OLHARES PLURAIS - Artigos 80 FLEXIBILIZAÇÃO: LIMITAÇÃO ÀS NORMAS DE ORIGEM AUTÔNOMAS EM RESPEITO AOS IMPERATIVOS DAS NORMAS E PRINCÍPIOS PECULIARES DO DIREITO DO TRABALHO Jean da Silva1 RESUMO Este estudo procura discutir o fenômeno da flexibilização, especialmente, a relativização de princípios protecionistas que regem o direito laboral, através de negociação coletiva. Utilizouse de pesquisa bibliográfica, além de consultas ao repositório jurisprudencial do TST. Constatou-se que a dinâmica socioeconômica impulsionou a relativização, mediante autorização da norma heterônoma, de direitos individuais do trabalho, permitindo-se suprimir ou restringir aqueles entendidos como indisponíveis relativamente. Como não existem definições de quais seriam esses direitos, surgem interpretações conflitantes, inclusive, na Corte Máxima da Justiça do Trabalho. É preciso que haja convergência, no sentido de entender como relativamente indisponíveis àqueles que norma heterônoma estabelecer. Palavras-chave: Direito do Trabalho. Flexibilização. Normas e Princípios no direito laboral. INTRODUÇÃO O Direito do Trabalho surgiu de uma resposta política à atuação do capitalismo liberal, que se fortaleceu com a eclosão da Revolução Industrial, a qual provocou mudanças em todo setor produtivo, dando origem à chamada classe operária. A liberdade ilimitada do sistema de produção atrelada ao desenvolvimento industrial possibilitou a utilização da mão-de-obra das meias-forças (mulheres e crianças), substituindo, muitas vezes, a força produtiva dos homens. Neste panorama de exploração da força de trabalho da classe operária, começaram surgir conflitos de interesses entre o ser coletivo e a individualidade dos detentores dos meios de produção. Tais conflitos impuseram a necessidade de intervenção do Estado, através de normas imperativas, de força cogente, insuscetível, inclusive, de renúncia das partes, objetivando a proteção da classe operária. A intervenção estatal criou um rol de garantias de condições mínimas do trabalho sustentadas por diversos princípios. Entretanto, o advento do Estado Neoliberal, agregado as mais diversas transformações sociais, levantou a discussão acerca de se relativizar tais garantias, de forma a promover uma flexibilização dos direitos individuais do trabalho. 1 Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas de Maceió – FAMA, Pós-graduando no Curso de Especialização em Docência do Ensino Superior Tecnológico pela Faculdade de Tecnologia de Alagoas – FAT e Pós-graduando no Curso de Especialização em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió – CESMAC. E-mail: [email protected]. OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 2, Nº. 5, Ano 2011 ISSN 2176-9249 OLHARES PLURAIS - Artigos 81 Este estudo objetiva compreender o fenômeno da flexibilização, em especial, os limites da relativização de princípios protecionistas que regem o direito laboral, através de negociação coletiva. Para tanto, o trabalho foi dividido em três seções. A primeira trata dos princípios que dão sustentação aos direitos individuais trabalhistas. A segunda, do fenômeno da flexibilização em suas duas facetas (heterônoma e autônoma). A última, analista os limites da produção de normas autônomas, frutos da negociação coletiva, em detrimento dos princípios de proteção dos direitos laborais. 1 DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO Antes de começar a abordagem acerca dos princípios do Direito do Trabalho, importante destacar que os mesmos são utilizados, ou ao menos devem, e não raras vezes, pelo intérprete no exercício sublimar da aplicação do direito. A utilização referida acima, não especificamente a este ramo do direito, abarca não somente os princípios específicos, os chamados peculiares, mas, também, os princípios gerais e os de natureza constitucional, que se distinguem em razão, sobremaneira, da generalidade dos primeiros relativamente aos últimos. (BARROS, 2010, p. 173). É certo que a interpretação consiste no cotejo entre a norma/princípio e o fato. Mas não só isso. Como bem destacam os constitucionalistas Barroso e Barcellos (2011, p. 17), o método básico subsuntivo, baseado nos elementos clássicos de hermenêutica (gramatical, histórico, sistemático e teleológico), ganhou um aliado dentro da visão da nova interpretação constitucional, vez que, diante da atual dinâmica social, não mais se apresenta suficiente na busca da solução dos casos concretos e do próprio sentido das normas. Esse novo aliado é o denominado princípio da ponderação, que “consiste, portanto, em uma técnica de decisão jurídica aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, especialmente quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas” (BARROSO e BARCELLOS, 2011, p. 17). No que concerne ao estudo dos princípios aplicáveis ao Direito do Trabalho, importante destacar, de logo, os constitucionais gerais, que, como bem asseverou o Bonavides (apud SÜSSEKIND, 2010, p. 112), “fazem a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto, ao grau de normas das normas, de fonte das normas”. OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 2, Nº. 5, Ano 2011 ISSN 2176-9249 OLHARES PLURAIS - Artigos 82 Princípios como o federativo, dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho e da livre iniciativa, direito à vida, à igualdade, à liberdade (ao exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei estabelecer; e à associação), à propriedade, bem como, a valorização do trabalho humano, justiça social, função social da propriedade, a busca do pleno emprego, dentre outros decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja signatário, são princípios constitucionais gerais plenamente aplicáveis ao Direito do Trabalho. Além desses, têm-se os princípios constitucionais relativos ao Direito do Trabalho. Os arts. 7º e 8º da Carta Magna (BRASIL, 1988) apresentam princípios relevantes como: o da não discriminação (art. 7º, XXX, XXXI e XXXII) — proíbe a diferença de critério de admissão, de exercício de funções e salário por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; bem como a adoção de critério de admissão e de salário em razão de deficiência física; e critérios que distinga o trabalho técnico, manual e intelectual ou entre profissionais respectivos —; o da continuidade — proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, independentemente do levantamento do FGTS e do aviso prévio, fazendo o jus o empregado à indenização compensatória, além de outros direitos —; e o da liberdade sindical, do direito de greve, dentre outros. Ao tratar de princípios específicos ao Direito do Trabalho, Delgado (2010, p. 181) optou por trabalhá-los separadamente de acordo com cada ramo, individual ou coletivo. Para ele, no primeiro ramo, tem-se uma relação entre o empregador, que “age naturalmente como ser coletivo, isto é, um agente socioeconômico e político cujas ações — ainda que intraempresariais — têm a natural aptidão de produzir impacto na comunidade mais ampla”(DELGADO, 2010, p.181); e um indivíduo, “consubstanciado no trabalhador que, como sujeito desse vínculo sociojurídico, não é capaz, isoladamente, de produzir, como regra, ações de impacto comunitário” (DELGADO, 2010, p.181). No segundo, há, em tese, uma equivalência dos envolvidos na relação jurídica, pois ambos, empregador e organizações sindicais, são seres coletivos. Esta relação tem princípios próprios, específicos do Direito Coletivo, razão pela qual o douto citado optou em trabalhá-los separadamente. Acerca especificamente dos princípios peculiares do direito individual do trabalho, destacam-se, segundo Delgado (2010, p.182-195), que os denominou de núcleo basilar de princípios especiais: o princípio da proteção; o princípio da norma mais favorável; princípio da imperatividade das normas trabalhistas; princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas; princípio da condição mais benéfica; princípio da inalterabilidade contratual OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 2, Nº. 5, Ano 2011 ISSN 2176-9249 OLHARES PLURAIS - Artigos 83 lesiva; princípio da intangibilidade salarial; princípio da primazia da realidade sobre a forma; e princípio da continuidade da relação de emprego. Dentre tais princípios, alguns possuem importância especial no que se refere à discussão da autonomia das partes na elaboração de negociação coletiva. O princípio da proteção serve de fundamento para todo o complexo do Direito Individual do Trabalho, vez que objetiva tutelar uma proteção à parte hipossuficiente, qual seja, o obreiro. Busca atenuar, ao menos no plano jurídico, o desequilíbrio existente na relação fática entre o detentor dos meios de produção e o empregado. Para Barros (2010, p. 181), o princípio da proteção tem sua substância na norma e na condição mais favorável. Tenta diminuir desigualdades, dando ao empregado uma superioridade jurídica, vez que o mesmo se encontra, via de regra, em condição de hipossuficiência. O princípio da norma mais favorável tem como fundamento a existência de duas ou mais normas aplicáveis no caso concreto. Para a aferição de qual norma é a mais favorável, a doutrina, que não é uníssona, aponta três critérios. O primeiro utiliza-se da teoria do conglobamento, segunda a qual deve ser aplicada a norma entendida como mais favorável após o confronto de blocos de normas objeto de comparação. O segundo, que utiliza a teoria da acumulação, aponta que deve ser aplicada a norma mais favorável após confronto de cada uma das normas comparadas. Por fim, o que utiliza a teoria do conglobamento mitigado (orgânico ou por instituto), pela qual deve ser aplicada a norma após comparação parcial de grupos, ou seja, comparam-se as normas agrupadamente e por matérias (BARROS, 2010, p. 181). Diante do cotejo de normas possivelmente aplicáveis no caso concreto, importante resgatar o ensinamento de Barroso e Barcellos (2011, p. 17), no sentido de que os elementos clássicos de hermenêutica (gramatical, histórico, sistemático e teleológico) podem não ser suficientes no processo interpretativo, devendo o operador do direito fazer uso do principio da ponderação. O complexo dos direitos individuais trabalhistas é, em tese, essencialmente imperativas, o que significa dizer que tais preceitos não podem ser afastados por simples disposições das partes. Assim, derivado — o complexo — de normas heterônimas, ou seja, emanadas do Estado, cogentes e imperativas, portanto, não pode a autonomia das partes afastar suas incidências, sofrendo, com isso, restrição, em contraposição ao direito civil. Neste sentido, o princípio da imperatividade das normas trabalhistas objetiva assegurar a eficácia das garantias fundamentais do