transtornos psicológicos em emigrantes retornados

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PSICOLOGIA
Líbia da Fonseca Batista
Lídia Azevedo Brandes
TRANSTORNOS PSICOLÓGICOS EM EMIGRANTES
RETORNADOS
Governador Valadares
2010
LÍBIA DA FONSECA BATISTA
LÍDIA AZEVEDO BRANDES
TRANSTORNOS PSICOLÓGICOS EM EMIGRANTES
RETORNADOS
Monografia para obtenção do grau de
bacharel em Psicologia, apresentada à
Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais da Universidade Vale do Rio
Doce.
Orientadora: Prof. Drª. Sueli Siqueira
Governador Valadares
2010
LÍBIA DA FONSECA BATISTA
LÍDIA AZEVEDO BRANDES
TRANSTORNOS PSICOLÓGICOS EM EMIGRANTES
RETORNADOS
Monografia apresentada como
requisito para obtenção do grau de
bacharel em Psicologia pela
Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais da Universidade Vale do
Rio Doce
p
a
r
a
Governador Valadares, ___ de ____________ de ______
o
b
Banca Examinadora:
t
e
n
_______________________________________
ç
ã
Profª. Drª. Sueli Siqueira – Orientadora
o
Universidade Vale do Rio Doce
____________________________________
Profª. Solange Nunes Leite B. Coelho – Convidada
Universidade Vale do Rio Doce
________________________________________
Prof. Carlos Alberto – Convidado
Universidade Vale do Rio Doce
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u
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b
a
c
h
RESUMO
O fenômeno da migração internacional se faz presente em Governador Valadares e região
desde a década de 1960. O fluxo teve início com a migração dos primeiros jovens
valadarenses para os Estados Unidos da América e atinge seu ápice na década de 1980.
Durante todos esses anos esse fenômeno se manteve na região, fortalecendo a cultura
emigratória, através de redes sociais estabelecidas. Junto ao projeto de emigrar, está o projeto
de retornar à terra natal. Muitas vezes, esse retorno não acontece conforme planejado,
acarretando problemas de saúde ao emigrante. Os dados desse estudo foram coletados através
de entrevista em profundidade com dois emigrantes retornados típicos, residentes na cidade de
Governador Valadares, e dez psicólogos clínicos. O objeto central desse estudo é verificar os
efeitos da emigração internacional na estrutura psíquica do sujeito e suas conseqüências à
saúde mental e possíveis atuações do psicólogo clínico no tratamento. A partir da coleta da
análise dos dados e da revisão bibliográfica foi possível considerar que muitos retornam com
sintomas como tristeza, angústia, desânimo, perda ou aumento do apetite, sentimento de baixa
auto-estima, insônia, dores físicas difusas, que configuram algum transtorno psicológico.
Nesse sentido, o papel do psicólogo é fundamental visto que este profissional é preparado
para atender às demandas do emigrante, assim como da própria equipe responsável por
acolhê-lo. Destaca-se que é relevante a criação de políticas públicas que ampare o emigrante,
considerando todos os aspectos do seu retorno para melhor readaptação à terra natal.
Palavras-chave: Migração. Retorno. Transtornos psicológicos.
ABSTRACT
The phenomenon of international migration is present in Governador Valadares region since
the 1960s. The transitions began with the first Valadarenses teenager‟s migration to the
United States of America and reach its apex in the 1980s. During all these years this
phenomenon remained in the region, strengthening the migration culture through established
social networks. Along with the project to migrate is the project of returning to their
homeland. Most of the time the returning does not happen as planned, causing health
problems to the emigrant. The information that completes this study was collected through indepth interview with two typical returned emigrants living in the city of Governador
Valadares, and ten clinical psychologists. The main object of this study is to analyze the
international migration effects on the individual‟s psychic structure and the mental health
consequences as well as possible actions to be taken by the clinical psychologist‟s treatment.
From the collection of data analysis and literature review was possible to consider that many
return with symptoms such as sadness, anxiety, discouragement, loss or increased appetite,
feelings of low self-esteem, insomnia, physical diffuse pain, that become in some
psychological disorder. In these cases, the presence of the psychologist is essential as these
professionals are prepared to meet the demands of the emigrant, as well as responsible for
their own team to welcome them. It is noteworthy that it is important to create public policies
that sustain the emigrant, considering all aspects of their return for better rehabilitation to the
homeland.
Keywords: Migration. Return. Psychological Disorders.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 06
2 HISTÓRICO DA EMIGRAÇÃO EM GOVERNADOR VALADARES ............. 10
2.1 O PROJETO DE EMIGRAR.................................................................................. 12
2.2 O RETORNO......................................................................................................... 16
3 A SAÚDE DOS EMIGRANTES............................................................................. 20
4 OS TRANSTORNOS PSICOLÓGICOS PERCEBIDOS NOS RELATOS DOS
EMIGRANTES RETORNADOS ............................................................................. 28
4.1 SÍNDROME DO IMIGRANTE COM ESTRESSE CRÔNICO E MÚLTIPLO ...... 31
4.1.1 Sintomas referentes à Depressão ...................................................................... 37
4.1.2 Sintomas referentes à Ansiedade ...................................................................... 39
4.1.3 Sintomas referentes à Somatização................................................................... 40
4.1.4 Sintomas referentes à Área Confusional .......................................................... 42
5 RETORNO À CONDIÇÃO DE EMIGRANTE: UMA POSSIBILIDADE? ........ 44
6 PROGRAMA DE APOIO AO EMIGRANTE RETORNADO ............................ 47
7 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 53
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 56
ANEXOS ................................................................................................................... 59
6
1 INTRODUÇÃO
A migração internacional é um fenômeno de extrema importância para a sociedade no
âmbito político, econômico e social, pois é crescente o número de pessoas que migram em
busca de uma vida melhor. Atualmente, a Organização Internacional para as Migrações
(OIM) constatou cerca de 214 milhões de pessoas vivendo fora do seu país de origem 1, o que
significa que um em cada 33 pessoas no mundo é um imigrante. Na região de Governador
Valadares há grande fluxo de emigrantes para os Estados Unidos da América e Europa. O
primeiro contato dos moradores da região com os estrangeiros aconteceu ainda na década de
1940 com a chegada de engenheiros americanos para a ampliação da estrada de Ferro e a
exploração da mica. Esse foi um período de desenvolvimento. Comumente, o pagamento
pelos serviços prestados era feito em dólar, moeda muito mais valiosa que a brasileira, o que
contribuiu para criação de um imaginário coletivo sobre o país de origem dos americanos
como um país rico onde era possível se viver muito bem (SIQUEIRA, 2005).
Segundo Siqueira (2008) um dos engenheiros americanos permanece em Governador
Valadares e, juntamente com sua esposa, criam uma escola de inglês que estabelece um
convênio para intercâmbio de estudantes para os Estados Unidos da América (EUA)
objetivando aperfeiçoamento do inglês. Em 1963, o primeiro intercambista retorna à
Governador Valadares e traz a notícia das possibilidades de trabalhar e estudar nos EUA. Em
1964, quatro jovens pertencentes às camadas da elite da cidade emigram com visto de
trabalho. Eles são seguidos por outros e, assim, se constituem os primeiros pontos da rede
social de emigração. Os relatos bem sucedidos desses jovens emigrantes – através de cartas,
telefonemas, fotos – fortaleceram o imaginário da população dos EUA como um país ideal
para se viver. Ao longo da década de 1960 e 1970 as redes sociais vão se formando e sendo
consolidadas. Na década de 1980 acontece o crescimento do fluxo migratório para os EUA. A
crise econômica que afetou o Brasil nesta década, juntamente às redes sociais estabelecidas ao
longo destes anos, torna a emigração uma alternativa para os moradores da cidade e região. É
importante dizer que imbricado a este projeto está à questão do retorno. Retornar à terra natal
faz parte do projeto, pois o sujeito busca migrar, muitas vezes, para conseguir realizar seus
sonhos aqui no Brasil, como comprar uma casa, carro, ajudar alguém da família, dentre
1
http://www.iom.int/jahia/Jahia/about-migration/facts-and-figures/lang/es, acesso em 14/09/2010
7
outros. O fato é que este retorno nem sempre é bem sucedido, pois o emigrante não considera
as modificações ocorridas na região ao longo dos anos em que esteve fora; mantém uma idéia
estática da sociedade, da economia local, enfim, seu ritmo de vida é outro e readaptar-se pode
ser demorado e ainda doloroso, ainda mais para aqueles que retornam com transtornos
psicológicos adquiridos no país para o qual migrou. Diante disso, faz-se importante conhecer
quais são estes transtornos que afetam a saúde mental do retornado, causando-lhe conflitos
com sua própria identidade – já que não se percebe mais como pertencente à sociedade da
qual migrou – e como a Psicologia pode ser um caminho possível para o tratamento a fim de
que este retornado consiga responder às suas próprias expectativas quanto ao seu retorno.
A pesquisa realizada teve como foco a saúde do emigrante na ocasião do retorno,
partindo de uma análise regional da propagação migratória local.
Teve-se como local principal de pesquisa a cidade de Governador Valadares e
Microrregião. Foram realizadas entrevistas em profundidade com uma mulher e um homem,
respectivamente com 26 anos e 53 anos. A seleção desses indivíduos seguiu os seguintes
critérios: ter retornado para a cidade natal entre Julho de 2009 à Julho de 2010, com tempo
mínimo de permanência de quatro anos ininterruptos no exterior, sem apresentar transtornos
psicológicos antes de emigrar. Para garantir a integridade das informações prestadas por estes
entrevistados, optou-se por chamá-los por nomes fictícios, José e Maria. Abaixo segue o
quadro contendo os dados dos entrevistados.
Perfil dos entrevistados
Idade atual
Estado
civil atual
Grau
de
instrução
Ano
da
emigração
Ano
do
retorno
País para o
qual
emigrou
José
53
Casado
1º
grau
incompleto
2004
2010
EUA
Maria
26
Solteira
2º
grau
completo
2005
2009
EUA
Fonte: pesquisa de campo, 2010.
Destacar os transtornos psicológicos que afetam os emigrantes nesse regresso, assim
como a possibilidade de atuação do psicólogo no tratamento dessas perturbações, são de
grande importância para estudantes e profissionais de Psicologia. Dessa forma, realizamos
8
entrevistas com dez psicólogos clínicos, objetivando descobrir a demanda para atendimento
na região, diagnóstico realizado e possíveis tratamentos. O objetivo das entrevistas foi apenas
de atentar para a questão da emigração em Governador Valadares no que diz respeito ao
atendimento em psicologia. Assim, as entrevistas foram utilizadas com o intuito de
percebermos se existe essa demanda para atendimento na região.
O aprendizado não pode prescindir da teoria e da prática. Aprender significa estar apto
a fazer. Para isso é necessário que se conheça os fundamentos e também que se desenvolvam
habilidades necessárias à transformação desses fundamentos em ações do dia-a-dia, através da
prática, desenvolvendo aptidões. Sendo assim, vê-se a necessidade de ir a campo, de buscar
por questões sociais que nos coloque frente à realidade regional, contribuindo tanto para a
formação acadêmica quanto para o grupo e o território onde se realiza o estudo.
Sabe-se que, o sonho de uma vida melhor leva muitas pessoas, independente da classe
social, a migrarem para outros países, sem saber o que lhes espera por lá. Nesse sentido,
muitos desenvolvem transtornos psicológicos que acabam por trazê-los de volta à terra natal.
O que fica deste período no exterior são as lembranças e os problemas de ordem psicológica
que afetam sua readaptação.
As expectativas geradas ainda no país para o qual migraram, relacionadas à vida difícil
que têm lá e o anseio quanto ao retorno podem criar sensações de desesperança, de
desconforto, de desânimo, de insegurança, bem como de incapacidade. Sendo assim, é
importante se pensar na criação de um local destinado às pessoas que passaram por processos
migratórios, onde haja troca de experiências, novas aprendizagens, possibilitando assim uma
readaptação ao indivíduo. Portanto, esse é um tema relevante para essa região que compartilha
da experiência migratória em seu cotidiano, do retorno e dos impactos causados por este,
destacando aqui os transtornos psicológicos dos retornados e a importância da Psicologia
como uma alternativa de amenizar essas conseqüências.
O trabalho está estruturado em capítulos. Primeiramente será tratado do histórico da
emigração na região de Governador Valadares. Essa discussão se faz importante para situar o
presente trabalho à realidade da cidade e região, no que diz respeito ao desenvolvimento do
9
processo migratório até os dias de hoje. Este capítulo subdivide-se em dois temas: o projeto
de emigrar e o retorno, levando a maior compreensão do fenômeno migratório para a região e
suas conseqüências na economia local, uma vez que os retornados com algum tipo de
transtorno psicológico pode não se inserirem no mercado de trabalho. No capítulo seguinte
são apresentadas questões referentes à saúde do emigrante durante a experiência migratória e
também no seu retorno a terra natal. Posteriormente, segue-se indicando os transtornos
psicológicos que acometem os emigrantes nesse retorno, considerando a ocorrência da
Síndrome de Ulisses ou Síndrome do Imigrante com Estresse Crônico e Múltiplo. Foram
feitas algumas considerações a respeito da transposição dessa Síndrome para a realidade da
região de Governador Valadares e Microrregião. Em seguida, será abordada a possibilidade
do retorno ao exterior como uma saída para o fracasso na readaptação ao país de origem. Por
fim, propõe-se a criação de programas de apoio ao emigrante, através de políticas públicas por
se considerar que as experiências vivenciadas durante o processo migratório podem favorecer
o aparecimento de transtornos psicológicos, além de questões econômicas e sociais que
necessitam ser analisadas. Neste capítulo verificamos junto a psicólogos clínicos da
Microrregião de Governador Valadares a existência de demanda para tratamento psicológico e
possíveis formas de lidar com ela de forma positiva.
O trabalho encerra-se com a conclusão que responde ao objeto de estudo proposto
neste trabalho.
10
2 HISTÓRICO DA EMIGRAÇÃO EM GOVERNADOR VALADARES
A que se atribuiu o grande fluxo migratório na região de Governador Valadares? Há
uma explicação histórica para tal. Na década de 1940, Governador Valadares era considerado
um município em desenvolvimento, recebendo um contingente populacional significativo, que
vinha em busca da exploração dos recursos naturais presentes na região, dentre eles madeira e
mica. Este último foi um atrativo para os norte-americanos no período da Segunda Guerra
Mundial, pois necessitavam de matéria prima para produção bélica naquele país.
A atividade de exploração da mica permitiu a geração de muitos empregos, o que
alavancou a economia local. O estreitamento das relações com o exterior foi possível com o
estabelecimento do Tratado de Washington (1942): o Brasil fornecia a matéria prima da qual
