Pensamento do Dia Economistas analisam a Economia, o Brasil e o mundo, mundo, na mídia diária 10 06 2010 ------------------------------------------------------------------Folha de S.Paulo - 10/06/2010 Juros básicos vão a 10,25%; mercado prevê novas altas Por unanimidade, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) elevou pela segunda vez seguida os juros básicos, de 9,50% para 10,25% ao ano. A alta ficou dentro da expectativa do mercado, que prevê novos aumentos neste ano. A taxa básica é só referência; na prática, os juros são bem maiores. Aumento da Selic deverá prosseguir, mas poderá não ser tão drástico FERNANDO SAMPAIO ESPECIAL PARA A FOLHA A decisão do BC de elevar os juros para 10,25% ao ano confirmou a previsão quase unânime dos profissionais que se dedicam ao ofício de antecipar os passos da autoridade monetária. Ante a velocidade com que a demanda doméstica vinha crescendo (atestada pelos dados do PIB do 1º trimestre), as surpresas adversas na inflação dos primeiros meses do ano e, sobretudo, a piora das expectativas de inflação, não restava dúvida sobre como o BC tenderia a reagir. Mas, observando o passado recente e as perspectivas de evolução desses elementos acima citados, vislumbra-se algum alívio das pressões inflacionárias à frente. Pelo lado da inflação corrente, já em maio houve desaceleração do IPCA, associada em parte à "devolução" de fortes altas que os preços dos alimentos e do etanol tiveram no início do ano. E esperam-se taxas mensais mais moderadas pelo menos até outubro. Quanto à demanda doméstica, há que lembrar que, ao encerrar-se o 1º trimestre, terminou a vigência das reduções de imposto que estimulavam a compra de automóveis e eletrodomésticos. A LCA estima que o ritmo de alta da demanda doméstica -que foi de 2,4% no 1º trimestre sobre o 4º trimestre de 2009 (ou de 9,9% em termos anualizados)- esteja recuando, neste 2º trimestre, para 1,5% (ou 6,2% ao ano). Outro fator que "engordou" o PIB nos dois últimos trimestres -alta expressiva e deliberada dos estoques das empresas- também dá mostras de perder fôlego. Na indústria automobilística, por exemplo, no final de maio os estoques correspondiam a 34 dias de vendas, nível excessivo ante o recuo do apetite do consumidor e que, portanto, prenuncia redução da produção desse setor. Já as expectativas de inflação acabam de interromper uma trajetória de deterioração que durava 18 semanas. Por fim, a aceleração do investimento (que subiu 7,4% no 1º trimestre ante o 4º trimestre de 2009, um ritmo de impressionantes 33,1% ao ano) indica ampliação da capacidade produtiva que, estimamos, habilita a economia a crescer de 4,5% a 5% ao ano -ou 1,2% por trimestre- sem pressionar a inflação. Esses elementos não parecem suficientes para levar o BC a, tão cedo, interromper a alta da Selic. Mas poderão desmentir os prognósticos, cada vez mais comuns, de que a taxa vá subir para muito além de 12% ao ano. FERNANDO SAMPAIO, economista, é sócio-diretor da LCA Consultores. ------------------------------Valor Econômico - 10/06/2010 Um efeito olímpico Javier Santiso Projeção do Goldman Sachs mostra a aceleração do reequilíbrio mundial em favor dos países emergentes, principalmente dos Bric A crise mundial de 2008 converteu-se em um acelerador da transição que começou no início da década, em direção a um mundo com maior participação dos países emergentes. Símbolo dessa ascensão, a Copa do Mundo de 2010 será celebrada em um país emergente, a África do Sul, dois anos depois de os Jogos Olímpicos terem sido realizados na China. Em 2014, será a vez do Brasil, outra das grandes economias emergentes acolher a Copa do Mundo e, em 2016, a Olimpíada também terá sede no mesmo país. Esses eventos amplificam uma enorme reviravolta nos equilíbrios econômicos mundiais. Recentemente, no fim de 2009, o banco de investimento Goldman Sachs, que criou o termo Bric, para classificar no início da década de 2000, a ascensão dos principais países emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China) voltou a revisar suas projeções sobre o Produto Interno Bruto (PIB) no mundo, para refletir a crise financeira desencadeada nos países desenvolvidos. O resultado indica uma aceleração da tendência imaginada pelos economistas do banco de investimentos em 2003: agora se projeta que a China alcançará os EUA no ano 2027, ou seja, 14 anos antes do previsto inicialmente pelos analistas do Goldman Sachs. A China agora poderia superar o Japão como segunda maior economia do mundo a partir do próximo ano. A principal surpresa vem de um país latino-americano: o Brasil, cujo PIB (em dólares) poderia superar a Itália ainda no fim deste ano, ou seja, 15 anos antes das previsões originais do banco de investimento feitas em 2003. Em 2029, o Brasil poderia compararse com a Alemanha (sete anos antes do previsto) e, em 2034, com o Japão, algo que nem se contemplava anteriormente. Essas projeções incluem diversas suposições e travas metodológicas passíveis de questionamento. Ainda assim, são sinal de uma aceleração no processo de reequilíbrio mundial em favor dos países emergentes e, particularmente, dos Bric. Também presenciamos igualmente uma intensificação notável das relações "sul-sul". Dessa forma, em 2009, o principal sócio comercial do Brasil deixou de ser um país da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e passou a ser uma economia emergente, a China. O mesmo ocorre na Índia, África do Sul, Coreia do Sul e Indonésia. Os efeitos das próximas Copas do Mundo e Jogos Olímpicos reforçarão, sem dúvida, essas tendências, contribuindo para aumentar os impulsos comerciais dos países que os sediarão. Em recente análise do desempenho econômico de 196 países entre 1950 e 2006, dois economistas, Rose e Spiegel, da Universidade de Berkeley e do Federal Reserve regional de San Francisco, respectivamente, detectaram que os Jogos Olímpicos tendem a ter impacto positivo sobre as exportações do país anfitrião, incrementando-as 30% acima da média. As importações também registram efeitos de magnitudes comparáveis (ver Andrew Rose e Mark Spiegel, "The Olympic Effect", National Bureau of Economic Research Working Paper, 2009). As relações comerciais entre os países emergentes vêm intensificando-se de forma notável. Prova disso, são as dinâmicas de exportação, sobre as quais se polariza (quase sempre) a atenção, assim como as de importação: desde o ano 2000, as importações dos países emergentes aumentaram, em média, 17%, superando o avanço das importações mundiais (13%) e, especialmente, o dos países desenvolvidos (10%). O peso das importações nas economias emergentes no total mundial aumentou de maneira significativa, passando a ser atualmente de 45%, em comparação aos menos de 30% verificado nos princípios da década de 90. Dito de outra forma, a demanda interna dos países emergentes agora também dinamiza a demanda mundial. Em particular, também há um adensamento das relações entre os países emergentes. A escolha do Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos é, sem dúvida, um marco para o Brasil e mais uma vitória para seu presidente, Lula, que foi apontado pela revista "Time" como o chefe de Estado e líder mais influente do mundo em 2010, à frente de Obama e de qualquer outro. A escolha da cidade marca a primeira vez em que o Brasil é indicado para ser sede de uma Olimpíada. O evento será realizado oito anos após os Jogos Olímpicos organizados pela China em Pequim. A estimativa é de US$ 11 bilhões em investimentos e de um impacto positivo na economia do gigante superior a US$ 50 bilhões, equivalentes a 3,5% do PIB atual do país, entre este ano e 2025, de acordo com estudo elaborado pela Fundação Instituto de Administração (FIA) da Universidade de São Paulo, a pedido do Ministério dos Esportes brasileiro. Corretos ou não - apenas o saberemos quando for realizada a Olimpíada - esses