trabalhador, em detrimento do desequilíbrio no quanto concerne à relação de emprego. OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 2, Nº. 5, Ano 2011 ISSN 2176-9249 OLHARES PLURAIS - Artigos 84 Em decorrência, por óbvio, da imperatividade das normas heterônomas, o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, ou, como prefere alguns autores, princípio da irrenunciabilidade, impede que o empregado se despoje de seus direitos, em contraponto às disposições imperativas. Seu objetivo é limitar a autonomia da vontade das partes, pois não seria viável que o ordenamento jurídico, impregnado de normas de tutela do trabalhador, permitisse que o empregado se despojasse desses direitos, presumidamente pressionado pelo temor reverencial de não obter o empregado ou de perdê-lo, caso não formalizasse a renúncia. (BARROS, 2010, p. 186-187). Enfim, em razão do princípio da indisponibilidade, o empregado não pode, por sua simples manifestação de vontade, despoja-se das vantagens e proteções que lhes são assegurados, seja por disposição legal (em sentido amplo) ou contratual. Entretanto, o princípio da indisponibilidade tem sido atenuado pela negociação coletiva, conforme dispõe o art. 7º, incisos VI, XIII e XIV da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que tratam da possibilidade de redução salarial, de compensação de horário e redução de jornada, e da jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento. Já o princípio da condição mais benéfica determina que se preserve a condição mais vantajosa ao empregado, sejam elas ajustadas no contrato de trabalho ou em regulamento da empresa. Aqui, não se estar a pesar as normas, mas as cláusulas contratuais (tácitas ou expressas, do próprio contrato de trabalho ou regulamento da empresa). (DELGADO, 2010, p. 187). Decorrente do princípio geral do Direito Civil pacta sunt servanda, o princípio da inalterabilidade contratual lesiva foi incorporado, é certo que com modificações substantivas, ao Direito do Trabalho. Preceitua o referido princípio que o contrato de trabalho firmado entre as partes não pode ser alterado, salvo se por mútuo consentimento e não resultar, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado (art. 468, CLT). Desta forma, ainda que por livre manifestação das partes, toda e qualquer alteração contratual que importe em prejuízos ao empregado será, em regra, afastada por aplicação do princípio da inalterabilidade contratual lesiva. Conclusão lógica é que, em sendo benéfica, a alteração contratual será permitida e plenamente aplicável. Entretanto, o referido princípio vem sendo atenuado, a exemplo do princípio indisponibilidade dos direitos trabalhistas, podendo, através de negociação coletiva, e em algumas hipóteses previstas constitucionalmente, ser o contrato de trabalho alterado, ainda que de forma lesiva ao empregado. O mesmo ocorre com o princípio da intangibilidade salarial quando, por meio de negociação coletiva (art. 7, VI, CF/88), permite-se sua redução. OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 2, Nº. 5, Ano 2011 ISSN 2176-9249 OLHARES PLURAIS - Artigos 85 Registre-se que o salário tem caráter alimentar e se destina a manutenção do indivíduo no quanto concerne suas necessidades essenciais, transcendendo, inclusive, o ramo do Direito do Trabalho. Outrossim, tal princípio não é absoluto, e a própria legislação cuidou de disciplinar sua relativização. Assim, é possível a redução salarial por meio de negociação coletiva, bem como a realização de descontos decorrentes de adiantamento ou de outros dispositivos legais (art. 462, CLT) (BRASIL, 1943), e em casos de prestação alimentícia, que permite a penhorabilidade do salário (art. 649, IV, §2º, do Código de Processo Civil) (BRASIL, 1973). O princípio da primazia da realidade sobre a forma significa que a relação jurídicotrabalhista será definida pela situação de fato. Há um desprezo da ficção jurídica (BARROS, 2010, p. 186). Em suma, nada prevalecerá sobre os fatos, pois estes determinarão a relação jurídico-trabalhista. Para finalizar o denominado núcleo basilar do direito do trabalho por Delgado (2010), tem-se o princípio da continuidade da relação de emprego. Tal princípio tem previsão constitucional (art. 7º, I) e como propósito assegurar ao empregado a permanência da relação empregatícia, ou seja, busca-se obstacularizar a dispensa arbitrária e a “manter o pacto laboral nas hipóteses de sucessão, de suspensão e de interrupção do contrato e em face de algumas nulidades por descumprimento das formalidades legais” (BARROS, 2010, p. 187), embora enfraquecido pelo surgimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, que acabou por desprestigiar a estabilidade do obreiro, permitindo com que o empregador, no exercício de um direito potestativo, pudesse dispensar injustificadamente o empregado, desde que efetuasse o pagamento de todas as verbas trabalhistas, inclusive a multa indenitária prevista no art. 7º, I c/c art.10, I, ADCT, ambos da Constituição. (BRASIL, 1988). Ao lado destes princípios acerca do Direito Individual do Trabalho, existem outros que podem ser encontrados em diversas obras a depender do doutrinador. São eles: in dubio pro operario, boa-fé, dignidade humana, maior rendimento e adequação social2. Há que se destacar, em especial, pela importância que apresenta ao tema proposto neste