Jornal do Comércio, 25 de abril de 2016 Brasil depende do resgate da confiança para voltar a crescer Enquanto as atenções do Brasil inteiro estão voltadas para os próximos movimentos no cenário político; no front econômico, o País tem pouco tempo para evitar amargar, em 2017, seu terceiro ano seguido de recessão. Na média, os analistas de mercado ainda preveem uma leve alta no Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, de 0,3%, segundo o Boletim Focus, do Banco Central, mas muitos não descartam uma contração. Na avaliação de especialistas, ainda é possível salvar o Brasil do que seria o maior e mais profundo período de recessão em mais de um século, desde que a atual crise política tenha um desfecho rápido. Para isso, dizem os analistas, é preciso que o governo, seja ele qual for, adote uma ação concentrada, com medidas de compromisso fiscal para manter a dívida pública em patamar sustentável. Um resgate da confiança é, assim, fundamental para a retomada dos investimentos que tornem possível ao País voltar a crescer. A definição de quem estará no governo tem papel crucial sobre as expectativas e a confiança. Entre os analistas de mercado, a tendência é de um viés mais otimista com uma troca de comando. No entanto, em qualquer cenário, a retomada do crescimento não é vista como tarefa de fácil execução. "Se o processo do impeachment não passar no Senado, outras denúncias vão continuar atrapalhando o governo. Se passar, teremos a ação de movimentos sociais e não saberemos como será governar em meio a uma sociedade rachada", avalia o economista-chefe do Banco ABC, Luis Otavio de Souza Leal. Para o especialista, mais do que quem vai estar no comando do País, é a expectativa de quando a nebulosidade que ronda o cenário econômico e político irá se dissipar o que irá determinar quando voltaremos a crescer. "Hoje, estamos descendo a serra sem enxergar 100 metros à frente. Então, andamos devagar. Se você consegue tirar essa nuvem da frente, é possível olhar adiante e até recuperar o terreno perdido com crescimento rápido de médio prazo." Segundo Leal, o governo precisa provar que a dívida pública ficará sob controle. No ano passado, a União fechou o ano com rombo de R$ 114,9 bilhões no orçamento. É o maior déficit da história. Sem superávit, o governo não consegue economizar para pagar os juros da dívida pública. "A grande questão é mostrar, na parte fiscal, que a dívida do governo não vai entrar em trajetória insustentável. Estamos em um círculo vicioso, e tudo é pessimismo", analisa Leal, que, apesar de apontar alternativas para retomar o crescimento, segue apostando que a economia terá retração de 0,2% em 2017. O economista defende que o País precisa virar a chave para que os agentes econômicos comecem a achar que tem uma luz no fim do túnel. Com melhores expectativas, argumenta ele, o dólar fica mais baixo, a inflação fica mais comportada, e os juros podem cair, melhorando as expectativas de crédito e as dos empresários, que voltam a investir. Queda no consumo e redução de investimentos são obstáculos a superar No ano passado, o consumo das famílias desabou 4%, e os investimentos, 14%. Os dois setores registram o pior desempenho em 19 anos, e foram determinantes para a economia ter encolhido 3,8%. A indústria está cada vez mais ociosa e opera com um nível de utilização da capacidade instalada de 73%. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo defende que é necessário incentivar o setor privado a investir, por meio de concessões, por exemplo. "Seja qual for o resultado sobre o pedido de impeachment, salvar 2017 depende da capacidade do governo de articular medidas com o setor privado, de modo a recuperar algum estímulo da economia", afirma Belluzzo, para quem é preciso impulsionar os investimentos privados, com concessões. "No entanto, empresas de infraestrutura estão paralisadas com a Lava Jato. É necessário, a exemplo do que ocorre nos EUA, que se separe o destino das empresas dos seus controladores." Ele acredita que, ao contrário da última vez em que o País passou por três anos seguidos de