números apontam ventos favoráveis para os Bric agora e na próxima década. A festa dos países emergentes prenuncia-se de grandiosidade olímpica e a boa notícia para a América Latina é que a região também estará presente, com o Brasil dançando à frente. Javier Santiso é professor de Economia, ESADE Business School. -------------------------------O Estado de S.Paulo - 10/06/2010 Conter a economia? Este ano? Alberto Tamer É um senhor PIB! De impor respeito a qualquer um. Mais 2,7% no primeiro trimestre comparado com o último do ano passado e nada menos que 9% sobre o mesmo período em 2009. Se a economia continuasse crescendo assim nesse ritmo, poderíamos chegar a um crescimento de 11% neste ano. Uma projeção arrojada e discutível, mas que anda por aí. A previsão mais realista é que deveremos crescer 7,5% ou um pouco mais. O governo festeja. É um PIB exuberante. O Brasil merece isso, afirma Lula, numa alegria justificável. Era ontem um sorriso só. Affonso Celso Pastore e Alexandre Schwartzman, entre outros, concordam. Mas todos, incluindo a equipe econômica, afirmam que não dá para continuar crescendo nesse ritmo sem gerar distorções. Quais? Inflação provocada por um consumo sem o aumento proporcional da produção. Isso só se contorna com investimentos na indústria. Eles estão vindo, agora, mais 7,4% sobre o trimestre anterior e 26% acima do primeiro trimestre do ano passado. Mas é pouco, muito pouco e chegam atrasados. Alcançam 18% do PIB. Precisaríamos, no mínimo, de 25%. Mas o PIB vem crescendo em torno de 10% há três trimestres e não aconteceu nada de mal, podem argumentar. Sim, mas está sendo compensado por importações acima das exportações gerando déficit nas contas externas. O que sustentou e ainda sustenta o crescimento é o consumo das famílias. E parte desse consumo está sendo atendida pelas importações. Há ainda mais problemas, mão de obra, infraestrutura, custo interno e externo elevado. E a saída? Investir mais e, assim mesmo, crescer menos este ano. Há uma defasagem entre investir e começar a produzir. Meses quando não mais. Economia está desaquecendo. Há muitos otimistas iludidos dizendo isso. A demanda interna está se retraindo. Acreditam que o ajuste poderá ser feito sem choque. Será? Não estamos vendo isso. Os sinais de arrefecimento não estão muito claros. A produção das montadoras, em maio, mesmo sem o benefício do IPI, aumentou 6,6% sobre o mês anterior e 14,9% sobre o mesmo mês do ano passado. De janeiro a abril deste ano o faturamento real (descontada a inflação) da indústria de transformação aumentou 12,1% e a capacidade instalada chegou aos níveis de antes da crise, 83%. Se há recuo, foi mínimo, inexpressivo. Seria imprudente ficar apostando numa retração da demanda para evitar o superaquecimento da economia. Os sinais estão aí, inflação de 5,2% em maio, balança comercial afundando. E isso porque o aquecimento está sendo provocado não pelo consumidor tradicional, mas pelo da classe D. Ele vai continuar consumindo porque compra apenas o que precisava e não tinha, dispõe de mais renda e outros benefícios que estimulam o consumo. Crescimento será forte. Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, afirma que o resultado do PIB veio forte, dando sinais de que deverá ser o pico do crescimento, com desaceleração a partir de agora. Mas alerta: "Essa expansão moderada, entretanto, é enganosa, pois, passado o pior, seria natural esperar uma acomodação, mas deve-se entender isso como uma acomodação que ainda significa crescimento forte do PIB". Diante dessa perspectiva, a MB Associados aumentou a previsão de crescimento do PIB, neste ano, de 6,6% para 7%. Ou seja, vamos ter mais crescimento econômico. E daí? Para reduzir a febre da economia, seria preciso aumentar ainda mais os juros, reduzir os prazos do crediário, conter o aumento da demanda na crise. O máximo que o governo fez foi retomar os impostos, como o IPI, sobre alguns setores agora mais aquecidos. Deixou em outros. Não está funcionando. E agora? Ora, a economia vai continuar superaquecida apesar dos juros e o resto a gente vê depois. Quando? Depois, depois. Há sempre um "depois..." Dizem que a gente pode esperar. -------------------------------- Folha de S.Paulo - 10/06/2010 A ditadura do dinheiro Clóvis Rossi SÃO PAULO - Saiu em um blogue do "Wall Street Journal" a melhor definição para o encontro do G20 no fim de semana na Coreia: "Compromissos do G20, música para os ouvidos dos banqueiros". De fato, os ministros da Fazenda e presidentes de Bancos Centrais do clubão das maiores economias refugaram de novo impor regras para o funcionamento do sistema financeiro. Para quem não se lembra, foram os excessos dos corsários a causa para a crise que ainda continua no mundo rico. O pretexto é o de que mexer com os bancos prejudicaria a reativação econômica, porque levaria a menor apetite para investir. Mas, contraditoriamente, o G20 aplaudiu as medidas que países europeus vêm adotando para reequilibrar as contas públicas, o que, fatalmente, afetará a recuperação. Corte de gastos e aumento de impostos sempre reduzem a atividade econômica, como é óbvio. A contradição maior, no entanto, se dá pelo fato de que, na hora da crise, os países do G20 soltaram dinheiro a rodo para o setor privado, a custo quase sempre zero, para evitar o colapso. Agora, o setor financeiro cobra a juros de usura o equilíbrio das contas públicas, desequilibradas para impedir que a banca quebrasse. Ninguém fala em taxar pesadamente os lucros fenomenais dos que causaram a crise: a JP Morgan, por exemplo, lucrou, no primeiro trimestre, R$ 9 milhões por hora, o que significa que um trabalhador brasileiro de salário mínimo levaria cerca de 1.500 anos para receber o que um grupo como esse ganha em uma hora. Ah, nós, jornalistas, estamos coonestando pelo silêncio essa aberração. Como escreveu para "El País" Enrique Gil Calvo, professor de sociologia da Universidade Complutense de Madri, a mídia trata como "natural um processo tão desequilibrado e injusto, fazendo-o parecer lógico e necessário". ----------------------------Jornal do Commercio – 10/06/2010 Austeridade fiscal à vista? PAULO C. COIMBRA A recente crise que se abateu sobre alguns países da comunidade europeia, com destaque para a Grécia, nos convida a uma reflexão sobre a condução da política econômica do nosso País, sobretudo no tocante à trajetória crescente da dívida líquida do setor público, que atualmente é de 42,4% do PIB (o PIB aqui entendido como a soma de todos os bens e serviços produzidos no país em um ano). Considerando que este ano a taxa básica de juros da economia, a taxa Selic, deverá fechar o ano no entorno de 11%, cerca de 6% acima da taxa de inflação (a taxa de juros descontada da inflação é conhecida como taxa de juros real), e também levando em conta uma taxa de crescimento do PIB de 6,3%, podemos estimar que a conta de juros poderá ficar próxima de 2,5% do PIB. Os recursos necessários para o pagamento da despesa da conta de juros e para a amortização da dívida líquida do setor público são obtidos quando a arrecadação tributária excede os gastos do governo (o que é conhecido como superávit primário). Se o superávit primário for maior que os recursos necessários para cobrir a conta de juros então é possível que seja amortizada a dívida líquida do setor público. Podemos dizer que a meta de superávit primário de 2009 que era de 2,5% foi alcançada se forem descontados as contas de investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Considerando as expectativas de crescimento de 6,3% do PIB e o cumprimento da meta do superávit primário de 3,3% do PIB para 2010 (sem o abatimento de despesas em investimentos) é de se esperar que a dívida líquida do setor público encerre 2010 em torno de 43% do PIB. No entanto, tomando-se por base os valores acumulados no primeiro trimestre de 2010, que registrou