os Estados Unidos da América necessitavam e em troca, recebia investimentos na área da
saúde, como saneamento básico, água potável, e a implantação do SESP (Serviço Especial de
Saúde Pública). O acordo Brasil-Washington definia também o prolongamento da estrada de
ferro Vitória-Minas visto que esta via era utilizada para realizar o transporte do mineral à zona
portuária do Espírito Santo e então seguir para o exterior (LEITE, 2008).
A ampliação da estrada de ferro Vitória-Minas permitiu a vinda de profissionais de
outros países para Governador Valadares, dentre eles Mr. Simpson, um engenheiro contratado
pela companhia Vale do Rio Doce para atuar na região. O contato com a moeda americana
recebida como pagamento por serviços prestados, de valor muito acima da moeda brasileira,
contribuiu para que os nativos criassem no imaginário popular uma idéia de fartura de onde
vinham esses americanos.
Na década de 1960, quatro jovens de Governador Valadares decidem emigrar para os
Estados Unidos da América movidos pela curiosidade de conhecer um país considerado rico,
desenvolvido e com grandes possibilidades (SIQUEIRA, 2008). Segundo esta autora, a
questão econômica não foi um fator motivador no processo migratório desses jovens, pois, de
acordo com seus relatos, eram de famílias de classe média, e estavam atrás de música, cinema
e do estilo de vida americano. Ainda nesta década, a esposa de Mr. Simpson, Geraldina
Simpson, fundou uma escola de inglês chamada IBEU e, através do Rotary Club, havia a
11
possibilidade de intercâmbios para estudantes valadarenses, encurtando ainda mais os laços
entre os Estados Unidos da América e a cidade de Governador Valadares (SIQUEIRA et al.,
2010). As cartas e fotos enviadas ao Brasil pelos intercambistas contavam as maravilhas
daquele país, além da possibilidade de trabalho e estudo.
A idéia de “Eldorado” presente na memória popular, como ressalta Siqueira (2005), é
mantida através de relatos dos primeiros emigrantes, alimentando assim o desejo de muitos
valadarenses em se aventurarem pela “América”. O imaginário criado pela população local é
mantido até os dias de hoje como pode ser percebido através da fala de Maria, uma das
entrevistadas desse estudo, que desde a sua infância afirma o desejo de morar nos Estados
Unidos da América:
“Ah é aquela coisa de infância, têm até aquelas brincadeiras que a gente fala assim
„Qual é o seu sonho? Ir pros Estados Unidos‟, sempre teve aquele negócio; de uma
hora para outra me deu curiosidade de ir embora eu fui” (Maria, 26 anos).
Pode-se observar na fala de José que o seu desejo de emigrar relaciona-se com um
sonho antigo e frustrante de seu pai:
“[...] eu só lembro quando o pai queria ir, mas não deu certo” (José, 53 anos).
Já na década de 1980, o projeto de emigrar tomou grandes proporções, demonstrando
que sua popularização deve-se ao sucesso dos primeiros migrantes nos EUA na década de
1960, reafirmando a noção de coletividade advinda da experiência histórica da região de
Governador Valadares e que move seus habitantes em busca de melhores condições de vida
no exterior. A crise econômica ocorrida no Brasil na década de 1980 também contribuiu para
intensificar o fluxo migratório na região. Com os investimentos dos emigrantes na economia
valadarense, começaram a surgir na cidade os traços da emigração no comércio local,
conforme coloca Leite (2008) “No comércio, os traços da emigração eram claramente
perceptíveis, lojas, bares, restaurantes, boates, etc., recebiam nomes escritos em inglês,
geralmente em referência a algum estabelecimento, do mesmo ramo, nos Estados Unidos”
(LEITE, 2008, p. 21).
12
Na década de 1990, o projeto de emigrar permanece no imaginário da população local
devido aos relatos bem sucedidos dos emigrantes no exterior, a falta de emprego na cidade,
baixas remunerações salariais e baixo nível de escolaridade, ainda segundo Leite (2008). Nos
dias de hoje, o fluxo de emigrantes valadarenses para os Estados Unidos diminuiu se
comparado às décadas anteriores. Acredita-se que essa queda seja decorrente das dificuldades,
cada vez mais crescentes, para se conseguir entrar no país, de forma documentada ou
indocumentada; há dificuldade para se conseguir o visto para o exterior e os modos ilegais de
entrada nos Estados Unidos da América têm sido fiscalizados pelas autoridades locais e
também do Brasil com as operações realizadas pela Polícia Federal. Além disso, a crise
econômica que se abateu nos EUA em 2007 contribuiu para a queda no fluxo de emigrantes
valadarenses, tornando o custo benefício da emigração desvantajoso (SIQUEIRA, 2009). A
crise econômica pode ser percebida através da fala de Maria, que sentiu os efeitos da mesma
enquanto trabalhava nos EUA:
“[...] deu a crise lá, os próprios americanos estavam sem serviço, loja fechando. Eu
não estava querendo muita casa para eu limpar ganhando pouco; eu pensei ficar
ganhando pouco e sofrendo nesse país? Eu prefiro ir embora para meu país mesmo‟”.
(Maria, 26 anos).
Mesmo assim, a questão cultural inerente ao processo migratório permite que se
mantenha os ideais de “fazer a América” ainda nos dias de hoje.
Apesar dos índices da emigração terem diminuído, emigrar tornou-se um traço
cultural muito marcante na cidade. A idéia de que nos Estados Unidos se ganha
muito dinheiro, está incutida no imaginário de grande parte da população local. As
barreiras que dificultam a emigração e as dificuldades que o emigrante
indocumentado encontra para trabalhar nos EUA, são fatores que desmotivam
muitas pessoas a tentarem a viagem. Entretanto, ainda é muito comum de se escutar
entre os moradores da cidade a manifestação do desejo de ainda fazerem a
“América” (LEITE, 2008, p. 23).
2.1 O PROJETO DE EMIGRAR
O fenômeno da migração acompanha a história do homem, desde o seu surgimento há
milhares de anos atrás, movidos pela busca por melhores condições de vida. Dessa forma, as
primeiras sociedades eram nômades, pois se deslocavam de região em região a procura
13
daquilo que lhes faltava. Com a história do capitalismo, permanece em nossa sociedade esse
deslocamento populacional, pois as pessoas continuam esgotando determinada região e
migrando para outra em busca do que lhes falta (ABUD et al., 2008). Observa-se que ainda
hoje o deslocamento por melhores condições de vida continua se fazendo presente em nossa
sociedade, a partir da fala do senhor José:
“[...] pensava que lá era o melhor trem do mundo [...] Meu negócio é que na época,
estava trabalhando de motorista e ganhando pouco, o meu filho doente e gastando
muito, eu tive um acidente estava devendo e pensava como é que eu vou pagar isso?
De todo o jeito que eu pensava não tinha jeito, ai eu tive que arriscar [...]” (José, 53
anos).
Ainda segundo Abud et al. (2008) há alguns fatores que motivam esse deslocamento
espacial, podendo citar fatores políticos, religiosos, naturais, culturais e econômicos,
predominando este último. Historicamente o fator econômico é de grande importância para
estimular os movimentos migratórios, mas é preciso considerar outro fator como sendo o
responsável por despertar no sujeito a vontade de migrar: as redes sociais. Para Siqueira
(2009, p. 13).
Graças a essas redes, é possível para uma pessoa que não sabe inglês, nunca viajou
para além de 500 km de sua cidade natal, não conhece as grandes cidades brasileiras
como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte desembarcar no aeroporto de New
York, chegar a Summerville e dois dias depois estar trabalhando como housecleaner
ou na construção civil.
O fenômeno da migração deve ser entendido a partir do conceito de redes sociais, uma
vez que estas “são capazes de construir e reconstruir relações de parentesco, de amizade, de
trabalho e conterraneidade, tanto no lugar de partida quanto no lugar de chegada” (ABUD et
al., 2008, p. 3). Neste sentido, compreender o fenômeno da migração é de fundamental
importância, pois o movimento das populações é cada vez mais crescente.
As remessas de dinheiro enviadas pelos emigrantes podem contribuir para dinamizar a
economia local, pois movimentam setores como o imobiliário e o comércio, ao passo que
também mantém um mercado paralelo sustentado no envio de pessoas aos Estados Unidos da
América por meios ilegais (passaporte falso, travessia pela fronteira do México). Na
Microrregião de Governador Valadares pode-se perceber, através de pesquisas, o grande
14
número de pessoas que se arriscam a cruzar a fronteira do México em busca do sonho
americano, alimentados pelo desejo de obter melhores condições de vida quando retornarem
ao Brasil.
A decisão de migrar não é uma decisão individual. Há um ideal coletivo que move o
migrante e que vai além de questões financeiras (ASSIS, 1995). Assim, migrar para um país
onde se desconhece o idioma local, os costumes, valores diferentes, etc., pode ser amenizado
por intermédio das redes sociais, que, de certa forma, fornecem suporte psicológico aos
migrantes que se aventuram por um caminho desconhecido e repleto de riscos. A gravidade
dos riscos oferecidos por caminhos desconhecidos na perigosa travessia rumo aos Estados
Unidos da América é evidente na fala dos entrevistados:
“[...] estava no Texas foi onde aconteceu que eu fui seqüestrada” (Maria, 26 anos).
“[...] quando estávamos acabando de chegar no lugar que íamos pegar o carro para
seguir viagem, a polícia correu atrás de nós e voltamos correndo, nos perdemos no
mato, foi um corre daqui e dalí, andamos a noite inteirinha, havia momentos em que
tínhamos de entrar dentro d‟água com a água aqui pelo pescoço” (José, 53 anos).
“[...] e quando chegou [...], eram 7 horas da manhã, ninguém estava agüentando mais
de fome, sede, ai o coiote falou assim “vamos todos descansar aqui”. Um entre nós
falou que se ficássemos, iríamos morrer. Aí, eu já não estava agüentando mais, não
tinha nada mais, eu peguei e falei “não vamos esconder para dormir nada não, vamos
dormir de fora desta árvore e se eles acharem nós é até bom” (José, 53 anos).
“Já estava querendo entregar. Nós não entregamos por causa do cara, ai veio os
guardas e montou em cima, apontaram armas e mandou a gente parar. Todo mundo
tentou correr, ficamos assustados, mas nós não corremos, eles perguntaram se nós não
iríamos correr também, falamos que não correríamos mais não e quando eles montou
atrás dos outros, nós caímos na capoeira também. Para que nós fizemos isso? Quando
deu de tardezinha, eu falei com o cara, eu não me escondo mais não, vou me entregar.
Em seguida chegaram outros policiais e falaram assim: vocês estavam naquela turma
lá? Nós respondemos que não. Vocês vão correr? Nós falamos: não vamos não.
Estávamos com sede, o guarda foi lá no carro dele e falou que não poderíamos beber
daquela água porque se bebêssemos estaríamos mortos, ai deu água pra gente, mas não
prendeu, só falou assim: vocês vão ter tantos dias para vocês ficarem aqui. Vocês em
tal dia tem que se apresentar aonde vocês estiverem. Nós sumimos, fiquei lá 6 anos
ninguém nunca me perturbou não” (José, 53 anos).
15
Embora passasse por todos esses transtornos durante a travessia ilegal para os Estados
Unidos, José permaneceu seis anos neste país. O que o manteve lá por todos esses anos?
Pode-se pensar além da existência das redes sociais que, de certa forma o amparam no país de
destino, também no fato de que a idealização dos Estados Unidos como o país das
oportunidades fosse mais fortemente sustentado por ele e outros emigrantes, fazendo com que
ele superasse os obstáculos.
A teoria das redes sociais possibilita compreender a migração de brasileiros para
outros países, pois considera as interligações entre as pessoas (familiares, vizinhos, amigos),
organizações e instituições sociais que dão apoio ao emigrante/imigrante, uma vez que estas
são construídas no país de origem e de destino.
Siqueira (2006) expõe alguns fatores que configuram o grande fluxo migratório de
valadarenses para os EUA. Dentre eles está a existência de um mercado de trabalho
secundário, desprezado pelos americanos e atrativo ao emigrante, que possibilita ganhos mais
altos do que obtinha em seu país de origem. Ramos (2008) relata um estudo feito com
imigrantes brasileiros residentes em Genebra – Suíça que permite-se pensar na semelhança
quanto à necessidade de mão de obra estrangeira necessária ao país. Na Suíça, foi registrado,
em 2004, 12.100 imigrantes brasileiros residentes permanentes legais, comparando-se aos
1.254 em 1985. Assim, percebe-se uma mudança: o Brasil que foi um país de imigração –
entrada de alemães, italianos, portugueses – passou a ser um país de emigração, chamado por
esta autora de “exportador de mão de obra”.
Há anos esse deslocamento de pessoas acontece, mas com o Capitalismo e
conseqüente Globalização, os indivíduos passaram a se deslocar de modo a atender seus
interesses, sendo atraídos por possibilidades de uma vida melhor, explica Ramos (2008). O
conceito de deslocamento apresenta-se através das migrações internas e externas –
deslocamentos dentro dos limites do próprio país e de um país para outro, respectivamente.
Segundo Ramos (2008), o fenômeno da migração externa abarca dois movimentos: de
saída – emigração - e entrada de pessoas em um país – imigração.
16
A migração internacional adquire importância no âmbito político, econômico e social,
pois cada vez mais as pessoas migram para países mais desenvolvidos economicamente em
busca de melhores condições de vida abalando o modo de vida da sociedade da qual partiram.
Um dado interessante diz respeito ao aumento do número de migrantes sendo
registrado pela OIM (Organização Internacional para as Migrações) em 2010 cerca de 214
milhões de pessoas vivendo fora do país de origem, incluindo migrantes documentados ou
indocumentados e refugiados2. Assim, segundo Ramos (2008), o crescimento do fenômeno
migratório se dá num ritmo mais acelerado que o crescimento da população mundial.
Por tudo isso, podemos considerar que o projeto migratório é alimentado pelas redes
sociais, além da busca por melhores condições econômicas, segundo destaca Abud et al.
(2008) como sendo o fator principal de deslocamento.
2.2 O RETORNO
Muitos autores compartilham a idéia de retorno planejado assim como é planejado
também o projeto de migrar. Cerezer (2005) chama estes emigrantes de retornados. Assim,
faz parte dos planos do emigrante juntar dinheiro suficiente para retornar ao país de origem e
viver com certa estabilidade, conforme relata Maria, retornada dos Estados Unidos da
América por volta de um ano:
“Meu objetivo era ir, juntar um pouco de dinheiro, mas sempre voltar para o Brasil. Eu
nunca tive a cabeça de ficar nos EUA, morar igual elas [amigas que moram nos EUA]
estão lá...” (Maria, 26 anos).
E também pela fala de José, retornado do mesmo país há menos de um ano:
“[...] eu trabalhava na cooperativa, eu cheguei do Rio Casta, puxava leite para lá e era
motorista da cooperativa. Ali eu cheguei em uma turminha de colegas, falando que
iríam para os Estados Unidos, vamos rapaz lá é bom. Bom, pensei, sabe que eu vou
2
http://www.iom.int/jahia/Jahia/about-migration/facts-and-figures/lang/es, acesso em 14/09/2010
17
também, eu vou entrar de férias amanhã eu vou arriscar e vou embora. Meu objetivo
era juntar dinheiro, comprar algumas coisas e voltar” (José, 53 anos).
Os chamados retornados levam consigo uma imagem estática de sua cidade natal, sem
considerar as mudanças no âmbito econômico, político e social, que ocorreram ao longo dos
anos que esteve fora. Assim, ao retornar, buscam encontrar os mesmos costumes, economia e
valores do tempo em que deixaram a cidade rumo aos EUA. Explica Cerezer (2005):
[...] ao voltar e ter contato com um lugar que inicialmente eles achavam que
conheciam e sentiam falta, quando nos Estados Unidos, percebem que agora não o