recessão, no início dos anos 1980, o crescimento não se dará por meio das exportações dessa vez. "Não há demanda global considerável. A economia mundial está devagar, quase parando." Para o professor do Instituto de Economia da UFRJ José Luis Oreiro, a recessão se aprofundou em razão da crise política, e o cenário só tem chances de mudar com a saída da presidente Dilma Rousseff do cargo. A presidente, aponta ele, não tem apoio político para criar um consenso mínimo em torno de uma agenda de reformas estruturais no lado fiscal que mostre, no médio e longo prazos, que o País é capaz de conter o ritmo de despesas primárias da União. "É preciso colocar as reformas estruturais em prática para que o Banco Central possa baixar juros e estimular consumo e investimento", assegura, ao alertar que, sem as reformas, não é possível retomar o crescimento. A Tendências Consultoria estima que o País sairá da recessão em 2017 com crescimento de 1,2%. Isso baseada em cenário que considera probabilidade de 70% para uma interrupção do atual governo. E, ao contrário de Belluzzo, a casa de análises aposta em uma retomada via exportações. "Vemos o setor externo puxando o crescimento, já que as exportações estão aumentando. As importações estão caindo dramaticamente e sendo substituídas por produção nacional", justifica a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências. Para Francisco Lopreato, economista da Unicamp, independentemente de quem seja o presidente, é preciso que o governo firme um pacto de convivência política que crie estabilidade. Com esse pacto, acredita ser possível "ficar com o nariz fora d'água" durante 2017. Para, então, iniciar lentamente um processo de recuperação e chegar ao final do ano em situação melhor do que a atual. "Esse pacto é necessário para que o governo consiga governar. Nada foi aprovado no Congresso. Tudo está parado: concessões, renegociação da dívida dos estados, reforma tributária, da Previdência, nada teve continuidade", enumera Lopreato. "Historicamente, as grandes crises do País ocorreram por conta do setor externo. Hoje, temos um volume de reservas enorme e o balanço de pagamento, que tinha sido deteriorado nos últimos três anos, se recuperou. Estamos relativamente bem", sentencia. País tem fundamentos sólidos para a retomada econômica Líder global de infraestrutura da Ernst Young (EY), o australiano Bill Banks avalia que o Brasil tem fundamentos econômicos sólidos para voltar a crescer. Mas diz que o governo precisa ser rápido para retomar a confiança. Como o senhor vê o cenário econômico no Brasil? Bill Banks - É muito desafiador. Mas o desafio dá oportunidades para o País se reposicionar e crescer com a crise atual. Os fundamentos da economia são positivos. O que se precisa fazer é recriar a confiança das pessoas, aumentando o investimento em infraestrutura para estimular o crescimento. Foram apenas más decisões tomadas por certas pessoas que levaram a essa perda de confiança. Assim que possível, é preciso recuperar a confiança domesticamente e internacionalmente. Como consultor global, o que o senhor ouve de investidores estrangeiros a respeito do País? Banks - Sei que há chineses, japoneses, europeus, fornecedores de infraestrutura, que veem o Brasil como um mercado atraente a longo prazo por causa da contínua urbanização, muitos recursos, população de 200 milhões, classe média crescente, classe de trabalhadores educada. As pessoas veem que há todos os fatores-chave de um mercado atraente. Há uma necessidade de investimento em infraestrutura nas grandes cidades, em transportes. Considerando as pessoas com quem falei, não vejo ninguém fugindo do Brasil. Estão mais cautelosas, mas interessadas. Como o senhor avalia as medidas para eliminar a burocracia nos processos de licitação? Banks - É muito positivo. Facilita a participação estrangeira. Mas a outra questão é: participação estrangeira em quê? É preciso ter um plano de infraestrutura e dizer ao mercado: "vamos fazer os projetos X, Y e Z". Eles fizeram uma parte do quebra-cabeça. No meu país, o governo australiano fez um grande plano