um superávit primário de 2,11% do PIB, para que a meta seja cumprida em 2010 será preciso contar com os esforços de arrecadação tributária. O ideal seria que fossem retomadas metas de superávit primário superiores a 4,25% do PIB, melhor ainda se fossem próximas de 5% do PIB. Eis aqui o grande problema, pois a tendência dos últimos anos tem sido a de cumprir as metas através de elevações na carga tributária, uma vez que o governo tem sistematicamente elevado os seus gastos. Creio que este não seja o melhor caminho, mas sim que a meta de superávit primário seja alcançada por meio de um ajuste fiscal através de cortes de despesas. Não restam dúvidas de que uma política fiscal austera baseada principalmente na contenção de gastos é uma alternativa politicamente custosa, sobretudo em um ano em que a disputa presidencial tende a ser uma das mais acirradas. Este seria um momento propício para que os candidatos à Presidência esclarecessem a nós, eleitores, como é que eles pretendem resolver este problema. A redução do déficit líquido do setor público deve ser entendida como sendo um dos pilares fundamentais para que o país retome as condições econômicas favoráveis, que permitiriam uma menor vulnerabilidade às volatilidades dos mercados e se defrontasse com reduções não inflacionárias nas taxas de juros e, assim, retomasse um crescimento econômico consistente. ECONOMISTA E MEMBRO DO INSTITUTO MILLENIUM ----------------------O Estado de S.Paulo - 10/06/2010 Quanto dá para crescer Celso Ming De todas as direções brotam dúvidas e advertências sobre a sustentabilidade do crescimento do PIB apresentado no primeiro trimestre (equivalente a 11,2% ao ano). Desta vez, ninguém apareceu para afirmar que é só manter o ritmo e a predisposição a investir que a economia aguenta. Há meses o Banco Central vem passando sinais de que o setor produtivo não tem preparo físico para manter essa velocidade. Ou seja, avisa que a capacidade de produzir está à beira do esgotamento e que, agora, será preciso desacelerar para evitar inflação, distensão muscular e rompimento dos tendões da economia. Não está claro qual é o crescimento potencial real da economia. Há alguns anos, o Banco Central sugeria que fosse algo em torno de 3,5%. Um avanço do PIB acima desse passo implicaria fortes desequilíbrios. O ex-ministro Delfim Netto sempre zomba de quem crava números tão exatos, baseados mais em palpite que em cálculos confiáveis. Ontem, o expresidente do Banco Central Affonso Celso Pastore advertiu que, se o investimento fosse de 20% do PIB, o crescimento sustentável da economia poderia ser de 4,5%. E, se o investimento chegasse a 25% do PIB, talvez o PIB pudesse crescer 5,5%. Ainda assim, haveria desequilíbrio nas Transações Correntes (contas externas), porque as importações teriam de ser fortemente acionadas e, ao mesmo tempo, o aumento do consumo interno deixaria menos excedentes para exportar. No Brasil, o comportamento dos investimentos (Formação Bruta de Capital Fixo), que deveria mostrar a quantas anda a capacidade de produção futura, encerra mais incógnitas do que certezas. Em 2009, a construção civil correspondia a 41,1% do PIB, como pode ser aferido na tabela ao lado (não há dados mais atualizados). Pouca coisa no avanço da construção civil equivale a aumento de capacidade produtiva. Novas moradias, por exemplo, não proporcionam aumento da produção. Construção de fábricas ou estradas apresenta, sim, fator multiplicador da produção. Mas não há nenhum elemento que possa dizer qual é isso no Brasil. Outro componente dos investimentos é a aquisição de bens de capital. Sempre que uma empresa compra máquinas, caldeiras ou fornos está semeando produção futura. Mas não basta afirmar que a predisposição ao investimento em máquinas está aumentando. É preciso saber qual é o prazo de maturação dessas iniciativas. Uma hidrelétrica não fica pronta em menos de cinco anos. Enquanto isso, a aquisição de Tecnologia de Informação pode ter uma resposta bem mais rápida. Essa é matéria onde se caminha no escuro no Brasil, mas a falta de conhecimento não é razão para forçar demais os músculos produtivos, como alguns sugerem. Uma séria lesão pode provocar prejuízos irreversíveis para a economia. Conforme previsto A decisão do Copom (aumento dos juros básicos de 0,75 ponto porcentual, para 10,25% ao ano) foi o que já se esperava. Duas novidades reforçaram a decisão. O impressionante avanço do PIB anunciando na véspera justifica a desaceleração. E a alta de preços uniformemente espalhada no varejo sugere que a inflação de demanda já é bem mais do que uma hipótese. Não ficaram claros os passos seguintes do Copom. A próxima reunião está agendada para 21 de julho, quando a campanha eleitoral terá começado a esquentar. ----------------------------------- Correio Braziliense - 10/06/2010 A Copa da economia Antonio Machado Ao jeito de Dunga, importa ao sucessor de Lula o que ele consiga fazer, não o que diz que fará Se a Seleção vai trazer o caneco, não se sabe, embora por Deus e por nós já sejamos campeões. O que se sabe é que, passada a Copa, a rinha pela cadeira que o presidente Lula vai desocupar será mais renhida que a disputa na África do Sul. A esperança é que, ao final das eleições, possa ter valido a pena tamanho desgaste. De Dunga e seus liderados só se espera a vitória. Dos candidatos Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva, os três presidenciáveis que merecem atenção, importa ao vencedor o que ele consiga fazer, não bem o que diz que fará, já que, entre a vontade e o possível, há o Congresso e a realidade da economia, ambos instáveis. A política o é por princípio. A economia também, mas muito menos, se observadas as regras da estabilidade. A questão é como obtê-las diante de dois grandes desafios, um apenas nosso, o outro, global. À sociedade falta o consenso, sobretudo por incompreensão, sobre as razões do paraanda da economia, alternando períodos de grande crescimento com outros em marcha lenta. É o que se desenha depois do maciço crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre, 9% em relação a igual período de 2009, mas tendendo a 4,5% a 5% até o fim de 2011, mantido o aperto de juros iniciado pelo Banco Central para mitigar as mazelas da demanda aquecida. Inflação e deficits externos são as sequelas, resultado da oferta de produtos e serviços de infraestrutura insuficientes para servir a demanda criada por uma conjuntura próxima do pleno emprego. E os investimentos em aumento da capacidade instalada são a solução. O investimento tem de crescer acima da demanda doméstica e deixar ainda um excedente exportável que produza um superavit pelo menos do tamanho do deficit em contas correntes financiado pelos fundos das multinacionais — portanto, sem expandir a dívida externa. É difícil que, do bate-boca entre os candidatos durante a campanha, saia algo mais que baixaria e demagogia, ainda que tenham bastante clareza sobre o que aguarda o vencedor. O quê? Um ciclo longo de crescimento econômico com distensão social, mas se o investimento puder crescer por vários anos acima da expansão do PIB. Para isso, o financiamento de longo prazo com fontes voluntárias, dos bancos ao mercado de capitais, vai ter de avançar muito mais. Duas condições se fazem necessárias: a dívida pública continuar em queda como dimensão do PIB. E o gasto público crescer menos, o que não significa diminuir — e, dentro dele, não o gasto social, mas o de custeio da administração, tipo salários e pessoal, incluindo o funcionamento do Judiciário, do Congresso e dos governos regionais. Espaço para crescer Essa agenda pró-desenvolvimento é mais política que técnica e, por isso, menos provável de que possa ser praticada na totalidade. Mas algum espaço já está detectado. A carga tributária vai crescer por muitos anos, mesmo sem novos impostos e aumento de alíquotas. O que preocupa