reconhecem mais, tornaram-se estrangeiros na sua própria casa, pois já não se
incluem àquela velha rotina. A grande expectativa do retorno muitas vezes se
transforma em decepção [...] (CEREZER, 2005, p. 4).
Esse sentimento pode ser descrito na ordem de um estranhamento com relação à
cidade natal, pois, devido às mudanças ocorridas, esse imigrante não se encaixa mais nos
costumes e valores da sociedade na qual fazia parte antes do projeto de migrar, como bem
relata José em resposta a uma pergunta sobre o que achou da cidade natal no retorno, ou seja,
quando chegou de volta à cidade, o que mais lhe chamou a atenção:
“[...] o trem andou tudo ao contrário e outra, a gente espera chegar e encontrar de um
jeito, chegando, você encontra outra. Eu fiquei todo sem jeito” (José, 53 anos).
Segundo Siqueira (2006) a sensação é de não pertencimento ao seu local de origem, o
que permite dizer que a cidade mudou, mas também mudou o olhar do imigrante. As muitas
experiências vivenciadas em outro país possibilitaram novas opiniões e pontos de vista são
formados, como relata Maria e José:
“Nossa minha cabeça é outra! Antes eu achava que eu era assim meio bobinha assim
com as pessoas, as pessoas abusavam, mas hoje a gente volta mais ativa não sei
explicar sua cabeça muda mesmo naquele mundo” (Maria, 26 anos).
“Não até que eu não achei estranho, como é que se diz, a gente acha estranho porque
você acostuma com aquele pessoal lá, aqui já é tudo diferente, então você fica meio
abobado, às vezes a pessoa chega e fala assim a fulano está escondendo?! A não, o
cara parece que está com trauma” (José, 53 anos).
18
O estranhamento sentido no país de destino pode ser percebido também no retorno à
terra natal. Se achar bobinha antes de passar pela experiência de migração internacional e
sentir-se “abobado” após retornar desta experiência mostra o quanto o projeto de emigrar
modifica a identidade do sujeito.
Abud et al. (2008) atribui esse retorno não só ao valor material que ele representa mais
também por um valor simbólico delegado ao país de origem, onde foram construídas as
relações sociais que lhe permitem lembrar de suas raízes, imbuídas de afetividade,
reafirmando que este é o seu lugar. Assim, retornar para a cidade de origem nao é apenas em
função das redes sociais já estabelecidas mas também pelo valor simbólico que o lugar
representa para o emigrante que sente a necessidade de mostrar a todos o quanto seu projeto
de migrar foi bem sucedido, embora futuramente nao se mantenha dessa mesma forma.
Para el emigrante, además del valor de mercado existe un valor simbólico que es
comprar la casa en la calle donde vivía de alquiler, la finca donde era vaquero. Es la
posibilidad de mostrar para sí y para los otros que su proyecto de emigrar fue bien
sucedido3 (SIQUEIRA, 2008, p. 11).
Embora essa questão do lugar faça sentido ao retornado, não se pode deixar de citar a
dificuldade de readaptação deste quando volta ao seu país de origem. A diferença entre as
culturas, o clima, os hábitos de vida, faz com que o retornado sinta uma espécie de choque ao
se deparar com cultura tão diferente, embora sua origem seja esta, o que pode ser percebido
através do relato de Maria:
“[...] que eu não acreditava muito que eu estava aqui no Brasil. Por mais que eu já
morei aqui, mesmo assim, acho que é um baque que você toma, é um choque,
querendo ou não” (Maria, 26 anos).
Os anos vividos nos Estados Unidos da América trás a ele outros valores, muitas
vezes, diferentes dos que possuía antes de morar em outro país. Assim, no retorno, o que antes
seria prazeroso passa a não ser mais.
3
Para o emigrante, além do valor de mercado existe um valor simbólico que é o de comprar a casa na rua onde
vivia de aluguel, na fazenda onde era vaqueiro. É a possibilidade de mostrar para si e para os outros que seu
projeto de emigrar foi bem sucedido.
19
Consideramos que a idéia do retorno faz parte do planejamento desde o momento em
que o indivíduo decide emigrar, mas nem sempre esse retorno é bem sucedido devido ao
estranhamento diante do que se apresenta a ele após vivenciar costumes, valores, hábitos de
vida diferentes do que tinha aqui antes de partir.
20
3 A SAÚDE DOS EMIGRANTES
Dentre os diversos fatores que movem as pessoas a migrarem para outros países, podese destacar o desejo por bens de consumo que é alimentado por uma sociedade capitalista, a
curiosidade pela cultura do país de destino e a crença de migrar como única possibilidade para
alcançar melhores condições financeiras. Segundo Ramos (2008), o desejo de emigrar não é
de todo imanente nas pessoas, tem um componente social. A decisão por sair de seu país,
deixar sua casa, amigos, família surge a partir da crença, socialmente construída, de que
migrar lhe dará aquilo que lhe falta.
A migração apresenta várias conseqüências para o sujeito e o território de origem. Um
dos problemas que surgem são os impactos do retorno em condições não esperadas pelo
migrante e seus familiares. A crise mundial vivenciada em 2007 afetou diretamente a geração
de empregos, com isso, o sonho de migrar e ganhar muito dinheiro fica cada vez mais distante
de ser realizado. Assim, os emigrantes brasileiros retornam em número cada vez maior e
maior também é o comprometimento de sua saúde física e mental.
Segundo Ramos (2008), estudos realizados na Europa e América do Norte destacam
um complexo conjunto de fatores socioculturais, picossociais e familiares que afetam a saúde,
o nível de estresse e a qualidade de vida dos migrantes. Percebe-se a necessidade de
conceituar os termos saúde, estresse e qualidade de vida, visto que são empregados nos
diversos contextos. Portanto, o termo qualidade de vida é definido pela OMS – Organização
Mundial de Saúde – apud Ramos (2008) como “a percepção do indivíduo de sua posição na
vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais vive e em relação aos seus
objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. Já os autores o concebem como:
[...] dimensão eminentemente humana relacionada ao grau de satisfação vivenciada
pelo indivíduo nos diferentes segmentos: familiar, social e ambiental inserindo as
normas culturais que normatizam o padrão de bem-estar e conforto de uma
determinada comunidade (RAMOS, 2008, p. 183).
Sabe-se que as condições de vida do emigrante no país de destino não são ideais, visto
que procuram ter o mínimo possível de conforto e trabalhar muitas horas por dia em função
21
do sonho de obter muito dinheiro e retornar ao país de origem. De acordo com o relato de
Maria e José, é comum os emigrantes residentes nos Estados Unidos dividirem moradia com
outros brasileiros, conhecidos anteriormente ou não, objetivando gastar menos dinheiro com o
aluguel.
“[...] fui morar com outras pessoas depois, pessoas que eu não conhecia porque lá é
assim você faz amizade quando vai ver está morando já com os amigos que você fez
amizade eu cheguei a morar em nove casas. [...] Sempre morei com vários amigos [...]
a casa era bem grande; minha despesa era trezentos dólares que eu pagava no quarto,
cada um pagava e assim ia” (Maria, 26 anos).
“Eu morei com o meu menino pouco tempo porque depois eu fui pra Flórida, para
New Orleans, morar com Cabo Verdianos, Mexicanos. E assim eu fui andando, pra
onde tivesse emprego” (José, 53 anos).
Segundo Sayad (1998), a forma de vida em um país estrangeiro, na maioria dos casos,
é sempre precária, visto que, chegam sem conhecerem muita coisa e a princípio necessitam da
ajuda de parentes, amigos ou de terceiros, de pessoas que talvez não conheçam. Através da
fala de José, percebe-se a importância em ter alguém em quem confiar:
“Eu senti alegre porque o meu menino iria me esperar, e depois que estive com ele não
tive medo” (José, 53 anos).
Ainda segundo este autor, os migrantes são sujeitos de direitos e devem ser respeitados
em qualquer lugar onde escolherem residir. Estejam eles em condições de documentados ou
indocumentados, os migrantes têm direito de habitar livremente em qualquer lugar, ter uma
pátria, residir com sua família, ter preservada sua cultura, língua, religião e etnia (SAYAD,
1998). Por se constituírem grupos vulneráveis, em decorrência das perseguições e
discriminações que freqüentemente sofrem, devem ser inseridos em políticas públicas e ações
afirmativas governamentais. Os países devem se esforçar para garantir a cidadania e a
dignidade dessas pessoas.
Dessa forma, percebe-se que a qualidade de vida no país para o qual migrou muitas
vezes é precária, podendo culminar em algum tipo de transtorno psicológico visto que não se
presa por uma noite de sono, horas de lazer, comida saudável.
22
“Uma das coisas que eu mais gostei lá foi quando eu fui para a Flórida nas minhas
férias, engraçado que as férias lá é uma semana” (Maria, 26 anos).
“[...] o que a gente fazia lá, às vezes, era ir para a praia e a vida de lá de lazer é
diferente do Brasil porque lá as coisas são mais dentro de casa; lá não existe igual aqui
no Brasil de ficar indo para a casa de vizinho, dormindo, festa, é tudo muito diferente
lá, os americanos reclamam muito de barulho [...]” (Maria, 26 anos).
“[...] lá o lazer é do serviço para casa e de casa para o serviço, tinha lazer em outros
lugares não” (José, 53 anos).
A OMS – Organização Mundial de Saúde – (1995) apud Ramos (2008) define o termo
saúde mental como completo bem-estar no qual o sujeito se percebe hábil para lidar com os
estresses da vida sendo capaz de ser produtivo e ainda contribuir para comunidade. Através
dos relatos dos entrevistados pode-se perceber que esse completo bem-estar não é vivenciado
por eles devido a diversos fatores, dentre eles a ocupação de um mercado de trabalho
secundário e o ritmo acelerado, chegando a trabalhar em dois ou três turnos. Oliveira (2009)
versa sobre esta questão no trecho a seguir:
[...] haveria uma complementaridade entre os trabalhadores nativos e os
trabalhadores emigrantes, pois, os dois grupos preencheriam demandas diferentes do
mercado de trabalho, o mercado primário e o mercado secundário, onde o mercado
primário se caracteriza por trabalhadores com alta qualificação, melhores salários e
possibilidade de ascensão social, nas grandes empresas, mercado secundário se
caracteriza por oferecer salários baixos, não precisar de alta qualificação o
trabalhador, não há possibilidade de ascensão e nenhuma proteção das leis
trabalhistas, e é para esse setor que se destinam os trabalhadores emigrantes (p. 13).
A ocupação de um mercado de trabalho que leva ao desgaste físico e mental dos
emigrantes pode prejudicar a saúde destes e muitos não buscam ajuda de algum profissional
da área, como relata Maria e José:
“Eu sentia dor nas costas. Cheguei a ir no médico mas quando fui ver não era nada.
[...] ele falou que eu estava fazendo muito exercício repetitivo, uma tensão que deu nas
costas. [...] eu tive que ir porque eu não estava agüentando pegar nenhum peso, fazer
nada, nem subir escada. [...] mas eu posso dizer que nesses quatro anos não fui em
médico nenhum. Quatro anos sem fazer um exame, sem um dentista” (Maria, 23
anos).
23
“[...] mexia com piscina na Flórida, guardava minhas ferramentas dentro de uma valeta
perto da piscina para não cair água. De manhã quando fui pegá-las para começar a
trabalhar, entrei dentro dela e uma cobra me picou. Eu trabalhei com aquilo assim
mesmo, estava na hora de dar um tétano, algumas pessoas falavam pra mim ir a um
hospital, eles até pagavam pra mim, era cerca de 3 mil dólares, mas eu mesmo fui
cuidando, colocando de tudo, pano com álcool e outras coisas” (João, 53 anos).
Os relatos acima demonstram as precárias condições de vida que os emigrantes se
sujeitam, que estão relacionadas diretamente à necessidade de se juntar o máximo possível de
dinheiro para tornar seu projeto de migrar bem sucedido. Assim, como visto nos relatos,
deixam de cuidar de sua saúde para continuar trabalhando horas a finco, pois, temem perder o
emprego, o que significa perder também a esperança por uma vida melhor no seu país de
origem. Além de permanecer trabalhando mesmo com a saúde debilitada, muitos reclamam da
inacessibilidade dos serviços de saúde nos EUA devido ao seu alto custo, como demonstra a
fala dos entrevistados:
“[...] uma consultinha, um exame de sangue que eu fiz lá e um raio x veio cinco mil
cobrando, cinco mil dólares! Os americanos devem ter muito dinheiro! Uma
consultinha cinco mil dólares! [...] imagina eu pagando cinco mil dólares em qualquer
consulta no Brasil, Deus me livre! Eu não fiz nada demais, só fiz um exame de sangue
e um raio-x e a conta chega na minha casa. Mas tudo isso que eu faço eu não uso o
meu nome. Uso meu nome falso. Eu não posso usar meu nome porque a emigração
procura” (Maria, 26 anos).
“[...] o rapaz falou que eu tinha que ir ao hospital, para cuidar do ferimento, ele até
pagava três mil doláres só pra ver aquilo. Aí, eu mesmo fui cuidando, eu mesmo curei
aquilo, sofri viu [...]” (José, 53 anos).
Percebe-se também que além das dificuldades apresentadas em questões relacionadas
à saúde, há também outro fator que impossibilita o emigrante a buscar por esses serviços:
viver na ilegalidade e, portanto, ter de conviver com o medo de ser deportado.
Goldberg & Huxley (1992) apud Ramos (2008) descrevem o déficit na saúde mental
que se manifesta através de sintomas como insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento,
dificuldade de concentração e queixas somáticas, desencadeados por mudanças de vida –
voluntárias ou não –, processos de adaptações e crises vitais, que implica sofrimento psíquico
em graus variados.
24
Segundo Ramos (2008), as migrações internacionais são consideradas uma mudança
de vida, pois gera sofrimento psíquico advindo do processo de aculturação vivido pelo
emigrante; esse processo diz respeito ao contato com uma cultura bastante diferente da que
ele viveu no país de origem, tendo que se adaptar a novos costumes, o que nem sempre ocorre
facilmente. Portanto, “os estudos voltados para o conhecimento da saúde mental e sofrimento
psíquico de pessoas que vivenciam o processo de migração internacional, tornam-se
relevantes e necessários” (RAMOS, 2008, p. 185). Segundo os autores, há um consenso em si
considerar a migração como fator importante na produção de sofrimento psíquico e no
comprometimento da saúde mental. Pode-se dizer, assim, que a migração é também um
evento produtor de estresse, juntamente a casamento, divórcio, novo emprego, desemprego,
adoecimento, etc.
Diversas teorias são utilizadas para estudar a relação entre os transtornos mentais e
estes eventos que produzem estresse buscando minimizar os impactos sobre o indivíduo. É o
caso da teoria das redes sociais, já citada anteriormente. As representações sociais são úteis
aos imigrantes e permitem entender o processo migratório uma vez que transformam o não
familiar em familiar, ou seja, aquilo que era estranho a eles passa a ser mais próximo, devido
aos conhecimentos compartilhados com outros imigrantes, o que gera a noção de
pertencimento ao grupo.
Almeida Filho (1982) apud Ramos (2008) constatou através de pesquisa que o estresse
que advém das mudanças de residência e da adaptação em um novo lugar, torna o migrante
suscetível a riscos de morbidade diferencial no ambiente novo, pois os graus de dificuldade lá
serão variados, causando conseqüências na saúde física e psíquica do indivíduo.
Segundo Ramos (2008), o processo migratório torna-se complexo diante das
conseqüências que trazem para o indivíduo em nível de saúde física e psíquica e do estresse
gerado pelas mudanças de ordem psicológica, física, social, cultural, política, etc. A saúde e o
bem-estar dos migrantes são considerados pela autora como associados a diversos fatores, a
saber:
25