trabalho, a abordagem de Delgado (2010, p. 1211-1231) acerca dos princípios atinentes ao direito coletivo. O professor divide tais princípios em três grandes grupos: princípios assecuratórios da existência do ser coletivo obreiro, princípios regentes das relações entre os seres coletivos 2 Recomenda-se a leitura dos capítulos específicos sobre princípios do Direito do Trabalho, nas obras Curso de Direito do Trabalho de autoria Alice Monteiro de Barros, e Curso de Direito do Trabalho de autoria do Maurício Godinho Delgado. OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 2, Nº. 5, Ano 2011 ISSN 2176-9249 OLHARES PLURAIS - Artigos 86 trabalhistas e os princípios regentes das relações entre normas coletivas negociadas e normas estatais. Desses, apenas os dois últimos grupos interessam. Quanto aos princípios regentes das relações entre os seres coletivos trabalhistas, têmse que estes se reportam “às próprias relações entre os sujeitos coletivos e aos processos consubstanciadores dessas relações” (DELGADO, 2010, p. 1222). Estão incluídos neste grupo o princípio da interveniência sindical na normatização coletiva, o princípio da equivalência dos contratantes coletivos e o princípio da lealdade e transparência na negociação coletiva. A Constituição Federal estabelece, em seu art. 8º, inciso VI, que, nas negociações coletivas, é obrigatória a participação dos sindicatos. Esta imposição de interveniência sindical na normatização coletiva é pressuposto da validade de qualquer negociação coletiva, o que implica dizer que o exercício da autonomia privada, no quanto concerne os direitos coletivos, depende da participação das entidades sindicais. Desta forma, qualquer disposição realizada entre empregado e empregador, que não tenha participação das entidades sindicais, constituirá, tão somente, mera cláusula contratual. Quanto à equivalência dos contratantes coletivos, entende Delgado (2010, p. 1224) que os sujeitos envolvidos na negociação são coletivos, o empregado atua através do sindicato, o empregador, por seu próprio caráter, já é um ser coletivo, podendo, ainda, agir por meio de entidade sindical. Já o princípio da lealdade e transparência na negociação coletiva objetiva que haja lisura na conduta de cada um dos sujeitos durante a vigência da norma coletiva e que prepondere a transparência quanto às informações que serão utilizadas na formulação das normas. No que se referem aos princípios regentes das relações entre normas coletivas negociadas e normas estatais, o ilustre professor reúne o princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva e o princípio da adequação setorial negociada. O primeiro traduz-se no fato de que a negociação coletiva tem o poder de criar normas jurídicas — e não cláusulas contratuais — em sintonia harmônica com ordenamento jurídico existente. Distinguem-se, pois, normas jurídicas e cláusulas contratuais. Sobre esse ponto, Delgado (2010, p. 1228), citando sua obra Introdução ao Direito do Trabalho, diz: [...] é que o Direito confere efeitos distintos às normas (componentes das fontes jurídicas formais) e às cláusulas (componentes dos contratos). Basta indicar que as normas não aderem permanentemente à relação jurídica pactuada entre as partes (podendo, pois, ser revogadas — extirpando-se, a contar de então, do mundo jurídico). Em contraponto a isso, as cláusulas contratuais sujeitam-se a um efeito adesivo permanente nos contratos, não podendo, pois, ser suprimidas pela vontade OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 2, Nº. 5, Ano 2011 ISSN 2176-9249 OLHARES PLURAIS - Artigos 87 que as instituiu. A ordem jurídica confere poder revocatório essencialmente às normas jurídicas e não às cláusulas contratuais. Trata-se, afinal, de poder políticojurídico de notável relevância, já que as normas podem suprimir do mundo fáticojurídico até as cláusulas (além das próprias normas precedentes, é claro), ao passo que o inverso não ocorre (excetuada a prevalência de vantagem trabalhista superior criada pela vontade privada no contrato). Conclusão: a negociação coletiva produz norma jurídica e não simples cláusulas contratuais, e essas normas jurídicas autônomas precisam estar em harmonia com a normatização heterônoma estatal, segundo o princípio da adequação setorial negociada, que será abordado em tópico mais a frente. 2 O FENÔMENO DA FLEXIBILIZAÇÃO O fenômeno da flexibilização deve ser visto sobre dois enfoques. O primeiro diz respeito ao processo unilateral do Estado, também denominado de flexibilização heterônoma. O segundo, a negociação coletiva. É sabido que o Direito do Trabalho surgiu de uma resposta política à atuação do capitalismo liberal. Buscou-se uma intervenção estatal de forma a proteger o obreiro, criando um rol de garantias de condições mínimas do trabalho, sustentadas, dentre outros, pelo princípio da irrenunciabilidade. Entretanto, diversas transformações sociais levantaram a discussão acerca de relativizar tais garantias, de forma a promover uma flexibilização dos direitos individuais do trabalho. A esse respeito, diversos são os posicionamentos, tanto favoráveis, quanto contrários à flexibilização. Divergências a parte, o certo é que os princípios protetivos vêm sofrendo recortes pelo surgimento de normas heterônomas, o que, certamente, é efeito do fenômeno da flexibilização. Exemplificando, tem-se