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FLEXIBILIZAÇÃO: LIMITAÇÃO ÀS NORMAS DE ORIGEM AUTÔNOMAS EM
RESPEITO AOS IMPERATIVOS DAS NORMAS E PRINCÍPIOS PECULIARES DO
DIREITO DO TRABALHO
Jean da Silva1
RESUMO
Este estudo procura discutir o fenômeno da flexibilização, especialmente, a relativização de
princípios protecionistas que regem o direito laboral, através de negociação coletiva. Utilizouse de pesquisa bibliográfica, além de consultas ao repositório jurisprudencial do TST.
Constatou-se que a dinâmica socioeconômica impulsionou a relativização, mediante
autorização da norma heterônoma, de direitos individuais do trabalho, permitindo-se suprimir ou
restringir aqueles entendidos como indisponíveis relativamente. Como não existem definições de quais
seriam esses direitos, surgem interpretações conflitantes, inclusive, na Corte Máxima da Justiça do
Trabalho. É preciso que haja convergência, no sentido de entender como relativamente indisponíveis
àqueles que norma heterônoma estabelecer.
Palavras-chave: Direito do Trabalho. Flexibilização. Normas e Princípios no direito laboral.
INTRODUÇÃO
O Direito do Trabalho surgiu de uma resposta política à atuação do capitalismo liberal,
que se fortaleceu com a eclosão da Revolução Industrial, a qual provocou mudanças em todo
setor produtivo, dando origem à chamada classe operária.
A liberdade ilimitada do sistema de produção atrelada ao desenvolvimento industrial
possibilitou a utilização da mão-de-obra das meias-forças (mulheres e crianças), substituindo,
muitas vezes, a força produtiva dos homens.
Neste panorama de exploração da força de trabalho da classe operária, começaram
surgir conflitos de interesses entre o ser coletivo e a individualidade dos detentores dos meios
de produção. Tais conflitos impuseram a necessidade de intervenção do Estado, através de
normas imperativas, de força cogente, insuscetível, inclusive, de renúncia das partes,
objetivando a proteção da classe operária.
A intervenção estatal criou um rol de garantias de condições mínimas do trabalho
sustentadas por diversos princípios. Entretanto, o advento do Estado Neoliberal, agregado as
mais diversas transformações sociais, levantou a discussão acerca de se relativizar tais
garantias, de forma a promover uma flexibilização dos direitos individuais do trabalho.
1
Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas de Maceió – FAMA, Pós-graduando no Curso de
Especialização em Docência do Ensino Superior Tecnológico pela Faculdade de Tecnologia de Alagoas – FAT e
Pós-graduando no Curso de Especialização em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Centro de Estudos
Superiores de Maceió – CESMAC. E-mail: [email protected].
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Este estudo objetiva compreender o fenômeno da flexibilização, em especial, os
limites da relativização de princípios protecionistas que regem o direito laboral, através de
negociação coletiva.
Para tanto, o trabalho foi dividido em três seções. A primeira trata dos princípios que
dão sustentação aos direitos individuais trabalhistas. A segunda, do fenômeno da
flexibilização em suas duas facetas (heterônoma e autônoma). A última, analista os limites da
produção de normas autônomas, frutos da negociação coletiva, em detrimento dos princípios
de proteção dos direitos laborais.
1
DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO
Antes de começar a abordagem acerca dos princípios do Direito do Trabalho,
importante destacar que os mesmos são utilizados, ou ao menos devem, e não raras vezes,
pelo intérprete no exercício sublimar da aplicação do direito.
A utilização referida acima, não especificamente a este ramo do direito, abarca não
somente os princípios específicos, os chamados peculiares, mas, também, os princípios gerais
e os de natureza constitucional, que se distinguem em razão, sobremaneira, da generalidade
dos primeiros relativamente aos últimos. (BARROS, 2010, p. 173).
É certo que a interpretação consiste no cotejo entre a norma/princípio e o fato. Mas
não só isso. Como bem destacam os constitucionalistas Barroso e Barcellos (2011, p. 17), o
método básico subsuntivo, baseado nos elementos clássicos de hermenêutica (gramatical,
histórico, sistemático e teleológico), ganhou um aliado dentro da visão da nova interpretação
constitucional, vez que, diante da atual dinâmica social, não mais se apresenta suficiente na
busca da solução dos casos concretos e do próprio sentido das normas.