é o destino desse excedente. Mantidas as regras de execução orçamentária, virará gasto corrente e de custeio. Não irá para investimento. De outro lado, os programas sociais e os reajustes salariais do funcionalismo público já se deram no governo Lula em altas doses e podem ser moderados, pelo menos até 2012. Esforço de dois anos Dois anos é o tempo que o novo governo precisa para elevar a taxa de investimento, hoje de 18% a 19% do PIB, para 22% a 23%, de modo estrutural. Trata-se do esforço mínimo, segundo estudos do BNDES, corroborados por projeções do setor privado, para que a economia cresça sem inflação e sem deficits externos que tirem a autonomia do país diante do hot money global. Nesse desenho, o PIB poderia crescer à base de 5% anuais, em média, anos a fio. Um jogo de cada vez A saída desse processo, ditado pelo ritmo do investimento, requer crescimento do consumo do governo e de famílias a taxa menor que a do PIB, reprimindo pressões inflacionárias e sobre as importações. Elas vão crescer pelos bens de capitais importados durante a fase de expansão do investimento. E saem de controle se atiçadas também pelo consumo interno febril — a parte da demanda agregada mitigada pelo Banco Central com alta de juros. A avaliação de 2011 é essa. A divergência é sobre a intensidade das reformas fiscais ou mesmo monetárias vis à vis pequenos ganhos incrementais, menos polêmicos e mais fáceis para aprovar e implantar. José Serra, pelo que diz, tende por reformas superlativas. Dilma, pelas minimalistas. Parece mais prudente diante da crise global — domada só na torcida, assim como a do caneco erguido por Lúcio. Um jogo de cada vez é melhor. O gargalo a superar Da crise que roda o mundo, o que se constata é que ela vai mudando de região, toma outras formas, demole crenças e está longe do fim. Em meio a tanta indefinição, desponta o Brasil com vantagens que os emergentes de ponta não têm: instituições sólidas, comparáveis só às da Índia; sem bolhas pululando, risco na China; e com economia diversificada. É equivalente à chinesa, maior que a indiana e sem comparação com a da Rússia, monotemática em petróleo e gás. A fraqueza é a dependência externa se manifestar a cada ciclo de expansão — o que os outros Brics superaram administrando melhor o Estado e com poupança muito maior. Superar tal gargalo terá tanto peso como teve o da inflação para FHC e o do social para Lula. ----------------------------------- O Globo - 10/06/2010 Nó antigo Míriam Leitão Um cargueiro leva quatro horas para trazer peças e componentes dos EUA para o Brasil. No aeroporto de Manaus, a carga fica parada no pátio por nove dias por falta de infraestrutura. As empresas da Zona Franca trabalham em três turnos, mas a produção atrasa porque os componentes importados não chegam a tempo. No Rio, alguns consumidores não encontram celulares e televisores nas prateleiras. Esse caso acima mostra na prática como a falta de investimento impede o crescimento do país. O diretorexecutivo da Fieam (Federação das Indústrias do Amazonas), Flávio Dutra, diz que as indústrias da Zona Franca não estão conseguindo atender aos prazos de entrega dos produtos, mesmo trabalhando em ritmo frenético. Os componentes importados não chegam nos prazos previstos porque o aeroporto não suporta o fluxo de cargas, que cresceu com o aquecimento da economia. — O aeroporto de Manaus é um dos piores do país. Os investimentos feitos não foram suficientes ou não saíram do papel. A burocracia também é grande. O aeroporto não foi capaz de atender ao fluxo gerado pelo pico de crescimento do PIB e pela demanda maior por eletroeletrônicos do período pré-Copa do Mundo — afirmou Dutra. Ontem, a melhor notícia do crescimento recorde do PIB no primeiro trimestre foi justamente o aumento do investimento: alta de 26% na comparação com o mesmo período de 2009 e de 7,4% sobre o trimestre anterior. Mas a taxa investimento/PIB ainda é muito baixa: 18%. Países que crescem de forma sustentada investem mais e poupam muito mais. A taxa de poupança não chegou a 16%. Esse é um velho gargalo do Brasil. Uma taxa de 18% de investimento significa, explicam os economistas, que os outros 82% que compõem o PIB são resultado de consumo. Um claro desajuste que limita nossa capacidade de crescer sem gerar inflação. Só investe quem poupa. Isso é verdade até na vida das pessoas. A alternativa é fazer os investimentos com dívida. Mas isso tem um limite. Se o país não investir, não aumenta a capacidade de oferta. Se o consumo cresce mais que a oferta, haverá inflação ou aumento de importação ou ambos. Quando havia muita barreira à importação, o risco inflacionário era maior. Hoje, o país pode importar e tem alto volume de reservas para sustentar déficits nas contas externas. Mesmo assim, é arriscado manter déficits externos por muito tempo. No ritmo atual de crescimento, as duas coisas estão acontecendo. A inflação está em alta e o déficit em conta corrente é crescente. Por isso os investimentos são tão importantes, para garantir o aumento da produção no país e a melhoria da infraestrutura que atende à circulação das mercadorias. — Um exemplo recente desse descompasso aconteceu na venda de automóveis. O governo deu muitos incentivos para estimular o consumo, mas como a nossa taxa de investimento é baixa, em alguns momentos os consumidores tiveram que esperar três semanas pela entrega dos veículos. Simplesmente faltou produto. Ou seja, o setor produtivo não conseguiu acompanhar o crescimento forte do consumo — explicou Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil. Ontem, o Banco Central anunciou o segundo aumento consecutivo de juros para frear a economia. Nova alta de 0,75p.p., que coloca a Selic novamente na casa de dois dígitos, em 10,25%. O IBGE também divulgou o IPCA de maio, que ficou em 0,43%. A inflação está cedendo, mas nos cinco primeiros meses do ano ela já chega a 3,09%, mais de dois terços da meta de 4,5% definida pelo BC. Historicamente, nossa taxa de investimento é baixa. Segundo o IBGE, na comparação com os primeiros trimestres, só em 2000 o país investiu 19% do PIB. No primeiro trimestre de 2008, antes da crise internacional, o investimento foi de 18,1%. No mesmo período de 2009, caiu para 16,3% e agora voltou para 18%. A taxa de investimento é baixa porque a poupança também é baixa. As famílias poupam pouco. As pessoas e empresas mandam dinheiro demais para o governo através de uma carga tributária alta e mesmo isso não é o suficiente para os gastos públicos. O governo despoupa porque tem déficit todos os anos. Isso significa que há pouco dinheiro disponível para que as empresas invistam e que o setor público também investe pouco. — O Estado grande tira muito dinheiro da economia em forma de impostos e devolve pouco em forma de investimentos — disse o economista Bernardo Wjuniski, da Tendências consultoria. Na China, a poupança é de 50% do PIB e isso permite uma taxa de investimento de 40%. Por isso a economia chinesa consegue manter um ritmo de crescimento em torno de 10% por anos consecutivos. Mas a China é um caso exagerado. Outros países têm taxas menores de poupança e investimento do que a China, mas não tão baixas quanto as do Brasil. Sem desatar esse nó o crescimento não vai durar muito, como das outras vezes. O que na conversa dos economistas parece teórico, na vida das empresas e consumidores é realidade cotidiana. Como o exemplo que abre essa coluna: a falta de investimentos num aeroporto atrasa o fornecimento de componentes, e o consumidor vai à loja e não encontra o produto que quer. Evidentemente que o resultado disso é elevar a inflação. ------------------------------Valor Econômico - 10/06/2010 O dinheiro que não rola no campo da Copa José Roberto Campos Tempo é dinheiro, e essa é uma medida a ser também aplicada a uma das maiores diversões disponíveis no planeta em junho: a Copa do