de infraestrutura e percebeu que nosso mercado doméstico de construção não era suficiente. E vendeu esse plano internacionalmente. Os negócios locais melhoraram e funcionou muito bem. O mercado no Brasil é muito maior. As oportunidades de infraestrutura aqui são fenomenais. Mas, para o governo ter o benefício, precisa ser mais assertivo. Quais são os riscos de não retomar a confiança? Banks - Existem trilhões e trilhões de dólares em capital para investir em infraestrutura. Se esse capital não vier para o Brasil, vai para a África ou para o Oriente Médio ou para a América do Norte. Na sua avaliação, em quanto tempo o Brasil pode recuperar os investimentos, especialmente aqueles voltados à infraestrutura? Banks - Depende de como o governo agir nas reformas. Se o governo for agressivo, diria que entre dois e três anos. Mas é preciso agir rapidamente. A cada ano que o País deixa de fazer reformas, provavelmente perde mais dois a três anos. Se nada for feito, estaremos falando em cinco anos. Com cenário nebuloso, empresas adiam decisões sobre investimento e demissões Diante de cenários tão díspares representados pelas possibilidades de ascensão de Michel Temer à presidência ou da manutenção de Dilma Rousseff, empresas represaram investimentos, postergaram demissões e aceleraram pagamentos em dólar nos últimos instantes antes da decisão do impeachment. Executivos e empresários, em geral, estimam duas vias possíveis. Se Dilma ficar, não conseguirá governar, piorando o cenário, com maior corte de empregos e investimento. Caso Temer assuma, pode, segundo as estimativas, conseguir fazer um pacto que trará bom humor ao mercado e certo alívio temporário, destravando investimentos. Há quem vislumbre também a possibilidade de um fracasso em eventual governo Temer, assim como uma guinada do governo Dilma. Odnir Finotti, presidente da farmacêutica Bionovis, que está em processo de instalação de fábrica no interior do estado de São Paulo, afirma que tirou o pé do acelerador, à espera dos desdobramentos da crise política. Algumas medidas foram retardadas para esperar o eventual redesenho de novos ministérios e da política econômica, seja qual for o presidente da República. Finotti diz que não pode parar completamente os investimentos na fábrica e em pesquisas, porque o recurso já está contratado e tem prazo de execução, mas está "a 70% da velocidade". "Estamos com o projeto pronto em fase de compra de equipamentos. Não sou pessimista, não acho que o país vai ser reinventado. Mas quais serão as bases? Qual será a política econômica? Tenho muitas perguntas e poucas respostas", diz Finotti. Fabiano Wohlers, fundador da Mr. Beer, diz que sua importadora de cervejas hoje mais parece uma Bolsa de Valores. Diante da recente oscilação do dólar, ele negociou a ampliação de prazos com seus fornecedores para poder realizar pagamentos nos dias de câmbio favorável. "O dia 15 de abril (antes da votação da Câmara de Deputados que aprovou o prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma), foi o último dia em que ainda se podia trabalhar dentro de uma zona de previsibilidade do câmbio. Estamos aproveitando para antecipar o pagamento de tudo o que podemos, porque virá um momento de oscilações desconhecidas, será oito ou 80", afirma Wohlers. A dificuldade de prever o curto prazo levou a Eleva, empresa do grupo Emit Brasil, que atua com locação de máquinas para a construção civil, a suspender um investimento que parecia oportuno. "Recentemente, veio a vontade de aproveitar a crise para comprar mais equipamentos e aproveitar oportunidades de ativos que estão baratos. Mas aí você vê o pessimismo do noticiário e dos grandes economistas e resolve esperar mais um pouco", afirma Guilherme Bueno, sócio da companhia. Além da insegurança para realizar um investimento superior a R$ 8 milhões em caminhões e armazéns climatizados, a Ativa Logística, empresa especializada na logística de medicamentos e cosméticos, está prestes a tomar uma decisão sobre a demissão de centenas de funcionários que trabalham no carregamento dos veículos. "Desde dezembro, a