a Lei nº 10.243/2001, que deu nova redação ao §2º, do art. 458 da CLT, que retirou o caráter salarial do auxílio à educação, assistência médica, hospitalar, odontológica, seguro de vida, etc., objetivando evitar que eles se incorporassem ao contrato de trabalho e não pudessem ser retirados, produzindo, por lógico, efeito reflexo sobre outros institutos jurídicos. No mesmo sentido, a Emenda Constitucional nº 28/2000 atribuiu ao empregado rural o mesmo prazo prescricional aplicável ao empregado urbano, quando anteriormente não ocorria prescrição durante o contrato de trabalho do rurícola. (BARROS, 2010, p. 184). OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 2, Nº. 5, Ano 2011 ISSN 2176-9249 OLHARES PLURAIS - Artigos 88 Em artigo publicado na Revista Jurídica Virtual, mantida pelo Centro de Estudos Jurídicos da Presidência, o Subprocurador-Geral do Trabalho, Otavio Brito Lopes, destacou: Com a flexibilização o constituinte teve por escopo a tutela do emprego, já que a rigidez do sistema legal vigente antes de 1988 não permitia, salvo hipóteses restritíssimas, qualquer redução dos direitos trabalhistas na vigência do contrato de trabalho, ainda que pela via da negociação coletiva. Tal rigidez, somada à crise econômica, às oscilações comuns ao mercado e à globalização da economia, resultava na impossibilidade jurídica de redução da folha de pagamento e transposição da crise sem o fechamento de empresas e a redução de postos de trabalho, ou ainda, no simples descumprimento das normas trabalhistas pelo empresário em dificuldades financeiras, que simplesmente as olvidava para demitir seus empregados sem qualquer pagamento indenizatório, deixando a questão se arrastar anos a fio nos tribunais do trabalho. Esta rigidez excessiva, fundada em uma pseudo proteção ao trabalhador, na prática resultava no sacrifício do emprego e da produção, pelo fechamento de estabelecimentos e/ou postos de trabalho, com prejuízo flagrante aos interesses da própria classe trabalhadora e da sociedade em geral, que como um todo sofria os reflexos do desemprego e da recessão. Em última análise, o emprego é o principal bem jurídico da relação empregatícia, não só pelo ser valor para cada trabalhador individualmente, mas para a sociedade como um todo. O salário, a limitação da jornada e quejandos assumem diante do emprego um papel secundário, pois não subsistem isoladamente. (LOPES, 2000). O Direito do Trabalho é divido em normas de caráter individual e normas de cunho coletivo. No Direito Individual do Trabalho a relação jurídica existente é entre o empregado e o empregador, que — frise-se — na maioria das vezes, se encontra em situação superioridade, razão pela qual impera o princípio da proteção, o qual objetiva aproximar, juridicamente, a relação de desigualdade existente entre seus sujeitos. (SARAIVA, 2010, p. 363). Por outro lado, o Direito Coletivo do Trabalho é formado a partir de uma relação jurídica entre sujeitos coletivos. De um lado, a entidade sindical da categoria profissional, e do outro, o empregador ou sua entidade de classe representativa, conforme o princípio da equivalência dos contratantes coletivos. A negociação coletiva consiste num método autocompositivo de resolução de conflitos, no qual a solução partirá dos próprios sujeitos envolvidos na controvérsia, sem que haja intervenção de agente externo. Hinz (2007, p. 93) aduziu que, hoje, o Direito do Trabalho já possui instrumentos de consecução do paradigma denominado prospectivo, que visualiza o futuro, que não está mais atrelado aos fatores do passado. Ele se refere às convenções e acordos coletivos de trabalho, previstos no art. 611 e §1º da CLT. É de relevância transcrever o seguinte enxerto: As relações de trabalho são excessivamente dinâmicas e heterogêneas, a ponto de o direito estatal, legislado, ser incapaz de, em seu lento e seguro processo de elaboração, atender aos anseios de particularidade e rapidez de elaboração e transformação das partes envolvidas. Se, historicamente, o direito legislado surgiu, dentre outras razões, porque as relações jurídicas entre os indivíduos não poderiam OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 2, Nº. 5, Ano 2011 ISSN 2176-9249 OLHARES PLURAIS - Artigos 89 aguardar a lenta gestação das normas consuetudinárias no seio da sociedade a que pertenciam, as normas autônomas surgem por não poderem os novos atores sociais, especialmente os envolvidos na questão laboral, subordinar-se à lentidão e generalidade do processo legislativo estatal. Diante do grau de conflituosidade existente nesse meio e da excessiva particularidade de cada ramo da atividade econômica, só mesmo por meio de normas elaboradas pelos próprios envolvidos há possibilidade de bem regular seus atos, direitos e obrigações. (HINZ, 2007, p. 93). Ou seja, a dinâmica socioeconômica das relações de trabalho acaba por gerar aos seus sujeitos a necessidade de adequação (flexibilização), que não será atendida acaso dependa, tão só, da produção normativa estatal, tendo em vista a morosidade de seu processo legislativo. Daí então, somente as normas autônomas, aquelas produzidas pelos próprios sujeitos envolvidos na relação laboral, podem, atendidas as particularidades de cada ramo da atividade econômica, no prazo curto de tempo, regular seus atos, direitos e obrigações, objetivando a adequação que