Esse novo aliado é o denominado princípio da ponderação, que “consiste, portanto, em
uma técnica de decisão jurídica aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se
mostrou insuficiente, especialmente quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de
normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas” (BARROSO e
BARCELLOS, 2011, p. 17).
No que concerne ao estudo dos princípios aplicáveis ao Direito do Trabalho,
importante destacar, de logo, os constitucionais gerais, que, como bem asseverou o Bonavides
(apud SÜSSEKIND, 2010, p. 112), “fazem a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de
um sistema jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto, ao
grau de normas das normas, de fonte das normas”.
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Princípios como o federativo, dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho e
da livre iniciativa, direito à vida, à igualdade, à liberdade (ao exercício de qualquer trabalho,
ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei estabelecer; e à associação), à
propriedade, bem como, a valorização do trabalho humano, justiça social, função social da
propriedade, a busca do pleno emprego, dentre outros decorrentes do regime e dos princípios
adotados pela Constituição, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja signatário, são
princípios constitucionais gerais plenamente aplicáveis ao Direito do Trabalho.
Além desses, têm-se os princípios constitucionais relativos ao Direito do Trabalho. Os
arts. 7º e 8º da Carta Magna (BRASIL, 1988) apresentam princípios relevantes como: o da
não discriminação (art. 7º, XXX, XXXI e XXXII) — proíbe a diferença de critério de
admissão, de exercício de funções e salário por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
bem como a adoção de critério de admissão e de salário em razão de deficiência física; e
critérios que distinga o trabalho técnico, manual e intelectual ou entre profissionais
respectivos —; o da continuidade — proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa,
independentemente do levantamento do FGTS e do aviso prévio, fazendo o jus o empregado à
indenização compensatória, além de outros direitos —; e o da liberdade sindical, do direito de
greve, dentre outros.
Ao tratar de princípios específicos ao Direito do Trabalho, Delgado (2010, p. 181)
optou por trabalhá-los separadamente de acordo com cada ramo, individual ou coletivo.
Para ele, no primeiro ramo, tem-se uma relação entre o empregador, que “age
naturalmente como ser coletivo, isto é, um agente socioeconômico e político cujas ações —
ainda que intraempresariais — têm a natural aptidão de produzir impacto na comunidade mais
ampla”(DELGADO, 2010, p.181); e um indivíduo, “consubstanciado no trabalhador que,
como sujeito desse vínculo sociojurídico, não é capaz, isoladamente, de produzir, como regra,
ações de impacto comunitário” (DELGADO, 2010, p.181).
No segundo, há, em tese, uma equivalência dos envolvidos na relação jurídica, pois
ambos, empregador e organizações sindicais, são seres coletivos. Esta relação tem princípios
próprios, específicos do Direito Coletivo, razão pela qual o douto citado optou em trabalhá-los
separadamente.
Acerca especificamente dos princípios peculiares do direito individual do trabalho,
destacam-se, segundo Delgado (2010, p.182-195), que os denominou de núcleo basilar de
princípios especiais: o princípio da proteção; o princípio da norma mais favorável; princípio
da imperatividade das normas trabalhistas; princípio da indisponibilidade dos direitos
trabalhistas; princípio da condição mais benéfica; princípio da inalterabilidade contratual
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lesiva; princípio da intangibilidade salarial; princípio da primazia da realidade sobre a forma;
e princípio da continuidade da relação de emprego.
Dentre tais princípios, alguns possuem importância especial no que se refere à
discussão da autonomia das partes na elaboração de negociação coletiva.
O princípio da proteção serve de fundamento para todo o complexo do Direito
Individual do Trabalho, vez que objetiva tutelar uma proteção à parte hipossuficiente, qual
seja, o obreiro. Busca atenuar, ao menos no plano jurídico, o desequilíbrio existente na
relação fática entre o detentor dos meios de produção e o empregado.
Para Barros (2010, p. 181), o princípio da proteção tem sua substância na norma e na
condição mais favorável. Tenta diminuir desigualdades, dando ao empregado uma
superioridade jurídica, vez que o mesmo se encontra, via de regra, em condição de
hipossuficiência.