Mundo. Estima-se que pelo menos 1 bilhão de pessoas assistirão aos jogos o que, para os economistas, que tudo calculam, significa que um número muito grande de pessoas nada estará produzindo. O IMD (International Institute for Management Development) de Lausanne, na Suíça - o segundo colocado no ranking mundial de educação executiva do "Financial Times" - abriu um debate sobre se as empresas deveriam ou não interromper o trabalho para que seus funcionários vejam as partidas da Copa. As opiniões se dividiram entre o que se poderia chamar de "produtivistas" e "humanistas" da lógica empresarial, algo parecido com a cisão, nos gramados, entre os partidários de Dunga e aqueles que acham que o futebol ainda pode ter graça e beleza. Os argumentos a favor, do pesquisador Karsten Jonsen, seguem o bom senso, o politicamente correto e são respeitáveis. Os contrários, do pesquisador Willem Smit, são antipáticos e interessantes. Ele fez alguns exercícios e chegou à conclusão que as alegrias e tristezas da Copa subtrairão da produção US$ 10,4 bilhões nos países participantes, em uma hipótese realista. No pior cenário, a conta dobraria, para US$ 20,4 bilhões, caso todos os trabalhadores das nações que mandarão seleções à África do Sul parem tudo na hora de torcer pelos seus times. Detalhe: as contas de Smit não levam em conta a última fase da Copa, a mais emocionante, mas apenas os primeiros 48 jogos. O Brasil, o país do futebol, é um dos mais "prejudicados". Ele poderá deixar de produzir US$ 1,22 bilhão apenas no início da Copa, na pressuposição, no caso brasileiro subestimada, de que 50% dos trabalhadores dediquem-se no horário apenas a tentar vibrar com a seleção de Dunga. Se todos pararem, o "desperdício" será de US$ 2,4 bilhões. Para chegar a esses números, Smit partiu de premissas muito razoáveis e fez o básico. Depois de considerar o fuso horário, listou os jogos que caem nos horários do turno de trabalho em cada país. Enumerou a população economicamente ativa de cada um deles para traçar as perdas de produção decorrente de horas não trabalhadas, caso 10%, 50% ou 100% dela assistisse as partidas em vez de trabalhar. Calculou o PIB criado por hora trabalhada, utilizando o dólar pela Paridade do Poder de Compra, e multiplicou esse número pelo de horas produtivas ameaçadas pelo lazer futebolístico. Os países com maiores perdas potenciais são México (US$ 1,75 bilhão), Alemanha (US$ 1,67 bilhão), Inglaterra (US$ 1,3 bilhão) e Brasil (US$ 1,2 bilhão). Em termos agregados, a Europa em crise deixará de produzir o equivalente a US$ 5,6 bilhões e a América Latina em expansão, US$ 3,87 bilhões. Apesar dos fãs de futebol serem maioria esmagadora no Brasil, as perdas proporcionalmente são até menores por um motivo que não deve servir de orgulho para um país pentacampeão: seu PIB criado por hora trabalhada, uma das medidas da produtividade da economia, é um dos menores entre nações que vão para a África do Sul tentar ganhar a taça - US$ 7,28. Isto é, fora do gramado, no campo da produtividade, o Brasil ganha por pouco do Peru (US$ 7,26), perde para Colômbia (US$ 8,76), México (US$ 9,98) e é derrotado com facilidade pela Argentina (US$ 16,13), Espanha (US$ 24,72), Dinamarca (US$ 29) e todos os países desenvolvidos. Smit, de olho nos cifrões, diz que Espanha e Portugal, com uma quantia significativa de produção a ser perdida durante a Copa - US$ 370 milhões e US$ 342 milhões, respectivamente - não deveriam se dar a esse luxo, pois estão em severa crise econômica, sob os olhos atentos dos mercados, que querem saber como e quando se livrarão dela. Ele é contra a interrupção do trabalho durante a Copa do Mundo e, fazendo papel de advogado do diabo, diz que enquanto os países que estão na competição se divertem, China Rússia e Índia, que estão fora, "dedicam seu tempo a trabalhar para melhorar sua vantagem competitiva". Além disso, considera que é difícil estabelecer critério objetivo para permitir certa folga em partidas de futebol e recusá-la aos fãs de tênis nas finais de Wimbledon, por exemplo. Para ele, "existe uma maioria silenciosa que não gosta de futebol", apesar do "circo da mídia" sobre a Copa. Jonsen tem bons argumentos para defender que a rapaziada se divirta com o campeonato mundial de seleções. Tempo livre dado pela companhia para assistir aos jogos aumenta o espírito de equipe nas empresas, melhora a colaboração entre funcionários, eleva a satisfação do trabalhador em suas atividades e com o ambiente de trabalho. A participação coletiva em eventos deste tipo, segundo ele, tem efeitos emocionais e cognitivos positivos. É óbvio que as empresas lucram com isso também. Na ponta do lápis, seus argumentos rivalizam com o "produtivismo" de Smit. Segundo Jonsen, o impacto econômico esperado na África do Sul será de US$ 12 bilhões , com a criação de 170 mil empregos longevos. A conta deveria considerar também bilhões de dólares gastos na infraestrutura e os efeitos não mensuráveis da melhoria da imagem internacional do país-sede do evento. Na partida dos cifrões, o resultado pode até terminar empatada no final - com sabor de uma vitória para quem pôde torcer em paz. José Roberto Campos é editor executivo e escreve quinzenalmente às quintasfeiras. -----------------------------Folha de S.Paulo - 10/06/2010 Lula no palanque final Vinicius Torres Freire LULA DISSE ontem que vai fazer "qualquer coisa para não deixar a inflação voltar". Mas Lula não pode fazer mais nada a fim de evitar que "a inflação volte". Na verdade, nem há o risco de que "a inflação volte". Num certo sentido, porque não há inflação -não há um processo desenfreado, geral e intenso de alta de preços. Noutro sentido da palavra, mais banal, a inflação "já voltou" trata-se, nesse caso, da variação transitória, pois ainda controlável sem traumas, do índice de preços. No primeiro caso, no primeiro sentido de "inflação", Lula apenas faz jogo de palavras publicitário com um perigo mais ou menos enterrado, ao menos no médio prazo -o de alta contínua de preços. Nesse sentido, a inflação poderia começar a explodir caso Lula tomasse, por exemplo, a medida tresloucada de trocar a direção do Banco Central por um bando de contínuos que baixasse os juros a zero. Mas nessa hipótese alucinada então ocorreria algo mais grave do que mera inflação. No segundo caso, de inflação como alta transitória de preços, o governo Lula contribuiu para incrementá-la, pois baixou ou aprovou medidas de aumento de gasto público que inflaram o consumo. No que diz respeito estritamente a preços, não se trata de nada assim tão grave. O efeito pior dessa rodada final de gasto excessivo é o aumento da dívida pública. Mas, mesmo assim, o governo Lula colocou algumas toras de lenha na fogueira dos preços. Ainda que Lula trancasse de fato os cofres públicos, o que de resto seria irracional, tal medida não teria efeito na inflação do seu tempo restante de governo. Para ainda argumentar com o absurdo, a opção restante para "não deixar a inflação voltar" (o IPCA subir) neste final luliano seria exigir do BC uma alta brutal e imediata de juros, uma tolice. O que Lula pode fazer é não deixar a casa muito desarrumada para o próximo presidente. Lula falou de inflação num palanque em Natal. Nos seus mais de sete anos de governo, o presidente não saiu do palanque, é verdade. Com alguma boa vontade, pode-se dizer que o palanque foi parte importante do modo luliano de governar, de formar e coordenar expectativas, como gostam de dizer os economistas. Lula formou expectativas políticas ou mudou alguns consensos sobre o que é possível e desejável em políticas públicas de transferência de renda, por exemplo. Mas ressalte-se que o talento de animador de auditório do presidente mais o "ativismo" de seu segundo mandato tiveram também algum efeito econômico -ajudaram a evitar uma recessão sinistra no Brasil de 2009. Porém, faltando