PRÁTICAS DA FARMÁCIA CLÍNICA APLICADAS À ONCOLOGIA Clinical pharmacy praticace of applied to oncology PRÁTICAS DA FARMÁCIA CLÍNICA APLICADAS À ONCOLOGIA Clinical pharmacy praticace of applied to oncology Daniele Cavalheiro de Oliveira Zampar Farmacêutica Oncológica do Hospital do Câncer de Londrina – PR (HCL); Mestre em Patologia Experimental pela Universidade Estadual de Londrina (UEL); Profª do Departamento de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR) de Londrina – PR. (43) 9161 3960 – [email protected] Camila da Silva Gonçalves – Discente Unopar Acadêmica do 4º ano do Curso de Farmácia da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR) de Londrina – PR Isadora Canhoto da Silveira – Discente Unopar Acadêmica do 4º ano do Curso de Farmácia da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR) de Londrina – PR Mariana Yukari Kimura – Discente Unopar Acadêmica do 3º ano do Curso de Farmácia da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR) de Londrina – PR Nathália Bacco de Oliveira – Discente Unopar Acadêmica do 4º ano do Curso de Farmácia da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR) de Londrina – PR 1 INTRODUÇÃO A atuação do farmacêutico na assistência à saúde continua a evoluir além daquelas tradicionalmente conhecidas e relacionadas aos medicamentos. De acordo com Araújo e Almeida1, o farmacêutico deve participar ativamente de todas as etapas do processo do tratamento do paciente, intervindo e prevenindo a ocorrência de possíveis falhas antes da administração do medicamento, possibilitando a maior segurança à prescrição médica e ao paciente. A base do tratamento citotóxico para o farmacêutico possui pontos relevantes como: logística adequada para o recebimento da prescrição médica, avaliação da prescrição médica (conferência do protocolo prescrito, averiguação das doses dos medicamentos a partir da superfície corporal, avaliação dos intervalos de doses e do número de ciclos proposto no protocolo, inclusão de medicamentos de suporte ou adjuvantes), além de fornecer a quimioterapia pronta para o uso devidamente identificada para a equipe de saúde2. Qualquer falha em uma destas etapas pode configurar um erro de medicação. O Conselho de Coordenação Nacional em Relato e Prevenção de Erros de Medicação (NCCMERP) define como um erro de medicação “qualquer evento que possa causar ou contribuir para o uso inapropriado de uma medicação ou dano em um paciente enquanto a mesma está sobre o controle de um profissional de saúde, paciente ou familiar. Estes eventos podem estar relacionados com uma prática profissional, produtos para a saúde, procedimentos e sistemas, incluindo a prescrição; comunicação oral; rotulagem do produto; embalagem e nomenclatura; composição; dispensação; distribuição; administração; educação; monitoramento e uso3”. Dados de um estudo observacional prospectivo em três hospitais de Alicante, na Espanha, reportaram 8222 casos de erros de medicação, nos anos de 1996 a 1998, sendo que em média os índices de erros globais eram de 12,8%, dos quais 90% eram evitáveis4. Uma análise nos EUA revelou que os agentes antineoplásicos representam a segunda classe de medicamentos mais relacionada a erros que levam à morte de pacientes5. Detectar erros na prescrição de fármacos antineoplásicos é uma tarefa prioritária da farmácia oncológica: doses incorretas, omissão involuntária de algum fármaco ou imprecisão quanto ao nome do mesmo, confusões quanto ao ciclo terapêutico que deverá ser seguido, via de administração e o tempo de infusão inadequado, são exemplos de tais erros. O farmacêutico pode garantir a segurança neste processo com bom preparo técnico e clínico, além da integração e boa comunicação junto à equipe assistencial de saúde que cuida do paciente. A Farmácia Clínica (FC) possui ferramentas que podem auxiliar na segurança e qualidade do tratamento do paciente uma vez que se caracteriza por ser uma “ciência cuja responsabilidade é assegurar, mediante a aplicação de conhecimentos e funções relacionadas ao cuidado dos pacientes, que o uso dos medicamentos seja seguro e apropriado”, além de estimar as interações multiprofissionais7. É sabido que a aplicação de um sistema multidisciplinar de prevenção de erros apresenta importância social e econômica para os sistemas de saúde8. Na FC, o farmacêutico avança além das habilidades técnicas de preparo e dispensação de medicamentos, passa a relacionar-se de forma direta e ativa com o paciente e os demais profissionais de