Valor Econômico, 7 de abril de 2017 A retomada na Europa Por: Armando Castelar Pinheiro Os EUA vêm roubando a cena no noticiário internacional, por conta das propostas de reforma de Trump e dos conflitos entre ele e os juízes, entre republicanos e democratas, e entre os próprios republicanos. Esses conflitos vão continuar. De fato, eles são parte da própria história americana, desde a época da independência, passando pela Guerra Civil e a briga pelas políticas antitruste, no século XIX, o conflito entre Franklin Roosevelt e a Suprema Corte, nos anos 1930, e a briga pelos direitos humanos, nos anos 1960. Os grupos em conflito - liberais e conservadores - e a natureza do conflito, guardadas as devidas proporções, também são os mesmos. A beleza da sociedade americana é justamente sua capacidade de explicitar e lidar com essas diferenças e conseguir construir soluções que ajudam o país avançar. Enquanto isso, porém, há coisas relevantes ocorrendo no resto do mundo. Na economia, merece destaque a recuperação que finalmente começa a tomar forma na Europa e, em especial, na zona do euro, onde o crescimento tem se disseminado entre os vários países e setores. Em paralelo, observam-se quedas na taxa de desemprego e alta na inflação, sinalizando que a região começa a finalmente se recuperar da crise financeira internacional e dos problemas que a afetaram em 2012, quando Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda quase chegaram a decretar a moratória de suas dívidas públicas, ameaçando a saúde das instituições financeiras da região. A Alemanha foi durante esse período o maior caso de sucesso da zona do euro. Em 2011, o PIB do país já tinha superado o patamar pré-crise e daí em diante aumentou continuamente, ficando em 2016 8,2% acima do patamar de 2008. Nesse período, o PIB per capita do país subiu 7,4%, mais que nos EUA, onde a alta foi de 5,6%. Ao contrário do que ocorreu nos EUA, porém, o aumento do PIB resultou quase integralmente da expansão do nível de emprego (8,8%), enquanto a produtividade (PIB por trabalhador) caiu 0,6%. Esse padrão de crescimento teve três consequências importantes. A primeira foi a forte redução da taxa de desemprego na Alemanha: 4,3% em 2016, contra 7,4% em 2008. De fato, não só a taxa de desemprego alemã é menor ainda que nos EUA, como atualmente é a mais baixa desde o início dos anos 1980. A segunda consequência foi elevar os salários e a taxa de inflação. Esta deve atingir um pico de 1,6% no segundo trimestre de 2017, ainda que isso também reflita a alta do petróleo. O grande risco é a eleição francesa dia 23. Se Le Pen vencer, a zona do euro viverá novas turbulências A terceira e mais importante consequência é que a Alemanha tem perdido competitividade para os países da periferia europeia, o que ajudou muito esses países a elevar o crescimento e reduzir os seus elevadíssimos déficits externos, em grande parte com a própria Alemanha. Assim, entre 2008 e 2016, em euros correntes, o custo unitário do trabalho (CUT) na Alemanha aumentou 17,2%, enquanto na França a alta foi de 11,6% e na Irlanda, Espanha e Portugal se observaram quedas de, respectivamente, 28,2%, 4,2% e 2,1%. Controlando para a inflação, temos altas no CUT de 7,3% na Alemanha e 2,7% na França, e quedas de 28,3%, 11,1% e 9,8% na Irlanda, Espanha e Portugal, respectivamente. Nesse meio tempo, os saldos em conta corrente destes três últimos países, como proporção do PIB, foram de déficits de 6,5%, 9,3% e 12,1% em 2008 para superávits de 9,5%, 1,9% e 0,02% em 2016, respectivamente. Esses resultados são notáveis pois refletem ajustes feitos entre países da zona do euro, que utilizam a mesma moeda. Mas nesse período a competitividade externa também aumentou, porque o euro se desvalorizou significativamente em relação aos parceiros comerciais da região. Em termos da taxa de câmbio efetiva real, o euro perdeu 16% do seu valor entre 2008 e 2016. Isso significa, por exemplo, que o CUT da Espanha, na moeda dos parceiros comerciais da zona do euro, caiu 25% entre 2008 e 2016. Do ponto de vista de emergentes como o Brasil, essas são boas notícias, uma vez que essa recuperação ainda não deve fazer o Banco Central Europeu mudar o perfil expansionista de sua política monetária, como em menor escala também deve ocorrer nos EUA. No cenário externo também há outras boas notícias para os emergentes, como a manutenção do crescimento elevado da Ásia ex-Japão, a despeito da esperada desaceleração chinesa. Na Europa, o grande risco atualmente é a eleição francesa, que começa em 23 de abril e tem segundo turno em 7 de maio. O favorito, Emmanuel Macron, defende posições a favor da integração europeia e medianamente liberais. Em segundo lugar vem Marine Le Pen, que se ganhar deverá realizar um plebiscito sobre a permanência do país na zona do euro. Ainda que quase empatados nas pesquisas sobre o primeiro turno, Macron leva grande vantagem no segundo. Ocorre que um número muito grande de franceses se diz indeciso, o que gera o risco de uma nova surpresa em maio, como com o Brexit e Trump. Se Macron ganhar, o risco político vai cair muito e França e Europa devem reforçar a retomada. Se Le Pen vencer, a zona do euro viverá novas turbulências. Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e professor do IE/UFRJ. twitter: @ACastelar. Escreve mensalmente às sextas-feiras.