a dinâmica socioeconômica exige. Como dito antes, o ordenamento jurídico brasileiro já contempla os instrumentos de cunho prospectivos, que buscam adequar a relação jurídica laboral à dinâmica socioeconômica, quais sejam os acordos e convenções coletivas. O art. 611 da CLT define Convenção Coletiva de Trabalho como “acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho” (BRASIL, 1943). Assim, a convenção coletiva decorre de acordo entre entidades sindicais, que representam as categorias econômicas e profissionais. São normas jurídicas autônomas, e não meras cláusulas obrigacionais. Da mesma forma, é possível extrair da CLT a definição de acordo coletivo de trabalho, em seu art. 611, §1º. Para ela, o acordo coletivo de trabalho consiste na negociação coletiva entre sindicatos representativos de categorias profissionais e uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipule condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes, às respectivas relações de trabalho. Note-se que, para celebração de acordo coletivo de trabalho, não é necessária a participação do sindicato da categoria econômica, como ocorre na convenção coletiva, mas tão somente da empresa ou das empresas — que já atuam, pela própria natureza, como ser coletivo. Outrossim, é impreterível a participação da entidade sindical dos obreiros em qualquer negociação coletiva de trabalho, o que inclui, por óbvio, o acordo coletivo. Outra divergência é o âmbito de abrangência das normas jurídicas pactuadas. Enquanto na convenção coletiva, a abrangência é ampla, englobando todos dentro da base profissional e econômica das entidades sindicais; no acordo coletivo, a abrangência é restrita, OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 2, Nº. 5, Ano 2011 ISSN 2176-9249 OLHARES PLURAIS - Artigos 90 atingindo apenas os empregados vinculados à empresa ou conjunto de empresas que subscreveram o termo. 3 LIMITAÇÃO DA AUTONOMIA DA PARTES FACE ÀS NORMAS E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO Pelo que se viu na seção anterior, a dinâmica socioeconômica do mundo globalizado requer que as relações jurídicas laborais sejam constantemente adaptadas. Estas adaptações podem, de certo, ser alcançadas através de produção normativa estatal. Entretanto, o processo gestacional de normas heterônomas não consegue acompanhar a referida dinâmica, de modo que consiga atendê-la. Daí, dentro de uma visão prospectiva, ou seja, com visão no futuro, o ordenamento jurídico brasileiro abarca instrumentos que possibilitem as adequações ao panorama socioeconômico de cada época. Tratam-se, pois, dos acordos e convenções coletivas de trabalho. A produção das normas autônomas, contudo, não é ilimitada, e deve estar, sempre, em consonância com o princípio da adequação setorial negociada, assim denominado pelo já citado professor Maurício Godinho Delgado. O referido princípio trata dos critérios de harmonização entre as normas jurídicas de origem autônomas e as normas jurídicas de origem heterônomas. “Reside, em síntese, na pesquisa e aferição de critérios de validade jurídica e extensão de eficácia das normas oriundas de convenção, acordo e contratos coletivos de trabalho em face da legislação estatal imperativa”. (DELGADO, 2010, p. 1229). As normas de origem autônomas podem prevalecer sobre as normas de produção heterônomas, desde que atendam dois critérios autorizativos: a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direito superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta). (DELGADO, 2010, p. 1229). No primeiro critério, as normas autônomas elevam os direitos trabalhistas, relativamente aos previstos nas normas heterônomas. Não há afronta a qualquer princípio protetivo. No segundo critério, há uma colisão com o princípio da indisponibilidade de direitos trabalhistas, mas apenas na parcela relativa da indisponibilidade. OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 2, Nº. 5, Ano 2011 ISSN 2176-9249 OLHARES PLURAIS - Artigos 91 A própria Constituição Federal autoriza que, por meio de acordo ou convenção coletiva, seja possível transacionar direitos que, em regra, seriam indisponíveis. É o caso da irredutibilidade do salário, da compensação e redução da jornada de trabalho, e da jornada dos turnos ininterruptos de revezamento (art. 7º, incisos VI, XIII e XIV, CF/88). Isso representa parcela relativa da indisponibilidade de direitos trabalhistas, ou seja, por disposição constitucional, tais direitos podem ser relativizados, mediante acordo ou convenção coletiva. Não pode ser objeto de norma autônoma a renúncia de direitos, consubstanciada no despojamento unilateral. Pode, sim, haver transação, pois, neste caso, há, ao menos, uma bilateralidade de despojamento de direitos, ou seja, reciprocidade. Frise-se: apenas a parcela relativa da indisponibilidade pode ser objeto de negociação coletiva. Assim, os direitos revestidos de indisponibilidade absoluta, tais como anotação de CTPS, salário mínimo e normas de saúde e segurança no ambiente do trabalho. Enfim, não deve ser aplicado o princípio da adequação setorial negociada aos direitos garantidos por norma de ordem pública, ou seja, não podem ser objeto de negociação coletiva as normas de ordem pública, exceto se prevista a possibilidade de interveniência de norma coletiva na própria norma legal. A título exemplificativo, segue a Orientação Jurisprudencial da SBDI-1 nº 372, do TST, in verbis: MINUTOS QUE ANTECEDEM E SUCEDEM A JORNADA DE TRABALHO. LEI Nº 10.243, DE 19.06.2001. NORMA COLETIVA. FLEXIBILIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. (DEJT divulgado em 03, 04 e 05.12.2008) A partir da vigência da Lei nº 10.243, de 19.06.2001, que acrescentou o § 1º ao art. 58 da CLT, não mais prevalece cláusula prevista em convenção ou acordo coletivo que elastece o limite de 5 minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho para fins de apuração das horas extras. (BRASIL, 2008). Cita-se, também, o entendimento fixado na Orientação Jurisprudencial da SBDI-1 n.