saúde, assumindo uma postura clínico-assistencial9. Algumas razões caracterizam as atividades clínicas do farmacêutico, dentre essas razões, incluem a identificação de problemas nos processos de cuidados à saúde como os erros de prescrição sendo frequentes e custosos, conforme já documentado em diversos estudos10. A prescrição é a primeira etapa para a utilização dos medicamentos, necessitando de elementos mínimos, como ser legível e completa, a fim de garantir ótimos resultados terapêuticos8. O presente estudo tem como objetivo quantificar e caracterizar as intervenções farmacêuticas realizadas nas prescrições de quimioterápicos antineoplásicos dos pacientes do Hospital do Câncer de Londrina, bem como demonstrar a importância das práticas relacionadas à farmácia clínica em evitar erros com medicamentos e contribuir para a melhoria do tratamento quimioterápico. 2 MATERIAIS E MÉTODOS O estudo foi conduzido na Farmácia Oncológica do Hospital do Câncer de Londrina (HCL). O HCL é caracterizado por ser uma instituição filantrópica, fundada em 1965, de médio porte e de nível terciário. Além dos conceituados serviços de UTI e Centro Cirúrgico, é referência regional no tratamento do câncer e realiza 2000 quimioterapias por mês, entre as de uso parenteral, oral e hormonioterapia. Os dados deste estudo foram obtidos pelo levantamento dos registros de intervenções farmacêuticas realizadas através de um formulário próprio para a atividade. Os registros partiram de informações contidas em prescrições médicas manuais de quimioterápicos de uso parenteral do mês de Agosto de 2009. 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES Após a análise de 972 prescrições médicas contendo quimioterápicos de uso parenteral, foi possível observar que houve 686 registros de Intervenção Farmacêutica realizados, o que representou 71% das prescrições. Além do registro, fundamental para a quantificação e classificação das intervenções, os farmacêuticos do serviço atuaram de forma a resolver, junto aos prescritores e equipe de enfermagem (responsável pelo agendamento dos pacientes para quimioterapia), todas as situações que motivaram um registro de intervenção. Intervenções clínicas podem ser definidas como a detecção de erros, discrepâncias ou oportunidades para melhorar o cuidado ao paciente. Estas intervenções têm por finalidade evitar erros antes que eles sejam cometidos e possam causar algum dano aos pacientes11. O Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica define intervenção farmacêutica como uma das práticas de FC, sendo caracterizada por ato planejado, documentado e realizado junto ao usuário e profissionais de saúde, que visa resolver ou prevenir problemas que interferem ou podem interferir na farmacoterapia, sendo parte integrante do processo de acompanhamento/seguimento farmacoterapêutico12. O tipo mais freqüente de intervenção deu-se em relação à prescrição de medicamentos quimioterápicos em siglas ou abreviaturas, como na tabela 1. Tabela 1 – Tipos de Intervenções Farmacêuticas TIPO DE INTERVENÇÃO FARMACÊUTICA Nº REGISTROS % Utilização de siglas 507 73,9 Volume de infusão* 95 13,8 Legibilidade 48 6,9 Dose 15 2,2 Tempo de infusão 9 1,3 Omissão de fármaco (s) 5 0,7 Data/Intervalo do ciclo 5 0,7 Via de administração 2 0,3 * Volume de infusão inadequado e/ou omissão de solução parenteral de grande volume prescrito. Os resultados na tabela mostram que 74% dos registros foram devido à utilização de siglas nas prescrições médicas. Sabe-se que as abreviaturas economizam o tempo do prescritor, porém, quando mal empregadas, podem causar equívocos de leitura ou interpretação, pois uma abreviatura pode ter mais de um significado, além de aumentar o trabalho daqueles que tentam compreendê-la13. Logo após, pode-se observar que a intervenção referente ao volume de infusão prescrito inadequadamente ou a ausência de soro junto ao quimioterápico representou 14% do total de intervenções registradas. Medicamentos como dacarbazina, gencitabina, irinotecano, paclitaxel, docetaxel, oxaplatina e cisplatina são considerados altamente irritantes e necessitam, conforme recomendações constantes de suas monografias, de volume apropriado para a infusão14. De acordo com o Conselho Regional de Enfermagem (COREN-SP)15, a administração endovenosa desses fármacos com volume de soro inadequado pode levar a uma reação inflamatória por lesão no acesso venoso e desconforto dos pacientes. Os trabalhos desenvolvidos a fim de monitorar, prevenir erros com