Natureza da migração – voluntária, motivada por razões econômicas ou
intelectuais; ou involuntária, expulsão por razões políticas;

Adaptação do migrante – se, de fato, adaptou-se ao novo espaço, cultura, língua,
alimentação, estilo de vida;

Sofre discriminação, racismo ou xenofobia pela comunidade que o acolheu;

Manutenção da estrutura familiar e dos valores étnicos religiosos após migração;

Acesso a figuras religiosas familiares e a práticas tradicionais de saúde;

Políticas do país de acolhimento facilitam ou dificultam integração dos migrantes.
Portanto, pode-se perceber que o modo como o emigrante vivencia tais fatores
relacionados à sua saúde – física e mental – poderá influenciar nas conseqüências geradas
pelo processo migratório. A saúde e o bem-estar de José, um emigrante que sofreu as
conseqüências de um furacão que assombrou a região em que vivia, ficaram comprometidos
no que diz respeito às condições físicas do local:
“[...] O que mais me aborreceu lá, foi quando estava na Disney, quando teve o furacão.
Tinha gente morta pra todo lado, um fedô que não tinha nem como você dormir ou
cozinhar direito. Pra comprar coisas, andávamos uns dez quilômetros ou comíamos o
que a cruz vermelha dava [...] imaginei que iria morrer lá, eles falavam que não tinha
como sairmos da cidade, aí eu falei assim, agora pronto, vou ter que viver aqui” (José,
53 anos).
O que significou para José, naquele momento, “ter de viver aqui”? De fato não tinha
outro lugar para ir ou, mesmo se tivesse, esbarrou na impossibilidade diante de um desastre da
natureza, tendo de permanecer naquele lugar até que a situação fosse amenizada. Mais uma
vez, aponta-se para a necessidade de se voltar o olhar para esses emigrantes, que tendo
passado por tantas situações marcantes em suas vidas, buscam refúgio em seu país de origem,
junto de suas famílias e amigos. Ainda assim, constantemente recordam-se do terror vivido
durante a experiência migratória.
Situação de risco também acontece com Maria que conta a sua história na travessia
pelo México, onde foi seqüestrada:
26
“Antes de eu ser seqüestrada eu já tinha entrado em cabine de caminhão, eu mais umas
15 pessoas, tudo apertado mesmo. [...] Chegou lá [casa do coiote, no Texas] um
mexicano falou “a Isabela quer falar com você”. Isabela era uma das mulheres da
travessia. Eu falei “ok!”. Entrei no carro dele porque quando você tá no desespero
você não pensa que o fazer. [...] Ele me levou para o motel [esconder-se em motéis
aguardando o dia para atravessar a fronteira]. [...] Ele ranca a arma para fora querendo
me assediar, mas eu não deixava. Ele foi no banheiro, ficou uns 20 minutos lá, saiu de
lá enrolado na toalha, e com a cara bem drogada. Fiquei mais ou menos uma hora e
uns dez minutos presa com ele. Deitava na cama, mandava eu arredar para trás, ficava
mirando a arma em mim. Nessa hora eu estava passando mal, a pressão subia e
abaixava, eu estava muito mal mesmo. Naquele momento eu já tinha entregado para
Deus, falei “é agora que eu vou morrer”. Me deu muita sede porque eu comecei a ficar
nervosa e a garganta foi secando, eu pedi água e ele pediu whisky. Eu estava deitada
na cama, ele ficou com a arma pegou o telefone e discou para o cara do motel. [...] Eu
fui correndo para abrir a porta; ele fez um gesto de silêncio para mim não falar nada e
se enrolou na toalha e ficou no canto da porta mirando a arma para mim. Na medida
que eu peguei o whisky e entreguei na mão dele, que eu vi que ele ocupou as duas
mãos, eu peguei a água e sai correndo pela escada. [...] Olhei para trás, na janela do
quarto onde eu estava, ele estava na janela mirando a arma para mim lá embaixo, na
medida que eu estava correndo. Passei debaixo da roleta do motel e fui pro asfalto.
Passou um táxi eu acenei a mão [...]” (Maria, 26 anos).
Que marcas esta experiência pode ter deixado na vida de Maria? É possível esquecerse desta vivência? Segundo Maria, por muito tempo ela se lembrava da voz do seqüestrador:
“[...] eu fiquei um mês sem conseguir dormir depois que eu cheguei nos EUA porque
foi um choque para mim. Eu escutava a voz do cara falando comigo alguma coisa, foi
tipo um trauma mesmo que eu tive, foi bem um choque [...]” (Maria, 26 anos).
A saúde do migrante varia de acordo com suas condições sócio-econômicas no país
para o qual emigrou e, dessa forma, a pobreza, o desemprego, a privação e a exclusão, são
fatores importantes de estresse e doença (RAMOS, 2008). É relevante salientar que as
condições sócio-econômicas não determinam o desenvolvimento de doenças nos emigrantes,
mas sim os tornam-se suscetíveis a maiores riscos uma vez que não buscam serviços de saúde
devido ao custo elevado.
Diversos autores colocam a importância da cultura como meio de proteção contra a
doença mental e o estresse, uma vez que promove a união social e familiar, com apoio mútuo
para enfrentar as adversidades da vida. Ramos (2008) acrescenta que,
27
[...] certos traços culturais, como o grau de coesão familiar e do grupo, o
apoio/suporte social e as redes de solidariedade grupal, o sentimento de pertença
identitária, valores religiosos e espirituais, são elementos protectores contra a doença
mental e o stresse [...] (p. 54).
Assim, a saúde física e psicológica do emigrante encontra-se comprometida durante a
sua estadia no país de destino devido às condições em que se submetem a viver: má
alimentação, excesso de trabalho, noites mal dormidas, não buscam por ajuda médica,
isolamento social, medo de deportação, entre outros. No retorno, trazem consigo as marcas
acarretadas pela má condição enquanto imigrante, que podem se apresentar como transtornos
psicológicos.
28
4 OS TRANSTORNOS PSICOLÓGICOS PERCEBIDOS NOS RELATOS DOS
EMIGRANTES RETORNADOS
O processo migratório envolve não só questões culturais, como também de ordem
psicossociais, uma vez que o migrante perde as referências do país de origem, tendo que se
relacionar com um mundo completamente estranho a ele. Ao se deixar um território,
necessariamente entra em jogo a perda dos referenciais conhecidos. O processo de separação
desses referenciais para adoção de novos costumes e hábitos de vida gera uma experiência de
desamparo, vivida muitas vezes como sensação de abandono, conforme salienta Birman
(2000):
[...] sob o desamparo, o sujeito se encontra diante da pressão constante das forças
pulsionais, que o perpassam em diferentes direções e o inundam. O sujeito é tomado
pelo excesso de cabo a rabo. Por isso mesmo, ele é obrigado, por um lado, a realizar
um trabalho de ligação daquelas forças irruptivas, constituindo um campo de objetos
capazes de oferecer um horizonte possível de satisfação e, por outro, deve se impor a
exigência de nomeação daquelas forças. Portanto na experiência do desamparo, cabe
ao sujeito a tarefa imperiosa de construir circuitos pulsionais estéticos para dominar
satisfatoriamente as intensidades que lhe perpassam, assim como tecer derivações
simbólicas para os excessos pulsionais (BIRMAN, 2000, p. 44).
Pode-se dizer que este campo de objetos capazes de satisfazer o sujeito relaciona-se à
teoria das redes sociais uma vez que estas possibilitam minimizar o sofrimento do sujeito em
relação a este sentimento de desamparo tão presente na vida dos imigrantes valadarenses.
Através da fala de Maria, nota-se que havia uma amiga aguardando sua chegada:
“[...] ela me pegou, me levou para casa dela. Eu estava muito fraca, mais de uma
semana sem ver comida, só pão com presunto que eles davam lá... foi quando eu tomei
um banho, ela me levou pra almoçar, até passei mal! Meu estômago estava fraco, fui
comer comida e passei mal” (Maria, 26 anos).
De acordo com a fala de Maria nota-se que o possível desamparo sentido naquele
instante pôde ser diminuído pela receptividade de sua amiga no momento em que ela chega
aos Estados Unidos da América.
29
Sayad (1998) considera a cultura como um conjunto de referenciais que permite a cada
membro de uma sociedade movimentar-se, expressar-se, pensar, amar, trabalhar, evitando o
medo, se protegendo do desconhecido. Esses referenciais que se encontram no ambiente,
funcionarão
como
uma
marca
originária,
promovendo
os
fundamentos
para o
desenvolvimento do psiquismo. Assim, o migrante se percebe em meio às mudanças de
códigos culturais, em que referentes conhecidos já não funcionarão mais, desfazendo um
conjunto articulado de valores que lhe dará a necessária sustentação para o cotidiano.
Podemos dizer, então, que dependendo da forma como o indivíduo estabeleceu seus vínculos
originais com o ambiente, sentirá de forma mais intensa ou não o efeito dessas mudanças.
As mudanças causadas pela decisão de migrar são diversas; Ramos (2008) as agrupam
em mudanças físicas (novo lar, novo ambiente, novos hábitos de vida); mudanças biológicas
(nova alimentação, acometimento de novas doenças próprias do clima, por exemplo);
mudanças sociais (novas relações com as pessoas, com grupos, novas atividades de trabalho e
relações sociais); mudanças psicológicas (motivações, aptidões, identidade individual e
cultural) e políticas. É preciso dizer que estas mudanças podem ser positivas para o sujeito,
pois irá saciar sua curiosidade pelo estilo de vida americano, pela cultura local, além de
melhorar suas condições econômicas; mas também podem apresentar-se como algo negativo
para o sujeito, culminando em problemas psicológicos advindos do processo de aculturação –
transformações culturais ocorridas no contato com diferentes culturas. A existência de dois
códigos culturais distintos, e daí a impossibilidade de mediação entre eles, apresenta-se,
segundo Ramos (2008) como causa de efeitos no comportamento do sujeito e origem de
distúrbios psicopatológicos, dificuldades de adaptação e estresse de aculturação, sendo este
último gerado por fatores estressantes capazes de reduzir o estado de saúde do indivíduo,
tanto físico como mental.
Sendo assim, as diversas mudanças pelas quais perpassa o emigrante favorecem a
instalação de quadros psicopatológicos, como depressão, angústia, ansiedade, ataques de
pânico, quadros psicóticos, doenças psicossomáticas, durante o projeto migratório ou mesmo
no retorno ao seu país de origem, onde tem de se reorganizar e readaptar. Berry (1974, 1987,
1989) apud Ramos (2008) compartilha dessa idéia acrescentando ainda o surgimento de
problemas de identidade, sentimentos de insegurança e perda da autoestima.
30
Dalgalarrondo (2000) aborda os sintomas psicopatológicos expressos através de temas
centrais da existência humana como aquilo que o sujeito busca e deseja. A decisão de migrar
pode ser pensada como um tema central na vida destes sujeitos que vão à busca de um sonho,
muitas vezes sem saber o que encontrarão no país de destino. Segundo este autor ao
“conceituar normalidade em psicopatologia é necessário analisar o contexto sociocultural”
(2000, p. 25), o que nos permite pensar que a cultura assume papel importante na instalação
destes sintomas psicopatológicos. É o que acontece com brasileiros que migram para países
com costumes bastante diferentes do Brasil e têm de se adaptar à cultura local, o que pode lhe
causar transtornos com os quais ele terá de conviver por algum tempo, mesmo que retorne ao
Brasil.
As patologias descritas anteriormente como relacionadas ao migrante são utilizadas
por diversos estudiosos do fenômeno da migração internacional. No item seguinte,
abordaremos o estudo de Joseba Achotegui, um psiquiatra espanhol que disserta a respeito da
Síndrome de Ulisses ou Síndrome do Imigrante com Estresse Crônico e Múltiplo. É
importante ressaltar que os estudos referentes a esta Síndrome são recentes e, portanto, não há
uma bibliografia específica para o fluxo migratório brasileiro. Também, existem poucas
publicações na área, o que se tornou um ponto dificultador para elaboração deste trabalho.
A partir dos estudos a respeito da Síndrome, pôde-se fazer uma relação desta com o
fluxo migratório na microrregião de Governador Valadares visto que as experiências trazidas
pelos entrevistados e também todo o material disponibilizado pelos estudiosos locais apontam
uma semelhança do sofrimento psíquico do e/imigrante. A Síndrome do Imigrante pode ser
transposta para a realidade local uma vez que os sintomas que acometem o imigrante na
ocasião da adaptação ao país de destino provavelmente também o acometem na readaptação
ao país de origem, após viver experiências diversas e tão diferenciadas do que de costume.
Utilizamos também a CID-10 (Classificação Internacional de Doenças – décima
revisão) como respaldo para a elaboração deste trabalho. Essa classificação segue um padrão
internacional de diagnóstico que pode ser utilizada por uma equipe multiprofissional ligada à
área da saúde. A CID-10 (1993) utiliza um código alfanumérico para traduzir diagnósticos de
doenças e outros problemas de saúde, o que permite analisar com mais facilidade as
31
informações. Neste trabalho, atemo-nos ao capítulo V que aborda Transtornos Mentais e
Comportamentais.
Buscamos compreender, de forma generalizada, os transtornos psicológicos que
podem acometer os emigrantes na ocasião do retorno.
4.1 SÍNDROME DO IMIGRANTE COM ESTRESSE CRÔNICO E MÚLTIPLO
De acordo com Achotegui (2004), a imigração submete os indivíduos a níveis de
estresse tão altos que se tornam superiores a capacidade de adaptação dos seres humanos.
Conforme este autor, níveis extremos de estresse sentidos pelos imigrantes estão diretamente
ligados ao desenvolvimento de sintomas psicopatológicos. O termo estresse é definido como
“diversos tipos de estímulos aversivos de intensidade excessiva, ou as respostas subjetivas,
comportamentais e fisiológicas aos mesmos; ou contexto que medeia o encontro entre o
indivíduo e os estímulos estressantes” (BERTOLOTE, 1997, p. 87).
Observa-se que os hábitos de vida dos imigrantes, muitas vezes, são precários: não há
alimentação adequada, chegam a trabalhar mais de 12 horas por dia, não têm lazer, tampouco
horas de sono suficiente para descanso. Os indocumentados ainda têm de conviver com o
medo freqüente de serem deportados e assim, terem o sonho de realização pessoal
interrompido.
Todas essas más condições de vida favorecem o desenvolvimento da chamada
Síndrome do Imigrante com Estresse Crônico e Múltiplo ou Síndrome de Ulisses, também
chamada assim em alusão à história de Ulisses, herói grego que retorna a cidade de Tróia após
muitos anos, enfrentando durante o caminho a fúria dos deuses, perigosos inimigos e
monstros mitológicos. Segundo Achotegui (2004), as condições dos emigrantes atualmente
podem ser comparadas as adversidades sofridas por Ulisses uma vez que para sobreviver no
país de destino têm de viver em condições de vida inadequadas, lutando contra mostros
imaginários e concretos como solidão, medo da deportação, o estranhamento aos costumes e
32
valores do país de destino e ainda tornando-se invisíveis perante a sociedade local, pois
muitos vivem sem documentos ou com documentos falsos como carteira de motorista:
Soledad, miedo, desesperanza, “... las migraciones del nuevo milenio que comienza
nos recuerdan cada vez más los viejos textos de Homero” “...y Ulises pasábase los
días sentado en las rocas, a la orilla del mar, consumiéndose a fuerza de llanto,
suspiros y penas, fijando sus ojos en el mar estéril, llorando incansablemente...”
(Odisea, Canto V), ó el pasaje en el que Ulises para protegerse del perseguidor
Polifemo le dice “preguntas cíclope cómo me llamo… voy a decírtelo. Mi nombre es
nadie y nadie me llaman todos…” (Odisea Canto IX). Si para sobrevivir se ha de ser
nadie, se ha de ser permanentemente invisible, no habrá identidad ni integración
social y tampoco puede haber salud mental (ACHOTEGUI, 2004, p. 39).4
Em relação à emigração de valadarenses para os Estados Unidos da América percebese, através de relatos, que muitos vivem à margem da sociedade norte-americana, sem
perspectiva de pertencimento; usufruem daquilo que é comum a todos – o ar condicionado
dos shoppings, os perfumes no ar, o clima, a natureza – por estarem no mesmo ambiente, mas
não são inseridos naquela sociedade, como mostra José em uma de suas falas:
“Agora lá quem falar pra você que teve maravilha é mentira deles” (José, 53 anos).
Pode-se fazer uma interpretação desta frase relacionando-a ao fato de que a vida dos
imigrantes parece não ser tão fácil. Embora tenham mais acesso a bens de consumo, acabam
pagando um preço alto para isso; preço este que em muitos casos culminam em transtornos
psicológicos.
Pasqua e Molin (2009) compartilham a idéia de Achotegui (2004) de que muitos dos
imigrantes com problemas adaptativos são pessoas candidatas a padecer da Síndrome do
Imigrante com Estresse Crônico e Múltiplo. Sendo assim, não se pode dizer que todos os
emigrantes desenvolvem um conjunto de sintomas que configuram a síndrome, mas existem
fatores que contribuirão para o estabelecimento de níveis de estresse – mais ou menos
4
Solidão, medo, desesperança, “... as migrações do novo milênio que começa nos lembra cada vez mais os
velhos textos de Homero” “... e Ulisses passava os dias sentado nas rochas na orla do mar, consumindo-se a
força do lamento, suspiros e penas, fixando seus olhos no mar estéril, chorando incansavelmente...” (Odisséia,
Canto V), ou a passagem em que Ulisses para se proteger do perseguidor Polifemo disse “pergunta a cíclope
como me chamo... eu vou dizer. Meu nome é ninguém e de ninguém me chamam todos...” (Odisséia Canto IX).
Se para sobreviver tem que ser ninguém, terá que ser permanentemente invisível, não terá identidade nem
integração social e tampouco poderá ter saúde mental.
33
intensos – que dificultam a adaptação no país de destino. Assim, cada indivíduo irá manifestar
os sintomas de acordo com o nível de estresse em que está submetido na ocasião do processo
migratório. Para estes autores existe uma relação entre os níveis de estresse e o
desenvolvimento de sintomas psicopatológicos, que tem ligação com os lutos específicos da
condição migratória.
No que se refere ao luto, Achotegui (2004, p. 40) coloca-o como “el proceso de
reorganización de la personalidad que tiene lugar cuando se pierde algo significativo para el
sujeto” 5 e correlaciona-o ao conceito de estresse afirmando que o luto é um estresse, porém se
dá de forma mais prolongada e intensa. As perdas dos referenciais, do convívio com a família,
com os amigos, transformam-se em lutos que necessitarão ser elaborados para melhor
readaptação no retorno à terra natal. Acredita-se que um caminho possível se dá através da
criação de políticas públicas que apóiem os emigrantes dando suporte para a reorganização de
sua personalidade.
Sendo o luto um estresse prolongado e intenso, Pasqua e Molin (2009) tratam de três
tipos de elaboração do luto presentes no processo migratório:
1. O luto simples que pode ser elaborado e se dá em boas condições;
2. O luto complicado, onde existem sérias dificuldades de elaboração da experiência
migratória;
3. O luto extremo, o qual não pode ser elaborado; supera as capacidades de adaptação
do sujeito e é nesse estagio que se instaura a Síndrome do Imigrante com Estresse
Crônico e Múltiplo.
Acredita-se ser necessário fazer algumas considerações a respeito da Síndrome do
Imigrante com Estresse Crônico e Múltiplo. Achotegui6 afirma que esta síndrome não é uma
enfermidade mental, mas sim um quadro reativo de estresse que pode se tornar uma doença
mental devido à vulnerabilidade de cada indivíduo ao reagir às condições decorrentes do
processo migratório. Ao propor atendimento para os imigrantes, acrescenta:
5
O processo de reorganização da personalidade que tem lugar quando se perde algo significativo para o sujeito.
Em entrevista para um programa da televisão espanhola, disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=RxvRdIX3C3k, postado em 20/04/2010, acesso em 05/10/2010.
6
34
Podríamos decir que en los casos en los que el estrés crónico se halla emparentado
con patologia psiquiátrica se entremezclan las demandas irreales ligadas a la
patología del sujeto y lãs demandas reales ligadas a la búsqueda humana de ayuda en
las situaciones límite (no todo demandante tiene patología psiquiátrica aunque tenga
varios síntomas, como el caso del Síndrome de Ulises)7 (ACHOTEGUI, 2007, p.
18).
Também considera a importância das redes sociais que dão suporte ao emigrante para
suportar a distância da família, as más condições de moradia, etc. Jorge Soler8, na mesma
fonte citada anteriormente, relata que a má alimentação do emigrante é um fator que pode
desencadear psicopatologias e que está relacionada à necessidade de poupar dinheiro. Em
vários estudos sobre os emigrantes brasileiros (SALES, 1994, ASSIS, 1995; MARGOLIS,
1998, SIQUEIRA, 2009) é demonstrado que comem rapidamente e geralmente substituem o
almoço, característico da alimentação no Brasil, por sanduíches.
Outro ponto a ser destacado é o fato de a Síndrome estar referendada a adaptação do
imigrante quando este chega ao país de destino, pois se acredita que o choque cultural é um
dificultador. Mas, com base nos estudos sobre a migração internacional e considerando que
esta se dá em um processo, acredita-se que a Síndrome pode ser aplicada também no retorno à
terra natal, pois é sabido que a grande maioria dos emigrantes tem dificuldades de readaptar,
mesmo sendo este o seu país de origem (SIQUEIRA, 2006).
Achotegui (2004) apresenta estressores presentes em todo o processo migratório e que
definem a Síndrome. Estes são fatores capazes de desencadear reações de estresse, ameaçando
a integridade física e psíquica do indivíduo. São eles:
Solidão. Muitos dos emigrantes têm de se separar da família e dos entes queridos em
função do projeto migratório, uma vez que muitos são indocumentados e se arriscam por
meios ilícitos para chegar aos EUA. O fato de serem indocumentados impossibilita a vinda ao
Brasil e por conseqüência permanecem longe dos familiares por um longo período. Há relatos
de filhos de emigrantes que são deixados com os avós enquanto os pais (o pai e/ou a mãe)
7
Poderíamos dizer que nos casos que são de estresse crônico são aparentados com a patologia psiquiátrica e
mesclam as demandas irreais ligadas a patologia do sujeito e as demandas reais da busca humana por ajuda nas
situações limite (num todo o demandante tem patologia psiquiátrica com vários sintomas, como o caso da
Síndrome de Ulisses).
8
Psiquiatra espanhol que recentemente escreveu o livro ¿Por qué lloran los inmigrantes?
35
embarcam para os EUA e lá permanecem por anos. Além da falta de documentos, muitos não
têm condições financeiras para vir ao Brasil ou levar consigo os filhos. Pode-se dizer que
vivem uma solidão forçada (ACHOTEGUI, 2004), pois estão presos em território norteamericano: por mais que queiram vir ao Brasil acabam se deparando com a impossibilidade
de sair do território e, caso saiam, dificilmente poderão voltar novamente, devido a condição
de indocumentados da maioria.
De acordo com o relato de Maria, observamos que uma das dificuldades vividas pelos
imigrantes é a solidão, que o acompanha em um país diferente do seu, onde se vêem sós,
longe da família e dos amigos. Durante a entrevista, ela relata o quanto se sentiu sozinha nos
EUA, o que pôde transformar-se em uma dor propriamente dita, uma dor da alma:
“Aquele país é um país muito de solidão, por mais que tem aquele tanto de amigo,
aquele tanto de gente, não é aquela amizade, não é aquelas pessoas que ficam
próximas de você, só nos momentos de festa mesmo que eles estão sempre ali e
quando está mais precisando some tudo. Então dá aquela saudade da família que está
sempre perto nas horas difíceis e lá nunca tem ninguém quando você está sozinho,
sofrendo, precisando não aparece ninguém, muito difícil” (Maria, 26 anos).
Fracasso do projeto migratório. Embora tenha conseguido emigrar para os EUA,
muitos indivíduos parecem sentirem-se fracassados, ora por não conseguirem emprego e
terem o salário pretendido, ora por não ter acesso à documentação necessária para se tornar
cidadão norte-americano. O luto das conquistas frustradas – pois estas se mostram cada vez
mais distantes de serem alcançadas –, as dificuldades de encontrar trabalho, e ainda ter de
sustentar a família que ficou no país de origem, são situações capacitantes de gerar sintomas
referentes à síndrome. Como pudemos observar, este fracasso é percebido também nos
entrevistados. Maria, não conseguiu realizar seu sonho de comprar a casa própria e José
acabou perdendo tudo que havia adquirido:
“A única perda que eu acho é que eu fui com um objetivo que era comprar a minha
casa e não consegui” (Maria, 26 anos).
“Eu vou te falar a verdade até ganhei bem, mas no final perdi foi tudo, o trem andou
tudo do contrário e outra, a gente espera chegar e ta uma coisa, mas você chega e era
outra, eu fiquei todo sem jeito” (José, 53 anos).
36
Como a idéia do retorno está imbricada ao projeto de migrar, o fracasso não se atém
apenas à permanência no país de destino. José, ao retornar à cidade natal, fala da decepção
com relação aos filhos:
“Eu considero que a maior perda em ter ido pra lá, como diz meus meninos, eu sai
daqui eles eram meninos e cheguei eles eram tudo homem. Como se diz, o melhor da
infância deles eu não tive. [...] Eu esperava encontrar os meninos melhor de situação e
chego aqui os meninos devendo. Aquilo me aborreceu demais” (José, 53 anos).
Neste caso, o fracasso de José se deu tanto em sua permanência nos EUA – uma vez
que não alcançou os objetivos propostos por ele – quanto no seu retorno à cidade de origem.
Em relação a esse retorno, o fracasso pode ser percebido como uma perda, que se configura
na sua ausência durante o tempo de emigração.
A luta pela sobrevivência. Este aspecto diz respeito à má alimentação dos emigrantes
e a moradia. A falta de lazer também deve ser levada em consideração. Enviar remessas de
dinheiro ao país de origem faz parte do projeto migratório e, com isso, muitos emigrantes se
submetem a alimentação inadequada em função de economizar para enviar dinheiro ao seu
país. Economizam também nos lugares em que moram, visto que se queixam de aluguéis
exorbitantes; se submetem a morar com diversas pessoas para despenderam menos dinheiro
com o aluguel. O relato de Maria traz a dimensão do quanto o mercado imobiliário é caro na
região em que morava, nos EUA:
“Igual aqui [Brasil, após ter emigrado], moro nesta casa, por exemplo, aqui eu pago
quatrocentos reais na casa. Lá eu pagava no quarto, o quarto é quatrocentos dólares! É
tudo muito diferente; a casa era mil e pouco, aí dividia para todo mundo” (Maria, 26
anos).
Medo. Sabe-se que diversos emigrantes se arriscam nas fronteiras do México com os
EUA movidos pela cultura de emigração, fortemente presente na microrregião de Governador
Valadares. As experiências vividas no trajeto colocam em jogo a integridade física do
indivíduo e deixam marcas, tanto fisicamente quanto psicologicamente. Além disso, durante o
tempo de emigração enfrenta constrangimentos por não dominar a língua, o medo de ser preso
e deportado. Segundo Achotegui, “El miedo se halla relacionado con la vivencia de
situaciones traumáticas, con los peligros para la integridad física. De todos modos, la
37
desesperación puede más que el miedo y estas personas, siguen llegando”
9
(2004, p. 42).
Embora sejam consideradas estas marcas, ainda assim os indivíduos continuam migrando, o
que afirma a forte cultura de migração presente na microrregião de Governador Valadares.
Ainda segundo Achotegui (2004) fatores podem ser potencializados de acordo com a
multiplicidade dos estressores, sua cronicidade, intensidade e relevância, ausência das redes
sociais, além dos chamados estressores clássicos: mudança de idioma, de cultura, de ambiente
físico, etc.
A Síndrome do Imigrante com Estresse Crônico e Múltiplo é caracterizada pela
combinação dos estressores explicitados anteriormente com sintomas variados dentro da
psicopatologia. E mais,
El Síndrome que describimos es un trastorno caracterizado por tener unos estresores
muy específicos y de gran intensidad, así como por poseer una constelación de
síntomas. Si una persona tiene todos los síntomas del Síndrome pero no es ni
inmigrante, obviamente no se le puede diagnosticar este trastorno. Como no se
puede diagnosticar mobbing a alguien que no trabaja o de Trastorno por estrés
postraumático a alguien que nunca há vivido ningún sobresalto10 (ACHOTEGUI,
2004, p. 50).
4.1.1 Sintomas referentes à Depressão
Os transtornos depressivos são considerados como um problema prioritário de saúde
pública, podendo ser considerado uma das causas de incapacidade11 dentre os problemas de
saúde (DALGALARRONDO, 2000).
9
O medo está relacionado com a vivência de situações traumáticas, e os perigos para a integridade física. De
todo modo, o desespero pode mais que o medo e estas pessoas, seguem chegando.
10
A Síndrome que descrevemos é um transtorno caracterizado por ter estressores muito específicos e de grande
intensidade, assim como possuir uma constelação de sintomas. Se uma pessoa tem todos os sintomas da
Síndrome, mas não é emigrante, obviamente não o pode diagnosticar com este transtorno. Como não se pode
diagnosticar mobbing em alguém que não trabalha ou Transtorno por Estresse Pós-traumático em alguém que
nunca tenha vivido nenhum sobressalto.
11
Incapacidade enquanto observado a duração do transtorno, disfunção e sofrimento
38
Segundo Achotegui (2004) os sintomas mais comuns em Transtornos Depressivos são:
tristeza, choro, culpa, idéias de morte. Dalgalarrondo (2000) cita que uma característica
comum dentre os tipos de transtornos depressivos é o humor triste. Também expõe a
ocorrência de uma série de sintomas, muito bem observados e explorados:

Sintomas afetivos: tristeza, melancolia, choro fácil e/ou freqüente, apatia, sentimento
de falta de sentimento, sentimento de tédio, irritabilidade aumentada, angústia ou
ansiedade, desesperança.