O princípio da norma mais favorável tem como fundamento a existência de duas ou
mais normas aplicáveis no caso concreto. Para a aferição de qual norma é a mais favorável, a
doutrina, que não é uníssona, aponta três critérios.
O primeiro utiliza-se da teoria do conglobamento, segunda a qual deve ser aplicada a
norma entendida como mais favorável após o confronto de blocos de normas objeto de
comparação. O segundo, que utiliza a teoria da acumulação, aponta que deve ser aplicada a
norma mais favorável após confronto de cada uma das normas comparadas. Por fim, o que
utiliza a teoria do conglobamento mitigado (orgânico ou por instituto), pela qual deve ser
aplicada a norma após comparação parcial de grupos, ou seja, comparam-se as normas
agrupadamente e por matérias (BARROS, 2010, p. 181).
Diante do cotejo de normas possivelmente aplicáveis no caso concreto, importante
resgatar o ensinamento de Barroso e Barcellos (2011, p. 17), no sentido de que os elementos
clássicos de hermenêutica (gramatical, histórico, sistemático e teleológico) podem não ser
suficientes no processo interpretativo, devendo o operador do direito fazer uso do principio da
ponderação.
O complexo dos direitos individuais trabalhistas é, em tese, essencialmente
imperativas, o que significa dizer que tais preceitos não podem ser afastados por simples
disposições das partes. Assim, derivado — o complexo — de normas heterônimas, ou seja,
emanadas do Estado, cogentes e imperativas, portanto, não pode a autonomia das partes
afastar suas incidências, sofrendo, com isso, restrição, em contraposição ao direito civil.
Neste sentido, o princípio da imperatividade das normas trabalhistas objetiva assegurar
a eficácia das garantias fundamentais do trabalhador, em detrimento do desequilíbrio no
quanto concerne à relação de emprego.
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Em decorrência, por óbvio, da imperatividade das normas heterônomas, o princípio da
indisponibilidade dos direitos trabalhistas, ou, como prefere alguns autores, princípio da
irrenunciabilidade, impede que o empregado se despoje de seus direitos, em contraponto às
disposições imperativas.
Seu objetivo é limitar a autonomia da vontade das partes, pois não seria viável que o
ordenamento jurídico, impregnado de normas de tutela do trabalhador, permitisse
que o empregado se despojasse desses direitos, presumidamente pressionado pelo
temor reverencial de não obter o empregado ou de perdê-lo, caso não formalizasse a
renúncia. (BARROS, 2010, p. 186-187).
Enfim, em razão do princípio da indisponibilidade, o empregado não pode, por sua
simples manifestação de vontade, despoja-se das vantagens e proteções que lhes são
assegurados, seja por disposição legal (em sentido amplo) ou contratual.
Entretanto, o princípio da indisponibilidade tem sido atenuado pela negociação
coletiva, conforme dispõe o art. 7º, incisos VI, XIII e XIV da Constituição Federal (BRASIL,
1988), que tratam da possibilidade de redução salarial, de compensação de horário e redução
de jornada, e da jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento.
Já o princípio da condição mais benéfica determina que se preserve a condição mais
vantajosa ao empregado, sejam elas ajustadas no contrato de trabalho ou em regulamento da
empresa. Aqui, não se estar a pesar as normas, mas as cláusulas contratuais (tácitas ou
expressas, do próprio contrato de trabalho ou regulamento da empresa). (DELGADO, 2010, p.
187).
Decorrente do princípio geral do Direito Civil pacta sunt servanda, o princípio da
inalterabilidade contratual lesiva foi incorporado, é certo que com modificações substantivas,
ao Direito do Trabalho. Preceitua o referido princípio que o contrato de trabalho firmado entre
as partes não pode ser alterado, salvo se por mútuo consentimento e não resultar, direta ou
indiretamente, prejuízos ao empregado (art. 468, CLT).
Desta forma, ainda que por livre manifestação das partes, toda e qualquer alteração
contratual que importe em prejuízos ao empregado será, em regra, afastada por aplicação do
princípio da inalterabilidade contratual lesiva. Conclusão lógica é que, em sendo benéfica, a
alteração contratual será permitida e plenamente aplicável.