º 342, do TST, in verbis: INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. NÃO CONCESSÃO OU REDUÇÃO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. VALIDADE. DJ 22.06.04. É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (artigo 71 da CLT e artigo 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva. (BRASIL, 2004). Em ambos os casos, tem-se como fundamento da interpretação jurisprudencial a existência de norma de ordem pública, ou seja, norma heterônoma imperativa e cogente. Há, portanto, uma primazia da lei em relação à norma autônoma. Neste sentido, há uma harmonização com o disposto nos arts. 9 e 444 da CLT: OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 2, Nº. 5, Ano 2011 ISSN 2176-9249 OLHARES PLURAIS - Artigos 92 Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação. (BRASIL, 1943). Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. (BRASIL, 1943). Por outro lado, há entendimento em sentido contrário, permitindo flexibilização autônoma de normas imperativas estatais, a exemplo das Súmulas nº 349 e 364 do TST: SÚMULA Nº 349 DO TST. ACORDO DE COMPENSAÇÃO DE HORÁRIO EM ATIVIDADE INSALUBRE, CELEBRADO POR ACORDO COLETIVO. VALIDADE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. A validade de acordo coletivo ou convenção coletiva de compensação de jornada de trabalho em atividade insalubre prescinde da inspeção prévia da autoridade competente em matéria de higiene do trabalho (art. 7º, XIII, da CF/1988; art. 60 da CLT). (BRASIL 2003). SÚMULA Nº 364 DO TST. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. EXPOSIÇÃO EVENTUAL, PERMANENTE E INTERMITENTE (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 5, 258 e 280 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 I - Faz jus ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido. (ex-Ojs da SBDI-1 nºs 05 - inserida em 14.03.1994 - e 280 - DJ 11.08.2003) II - A fixação do adicional de periculosidade, em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposição ao risco, deve ser respeitada, desde que pactuada em acordos ou convenções coletivos. (ex-OJ nº 258 da SBDI-1 - inserida em 27.09.2002). (BRASIL, 2005). No que diz respeito à Súmula nº 349 do TST reproduzida acima, tenho que a mesma contrapõe o art. 60 da CLT: Nas atividades insalubres, assim consideradas as constantes dos quadros mencionados no capítulo "Da Segurança e da Medicina do Trabalho", ou que neles venham a ser incluídas por ato do Ministro do Trabalho, Industria e Comercio, quaisquer prorrogações só poderão ser acordadas mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho, as quais, para esse efeito, procederão aos necessários exames locais e à verificação dos métodos e processos de trabalho, quer diretamente, quer por intermédio de autoridades sanitárias federais, estaduais e municipais, com quem entrarão em entendimento para tal fim. (BRASIL, 1943). Incongruentemente, a CLT permite que, em atividades insalubres, possa haver jornada extraordinária de trabalho, desde que previamente autorizada por autoridade em matéria de higiene do trabalho. Quanto à incongruência referida acima, a mesma ocorre porque o OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 2, Nº. 5, Ano 2011 ISSN 2176-9249 OLHARES PLURAIS - Artigos 93 instituto da insalubridade tem como propósito compensar3 o obreiro pela exposição, quando no desempenho de sua atividade laborativa, a agentes nocivos a sua saúde. Ora, expor o obreiro a agentes nocivos a sua saúde além do tempo da jornada do trabalho é, sem sombras de dúvida, agravar ainda mais a exposição lesiva. Feita a consideração acima, retoma-se o ponto central da discordância relativamente à Súmula nº 349 do TST. O art. 60 da CLT condiciona a possibilidade de jornada extraordinária de trabalho à autorização de órgão competente em medicina do trabalho. Segundo o entendimento da súmula em comento, a validade de norma autônoma prescinde, ou seja, dispensa — absurdamente — a autorização. Em outras palavras, pode-se, segundo entendimento tabulado na referida súmula, por meio de acordo ou convenção coletiva, dispor sobre compensação de jornada extraordinária de trabalho independentemente de autorização de órgão competente em matéria de medicina do trabalho, contrariando, em nosso entendimento, norma de ordem pública, pertencente ao rol de direitos de indisponibilidade absoluta. No mesmo sentido, a Súmula nº 364 do TST permite a fixação do adicional de periculosidade em patamar inferior à previsão legal de 30% (art. 193 da CLT) sobre o salário, sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros, desde que proporcional ao tempo da exposição e mediante acordo ou negociação coletiva. Verifique-se que o