Sintomas instintivos e neurovegetativos: fadiga, cansaço fácil e constante,
desânimo, diminuição da vontade, insônia ou hipersonia, perda ou aumento do apetite,
constipação, palidez, diminuição da libido (desejo sexual), diminuição da resposta
sexual (disfunção erétil, por exemplo), anedonia (incapacidade de sentir prazer em
varias esferas da vida).

Sintomas ideativos: pessimismo, idéias de arrependimento e de culpa, ruminações
com magoas antigas, idéias de morte, ideação, planos ou atos suicidas.

Sintomas cognitivos: déficit de atenção e concentração, déficit secundário de
memória, dificuldade de tomar decisões.

Sintomas relativos à autovaloração: sentimento de baixa auto-estima, sentimento de
insuficiência, de incapacidade, sentimento de vergonha e autodepreciação.

Sintomas relacionados à volição e a psicomotricidade: tendência a permanecer na
cama por todo o dia, aumento da latência entre as respostas e as perguntas, lentificação
psicomotora, diminuição da fala, redução da voz, fala lentificada, mutismo
(negativismo verbal), negativismo (recusa a alimentação, interação pessoa, etc.).
Podemos acrescentar outros sintomas, de acordo com a CID-10 (1993): perda de
interesse ou prazer em atividades normalmente agradáveis, falta de reatividade emocional a
ambientes e eventos normalmente prazerosos, acordar pela manhã duas ou mais horas antes
do horário habitual, marcante perda de apetite, perda de peso, marcante perda da libido.
Através das falas de José e Maria, observam-se alguns sintomas indicativos de
depressão, estando nos EUA como também no retorno ao Brasil:
39
“Medo eu não senti, mas tem hora que o trem fica feio... [...] você fica com aquele
barulho da sirene na cabeça direto” (José, 53 anos)
“Chega uma hora que eu estava cansada, eu estava praticamente, eu acho, que até
entrando em depressão e não sabia. Não queria fazer mais nada, não tinha ânimo para
trabalhar, fazer mais nada. botei na minha cabeça, liguei para meus pais e falei que eu
queria vim embora [...]” (Maria, 26 anos).
“É mais o momento assim quando eu chegava do serviço assim em casa, o momento
que a gente ficava mais só assim porque à medida que você está trabalhando ocupando
o seu tempo você não pensa, mas, quando você pára naquele momento assim de
dormir, ficar só sempre vem aquela depressão, aquela angústia, dá vontade de ligar
para os pais, para os amigos, mais essa hora”.
Ao dizer da solidão que sentia nos momentos em que se via sozinha em casa, após um
dia de serviço, permite-nos pensar no que diz Achotegui (2007): é a noite que o imigrante se
percebe só e o momento onde mais reflete sua sobre condição de vida.
Achotegui (2004) completa que muitos dos sintomas de transtornos depressivos são
semelhantes ao da Síndrome de Ulisses, mas em um ponto se diferenciam: os imigrantes não
apresentam apatia frente à vida; tem vontades, buscam condições de vida mais dignas no país
de destino.
Com relação ao retorno dos emigrantes, é possível que o quadro seja diferente. Visto
que muitos se sentem fracassados por não conseguirem atingir seus objetivos, retornam ao
país de origem com muitos sintomas referentes ao transtorno depressivo, inclusive apatia
diante da necessidade de recomeço.
4.1.2 Sintomas referentes à Ansiedade
Ainda para Achotegui (2004), a ansiedade percebida no imigrante se caracteriza por:
tensão, preocupações excessivas e recorrentes, irritabilidade, insônia.
40
De acordo com a CID-10 (1993), os transtornos ansiosos englobam transtornos fóbicoansiosos e suas ramificações, transtorno de pânico, de ansiedade generalizada, misto de
ansiedade e depressão, entre outros, mas apresentam sintomas comuns: palpitações, dores no
peito, sensações de choque, tonturas, sentimentos de irrealidade, medo secundário de morrer,
perder o controle ou ficar louco, nervosismo contínuo, tremores, tensão muscular, sudorese,
sensação de cabeça leve, desconforto epigástrico. É importante salientar que existem muitos
sintomas comuns aos diversos transtornos, sendo necessário seguir diretrizes diagnósticas
referendadas na CID-10 (1993).
As experiências vividas desde a travessia pela fronteira até a permanência nos EUA
sem a documentação necessária e o constante receio de ser preso e deportado até o retorno ao
país de origem favorece o desenvolvimento de alguns sintomas que podem culminar em um
transtorno ansioso, como demonstra a fala de José:
“[...] qualquer um fica com a cabeça, fica apavorado. Quando se chega nos EUA, a
gente não pode ouvir zueira de uma ambulância que achava que era a polícia”.
“[...] a gente fica com essa perseguição. Às vezes você passa em um lugar que eles não
vão mexer [a polícia], mas aí na cabeça a gente fica falando assim „lá vem eles‟”.
O que estaria sentindo José ao relatar estar apavorado? Como lidar com esta sensação
de estar sendo perseguido? As vivências advindas do processo migratório podem ter feito com
que José tenha desenvolvido alguns dos sintomas descritos acima.
4.1.3 Sintomas referentes à Somatização
Para Achotegui (2004), o processo de somatização surge quando falta a palavra ao
indivíduo, ou seja, a situação de estresse em que vive é tão forte que ele acaba por evitar
pensar em seus problemas e, no lugar, surgem sintomas físicos para dar conta daquilo que não
escapa as idéias. “Desde La medicina y La psicologia psicosomática se considera que em lãs
situaciones de estrés muy intenso, cuando el dolor psíquico desborda lãs capacidades de
41
elaboración Del sujeto, hay uma tendencia a la somatización”
12
(ACHOTEGUI, 2007, p. 21).
Segundo esse mesmo autor, cefaléias e fadiga são sintomas presentes no transtorno de
somatização.
Dalgalarrondo compartilha dessa idéia considerando que a somatização é um conceito
amplo e refere-se “ao processo pelo qual um indivíduo usa (consciente ou inconscientemente)
seu corpo ou sintomas corporais para fins psicológicos ou para obter ganhos pessoais” (2000,
p. 199). E ainda acrescenta como sintomas: dores difusas como lombalgias (dores na região
lombar), artralgias (dores nas articulações), dores abdominais, além de cefaléias e sintomas
gastrintestinais.
Como explicita a CID-10 (1993) os Transtornos Somatoformes, dentre eles o
transtorno de Somatização, tem prevalência de sintomas físicos múltiplos, recorrentes e
mutáveis. Os sintomas limitam-se a algumas partes do corpo, sendo ocasionados por eventos
causadores de estresse ou problemas (BERTOLOTE, 1997). Comumente o transtorno de
somatização caracteriza-se por sensações gastrintestinais – dor, náusea, vômito, etc.;
sensações cutâneas anormais – dormência, formigamento, coceira, erupções ou manchas, etc.;
queixas sexuais e menstruais. Embora os sintomas sejam físicos aponta-se como explicação
para o desenvolvimento do transtorno questões psicológicas, conforme esclarece a CID-10 “se
quaisquer transtornos físicos estão presentes, eles não explicam a natureza e a extensão dos
sintomas ou a angústia e a preocupação do paciente” (1993, p. 158).
Maria, em uma de suas falas, conta que sentiu fortes dores nas costas e ao procurar um
médico, o mesmo lhe disse que as dores eram decorrentes de esforço repetitivo.
“Foi só uma vez [procurou assistência médica] e o médico falou que foi exercícios
muito repetitivos, tipo uma tensão que deu. Começou devagarzinho [a dor] e cada dia
que passava ia aumentando. Chegou uma hora que eu não estava conseguindo pegar
nem peso, Deus me livre”.
12
Desde a medicina e a psicologia psicossomática se considera que nas situações de estresse muito intenso,
quando a dor psíquica transborda as capacidades de elaboração do sujeito, há uma tendência para somatização.
42
Durante as entrevistas pudemos perceber que o momento em que surgiram as dores foi
compatível ao planejamento de retornar ao Brasil. Assim, pode-se questionar até que ponto
essas dores são apenas físicas, desconsiderando os aspectos psicológicos em questão.
Achotegui (2007) acrescenta que um sintoma físico da somatização potencializa um
outro devido ao fato de que o aspecto físico e mental do indivíduo favorece a combinação de
sintomas também físicos e psicológicos; recorre à cultura não ocidental para ilustrar a ligação
entre mente e corpo:
Además se ha de señalar que las somatizaciones también se potencian unas a otras:
el insomnio favorece la cefalea, la fatiga… y que en el caso de los inmigrantes como
es bien sabido las culturas no occidentales consideran que lo físico y lo mental
constituyen una única realidad, frente al planteamiento dualista occidental. Ya
Platón sostiene que el cuerpo es la cárcel del alma, pero las culturas no occidentales
aúnan lo físico y lo mental por lo que se favorece la combinación de los síntomas
físicos y psicológicos13 (ACHOTEGUI, 2007, p. 21).
4.1.4 Sintomas referentes à Área Confusional
Achotegui (2004) ressalta sensações de lapsos de memória, de atenção, sentir-se
perdido, desorientação temporal, etc., como sintomas ligados à área confusional. Acrescenta
ainda que esses sintomas podem aparecer devido a condição do imigrante de ter que fazer-se
invisível, mudar de nome, fugir da polícia por medo de ser deportado, dentre outras situações
causadoras de estados confusionais.
A partir dos sintomas descritos por Achotegui, percebemos semelhança com a
classificação da CID-10 (1993) Reação Aguda a Estresse, a qual se caracteriza por estado
inicial de “atordoamento”, com estreitamento do campo de consciência, diminuição da
atenção, incapacidade de compreender estímulos e desorientação. Este atordoamento pode ser
visto através da fala de Maria e José, logo que retornaram ao Brasil:
13
Além disso, deve-se notar que as somatizações também se reforçam mutuamente: a insônia favorece a dor de
cabeça, a fadiga... e que, no caso dos imigrantes, como é bem conhecido, as culturas não-ocidentais consideram
que o físico e mental constituem uma única realidade, frente ao pensamento dualista ocidental. Já Platão sustenta
que o corpo é o cárcere da alma, mas as culturas não-ocidentais unem o físico e mental pelo o que favorecem a
combinação dos sintomas físicos e psicológicos.
43
“Eu fiquei praticamente meio chocada. Eu saía com minhas amigas em bares para
comemorar, todo mundo conversando e eu ficava assim meio voada e as meninas
„Maria, aterrissa! ‟. Parece que eu não acreditava muito que eu estava aqui no Brasil.
Por mais que eu já morei aqui, mesmo assim, acho que é um baque que você toma, é
um choque, querendo ou não. Eu nem sei explicar como é que é a reação direito, mas,
eu ficava meio avoada no tempo” (Maria, 26 anos).
“[...] a gente acha aqui estranho, porque acostumamos lá, com a vida de lá, as pessoas
aqui são bem diferentes, então fiquei meio abobado. As pessoas falaram assim que eu
estava me escondendo e que parecia que eu estava com trauma” (José, 53 anos).
Os relatos demonstram que o estado confusional pode ser percebido também no
retorno. Embora tenha vivido grande parte de sua vida em sua terra natal, assimila os
costumes do outro país, e assim, torna-se imigrante na própria terra.
Os sintomas apresentados acima fazem parte, segundo Achotegui (2004) da chamada
Síndrome do Imigrante com Estresse Crônico e Múltiplo e, conforme pudemos observar, seu
aparecimento está intimamente ligado à questões culturais. Sendo a cultura um padrão de
significados transmitido historicamente, incorporado em símbolos, por meio das quais os
homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em
relação à vida (DALGALARRONDO, 2000), tem grande influência nas variáveis sociais que
favorecem o desenvolvimento de psicopatologias. Ainda de acordo com este autor há um
crescente interesse pelo estudo que as variáveis socioculturais exercem sob a manifestação de
síndromes psicopatológicas; dentre essas variáveis cita a migração. Os transtornos descritos
neste trabalho mostram a ligação entre questões sociais e culturais e o desenvolvimento de
quadros psicopatológicos, como reação ao estresse ocasionado pelos estressores sociais
presentes no processo migratório.
44
5 RETORNO À CONDIÇÃO DE EMIGRANTE: UMA POSSIBILIDADE?
Diversos autores propõem uma análise do processo migratório partindo da idéia de
transnacionalização, considerando que o emigrante mantém vínculo e relações sociais com o
país de origem, através dos meios de comunicação, e também estabelece vínculos com o país
hospedeiro, conforme explica Siqueira (2008) ao utilizar o termo transmigrantes referindo-se
àqueles emigrantes que vivem em dois mundos, mantendo relação com duas sociedades, o
local e o global.
O sentimento de não pertencimento nem ao país de origem e nem ao país hospedeiro
provoca no emigrante uma ambigüidade quanto desejo de retornar às suas origens e o de
permanecer próximo as oportunidades que o estrangeiro lhe oferece. Siqueira (2006) apud
Assis (1995) descreve essa ambigüidade como o estar aqui e estar lá, não fazendo do migrante
um permanente, pois seu projeto é retornar a cidade de origem, portanto faz investimento, e
também não é um temporário, pois nessa ambigüidade assimila os costumes e valores do país
para o qual emigrou. Faz-se importante ressaltar a existência de alguns tipos de retorno frente
ao projeto de migrar, composto por quatro pontos, conforme cita Siqueira (2008): ir – ganhar
dinheiro – retornar – investir. Os tipos de retorno são:

Retorno temporário: o emigrante define os EUA como o lugar para ele viver; lá tem
seu trabalho, sua família, seus investimentos. Nao tem a preocupaçao juntar dinheiro e
retornar ao Brasil, a não ser para alguma ocasião especial, como férias; mandam
dinheiro para ajudar a família.