Entretanto, o referido princípio vem sendo atenuado, a exemplo do princípio
indisponibilidade dos direitos trabalhistas, podendo, através de negociação coletiva, e em
algumas hipóteses previstas constitucionalmente, ser o contrato de trabalho alterado, ainda
que de forma lesiva ao empregado.
O mesmo ocorre com o princípio da intangibilidade salarial quando, por meio de
negociação coletiva (art. 7, VI, CF/88), permite-se sua redução.
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Registre-se que o salário tem caráter alimentar e se destina a manutenção do indivíduo
no quanto concerne suas necessidades essenciais, transcendendo, inclusive, o ramo do Direito
do Trabalho.
Outrossim, tal princípio não é absoluto, e a própria legislação cuidou de disciplinar
sua relativização. Assim, é possível a redução salarial por meio de negociação coletiva, bem
como a realização de descontos decorrentes de adiantamento ou de outros dispositivos legais
(art. 462, CLT) (BRASIL, 1943), e em casos de prestação alimentícia, que permite a
penhorabilidade do salário (art. 649, IV, §2º, do Código de Processo Civil) (BRASIL, 1973).
O princípio da primazia da realidade sobre a forma significa que a relação jurídicotrabalhista será definida pela situação de fato. Há um desprezo da ficção jurídica (BARROS,
2010, p. 186). Em suma, nada prevalecerá sobre os fatos, pois estes determinarão a relação
jurídico-trabalhista.
Para finalizar o denominado núcleo basilar do direito do trabalho por Delgado (2010),
tem-se o princípio da continuidade da relação de emprego.
Tal princípio tem previsão constitucional (art. 7º, I) e como propósito assegurar ao
empregado a permanência da relação empregatícia, ou seja, busca-se obstacularizar a dispensa
arbitrária e a “manter o pacto laboral nas hipóteses de sucessão, de suspensão e de interrupção
do contrato e em face de algumas nulidades por descumprimento das formalidades legais”
(BARROS, 2010, p. 187), embora enfraquecido pelo surgimento do Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço, que acabou por desprestigiar a estabilidade do obreiro, permitindo com
que o empregador, no exercício de um direito potestativo, pudesse dispensar
injustificadamente o empregado, desde que efetuasse o pagamento de todas as verbas
trabalhistas, inclusive a multa indenitária prevista no art. 7º, I c/c art.10, I, ADCT, ambos da
Constituição. (BRASIL, 1988).
Ao lado destes princípios acerca do Direito Individual do Trabalho, existem outros
que podem ser encontrados em diversas obras a depender do doutrinador. São eles: in dubio
pro operario, boa-fé, dignidade humana, maior rendimento e adequação social2.
Há que se destacar, em especial, pela importância que apresenta ao tema proposto
neste trabalho, a abordagem de Delgado (2010, p. 1211-1231) acerca dos princípios atinentes
ao direito coletivo.
O professor divide tais princípios em três grandes grupos: princípios assecuratórios da
existência do ser coletivo obreiro, princípios regentes das relações entre os seres coletivos
2
Recomenda-se a leitura dos capítulos específicos sobre princípios do Direito do Trabalho, nas obras Curso de
Direito do Trabalho de autoria Alice Monteiro de Barros, e Curso de Direito do Trabalho de autoria do Maurício
Godinho Delgado.
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trabalhistas e os princípios regentes das relações entre normas coletivas negociadas e normas
estatais. Desses, apenas os dois últimos grupos interessam.
Quanto aos princípios regentes das relações entre os seres coletivos trabalhistas, têmse que estes se reportam “às próprias relações entre os sujeitos coletivos e aos processos
consubstanciadores dessas relações” (DELGADO, 2010, p. 1222). Estão incluídos neste
grupo o princípio da interveniência sindical na normatização coletiva, o princípio da
equivalência dos contratantes coletivos e o princípio da lealdade e transparência na
negociação coletiva.
A Constituição Federal estabelece, em seu art. 8º, inciso VI, que, nas negociações
coletivas, é obrigatória a participação dos sindicatos. Esta imposição de interveniência
sindical na normatização coletiva é pressuposto da validade de qualquer negociação coletiva,
o que implica dizer que o exercício da autonomia privada, no quanto concerne os direitos
coletivos, depende da participação das entidades sindicais.