menos de sete meses para o final de seu mandato, Lula pode animar apenas a campanha de Dilma Rousseff. Para a maioria dos efeitos práticos relevantes, afora alguma improvável medida de caráter catastrófico, o governo Lula terminou. Seu ato final de importância serão as conversas para a aprovação das novas leis do petróleo. No mais, as promessas de Lula são agora mero marketing. Promessas de campanha têm lá sua relevância. Podem influenciar o andamento da vida do país antes mesmo do próximo governo e, talvez, até criar um ambiente mais ou menos tranquilo no início da próxima administração. Mas promessas e projetos importantes são os de José Serra (PSDB), Dilma (PT) e Marina Silva (PV). Desses, mal sabemos. ------------------------------O Globo - 10/06/2010 O Brasil escolheu crescer menos Carlos Alberto Sardenberg Por que o Brasil não pode crescer como a China? Esta é a pergunta da semana na qual ficamos sabendo que o Brasil cresceu vigorosamente no primeiro trimestre e o Banco Central aumentou de novo os juros para conter esse crescimento. Mas para colocar o debate na perspectiva global, eis uma outra pergunta: por que a China não pode crescer mais do que a China? Pois é, o governo chinês também tem adotado medidas para esfriar sua economia, por entender que um ritmo exagerado de crescimento leva a desequilíbrios estruturais, inflação e bolhas especulativas. Verdade que lá eles querem reduzir o ritmo de 12% de expansão anual para algo em torno de 9%. Mas eis o primeiro ponto: há limites para a expansão em qualquer país do mundo. Parece simples, mas convém registrar, porque muita gente por aqui acha que limite de crescimento é coisa de conservadores que não gostam de emprego e renda para os trabalhadores. É a mesma gente que acha bobagem a estabilidade macroeconômica e que, quando está no governo, aqui e mundo afora, gera a inflação que arrasa o poder de compra dos mais pobres, os quais, ao contrário dos ricos, não conseguem se proteger da alta de preços. Mas, entendido que há limite ao crescimento sustentado, resta a questão muito mais complexa: onde está esse limite? Acrescente, para complicar, que esse ponto, obviamente, não pode ser fixo. Se um país passa por um período de investimento em infraestrutura e novas fábricas, estende sua capacidade de crescimento. Tudo considerado, quanto o Brasil pode crescer neste momento? Os números variam, mas não ficam longe dos 5% ao ano. Comparado com o padrão chinês, é pouco. Mas, comparado com o Brasil recente, é um salto expressivo. O real, as reformas e as mudanças feitas ao longo dos últimos 15 anos estabilizaram a economia, permitindo esse crescimento maior. Mas por que continua tão menos que a China? Primeiro, porque os chineses investem mais. Segundo o último relatório do FMI, os asiáticos mais dinâmicos poupam, na média, 32% do Produto Interno Bruto e investem 27%. Ou seja, de cada 100 dólares de riqueza gerada no país, 32 são guardados, dos quais 27 se transformam em nova capacidade produtiva. A China poupa e investe ainda mais. No Brasil, pelos últimos dados do IBGE, referentes ao primeiro trimestre de 2010, a poupança alcançou 15,8% do PIB, e o investimento, 18%. (A diferença, o investimento a mais, vem do capital estrangeiro, da poupança importada). Nos últimos dez anos, o máximo de investimento conseguido no Brasil foi de 19%, isso lá no começo de 2000. Outro fator importante está nos impostos. Pessoas e empresas no Brasil pagam mais impostos do que nos demais emergentes, ficando, assim, com menos dinheiro para poupar e investir. Se o governo fosse um grande investidor, não seria tanto problema. Mas reparem: nos primeiros quatro meses deste ano, o governo federal gastou R$ 203 bilhões, dos quais apenas R$ 12,8 bilhões com investimentos. O resto? Previdência, pessoal, custeio e gastos sociais. Dizem: isso distribui renda e aumenta o mercado interno. Tudo bem, mas continuam faltando investimentos públicos. E o aumento contínuo do gasto público exige cada vez mais impostos, o que reduz a capacidade de investimento do setor privado. Outro obstáculo ao crescimento mais forte está na mão de obra. Vítima de um sistema de ensino ruim, o trabalhador brasileiro tem baixa qualificação e, pois, produtividade limitada. Além disso, há o ambiente de negócios (burocracias) hostil ao empreendedor. Educação dá trabalho, mas é possível melhorar. O ambiente pode ser mais amigável com reformas microeconômicas, algumas de fato já feitas. Mas a barreira do investimento é mais alta. A Constituição de 88 é distributivista, atribui ao Estado funções sociais amplíssimas, como a de prover saúde e educação gratuitas para todos. Precisa, portanto, arrecadar muito e ainda sobra pouco para investimentos. Foi uma opção política, que só pode ser alterada por outra decisão política. O governo FHC, por exemplo, deu uma guinada e eliminou boa parte do caráter estatizante da Constituição, o que abriu espaço para investimentos privados. Mas não se vê, na atual eleição presidencial, qualquer proposta de mudança forte. Fala-se apenas em gastar melhor. Vem daí a tese, até bem frequente no pensamento nacional, de que 5% ao ano já está muito bom. Nosso problema seria, na verdade, garantir esse ritmo por um longo período. ---------------------------------------Valor Econômico - 10/06/2010 Debate sobre juro deve voltar em setembro Eduardo Campos A decisão do Copom, que elevou a taxa Selic em 0,75 ponto, para 10,25%, não trouxe surpresas e adiou para a reunião de setembro um novo acirramento das discussões sobre a condução da política monetária. O mercado já tem como certo um novo aumento de 0,75 ponto na reunião do final de julho, mas, de posse de mais dados sobre o comportamento dos preços e da economia doméstica, as diferentes correntes de mercado debaterão se já seria o momento de mudar o passo de ajuste da Selic no encontro de 1º de setembro. Além dos indicadores macroeconômicos, essa discussão ganha pimenta extra: as eleições, que estarão pegando fogo faltando cerca de um mês para as votações. Claro que toda essa perspectiva só é válida se o mercado não enfrentar um colapso do euro ou outra crise que venha a estourar até lá. Em junho do ano passado, o BC cortava a taxa básica de juros de 10,25% para 9,25%. Na reunião de ontem, a elevação da taxa foi unânime e sem viés e o comunicado foi idêntico ao da reunião de abril, passando a ideia de continuidade do ajuste das condições monetárias. Segundo o economista-sênior do BES Investimentos do Brasil, Flávio Serrano, mesmo com novas variáveis no cenário inflacionário e uma possibilidade de a crise externa resultar em deflação, ainda é cedo para pensar que o BC reduzirá o ritmo de ajuste da taxa de juros. "O cenário doméstico é de forte crescimento. E isso, obviamente, aponta para risco de alta da inflação", explica. No cenário do BES, diz Serrano, o ritmo de alta cai mesmo em setembro. O que embasa tal perspectiva é o viés de acomodação da atividade e a possibilidade de que a atual dinâmica de preços sensibilize as expectativas de inflação. A ressalva continua sendo a Europa. De acordo com Serrano, se o resultado líquido da crise europeia for negativo, a autoridade monetária pode antecipar esse movimento de altas menos marcadas na taxa básica de juros. Uma curiosidade: passado exatamente um ano, a Selic volta a ter dois dígitos. Olhando agora para o pregão de ontem, o fechamento não teve uma cara boa. As bolsas americanas perderam sustentação no final do dia, arrastando também as ações no mercado local. No câmbio local, os vendedores defenderam posição e a moeda fechou com baixa de 0,64%, aos R$ 1,848. Mas na mínima do dia a divisa saiu a R$ 1,835. Já no câmbio externo, não passou de tentava a valorização do euro ante o dólar. A moeda comum continua valendo menos de US$ 1,20. "O mercado está tentando se segurar para não tombar novamente", avalia o gerente de