Retorno contínuo: o emigrante que retornou ao país de origem, investiu e nao obteve
sucesso. Assim, emigra novamente, por diversas vezes, mantendo sempre o projeto de
retorno. Sujeita-se a condiçoes de vida muito restritas objetivando juntar mais dinheiro
para investir no país de origem.

Retorno permanente: o emigrante retorna ao seu país de origem, onde consegue se
readaptar, não estando em seus planos emigrar novamente.

Transmigrante: o migrante que vive nos dois países, portanto é documentado e
mantém sua residência, investimentos e vida social tanto no país de sua origem quanto
naquele para o qual emigrou.
45
Conforme expõe Siqueira (2008)
[...] podemos afirmar que la emigración de valadarenses para los EEUU ha
provocado cambios tanto en el origen como en el destino. El regreso, elemento
siempre presente en el proyecto migratorio, asume distintas formas, algunos retornan
definitivamente para el punto de partida, otros eligen el punto de destino como su
local definitivo de residencia, otros terminan por vivir un proceso continuo de
retorno y otros pasan a vivir en los dos lugares, se tornan transmigrantes14 (p. 25).
Assim, o retorno à condição de emigrante diz, muitas vezes, de um projeto migratório
que fracassou. A tentativa de voltar a emigrar se mantém na busca por um padrão econômico
elevado e construído em um curto espaço de tempo. Quando perguntado aos entrevistados
sobre a possibilidade de retornar aos EUA, a resposta é acompanhada de incertezas e dúvidas,
conforme mostra a fala de Maria, que emigrou apenas uma vez:
“Eu acho que eu não sei... Se me perguntar “você voltaria pelo México? Eu não sei te
responder se eu voltaria...” (Maria, 26 anos).
“[...] eu não sei te dizer, acho que uns 90% que eu não voltaria... não sei...”. (Maria, 26
anos).
“Depende muito, ainda mais agora que eu tenho noção de como que é a ida para lá.
Então eu acho que dessa vez eu ia ficar mais esperta com os mexicanos” (Maria, 26
anos).
Nas falas de Maria pode-se perceber o quanto a cultura da migração está presente na
vida dos valadarenses a ponto de ressignificar as experiências vividas durante a travessia
ilegal para os EUA e também no país, permanecendo o desejo por emigrar. Os riscos pelos
quais teve de passar transformam-se em um fator motivador para emigrar novamente, pois
tendo passado por tudo acredita ter conhecimento para enfrentar uma nova aventura.
Diante do exposto, percebe-se que na impossibilidade de voltar à condição de
emigrante, muitos valadarenses optam por estar aqui e estar lá (ASSIS, 1995), ou seja, alguns
14
[...] podemos afirmar que a emigração de Valadarenses para os EUA tem provocado mudanças tanto na origem
quanto no destino. O retorno, elemento sempre presente no projeto migratório, assume diferentes formas, alguns
retornam definitivamente para o ponto de partida, outros escolhem o ponto de destino como seu local definitivo
de residência, outros acabam vivendo um processo contínuo de retorno e outros passam a viver nos dois lugares,
se tornando transmigrantes.
46
tornam-se transmigrantes. Outros, após retornarem a cidade natal, tentam se readaptarem, pois
não vêem possibilidade de retornar ao exterior. Assim, seguem vivendo em tamanha
indecisão, o que pode comprometer seu aspecto psicológico.
47
6 PROGRAMA DE APOIO AO EMIGRANTE RETORNADO
Diante dos estudos realizados sobre o processo migratório na região percebe-se que
suas conseqüências para a saúde do emigrante devem ser consideradas, pois para cumprir com
seu objetivo – ir, juntar dinheiro, retornar e investir – o emigrante deve estar preparado para
as adversidades que encontrará pelo caminho, principalmente no retorno, quando terá de
investir financeiramente em um empreendimento para toda a sua vida. Assim, as variáveis
psicológicas envolvidas em seu retorno desempenham papel importante nos seus
investimentos e, portanto, acredita-se ser fundamental criar programas que apóiem o
emigrante na ocasião do retorno.
Falar em um programa que sustente as variáveis emocionais advindas na mudança de
rotina do sujeito que emigra, é falar tão necessariamente em políticas públicas, visto que,
entende-se por este conceito as ações coletivas voltadas para a garantia dos direitos sociais,
onde se visa um compromisso com o público a fim de dar conta de uma determinada
demanda.
Sabe-se que uma política pública conseqüente não se confunde com ocorrências
aleatórias, motivadas por pressões específicas ou conjunturais; não se confunde
também com ações isoladas, carregadas de boas intenções, mas que não têm
conseqüência exatamente por não serem pensadas no contexto dos elos da cadeia
criação, formação, difusão e consumo. Ou seja, uma política pública exige de seus
gestores a capacidade de saber antecipar problemas para poder prever mecanismos
para solucioná-los. Ter um planejamento de intervenção num determinado setor
significa dar importância a ele, e não, como parecem acreditar alguns, cometer uma
ingerência nos conteúdos da produção. Significa, isto sim, o reconhecimento, por
parte dos governantes, do papel estratégico que a área tem no conjunto das
necessidades da nação (BOTELHO, 2001).
Segundo Souza (2006), o termo política pública não tem um conceito apenas; deve ser
definido de acordo com a análise da demanda de cada região. Portanto, são várias as
definições para este tema:
Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o
governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980), como um conjunto de
ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo
veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente
ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza
a definição de política pública como “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”.
48
A definição mais conhecida continua sendo a de Laswell, ou seja, decisões e análises
sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê,
por quê e que diferença faz (SOUZA, 2006, pág. 24).
No entanto saber conceituar políticas públicas em um único e preciso conceito não é
uma tarefa fácil, nem tão pouco implantá-la em um determinado local de acordo com as
demandas necessárias, pois esta depende de fatores externos ao governo, que, a partir da
necessidade da população, esta busque pelos direitos de cidadãos, para então, criar programas
que sustente ou priorize os problemas da sociedade, e de fatores internos ao governo, que é a
forma dos políticos de como olhar para os problemas existentes e, com isso, tentar solucionálos, criando várias formas de fazer políticas públicas.
Apesar da criação dos programas de políticas públicas ficarem por conta dos governos
em questão, não se deve a implantação destes, somente ao Estado, uma vez que a existência
de grupos de interesses e os movimentos sociais também possuem capacidades para a criação
de políticas públicas que interferem no desenvolvimento de uma sociedade, descentralizando
a autonomia dos governos.
Visões menos ideologizadas defendem que, apesar da existência de limitações e
constrangimentos, estes não inibem a capacidade das instituições governamentais de
governar a sociedade (PETERS, 1998: 409), apesar de tornar a atividade de governar
e de formular políticas públicas mais complexa (SOUZA, 2006, p. 27).
Existem diversos modelos para se fazer políticas públicas, de acordo com a demanda
da sociedade. Para cada tipo de demanda existente e dependendo de como se desenvolve a
criação de políticas públicas em determinada sociedade, há um modelo de resolução dos
problemas enfrentados pelos cidadãos e seu governo no meio social. Para tentar solucionar o
problema trazido pelo retorno dos emigrantes à sua terra natal, buscamos entender um modelo
de política pública, trazido por Souza (2006), chamado Arena Social. Esta nos chama a
atenção para uma iniciativa dos conhecidos como empreendedores políticos (policy makers)
que devem estar atentos às necessidades da população e se conscientizem de que algo precisa
ser feito.
É quando os policy makers do governo passam a prestar atenção em algumas
questões e a ignorar outras. Existiriam três principais mecanismos para chamar a
atenção dos decisores e formuladores de políticas públicas: (a) divulgação de
indicadores que desnudam a dimensão do problema; (b) eventos tais como desastres
49
ou repetição continuada do mesmo problema; e (c) feedback, ou informações que
mostram as falhas da política atual ou seus resultados medíocres. Esses
empreendedores constituem a policy community, comunidade de especialistas,
pessoas que estão dispostas a investir recursos variados esperando um retorno
futuro, dado por uma política pública que favoreça suas demandas. Eles são cruciais
para a sobrevivência e o sucesso de uma idéia e para colocar o problema na agenda
pública (SOUZA, 2006, p. 13).
O modelo de política pública, chamado Arena Social, de acordo com Souza (2006),
analisa a partir dos estudos de situações verídicas a conexão entre estruturas presentes e as
ações realizadas, bem como as estratégias, constrangimentos, identidades e valores de cada
localidade juntamente com o trabalho realizado com os seus participantes. Baseia-se no
trabalho de grupo, mas principalmente na troca das experiências vividas pelos participantes,
ajudando-os mutuamente. Entende-se ser o modelo de política pública adequado para o
cuidado em relação a emigrantes retornados, visto que este modelo considera o vínculo nas
relações interpessoais, além de priorizar também o relato do vivido, ou seja, das vivências no
exterior. Pensamos ser de grande importância para emigrantes retornados o convívio com
pessoas que passam por problemas iguais ao seu, podendo com isso existir uma troca de
informações positivas que irá trazer novos olhares para o indivíduo em situação de
desesperança.
De acordo com o exposto acima, propõe-se a criação de políticas públicas que
amparem o emigrante quando este decide retornar à sua terra natal. Durante décadas pôde-se
perceber o grande fluxo migratório de valadarenses para os EUA e, atualmente, registrou-se
queda acentuada no número de indivíduos que emigram devido a maior fiscalização por parte
da receita federal e também a instabilidade na economia norte-americana e européia, que
provocou a intensificação do movimento de retorno dos emigrantes (SIQUEIRA, 2009). O
certo é que maior atenção deve ser dispensada aos emigrantes que retornam, visto que em
condições não pretendidas, ou seja, sem alcançar seus objetivos, produz constrangimento e
um sentimento de derrota. Muitos relatam encontrarem-se perdidos, sem ação e ainda com
dificuldades de estabelecer uma nova vida já que as lembranças guardadas do seu país em
nada se assemelham a situação real encontrada no retorno, como demonstra a fala de José:
“A gente fica meio que por fora de tudo, quando chega aqui, então, você custa a voltar
ao lugar, eu cheguei e fui comprar um maço de cigarro, falei assim: o trem aqui tá é
bom, tá barato, porque lá o maço de cigarro custa $U 7,00 e aqui custa R$ 3,00 [...] aí
depois que eu fui ver que aqui tá pior do que lá mil vezes” (José, 53 anos).
50
O que se percebe em Governador Valadares e Microrregião é que não há política
pública que considere os aspectos psicológicos desses indivíduos. Acreditamos, diante do
estudo do fenômeno migratório na região, que torna-se difícil fazer investimentos ou pensar
em novas possibilidades de vida quando há um comprometimento psicológico. Daí a
necessidade de um programa que os auxilie, dando suporte não só psicológico, mas também
social e econômico.
Partindo desse princípio, discorremos a respeito de um modelo proposto pelo
psiquiatra Joseba Achotegui15 (2007) chamado de relação terapêutica estendida ou ampliada.
Para este autor, o imigrante que desenvolve a Síndrome demanda cuidados que vão além do
modelo médico ou psicoterapêutico clássicos – centrados apenas nos aspectos biológicos e de
existência humana – necessitando, por vezes, de um olhar voltado para a demanda social, com
a qual profissionais da área da saúde aparentam despreparados para lidar – possivelmente por
falta de formação especifica. Assim,
La actividad clínica y asistencial con personas que viven situaciones de estrés
crónico y exclusión social, especialmente inmigrantes que padecen rupturas
familiares forzadas, lucha por la supervivencia, situaciones de miedo e indefensión,
etc, nos muestra que la relación que establecen con los profesionales que les ayudan
(médicos, psicólogos, psiquiatras, trabajadores sociales, personal de enfermería…)
posee características especiales16 (ACHOTEGUI, 2007, p. 17).
Uma característica especial nesta relação é a intensidade da interação entre aquele que
procura a ajuda (chamado por Achotegui de „demandante‟) e o profissional, afim de que possa
aparecer junto à demanda explícita, também a demanda implícita para atendimento. Portanto,
é uma relação terapêutica diferenciada à medida que profissional e paciente interagem com
mais intensidade do que em uma relação terapêutica comum, traduzido por Achotegui (2007):
Sin un vínculo afectivo, sin una confianza enque el profesional puede ayudar a la
persona que padece una situación de estrés crónico, en que la persona que ayuda es
alguien que tiene la capacidad personal y “técnica” de hacerse cargo de su problema,
es muy difícil ni siquiera comenzar cualquier tipo de intervención o tratamiento qual
15
Defensor da existência da Síndrome do Imigrante com Estresse Crônico e Múltiplo ou Síndrome de Ulisses.
A atividade clínica e assistencial com pessoas que vivem situações de estresse crônico e exclusão social,
especialmente imigrantes que padecem rupturas familiares forçadas, luta pela sobrevivência, situações de medo e
indefeso, etc., nos mostra que a relação que estabelecem e os profissionais que lhes ajudam (médicos,
psicólogos, psiquiatras, trabalhadores sociais, enfermeiros...) possuem características especiais.
16
51
torna possível “un espacio privilegiado de relación donde se expresa mejor que en
ninguna parte esta queja17 (ACHOTEGUI, 2007, p. 24).
É preciso ressaltar que essa intensidade da interação deve respeitar a neutralidade
terapêutica, ou seja, deve manter um vínculo profissional com o paciente, não confundindo,
por exemplo, com relação de amizade.
Não cabe aqui descrever todos os aspectos envolvidos neste modelo terapêutico,
basicamente porque ele foi proposto para receber os imigrantes no país de destino, servindo
apenas de exemplo de que é possível criar meios para amparar o indivíduo que e/imigra,
partindo das políticas públicas em torno da questão. Mas, é possível basear-nos neste modelo
para dar suporte ao emigrante retornado, que chegando a sua terra natal tem de se haver com
questões semelhantes à quando chegou ao país de destino, como inserção no mercado de
trabalho, (re) adaptação a hábitos e costumes, fuso horário, economia, bens de consumo, etc.
Para a criação de serviços que amparem o emigrante é preciso considerar as ações
políticas voltadas para o processo migratório, pois, caso contrário, corre-se o risco de fixar
ajuda em remédios – para tratar os sintomas – ou nem isso, apenas perceber a dimensão
econômica deste processo – os investimentos decorrentes do projeto de emigrar. Conforme
explicita Pussetti,