medicamentos e influenciar positivamente os resultados da farmacoterapia são classificados como serviços farmacêuticos clínicos de Classe I, conforme mencionado por Storpirtis, et al 16 . O estudo revelou que 7% das intervenções foram relacionadas à legibilidade, o que reforça a importância do farmacêutico na etapa de avaliação da prescrição médica, uma vez que, conhecendo os protocolos de tratamento, pode esclarecer possíveis dúvidas entre paclitaxel e docetaxel; cisplatina e carboplatina; vincristina e vimblastina; irinotecano e topotecano, trastuzumabe e bevacizumabe17. A Sociedade Americana de Farmacêuticos dos Serviços de Saúde (ASHP) publicou no Guidelines on Preventing Medication Errors with Antineoplastic Agents sendo de responsabilidade dos farmacêuticos garantirem o uso racional e seguro dos medicamentos, alertando os erros de medicação a fim de preveni-los 18. Apenas 2% das intervenções farmacêuticas foram realizadas quanto às doses dos medicamentos quimioterápicos. No entanto, este resultado não pode ser menosprezado devido ao fato de que os quimioterápicos antineoplásicos apresentam um nível elevado de toxicidade, possuem uma estreita janela terapêutica, podendo inclusive os menores erros causar sérios danos3. A qualidade da assistência e a segurança do paciente são uma das maiores preocupações da Organização Mundial da Saúde (OMS)6, constituindo em desafios corriqueiros na eficiência e eficácia do sistema de saúde. Dentro dos sistemas de saúde, o profissional farmacêutico representa uma das últimas oportunidades de identificar, corrigir ou reduzir possíveis riscos associados à terapêutica19. Os resultados mostram ainda que 1,3% das intervenções foram devido ao tempo de infusão das drogas antineoplásicos, para exemplificar, tem-se o pamidronato sódico, um inibidor de osteólise, cujo tempo de infusão, obrigatoriamente, não deve exceder 60mg/h20. Este estudo mostrou que 0,7% representaram prescrições com omissão de algum fármaco constante do protocolo prescrito e também 0,7% foram intervenções referentes ao intervalo entre uma dose e outra. Sabe-se que a eficácia dos tratamentos oncológicos em muito depende do cumprimento do protocolo estabelecido, que estabelecem drogas, doses, vias de administração, tempo de infusão e intervalos a serem empregados por patologia, faixa etária, fases do tratamento e estadio da doença de base 21. Embora as intervenções registradas para a correção da via de administração do medicamento tenham representado somente 0,3%, deve-se salientar que medicamentos administrados em vias impróprias são fatais, como a vincristina. Este medicamento administrado em via intratecal pode causar toxidade neurológica, perda gradativa da função mental, coma e até a morte22. 4 CONCLUSÃO Com base no número de intervenções farmacêuticas realizadas e seus variados tipos, pôde-se concluir como fundamental, para a segurança do paciente, a etapa de avaliação da prescrição médica pelo farmacêutico. Ao utilizar-se dos serviços farmacêuticos clínicos, o farmacêutico torna-se a referência nas questões de segurança e uso racional do tratamento oncológico. Como medidas simples, as intervenções farmacêuticas podem evitar, de imediato, considerável quantidade de erros de medicação com potencial ou não de risco ao paciente. O farmacêutico traz contribuições significativas à equipe que atua em oncologia, muito além do simples papel de manipulador e dispensador de medicamentos. As práticas de farmácia clínicas também proporcionam oportunidade única de inserção e interação junto à equipe de saúde e com o paciente, contribuindo com a qualidade da assistência prestada. REFÊRENCIAS 1. De Araújo R Q, De Almeida S M. A Farmácia clínica na unidade de terapia intensiva. Pharmacia Brasileira [periódico na Internet], 2008, 6:1-4. [acesso em 2012 jan 29]. Disponível em: http://www.cff.org.br/sistemas/geral/revista/pdf/68/encarte_farmacia_hospitalar.pdf. 2. De Oliveira C L R. Prevenção de erros de medicação citotóxica. Tese [Mestrado em Farmácia Hospitalar] Universidade de Lisboa, Lisboa, 2007. f. 123 [acessado em 2012 jan 29]. Disponível em: http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/240/1/20036_ULFACD000210_TM.pdf. 3. Freitas C L. Revista Rotina de Prevenção de Erros em Serviço Oncológico. 2008. 3 p. 4. Biasco P, Mariño El, Aznar M T, et al. Desarrolo de un método observacional prospectivo de estúdio de Errores de Medicación para su aplicación en hospitales. 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