Desta forma, qualquer disposição realizada entre empregado e empregador, que não
tenha participação das entidades sindicais, constituirá, tão somente, mera cláusula contratual.
Quanto à equivalência dos contratantes coletivos, entende Delgado (2010, p. 1224)
que os sujeitos envolvidos na negociação são coletivos, o empregado atua através do
sindicato, o empregador, por seu próprio caráter, já é um ser coletivo, podendo, ainda, agir por
meio de entidade sindical.
Já o princípio da lealdade e transparência na negociação coletiva objetiva que haja
lisura na conduta de cada um dos sujeitos durante a vigência da norma coletiva e que
prepondere a transparência quanto às informações que serão utilizadas na formulação das
normas.
No que se referem aos princípios regentes das relações entre normas coletivas
negociadas e normas estatais, o ilustre professor reúne o princípio da criatividade jurídica da
negociação coletiva e o princípio da adequação setorial negociada.
O primeiro traduz-se no fato de que a negociação coletiva tem o poder de criar normas
jurídicas — e não cláusulas contratuais — em sintonia harmônica com ordenamento jurídico
existente.
Distinguem-se, pois, normas jurídicas e cláusulas contratuais. Sobre esse ponto,
Delgado (2010, p. 1228), citando sua obra Introdução ao Direito do Trabalho, diz:
[...] é que o Direito confere efeitos distintos às normas (componentes das fontes
jurídicas formais) e às cláusulas (componentes dos contratos). Basta indicar que as
normas não aderem permanentemente à relação jurídica pactuada entre as partes
(podendo, pois, ser revogadas — extirpando-se, a contar de então, do mundo
jurídico). Em contraponto a isso, as cláusulas contratuais sujeitam-se a um efeito
adesivo permanente nos contratos, não podendo, pois, ser suprimidas pela vontade
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que as instituiu. A ordem jurídica confere poder revocatório essencialmente às
normas jurídicas e não às cláusulas contratuais. Trata-se, afinal, de poder políticojurídico de notável relevância, já que as normas podem suprimir do mundo fáticojurídico até as cláusulas (além das próprias normas precedentes, é claro), ao passo
que o inverso não ocorre (excetuada a prevalência de vantagem trabalhista superior
criada pela vontade privada no contrato).
Conclusão: a negociação coletiva produz norma jurídica e não simples cláusulas
contratuais, e essas normas jurídicas autônomas precisam estar em harmonia com a
normatização heterônoma estatal, segundo o princípio da adequação setorial negociada, que
será abordado em tópico mais a frente.
2
O FENÔMENO DA FLEXIBILIZAÇÃO
O fenômeno da flexibilização deve ser visto sobre dois enfoques. O primeiro diz
respeito ao processo unilateral do Estado, também denominado de flexibilização heterônoma.
O segundo, a negociação coletiva.
É sabido que o Direito do Trabalho surgiu de uma resposta política à atuação do
capitalismo liberal. Buscou-se uma intervenção estatal de forma a proteger o obreiro, criando
um rol de garantias de condições mínimas do trabalho, sustentadas, dentre outros, pelo
princípio da irrenunciabilidade.
Entretanto, diversas transformações sociais levantaram a discussão acerca de
relativizar tais garantias, de forma a promover uma flexibilização dos direitos individuais do
trabalho. A esse respeito, diversos são os posicionamentos, tanto favoráveis, quanto contrários
à flexibilização.
Divergências a parte, o certo é que os princípios protetivos vêm sofrendo recortes pelo
surgimento de normas heterônomas, o que, certamente, é efeito do fenômeno da
flexibilização.
Exemplificando, tem-se a Lei nº 10.243/2001, que deu nova redação ao §2º, do art.
458 da CLT, que retirou o caráter salarial do auxílio à educação, assistência médica,
hospitalar, odontológica, seguro de vida, etc., objetivando evitar que eles se incorporassem ao
contrato de trabalho e não pudessem ser retirados, produzindo, por lógico, efeito reflexo sobre
outros institutos jurídicos. No mesmo sentido, a Emenda Constitucional nº 28/2000 atribuiu
ao empregado rural o mesmo prazo prescricional aplicável ao empregado urbano, quando
anteriormente não ocorria prescrição durante o contrato de trabalho do rurícola. (BARROS,
2010, p. 184).