gente vem segurando essa mão de obra. Mas só estamos esperando isso; e, se a economia não melhorar, vai ser preciso demitir", afirma Clovis Gil, presidente da Ativa. As montadoras de caminhões sentem o atraso no investimento do transportador. No primeiro trimestre, a queda nas vendas de veículos foi de 32%. "Os clientes cativos têm uma política de renovação de frota de no máximo cinco anos. Muitos estão adiando esse investimento à espera de uma definição da situação política. Temos notado aumento nas consultas, mas, na hora de concretizar o negócio, o fator psicológico ainda é alto nessa decisão", diz o presidente da MAN Latin America, Roberto Cortes. Para Roberto Leoncini, vice-presidente de vendas da Mercedes-Benz, "precisa acontecer alguma coisa para que os transportadores decidam pela compra". O presidente da FPT, fabricante de motores diesel do Grupo CNH Industrial, Marco Aurélio Rangel, passou boa parte do tempo, nas últimas semanas, explicando a política brasileira à matriz italiana. Ele diz esperar melhora dos negócios após a solução do imbróglio político. "O País tem um potencial enorme. Há muito o que fazer na infraestrutura, e o agronegócio é pujante", afirma. Produtos premium são aposta para enfrentar redução de vendas Mesmo com o Brasil em crise e a inflação corroendo a capacidade de compra da população, empresas apostam em reforçar a oferta de produtos mais caros. Os itens premium vão de sanduíche artesanal do McDonald's a fraldas da Pampers com maior absorção, pães de queijo com apelo saudável e vodca a R$ 28,50 da mesma produtora da bebida popular Sidra Cereser. Segundo a consultoria Nielsen, 54% dos lançamentos feitos no ano passado foram de produtos mais caros do que os disponíveis. Para o levantamento, a consultoria observou um grupo de 42 categorias. Nas marcas já existentes, foram considerados como mais caros aqueles com preço acima da média praticada pela marca. No caso de novas, foi usado o preço médio da categoria em que ele está inserido. Entre as razões para a aposta no premium, em um momento em que muitos consumidores precisam economizar, estão desde o surgimento de oportunidades inesperadas na crise como até a tentativa de manter a rentabilidade, mesmo com um número menor de vendas. A alta do dólar abriu espaço para que a Castelo Alimentos, maior produtora de vinagre no país, entrasse no nicho gourmet de sua categoria. A empresa lançou no ano passado linha de vinagres feitos a partir de vinho tinto da uva cabernet sauvignon. O objetivo do lançamento é atender consumidores que, durante os anos de bonança, passaram a comprar vinagres importados, segundo Marcelo Cereser, diretor-superintendente da empresa. Enquanto um vinagre comum pode ser comprado por até R$ 1,50, o que é feito a partir de vinho custa entre R$ 10,00 e R$ 12,00. O McDonald's lançou em fevereiro o ClubHouse, seu primeiro sanduíche artesanal no Brasil. O lanche tem como ingredientes pão de brioche e cebola caramelizada. Na comparação com o Big Mac, o sanduíche artesanal sai por a partir de R$ 23,50 (sem acompanhamentos), ante R$ 14,50 do lanche mais conhecido da rede. A explicação da empresa para a aposta no premium é que, para economizar, parte dos consumidores reduziu a ida às lojas e, quando vão, querem dar um "tiro certeiro", consumindo algo de maior qualidade, segundo Roberto Gnypek, vice-presidente de marketing da rede. "É um novo equilíbrio de relações. Se você perde frequência, busca entregar mais valor para manter a rentabilidade", afirma Gnypek. Além disso, o executivo afirma que a nova linha irá atrair clientes que estavam acostumados a consumir sanduíches gourmet ou artesanais em locais mais caros. Para Daniela Khauaja, coordenadora acadêmica de pósgraduação da ESPM, a aposta em produtos mais caros na crise tem mais a ver com fortalecimento de marca do que com potencial de mercado para as novidades. "As empresas sabem que esses são produtos de nicho, aspiracionais. Por mais que as pessoas estejam procurando um escapismo, um pequeno prazer, o bolso está curto. O produto de preço acessível é o que vai vender mais."