operações da Terra Futuros, Arnaldo Puccinelli. Sinal disso, diz o especialista, é que os índices americanos seguem testando pontos de suporte, que caso perdidos, poderiam levar a uma zeragem de posição mais forte e generalizada. Quem parece manter a serenidade dentro desse ambiente de incerteza são os bancos. Conforme mostrou o Banco Central, as instituições financeiras encerraram o mês de maio com posição vendida de US$ 3,278 bilhões no mercado à vista de dólar. Tal soma é a maior desde dezembro de 2005. Fora isso, os bancos têm outros US$ 7,8 bilhões vendidos no mercado futuro. O que dá uma aposta pró-real de mais de US$ 11 bilhões. Eduardo Campos é repórter ----------------------------------- ECONOMIA & OUTRAS NOTÍCIAS O Globo - 10/06/2010 País volta a ter juros acima dos 10% Em decisão unânime, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou, pelo segundo mês consecutivo, a taxa de juros, que agora passou de 9,50% para 10,25% ao ano. A alta veio dentro do esperado pelo mercado e mantém o país no topo do ranking dos juros mais altos do mundo. Com isso, saem favorecidas aplicações em fundos DI, COBs e títulos do Tesouro Nacional. BC eleva juros, que voltam a ficar acima de 10% Taxa básica sobe para 10,25% ao ano. Economistas já apostam em elevações menores nos próximos meses Patrícia Duarte e Ronaldo D’Ercole BRASÍLIA, SÃO PAULO e RIO. Depois de um ano convivendo com juros de um dígito, o país voltou a trabalhar com a taxa básica, a Selic, acima de 10%. Ontem, em decisão unânime, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou a taxa de 9,50% para 10,25% ao ano, repetindo o aumento de 0,75 ponto percentual de abril, quando o atual ciclo de aperto monetário teve início. O movimento era amplamente esperado pelo mercado. Mas o ritmo de alta, daqui em diante, divide as opiniões. Isso porque, em seu comunicado, segundo especialistas, o Copom não deu ontem indicações concretas de seus movimentos futuros. Para alguns agentes econômicos, a inflação já dá sinais de desaceleração e, por isso, não haveria necessidade de o BC continuar com elevações da mesma magnitude. — A crise europeia pode afetar a economia real, já que o Brasil exporta muito para aquele continente. Isso pode reduzir as próximas altas de juros, uma vez que diminui a atividade doméstica — afirmou o analista sênior para América Latina do BNP Paribas, Diego Donadio, para quem em julho a Selic subirá 0,5 ponto. Em junho de 2009, em meio ao processo de cortes da Selic para enfrentar a fase mais aguda da crise internacional, o Copom derrubou a taxa de 10,25% para 9,25% ao ano, entrando pela primeira vez na História no patamar de um dígito. Com a alta, o Brasil isolou-se ainda mais no primeiro lugar do ranking dos países com a maior taxa de juros do mundo. O juro real (acima da inflação) brasileiro subiu de 4,5% para 5,2% ao ano. No comunicado, igual ao de abril, o comitê informou que, “dando seguimento ao processo de ajuste das condições monetárias ao cenário prospectivo da economia, para assegurar a convergência da inflação à trajetória de metas, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a Taxa Selic para 10,25% ao ano, sem viés.” — Ao fazer um comunicado lacônico, o Copom deixa uma porta aberta. Está claro que vai avaliar o cenário daqui para frente. Na próxima reunião, pode aumentar de novo em 0,75 ponto ou menos — afirmou a economistachefe do ING, Zeina Latif que acredita na alta de 0,75. Elevar a Selic é uma ferramenta de combate à inflação, pois encarece o crédito e acaba reduzindo o consumo. As expectativas do mercado são que o IPCA deste ano ficará em 5,64% e, em 2011, em 4,80%, ambos acima do centro da meta oficial, de 4,5%. Além de choques nos preços dos alimentos no início do ano, o ritmo forte da economia contribui para a aceleração do IPCA. Entre janeiro e março, o IBGE anunciou expansão de 9% da economia, na comparação interanual, e de 2,7% contra o trimestre anterior. Fundos DI e CDBs ficam mais atraentes para investidor Em comunicado, Benjamin Steinbruch, presidente em exercício da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), argumenta que os preços já se comportam sem altas significativas. Miguel Torres, da Força Sindical, disse que a decisão representa “um balde de água fria na aquecida economia brasileira”. Já a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) ressaltou que a elevação reforça o compromisso do BC com o controle da inflação. A alta da Selic torna mais atraentes as aplicações pós-fixadas, como fundos DI, os CDBs (Certificados de Depósitos Bancários) e os títulos do Tesouro Nacional. No caso dos fundos DI, a rentabilidade do que têm taxa de administração inferior a 2% já supera a da poupança. Após subir 1,42% de manhã, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, perdeu força e fechou em queda de 0,51%, aos 61.478 pontos. O dólar comercial recuou 0,64%, a R$ 1,848, segunda queda seguida. ---------------------------O Estado de S.Paulo - 10/06/2010 Juro sobe 0,75 ponto e volta aos dois dígitos Copom decide, por unanimidade, elevar a taxa Selic em 0,75 ponto para 10,25% ao ano; analistas apostam em novas altas até setembro Fernando Nakagawa, Brasília De olho no forte ritmo de crescimento da economia e na possibilidade de a inflação sair do controle nos próximos meses, o Banco Central deu continuidade ao processo de aumento do juro básico da economia, a Selic. Exatamente como esperado, a taxa foi elevada em 0,75 ponto porcentual, para 10,25% ao ano. Com o aumento, o País volta a conviver com juros de dois dígitos após a Selic cair, pela primeira vez na história, para um dígito há exatamente um ano, em junho de 2009. A alta do juro tem como objetivo tornar o crédito mais caro e, assim, reduzir a velocidade de expansão da atividade econômica. O comunicado divulgado ontem repetiu as explicações dadas em abril, quando começou o processo de aumento do juro ao alertar para ação que deve "assegurar a convergência da inflação à trajetória de metas". Entre os analistas, prevalece a aposta de que o juro deve subir 0,75 ponto duas outras vezes, em julho e setembro. Assim, a taxa termina o ano em 11,75%, já que não haveria novas altas em outubro e dezembro. Feito histórico comemorado pela equipe econômica, a Selic, por pouco, não chegou a completar hoje seu primeiro aniversário marcando um dígito. Em 10 de junho de 2009, o Copom anunciou a queda da taxa em 1 ponto, para o patamar inédito de 9,25%. Na época, o Brasil ainda reagia contra os efeitos da crise e o governo tentava amenizar o impacto da recessão que atingiu praticamente todos os países, especialmente os mais ricos. Para isso, o BC reduzia o juro para incentivar o consumo. Sonho de Lula. No início do atual governo - em 2003, quando a Selic era de 26% - o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a dizer que a taxa de um dígito era um "sonho da equipe econômica". O patamar tão sonhado, porém, ficou para trás. Exatamente um dia antes do primeiro aniversário da Selic de um dígito, a taxa subiu e retornou à casa dos 10%. Curiosamente, o juro sobe porque as ações de combate à crise foram bem-sucedidas. Com a forte reação da economia brasileira, a demanda avançou em passos bem mais rápidos do que a capacidade de aumento da produção. O descompasso começou a pressionar preços e a inflação - que ficou em 4,31% no ano passado - deve fechar 2010 próxima de 6%, perigosamente perto do teto da meta de inflação, que é de 6,5%. "A economia continua crescendo e há uma parte relevante da inflação que é relacionada com a demanda aquecida, como o aumento do preço de serviços", diz o professor de economia da USP Fabio Kanczuk. No início de maio, o BC já havia alertado que o Brasil estava diante de um "virtual esgotamento" do aumento da capacidade de produção das fábricas. Hoje, um mês depois, indicadores mostram que o uso da capacidade produtiva continua em trajetória crescente. Kanczuk argumenta que o BC, como guardião do poder de compra da moeda, precisa desacelerar a economia para evitar o aumento descontrolado dos preços. "Agora, é preciso reverter o quadro porque a economia reagiu rápido. Por isso, o juro continuará subindo até um patamar considerado neutro, que não influencia o ritmo da economia para melhor nem para pior." Para o professor da USP, o juro de um dígito não deve voltar tão cedo. Segundo ele, é muito difícil que isso aconteça em 2011 pelo risco de repique da inflação. "Mas o Brasil terá de ter Selic mais baixa no longo prazo porque o risco país é muito mais baixo que no passado." Reações. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) considerou preocupante o retorno da taxa Selic ao patamar de dois dígitos e vê equívoco na avaliação do BC. O presidente em exercício da Força Sindical, Miguel Torres, também classificou a decisão do Copom de equivocada. "É um balde de água fria na aquecida economia brasileira, que demonstrou recentemente, através do PIB, uma imensa capacidade para o crescimento com geração de emprego e renda. Os tecnocratas do BC torcem contra o crescimento do Brasil." ----------------------Valor Econômico - 10/06/2010 Bancos ainda precisam de muitos bilhões Os grandes bancos internacionais vão precisar de capital adicional de bilhões de dólares por causa de sua exposição a dívidas soberanas, deficiência de funding e grande necessidade de refinanciamento nos próximos anos. A avaliação é do Instituto Internacional de Finanças (IIF), em relatório confidencial ao qual o Valor teve acesso, e que foi alvo de comentários de banqueiros em Viena, durante encontro promovido pela entidade, que representa os maiores bancos do mundo. Segundo o relatório, os bancos europeus têm a maior necessidade de recursos. Nos bancos americanos, a deficiência acumulada desde o início de 2007 é de US$ 580 bilhões, consideravelmente menos que o US$ 1,4 trilhão no pico de dezembro de 2008. Grandes bancos precisam de bilhões em capital novo Assis Moreira, de Viena Os grandes bancos internacionais vão necessitar de capital adicional de bilhões de dólares, por causa de sua exposição à dívida soberana, deficiência de funding e pesada necessidade de refinanciamento nos próximos anos. A avaliação é do Instituto Internacional de Finanças (IIF), em relatório confidencial ao qual o Valor teve acesso, ontem, e que era alvo de comentários entre alguns banqueiros no encontro promovido em Viena, na Áustria, pela entidade que representa os maiores bancos do mundo. Segundo o relatório, os bancos europeus, já duramente afetados pela crise econômica, têm o maior "funding gap", de € 1,2 trilhão, dos quais US$ 500 bilhões são necessidade de recursos em dólar americano. Nos Estados Unidos, os bancos tiveram melhora nos depósitos nos últimos trimestres, mas precisam consolidar US$ 300 bilhões de exposições que estavam fora de seus balanços. Dessa forma, o "funding gap" acumulado pela banca americana é de US$ 580 bilhões desde o início de 2007, consideravelmente menor ao pico de US$ 1,4 trilhão de dezembro de 2008. Além disso, os bancos globais precisam refinanciar suas dívidas variando de US$ 1,25 trilhão a U$ 1,75 trilhão por ano, que vencem entre 2010 e 2012. Tudo isso num cenário de maciças emissões de papéis soberanos por governos em crise fiscal - e sem levar em conta o custo que virá com a nova regulamentação global. O IIF mostra que as perdas dos bancos alcançaram US$ 1,906 trilhão nos EUA, US$ 1,279 trilhão na zona euro e US$ 1,059 trilhão na Grã-Bretanha entre entre outubro de 2009 e abril. A depreciação de ativos nos bancos internacionais alcançou US$ 1,273 trilhão nos últimos tempos, enquanto levantaram capital de US$ 1,180 trilhão. Os mercados estão atentos à deterioração da qualidade do crédito de muitos bancos expostos em países como Grécia, Espanha e Portugal. Exemplo: de € 445 bilhões de empréstimos ao mercado imobiliário, as "Cajas" espanholas, como são chamadas os bancos de poupança, tiveram que recorrer ao governo em busca de consolidação entre elas para não quebrarem. Essa situação atraiu a atenção também para a exposição de bancos internacionais, sobretudo da Europa. De acordo com o Royal Bank of Scotland (RBS), nada menos de € 2,16 trilhões de dívida pública e privada da Grécia, Espanha e Portugal estão detidas por instituições financeiras fora desses três países. Investidores e governos temem o aumento das dívidas dos bancos pela Europa. O Banco Central Europeu estima que os bancos da zona euro terão de fazer depreciações adicionais ("writedown") de € 195 bilhões, sendo € 90 bilhões este ano e € 105 bilhões em 2011. O total de depreciação de ativos bancários entre os anos de 2007 e 2011 alcançará, assim, € 620 bilhões na região, mantendo a pressão para os bancos buscarem mais capital. Os bancos europeus e americanos enfrentam crescentes exigências de funding para passivos de longo prazo num cenário complicado. Além da deterioração da qualidade dos créditos, foram afetados tambem por mudanças no "money market funds" (MMF) nos EUA que reduziram o apetite para os bancos como papel de financiamento de curto prazo. Agora, os MMF precisam deter pelo menos 10% de seus ativos em "cash" ou papéis líquidos e de alta qualidade, como títulos do Tesouro americano conversíveis para dinheiro em um dia. E 30% em cash ou papéis com maturidade de 60 dias que podem ser convertidos em dinheiro em uma semana, além de outras exigências. O resultado é que segmentos dos mercados de "commercial paper" nos EUA e na Europa para instituições financeiras diminuíram significativamente. Com as mudanças nada favoráveis na oferta e demanda por funding de curto prazo, a tensão no mercado interbancário nos dois gigantes não é surpresa. O interbancário secou, em meio a temores sobre a saúde financeira dos bancos. O empréstimo clássico em que um banco comercial empresta a outro passou nos EUA de US$ 494 bilhões antes da queda do Lehman para US$ 153 bilhões atualmente. Ao mesmo tempo, os bancos europeus, por exemplo, aumentaram em 40% desde janeiro seus depósitos no Banco Central Europeu (BCE) como "excesso de reserva", preferindo receber juro insignificante de 0,25% ao invés de emprestar a outros bancos ou a economia real. Para obter recursos, bancos tem que pagar taxa Libor de três o dobro mais cara. Ou seja, o custo de funding aumentou num momento especialmente delicado para o sistema financeiro. A entidade dos bancos alerta que a persistente tensão no mercado interbancário, principalmente para fundos em dólar, trás o risco de atingir bancos de países emergentes que são ativos internacionalmente. Ou seja, suas necessidades de funding em dólar podem ter problemas, como ocorreu em 2008. Assim, sugere que as autoridades dos emergentes devem permanecer alertas e não ser complacentes. Dados do Banco Internacional de Compensações (BIS) mostram que bancos brasileiros têm US$ 54 bilhões de ativos no exterior, sendo US$ 15,4 bilhões na Europa e US$ 17,2 bilhões nos EUA. Mas fontes bancárias dizem que as instituições brasileiras vêm recebendo ofertas de dinheiro que estão é dobrando, embora algumas instituições tenham passado a exigir juro maior e foram descartadas. Outro dado que mostra a situação de delicada dos bancos europeus é dado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A entidade mostra que vários bancos europeus têm menos capital e mais alavancagem do que seus parceiros americanos. Na média os bancos americanos operam hoje com taxa de alavancagem entre 12 e 17 vezes mais seus fundos próprios, enquanto entre os grandes bancos europeus isso varia entre 21 e 49 vezes. Na Suíça, o UBS, que perdeu bilhões de dólares na crise, cortou pela metade seu balanço, agora em US$ 1,3 trilhão. A taxa de alavancagem é de 16% dos fundos próprios, comparado a 50 vezes antes da crise.