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Em artigo publicado na Revista Jurídica Virtual, mantida pelo Centro de Estudos
Jurídicos da Presidência, o Subprocurador-Geral do Trabalho, Otavio Brito Lopes, destacou:
Com a flexibilização o constituinte teve por escopo a tutela do emprego, já que a
rigidez do sistema legal vigente antes de 1988 não permitia, salvo hipóteses
restritíssimas, qualquer redução dos direitos trabalhistas na vigência do contrato de
trabalho, ainda que pela via da negociação coletiva. Tal rigidez, somada à crise
econômica, às oscilações comuns ao mercado e à globalização da economia,
resultava na impossibilidade jurídica de redução da folha de pagamento e
transposição da crise sem o fechamento de empresas e a redução de postos de
trabalho, ou ainda, no simples descumprimento das normas trabalhistas pelo
empresário em dificuldades financeiras, que simplesmente as olvidava para demitir
seus empregados sem qualquer pagamento indenizatório, deixando a questão se
arrastar anos a fio nos tribunais do trabalho.
Esta rigidez excessiva, fundada em uma pseudo proteção ao trabalhador, na prática
resultava no sacrifício do emprego e da produção, pelo fechamento de
estabelecimentos e/ou postos de trabalho, com prejuízo flagrante aos interesses da
própria classe trabalhadora e da sociedade em geral, que como um todo sofria os
reflexos do desemprego e da recessão.
Em última análise, o emprego é o principal bem jurídico da relação empregatícia,
não só pelo ser valor para cada trabalhador individualmente, mas para a sociedade
como um todo. O salário, a limitação da jornada e quejandos assumem diante do
emprego um papel secundário, pois não subsistem isoladamente. (LOPES, 2000).
O Direito do Trabalho é divido em normas de caráter individual e normas de cunho
coletivo. No Direito Individual do Trabalho a relação jurídica existente é entre o empregado e
o empregador, que — frise-se — na maioria das vezes, se encontra em situação superioridade,
razão pela qual impera o princípio da proteção, o qual objetiva aproximar, juridicamente, a
relação de desigualdade existente entre seus sujeitos. (SARAIVA, 2010, p. 363).
Por outro lado, o Direito Coletivo do Trabalho é formado a partir de uma relação
jurídica entre sujeitos coletivos. De um lado, a entidade sindical da categoria profissional, e
do outro, o empregador ou sua entidade de classe representativa, conforme o princípio da
equivalência dos contratantes coletivos.
A negociação coletiva consiste num método autocompositivo de resolução de
conflitos, no qual a solução partirá dos próprios sujeitos envolvidos na controvérsia, sem que
haja intervenção de agente externo.
Hinz (2007, p. 93) aduziu que, hoje, o Direito do Trabalho já possui instrumentos de
consecução do paradigma denominado prospectivo, que visualiza o futuro, que não está mais
atrelado aos fatores do passado. Ele se refere às convenções e acordos coletivos de trabalho,
previstos no art. 611 e §1º da CLT.
É de relevância transcrever o seguinte enxerto:
As relações de trabalho são excessivamente dinâmicas e heterogêneas, a ponto de o
direito estatal, legislado, ser incapaz de, em seu lento e seguro processo de
elaboração, atender aos anseios de particularidade e rapidez de elaboração e
transformação das partes envolvidas. Se, historicamente, o direito legislado surgiu,
dentre outras razões, porque as relações jurídicas entre os indivíduos não poderiam
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aguardar a lenta gestação das normas consuetudinárias no seio da sociedade a que
pertenciam, as normas autônomas surgem por não poderem os novos atores sociais,
especialmente os envolvidos na questão laboral, subordinar-se à lentidão e
generalidade do processo legislativo estatal. Diante do grau de conflituosidade
existente nesse meio e da excessiva particularidade de cada ramo da atividade
econômica, só mesmo por meio de normas elaboradas pelos próprios envolvidos há
possibilidade de bem regular seus atos, direitos e obrigações. (HINZ, 2007, p. 93).
Ou seja, a dinâmica socioeconômica das relações de trabalho acaba por gerar aos seus
sujeitos a necessidade de adequação (flexibilização), que não será atendida acaso dependa, tão
só, da produção normativa estatal, tendo em vista a morosidade de seu processo legislativo.
