resenhas A diferença da crítica Marcelo Tápia E lizabeth Leite realiza, no estudo nos textos, que se complementam que ora se publica, uma proeza na expansão do sentido. As explide leitura crítica da obra de um citações ou conjecturas relativas a autor que a merece: o “poeta-síntese aspectos da construção do poema o dos anos 1970”, Paulo Leminski. O re-produzem e suscitam novos nítrabalho evidencia o ilimitado poveis de entendimento. É proveitosa, tencial de cumplicidade da análise por exemplo, a leitura do poema interpretativa com a própria criação, “apagar-me / diluir-me / desmanao reinventar sentidos no texto tochar-me / até que depois / de mim mado como objeto. Seja quem for o / de nós / de tudo / não reste mais / leitor, mesmo que conhecedor de que o charme”, incluída no estudo poesia e de teorias da linguagem e sob o tópico “poesia, fala, música”. leitor de Leminski, descobrirá noviElizabeth argumenta que, embora dades por meio das associações es- Leminski: o poeta viesse a “defender a fala” em cotabelecidas no estudo de Elizabeth. da diferença nhecidas afirmações suas – corroRocha Leite Em seu entender, a obra leminskiana Elizabeth borando o que Derrida apontaria Edusp / Fapesp se constrói como um “campo de tes- 160 páginas, R$ 35,00 como “rebaixamento da escrita” e tes para uma grande diversidade de (preço estimado) “fonocentrismo”, característicos do procedimentos”: o poeta-teórico se “pensamento formado com base proporia a “questionar os limites tradicionais da em oposições binárias” –, Leminski “não adere a poesia com base em um viés extraliterário”; seu uma lógica binária da linguagem”: para ele “o neinteresse central seria “compreender as relações gócio da poesia é ficar brincando nas fronteiras”. entre vida, linguagem e pensamento”. Com base No poema citado, o poeta teria construído uma nessa constatação, a autora procurará “estabele- “fórmula encantatória, uma espécie de mantra”, cer correspondências entre sua escrita e alguns para cuja compreensão evocam-se os possíveis postulados da filosofia da linguagem”. significados e o conceito etimológico de charme A principal proposição que Elizabeth faz, e (carmen, encantamento). que será a base para sua leitura, é a da existência Em tópico dedicado à “crítica da racionalidade de “pontos em comum entre a poética do autor cartesiana”, Elizabeth expõe que, comparavele a filosofia da diferença” (ou desconstrução), mente à proposição derridiana de se romperem a teoria pós-estruturalista da década de 1960, as “velhas formas de pensamento”, Leminski, no protagonizada, na França, por Jacques Derrida poema “isso sim me assombra e deslumbra / como e Gilles Deleuze. No dizer de Elizabeth, seria é que o som penetra na sombra / e a pena sai da essa uma “visada teórica que permite ressaltar penumbra?”, quebra regras da lógica e da gramáaspectos inéditos da poesia de Leminski”. A óp- tica ao estabelecer relações etimológicas legítimas tica de análise também incluirá, como referên- e falsas entre os “híbridos mutantes” do poema. cia, o pensamento de Wittgenstein, ao qual se Mesmo quando as premissas são incertas – caso poderia aproximar a poética estudada (com base, da leitura do verso “a grave advertência dos poressencialmente, no uso que esta faz de jogos de tões de bronze” como dodecassílabo – as análises linguagem), “independentemente de o poeta ter a de Elizabeth, com base nas referências teóricas exele se referido em seus escritos”. A autora levará postas com certeiro poder de síntese, contribuem adiante sua própria experimentação analítica no fortemente para a natural constatação de que Lecampo fértil da produção do poeta experimen- minski “construiu uma poética diferenciada, que tador, cuja pretensão seria vista, sempre, como constitui um marco significativo em nossas letras”. “irônica e estratégica”. O próprio Leminski poderia surpreender-se Tápia é poeta e tradutor, doutor em teoria literária e com algumas das leituras sugeridas pela autora: Marcelo literatura comparada pela USP e diretor da Casa Guilherme de pontos de vista diversos propiciam descobertas Almeida – Centro de Estudos de Tradução Literária. 94 | agosto DE 2012