instituto do adicional de periculosidade é uma compensação de natureza salarial a que tem direito o empregado que labore, de forma não eventual, em atividades de riscos de vida acentuados. O fundamento do adicional de periculosidade é a existência do risco de vida no desempenho da atividade laborativa. O bem jurídico maior é a vida. Desta forma, tem-se que o direito ao referido adicional faz parte do rol dos que estão protegidos pela indisponibilidade absoluta, o que remete à conclusão de que no cotejo das normas heterônomas com as originadas nos acordos e convenções coletivas, devem prevalecer aquelas em detrimento destas. Ademais, não existem disposições legais que autorizem a relativização de tais direitos. Destarte, as interpretações consubstanciadas nas Súmulas 349 e 364 necessitam de revisão, no sentido de que as normas de origem heterônoma, derivadas, portanto, de normas imperativas estatais, prevaleçam em relação à autonomia privada (negociação coletiva), 3 A compensação aqui referida não é no sentido de reparação indenizatória, mas de um plus pelos efeitos da exposição. O adicional de insalubridade, assim como outros (periculosidade, penosidade, transferência, noturno e de horas extras), tem natureza salarial, e não indenizatória, como erroneamente poderia se pensar. OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 2, Nº. 5, Ano 2011 ISSN 2176-9249 OLHARES PLURAIS - Artigos 94 impedindo a supressão e/ou restrição de direitos de indisponibilidade absoluta, excetuados aqueles que a própria norma heterônoma relativizar. CONCLUSÃO A dinâmica socioeconômica em que as relações jurídicas trabalhistas estão inseridas impõe a necessidade de adequação de todo aparato normativo que compõe o sistema protetivo laboral, o que implica, por muitas vezes, na relativização de alguns direitos individuais trabalhistas. Contudo, o fenômeno denominado flexibilização não pode retroceder ao tempo em que as normas jurídicas que regiam a relação trabalhista eram de origem autônoma, ou seja, produzidas, indiscriminadamente e sem limites, pelos sujeitos da própria relação. É certo que o arcabouço protetivo conferido ao trabalhador, em certos momentos, pode significar uma onerosidade demasiada aos que detêm poder sobre os meios de produção, ao mesmo tempo em que, não se pode permitir que os direitos dos obreiros sejam suprimidos ou restringidos ao arbítrio da lei. O Poder Constituinte Originário da Carta Magna vigente privilegiou a produção de normas autônomas (art. 7, XXVI, CF/88), com o reconhecimento das convenções e acordos coletivos do trabalho, mas isto não significa — nem pode significar — amplitude e/ou liberdade ilimitada em celebração de pactos tendentes a suprimir ou reduzir garantias legalmente previstas. Há que se fazer uso da técnica de ponderação para se obter o real sentido do reconhecimento das negociações coletivas previsto constitucionalmente. Não se contesta a legitimidade das partes negociarem, mas, tão somente, os limites destas negociações. Elas não podem extrapolar a barreira da indisponibilidade, que tem conceito de fácil compreensão. O problema é quando se tenta relativizar essa indisponibilidade autonomamente, ou seja, por meio de negociação coletiva, pois ainda não se tem uma definição clara e objetiva de quais direitos laborais ela pode contemplar. No quanto concerne à previsão constitucional que possibilitou a negociação coletiva dirimir acerca da redutibilidade salarial, compensação da jornada de trabalho e turnos ininterruptos de revezamento, nenhum questionamento, vez que a flexibilização foi prevista por norma heterônoma estatal. OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 2, Nº. 5, Ano 2011 ISSN 2176-9249 OLHARES PLURAIS - Artigos 95 Contrariamente, porém, à produção de normas autônomas que relativizam direitos individuais do trabalho, sem qualquer previsão legal, com fundamento apenas no reconhecimento constitucional da negociação coletiva. Frise-se: não se pode dar interpretação ampla e ilimitada ao preceito constitucional que contemplou o reconhecimento do acordo e convenção coletiva, sob pena de supressão ou restrição garantias de origem heterônoma, o que acabaria afrontando princípios fundamentais da Constituição, como a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho. Como não existem definições legais de quais direitos laborais, além dos previstos no art. 7º, incisos VI, XIII e XIV, da CF/88, podem ser objeto de relativização, surgiram interpretações conflitantes, inclusive, na Corte Máxima da Justiça do Trabalho. A solução no caso concreto implica, sobretudo, na necessidade de se cotejar princípios em busca do sentido real das normas jurídicas conflitantes (autônomas e heterônomas), o que privilegiaria, sem maiores considerações, a subjetividade do julgador, pelo que é preciso que haja convergência, no sentido de entender como relativamente indisponíveis apenas àqueles direitos laborais que a norma heterônoma estabelecer. REFERÊNCIAS BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2010. BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Direto na web. Disponível em: <http://www.femparpr.org.br/userfiles/file/texto_principios_constitucionais_barroso.pdf>. Acesso em:11 maio 2011. BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Direto na web. 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