Daí então, somente as normas autônomas, aquelas produzidas pelos próprios sujeitos
envolvidos na relação laboral, podem, atendidas as particularidades de cada ramo da atividade
econômica, no prazo curto de tempo, regular seus atos, direitos e obrigações, objetivando a
adequação que a dinâmica socioeconômica exige.
Como dito antes, o ordenamento jurídico brasileiro já contempla os instrumentos de
cunho prospectivos, que buscam adequar a relação jurídica laboral à dinâmica
socioeconômica, quais sejam os acordos e convenções coletivas.
O art. 611 da CLT define Convenção Coletiva de Trabalho como “acordo de caráter
normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e
profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas
representações, às relações individuais de trabalho” (BRASIL, 1943). Assim, a convenção
coletiva decorre de acordo entre entidades sindicais, que representam as categorias
econômicas e profissionais. São normas jurídicas autônomas, e não meras cláusulas
obrigacionais.
Da mesma forma, é possível extrair da CLT a definição de acordo coletivo de
trabalho, em seu art. 611, §1º. Para ela, o acordo coletivo de trabalho consiste na negociação
coletiva entre sindicatos representativos de categorias profissionais e uma ou mais empresas
da correspondente categoria econômica, que estipule condições de trabalho, aplicáveis no
âmbito da empresa ou das empresas acordantes, às respectivas relações de trabalho.
Note-se que, para celebração de acordo coletivo de trabalho, não é necessária a
participação do sindicato da categoria econômica, como ocorre na convenção coletiva, mas
tão somente da empresa ou das empresas — que já atuam, pela própria natureza, como ser
coletivo. Outrossim, é impreterível a participação da entidade sindical dos obreiros em
qualquer negociação coletiva de trabalho, o que inclui, por óbvio, o acordo coletivo.
Outra divergência é o âmbito de abrangência das normas jurídicas pactuadas.
Enquanto na convenção coletiva, a abrangência é ampla, englobando todos dentro da base
profissional e econômica das entidades sindicais; no acordo coletivo, a abrangência é restrita,
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atingindo apenas os empregados vinculados à empresa ou conjunto de empresas que
subscreveram o termo.
3
LIMITAÇÃO DA AUTONOMIA DA PARTES FACE ÀS NORMAS E
PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO
Pelo que se viu na seção anterior, a dinâmica socioeconômica do mundo globalizado
requer que as relações jurídicas laborais sejam constantemente adaptadas. Estas adaptações
podem, de certo, ser alcançadas através de produção normativa estatal. Entretanto, o processo
gestacional de normas heterônomas não consegue acompanhar a referida dinâmica, de modo
que consiga atendê-la.
Daí, dentro de uma visão prospectiva, ou seja, com visão no futuro, o ordenamento
jurídico brasileiro abarca instrumentos que possibilitem as adequações ao panorama
socioeconômico de cada época. Tratam-se, pois, dos acordos e convenções coletivas de
trabalho.
A produção das normas autônomas, contudo, não é ilimitada, e deve estar, sempre, em
consonância com o princípio da adequação setorial negociada, assim denominado pelo já
citado professor Maurício Godinho Delgado.
O referido princípio trata dos critérios de harmonização entre as normas jurídicas de
origem autônomas e as normas jurídicas de origem heterônomas. “Reside, em síntese, na
pesquisa e aferição de critérios de validade jurídica e extensão de eficácia das normas
oriundas de convenção, acordo e contratos coletivos de trabalho em face da legislação estatal
imperativa”. (DELGADO, 2010, p. 1229).
As normas de origem autônomas podem prevalecer sobre as normas de produção
heterônomas, desde que atendam dois critérios autorizativos:
a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de
direito superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; b)
quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas
justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade
absoluta). (DELGADO, 2010, p. 1229).
No primeiro critério, as normas autônomas elevam os direitos trabalhistas,
relativamente aos previstos nas normas heterônomas. Não há afronta a qualquer princípio
protetivo.
No segundo critério, há uma colisão com o princípio da indisponibilidade de direitos
trabalhistas, mas apenas na parcela relativa da indisponibilidade.
