranças.
JESUS E SUA MENSAGEM
No Novo Testamento o Livro do Apocalipse é o que mais acentua a
presença de Jesus nas comunidades sofredoras e perseguidas, remetendo-as
às palavras finais de Mateus (28,20): “Eis que estarei convosco até a consumação dos tempos”. A certeza da presença de Jesus na comunidade e na
história fez do Apocalipse um livro de oração e profunda profissão de fé.
Jesus está presente nas tradições apocalípticas das comunidades originárias. Sua pregação tem forma de profecia oral. Elementos sapienciais às vezes
estão ligados à expectativa apocalíptica.Deve-se buscar o Reino de Deus, assim
como se deve buscar a sabedoria (Mt 6,25ss) (THEISSEN, 2002, p. 300).
Jesus viveu inserido nos acontecimentos de seu tempo e foi um
resultado de tudo o que aconteceu antes dele. A tradição bíblica liga-o ao
passado da história de Israel (BOFF, 2001, p. 80-1).Como membro do povo
hebreu, com uma experiência de Deus muito particular e singular, portador
de sonhos e utopias, amadurecido com as experiências religioso-políticas da
escravidão egípcia, do exílio babilônico, da linhagem profética, de mártires
e poetas. Foi filho de Míriam (Maria). Sua origem divina não anulou sua
condição histórica. Mostrou um Deus-abba com características de mãe,
pelo sentido que confere a tudo o que faz, pelo cuidado para com as pessoas
sofredoras, pelo carinho às crianças, pelo amor e amizade para com Marta,
Maria e Lázaro e pela sensibilidade diante do lírio dos campos e da vinha.
Jesus foi um ser humano concreto que caminhou e peregrinou
pelas estradas da Palestina anunciando a Boa Nova de que todos somos
filhas e filhos de Deus e estamos a serviço de um Reino construído e
alicerçado sobre a justiça a partir dos pobres e marginalizados, do amor
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incondicional, da fraternidade/sororidade universal, da solidariedade e
da partilha, do perdão e da paz sem limites.
Como muitos outros artesãos e camponeses de seu tempo, Jesus
viveu na resistência contra o comercialismo rural de Roma nas terras mais
férteis daGaliléia. Os conflitos mais fortes vividos por Jesus e seu povo
eram da acirrada oposição por parte do judaísmo ao internacionalismo
cultural grego e ao imperialismo militar romano.Em termos de visão de
mundo, Jesus foi um apocalíptico. A visão e compreensão do mundo de
forma apocalíptica estavam presentes em muitas pessoas e até comunidades no tempo de Jesus e posteriormente.
O pensamento apocalíptico se refere a uma verdade escondida e que aos
poucos vai sendo revelada. A revelação é de que está próximo o fim dramático
da ordem do momento e que surgirá nova ordem, com nova configuração, à
qual será chamada de Reino de Deus. Que será o “dia do Senhor”.
O movimento apocalíptico e Jesus faziam uma leitura especial e particular dos acontecimentos. Entendiam que a situação do mundo conhecido
da época tinha chegado a tal ponto de degradação que estaria próximo do
fim. Mas, Deus decidiu intervir de forma libertadora eliminando da face
da terra todas as maldades e inaugurando o Reino de justiça, de amor e
de paz e eliminando a pax romana que oprimia e silenciava as pessoas.
E isso se dará por meio de Jesus junto às comunidades. Daí se entende o
caráter radical e urgente da pregação e prática de Jesus. Sua mensagem
é dirigida a toda a humanidade e não somente aos seus compatriotas.
Jesus assumiu a visão apocalíptica como poderia ter incorporado
outra qualquer, também influente em seu tempo. É importante para seus
seguidores e seguidoras entender sua experiência.
A experiência originária de Jesus se expressou por um sonho – o
Reino de Deus; por uma prática – a libertação; por uma mensagem – o
Pai nosso e o pão nosso; por uma ética – amor e misericórdia sem limites;
por um destino – a execução do libertador e por uma antecipação – a
ressurreição apenas iniciada. Os escritos do Novo Testamento, especialmente os evangelhos e outras expressões de diferentes formas, intelectual,
artística e ética, são buscas de compreensão, interpretação e tradução
dessa experiência de Jesus (BOFF, 2011, p. 88-9).
CONCLUSÃO
O Livro do Apocalipse é uma revelação da força do testemunho
da palavra de Deus e de Jesus ressuscitado na comunidade. Revelou a
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potência romana como aparência e a fraqueza escondida atrás do luxo, da
prepotência, da violência, da perseguição, da tortura e morte dos cristãos.
O Apocalipse mostra que Roma além de ser prostituta é mãe das
prostitutas e de todas as abominações da terra. É fonte de toda a idolatria
que domina o Império. Utiliza-se de imagens conhecidas na tradição
bíblica para mostrar que o império não passa de uma farsa que domina
povos e nações, ricos e pobres.
Por meio de um imaginário criativo prevê a queda de Roma pela
revolta dos povos dominados e explorados pelo Império. Acredita que se
os povos todos se levantarem Roma não tem como resistir e será derrotada. É possível que a revolta dos judeus da Palestina nos anos 60, e todas
as lutas da história de Israel,tenham ensinado à comunidade e ao autor
do Apocalipse que é possível o enfrentamento desde que seja unificado.
JESUS AND THE APOCALYPSE
Abstract: the Apocalypse is the most joyful and celebrative Book of the New
Testament, even bringing the hard reality of the persecution of the Roman
Empire on the apocalyptic communities, which were small and faced with
dynamic and creative resistance , a strong and arrogant empire. It is the book
that speaks most of Jesus’ presence among the communities and identify with
different names. Here will be posted only four, Lord, Lamb, Christ and Jesus .
Keywords: Revelation in history. Women simbology. Abomination. Community
originals apocalyptics
Notas
1 a) Arrogância presunçosa de sua força (Ap 18,7); b) Luxo extremado (Ap
18,16); c) Domínio do mercado: organiza tudo para acumular e consumir (Ap
18,19); d) Escraviza a vida (Ap 18,13); e) Persegue e mata o crente e não crente
(Ap 18,24); f ) Idólatra, não aceita Deus e é morada de demônios (Ap 18,2);
g) Difunde a idolatria e embriaga a terra com uma propaganda planejada (Ap
18,3) (MESTERS; OROFINO, 2003, p. 314).
2 “Feliz o leitor e os ouvintes das palavras desta profecia, se observarem o que
nela está escrito, pois o Tempo está próximo” (Ap 1,13); “Felizes os mortos,
os que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, que descansem
de suas fadigas, pois suas obras os acompanham” (Ap 14,13); “Feliz aquele
que vigia e conserva suas vestes para não andar nu e deixar que vejam a sua
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vergonha” (Ap 16,15); “Felizes aqueles que foram convidados para o banquete
das núpcias do Cordeiro” (Ap 19,9); “Feliz aquele que participa da primeira
ressurreição” (Ap 20,6); “Feliz aquele que observa as palavras da profecia deste
livro” (Ap 22,7); “Felizes os que lavam suas vestes para terem poder sobre a árvore da vida e para entrarem na Cidade pelas portas” (Ap 22,14) (MESTERS;
OROFINO, 2003, p. 319).
Referências
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