Escassa foi a reflexão, todavia, sobre a possibilidade de que as próprias políticas
migratórias e sanitárias constituam factores de risco e patologia: as constrições
políticas, sociais e económicas que bloqueiam os imigrantes nas margens da
sociedade de acolhimento são completamente esquecidas nos encontros clínicos com
os utentes imigrantes (2009, p. 37).
Percebe-se, portanto, que uma política destinada ao emigrante, capaz de abarcar todos
os aspectos de sua vida, faz-se mais eficaz para sua readaptação cultural, econômica e social.
Através das entrevistas realizadas com psicólogos clínicos de Governador Valadares e
microrregião, constatamos que são poucos os emigrantes que procuram ajuda psicológica, o
17
Sem um vínculo afetivo, sem uma confiança em que o profissional pode ajudar a pessoa que padece de uma
situação de estresse crônico, em que a pessoa que ajuda é alguém que tem a capacidade pessoal e “técnica” de
entender seu problema, é muito difícil até começar qualquer tipo de intervenção ou tratamento que torna possível
“um espaço privilegiado de relação aonde se expressa melhor que em qualquer lugar esta queixa
52
que não quer dizer que esses emigrantes não apresentem algum tipo de patologia. Uma
explicação para tal pode estar ligada à falta de conhecimento a respeito do que têm, buscando
apenas ajuda médica, ou a baixas condições econômicas, ou mesmo por questões culturais de
que quem procura ajuda psicológica é tido como louco.
Dentre os emigrantes que procuram ajuda deste tipo, os profissionais relataram como
mais comum a ocorrência de diagnósticos de depressão, ansiedade e quadros de estresse
devido a dificuldade de readaptação. O tratamento indicado foi psicoterapia, mostrando
também o despreparado dos profissionais em lidar com emigrantes retornados, despreparado
esse considerado por Achotegui (2007) como um problema, pois “si el profesional no
entiende la situación, el mecanismo psicológico que la provoca, habrá problemas porque lo
interpretará como un ataque personal y puede reaccionar inadecuadamente” 18 (p. 19).
Consideramos que o trabalho do psicólogo é importante dentro das políticas públicas
para a equipe multidisciplinar, uma vez que é preciso preparar os profissionais que
necessitarão lidar com os problemas trazidos pelo retornado, visto que estes problemas são
também de ordem social e econômica. No que se refere ao emigrante, também se faz relevante
a presença de psicólogos no acolhimento aos retornados, uma vez que são profissionais
preparados para lidar com indivíduos em sofrimento. Contudo, salientamos a importância da
Psicologia como integrante das ações de política pública voltada para o emigrante a fim de
tornar o trabalho mais humanizado, ou seja, considerando o indivíduo em seu aspecto
biopsicossocial.
18
Se o profissional não entende a situação, o mecanismo psicológico que lhe provoca, haverá problemas porque
o interpretará como um ataque pessoal e pode reagir inadequadamente.
53
7 CONCLUSÃO
A migração internacional é um fenômeno de extrema importância para a sociedade no
âmbito político, econômico e social, pois é crescente o número de pessoas que migram em
busca de uma vida melhor.
Na região de Governador Valadares existe um fluxo migratório para os EUA
significativo. Há uma explicação histórica para tal fenômeno que data da década de 1940 com
a construção do imaginário popular da idéia deste país como um local de riqueza; idéia essa
formada a partir da chegada dos americanos que aqui se estabeleceram para a exploração da
mica e ampliação da estrada de ferro Vitória a Minas. Nos anos de 1960, a partir das notícias
trazidas pelos primeiros intercambistas da escola de inglês criada por uma família de
americanos que permaneceram na cidade, os primeiros jovens valadarenses emigram com o
visto de trabalho. Tem aí o início da formação das redes que ao longo dos anos de 1960 e
1970 se expandiram. O vínculo formado com os EUA tornou-se possível através dessas redes
sociais estabelecidas nesse período.
O projeto de migrar tem alguns pontos que merecem destaque. Primeiramente,
envolve o movimento de saída rumo ao país de destino, no qual o indivíduo é influenciado
pelo ideal coletivo de que aquele é um país de possibilidades. Dentre essas possibilidades
inclui-se ganhar dinheiro de forma rápida para assim retornar ao país de origem e fazer
investimentos, como a compra de imóveis, carro, abertura de estabelecimentos comerciais,
entre outros.
Nem sempre o retorno apresenta-se de forma positiva. De acordo com a revisão
bibliográfica e os dados coletados, há um sentimento de estranhamento com relação à cidade
natal, pois, devido às mudanças ocorridas na cidade, esse emigrante não se encaixa mais nos
costumes e valores da sociedade na qual fazia parte antes de emigrar. Em decorrência das
experiências vividas no país de destino, ao retornar, alguns indivíduos apresentam transtornos
psicológicos que dificultam sua readaptação ao país de origem. É preciso dizer que estes
transtornos têm início ainda no país de destino, em decorrência de condições de vida
estressantes em função da necessidade de juntar dinheiro para retornar o mais rápido ao
54
Brasil. Além disso, os emigrantes indocumentados têm de conviver com a ilegalidade,
desafiando as leis, pois têm de dirigir sem carteira de habilitação, às vezes usar nome falso
para ter acesso a serviços de saúde, o que gera uma situação de estresse e medo no seu dia a
dia. Os documentados sentem-se marginalizados pela sociedade norte-americanos uma vez
que sempre serão vistos como estrangeiros e terão certos constrangimentos.
Através das entrevistas realizadas, destacamos os seguintes transtornos psicológicos
desenvolvidos nos emigrantes retornados: depressão, ansiedade, somatização e sintomas
referentes a área confusional. A Síndrome de Ulisses ou Síndrome do Imigrante com Estresse
Crônico e Múltiplo, explanada por Achotegui (2004), acreditando ser um indicativo do que
ocorre com os emigrantes retornados na região de Governador Valadares. Assim, pode-se
pensar na semelhança entre as características descritas nesta Síndrome e a realidade do
processo migratório local uma vez que os sintomas apresentados na Síndrome correspondem
aos percebidos nos emigrantes retornados à região, ou seja, tristeza, angústia, desânimo, perda
ou aumento do apetite, sentimento de baixa auto-estima, insônia, dores físicas difusas, dentre
outros já descritos anteriormente.
As entrevistas realizadas com psicólogos clínicos da região nos possibilitaram
constatar a ocorrência de transtornos psicológicos, apenas em emigrantes retornados que
buscaram ajuda deste profissional. Constatamos que há um grande número de retornados que
não procuram o serviço de Psicologia, atentando-se somente aos cuidados médicos.
Acreditamos que maior atenção deve ser dispensada aos emigrantes que retornam,
pois, sem alcançar os objetivos pretendidos, apresentam constrangimento e um sentimento de
derrota, podendo comprometer sua readaptação, pois não se identifica com aqueles que
permaneceram em sua terra natal, vivem costumes e hábitos diferenciados, traduzidos no
sentimento de estranhamento e não pertencimento àquele meio social.
O que se percebe em Governador Valadares e Microrregião é que não há um programa
de política pública que considere, fundamentalmente, os aspectos psicológicos desses
indivíduos. Acreditamos, diante do estudo do fenômeno migratório na região, que se torna
difícil fazer investimentos ou pensar em novas possibilidades de vida quando há um
55
comprometimento psicológico. Daí a necessidade de um programa que os auxilie, dando
suporte psicológico, pois se sabe que há projetos voltados para os investimentos econômicos
advindos do retorno.
Achotegui (2007) propõe um modelo de atenção ao imigrante, ou seja, àquele
estrangeiro instalado em seu país, voltado para os cuidados médicos, psicológicos e também
para a demanda social (relacionados à documentação pessoal, reinserção ao mercado de
trabalho, orientações de investimentos financeiros, entre outros). A partir disso, sugerimos a
adequação deste modelo para a realidade local uma vez que os emigrantes retornados também
necessitam de amparo para melhor readaptação, considerando as especificidades deste
território como cultura, idioma, aspectos sociais, hábitos de vida.
Diante disso, o atendimento psicológico ao emigrante no retorno é necessário e
importante, assim como a criação de políticas públicas que atendam a essa parcela da
população da cidade e região. É importante sensibilizar as instituições e órgãos públicos sobre
a necessidade desse atendimento psicológico ao retornado. Promoção de psicoterapia de
grupo e/ou individual, oficinas, arteterapia, juntamente a uma equipe multidisciplinar, é um
caminho rumo à humanização, a valorização desses sujeitos que migram e retornam à cidade
natal com graves problemas de saúde.
Sendo assim, diante do objeto central deste trabalho, destacar os transtornos
psicológicos que afetam os emigrantes no retorno à terra natal e a atuação do psicólogo
clínico no tratamento desses transtornos, acreditamos ser de extrema importância um olhar
diferenciado frente ao emigrante. Sabemos que este é um estudo qualitativo com limitação
para realizar generalizações, contudo, baseado na bibliografia utilizada que reforça os dados
empíricos coletados nesse estudo, podemos afirmar que esses transtornos psicológicos são
graves e acometem grande parte dos emigrantes. Por essa razão, consideramos que políticas
públicas que busque atender esses emigrantes de forma integral, incluindo suas demanda por
saúde psicológica se fazem extremamente necessárias na região. As implicações do seu
retorno trazem conseqüências para sua própria identidade – desenvolvimento de transtornos
psicológicos – assim como para toda a sociedade.
56
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2010.
59
ANEXO(S)
60
ANEXO A – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM EMIGRANTES RETORNADOS
Identificação dos entrevistados
1. Nome:
2. Data da entrevista:
3. Sexo:
4. Idade quando emigrou:
5. Idade Atual:
6. Estado civil quando emigrou:
7. Estado civil atual:
8. Grau de instrução:
9. Ano da emigração:
10. Ano do retorno:
11. Atividade profissional quando emigrou:
12. Atividade profissional atual:
13. Tempo de permanência no exterior:
14. Para qual país emigrou:
INTRODUÇÃO
Bom dia (tarde ou noite)! Hoje são 10 de março de 2010, quarta-feira. Nós somos estudantes
de Psicologia da Univale, Lídia e Líbia, e estamos pesquisando sobre como é a vida no
exterior e o retorno ao Brasil; gostaríamos de entrevistá-lo (a) e conhecer sua experiência
migratória. Para tanto, precisamos de sua autorização para gravar esta entrevista.
I – PERÍODO DA INFÂNCIA
1. Conte como foi sua infância.
Probe: Onde morava? Quais as brincadeiras faziam? Quem eram seus amiguinhos?
Quantas pessoas moravam com você? Quem eram elas?
2. Quais as lembranças que você tem de sua infância em relação à situação financeira?
Prove: Tinha os brinquedos que desejava? Que tipo de lazer a família tinha? Quais são os
sabores e cheiros que você mais lembra dessa época?
61
3. Como era a escola?
Probe: Onde estudava? Como era seu desempenho? Qual era participação da família na
sua vida escolar? Quais são as melhores lembranças da escola? E as piores?
4. Quais as lembranças que você tem sobre a vida em outros países?
Probe: Na sua infância conhecia alguém que tinha emigrado? O que você pensava, nessa
época, a respeito disso?
II – PERÍODO DA ADOLESCÊNCIA
5. Quais são as lembranças mais felizes que você tem de sua adolescência?
Probe: Em relação aos amigos? A família? A escola? A cidade? Como eram as condições
financeiras de sua família nessa época?
6. Quais os projetos você tinha nesse período?
Probe: Em relação aos estudos? Ao trabalho? A constituição família?
7. Nessa época o que você pensava sobre emigrar para o exterior?
Probe: Conhecia alguém que tinha emigrado? Como você imaginava que era a vida em
um outro país?
III – EXPERIÊNCIA MIGRATÓRIA
8. Como era sua vida antes de emigrar?
Probe: Qual era sua situação financeira? Como era sua vida familiar e afetiva? Sua vida
religiosa? Seu trabalho? Seus estudos?
9. Quando foi que você pensou em emigrar pela primeira vez?
Probe: Conte como foi a organização da viagem, a participação da família. Qual era seu
principal objetivo? Conhecia alguém para o país aonde ia?
62
10. Como foi a viagem para o exterior?
Probe: Conte os detalhes: como foi a despedida da família e dos amigos, onde pegou o
avião, o que sentia durante a viagem, o que tinha mais medo?
11. Como foi chegar num país estrangeiro?
Probe: Tinha alguém te esperando? Descreva o sentimento que teve ao chegar? Qual foi
sua primeira impressão do país? Do que teve mais medo?
12. Conte como foi sua vida nesse país?
Probe: Onde e como morava? Como era o trabalho? Que tipo de lazer tinha? Quem eram
seus amigos?
13. Como era seu contato com o Brasil?
Probe: Com quem conversava? Sobre o que conversava? Com que freqüência?
14. O que mais te incomodava nesse país? O que mais sentia falta?
Probe: Como era sua relação com os nativos? Com seu patrão? Com os brasileiros?
15. Durante o tempo de permanência no exterior procurou algum profissional da saúde?
Probe: Qual foi o motivo?
16. Você sentia angústia? Depressão? Tristeza?
Probe: Quando sentia isso? O que fazia? Por que acha que sentia isso?
17. O que você considera que foi seu maior ganho com a migração?
Probe: Fale mais sobre isso
18. O que você considera que foi sua maior perda com a migração?
Probe: Fale mais sobre isso
IV – O RETORNO
19. Quando você decidiu retornar e por quê?
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Probe: Conte com detalhes como foi o planejamento do retorno. Quais as expectativas
você tinha? O que esperava encontrar? O que você mais sentia de estar deixando para
trás?
20. Como estava sua saúde quando decidiu retornar?
Probe: Tinha alguma doença? Sentia algum medo? Angústia?
21. Qual foi sua sensação quando chegou à cidade natal?
Probe: O que sentiu? O que achou do que viu? Como foi sua recepção em relação à
família e aos amigos?
22. O que você mais achou estranho, diferente?
Probe: Fale mais sobre isso.
23. Teve dificuldades para se readaptar?
Probe: Fale mais sobre isso.
24. Como estava sua saúde? Procurou algum profissional da saúde quando retornou?
Qual?
Probe: Fale mais sobre isso.
25. Quando retornou ou depois de algum tempo sentiu tristeza, medo, angústia,
depressão?
Probe: Fale mais sobre isso.
V – FINALIZAÇÃO DA ENTREVISTA
Gostaríamos de agradecer a sua disponibilidade em contribuir para nossa pesquisa, de
forma tão positiva; seremos sempre gratas pela atenção!Gostaríamos de saber também se
há possibilidade de nos vermos novamente, caso alguma questão necessite ser esclarecida.
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ANEXO B – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM PSICÓLOGOS CLÍNICOS
1. Qual a demanda para atendimento de pessoas que emigraram do exterior nos últimos
quatro anos?
2. Diante dessas pessoas, qual diagnóstico você pôde constatar?
3. Qual o tratamento realizado para cada diagnóstico?
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