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A própria Constituição Federal autoriza que, por meio de acordo ou convenção
coletiva, seja possível transacionar direitos que, em regra, seriam indisponíveis. É o caso da
irredutibilidade do salário, da compensação e redução da jornada de trabalho, e da jornada dos
turnos ininterruptos de revezamento (art. 7º, incisos VI, XIII e XIV, CF/88). Isso representa
parcela relativa da indisponibilidade de direitos trabalhistas, ou seja, por disposição
constitucional, tais direitos podem ser relativizados, mediante acordo ou convenção coletiva.
Não pode ser objeto de norma autônoma a renúncia de direitos, consubstanciada no
despojamento unilateral. Pode, sim, haver transação, pois, neste caso, há, ao menos, uma
bilateralidade de despojamento de direitos, ou seja, reciprocidade.
Frise-se: apenas a parcela relativa da indisponibilidade pode ser objeto de negociação
coletiva. Assim, os direitos revestidos de indisponibilidade absoluta, tais como anotação de
CTPS, salário mínimo e normas de saúde e segurança no ambiente do trabalho.
Enfim, não deve ser aplicado o princípio da adequação setorial negociada aos direitos
garantidos por norma de ordem pública, ou seja, não podem ser objeto de negociação coletiva
as normas de ordem pública, exceto se prevista a possibilidade de interveniência de norma
coletiva na própria norma legal.
A título exemplificativo, segue a Orientação Jurisprudencial da SBDI-1 nº 372, do
TST, in verbis:
MINUTOS QUE ANTECEDEM E SUCEDEM A JORNADA DE TRABALHO.
LEI Nº 10.243, DE 19.06.2001. NORMA COLETIVA. FLEXIBILIZAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. (DEJT divulgado em 03, 04 e 05.12.2008) A partir da
vigência da Lei nº 10.243, de 19.06.2001, que acrescentou o § 1º ao art. 58 da CLT,
não mais prevalece cláusula prevista em convenção ou acordo coletivo que elastece
o limite de 5 minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho para fins de
apuração das horas extras. (BRASIL, 2008).
Cita-se, também, o entendimento fixado na Orientação Jurisprudencial da SBDI-1 n.º
342, do TST, in verbis:
INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. NÃO
CONCESSÃO OU REDUÇÃO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA.
VALIDADE. DJ 22.06.04. É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de
trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este
constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de
ordem pública (artigo 71 da CLT e artigo 7º, XXII, da CF/1988), infenso à
negociação coletiva. (BRASIL, 2004).
Em ambos os casos, tem-se como fundamento da interpretação jurisprudencial a
existência de norma de ordem pública, ou seja, norma heterônoma imperativa e cogente. Há,
portanto, uma primazia da lei em relação à norma autônoma. Neste sentido, há uma
harmonização com o disposto nos arts. 9 e 444 da CLT:
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Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar,
impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
(BRASIL, 1943).
Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação
das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção
ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das
autoridades competentes. (BRASIL, 1943).
Por outro lado, há entendimento em sentido contrário, permitindo flexibilização
autônoma de normas imperativas estatais, a exemplo das Súmulas nº 349 e 364 do TST:
SÚMULA Nº 349 DO TST. ACORDO DE COMPENSAÇÃO DE HORÁRIO EM
ATIVIDADE INSALUBRE, CELEBRADO POR ACORDO COLETIVO.
VALIDADE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. A validade de
acordo coletivo ou convenção coletiva de compensação de jornada de trabalho em
atividade insalubre prescinde da inspeção prévia da autoridade competente em
matéria de higiene do trabalho (art. 7º, XIII, da CF/1988; art. 60 da CLT). (BRASIL
2003).
SÚMULA Nº 364 DO TST. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. EXPOSIÇÃO
EVENTUAL, PERMANENTE E INTERMITENTE (conversão das Orientações
Jurisprudenciais nºs 5, 258 e 280 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e
25.04.2005 I - Faz jus ao adicional de periculosidade o empregado exposto
permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco.
Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o
fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido. (ex-Ojs
da SBDI-1 nºs 05 - inserida em 14.03.1994 - e 280 - DJ 11.08.2003) II - A fixação
do adicional de periculosidade, em percentual inferior ao legal e proporcional ao
tempo de exposição ao risco, deve ser respeitada, desde que pactuada em acordos ou
convenções coletivos. (ex-OJ nº 258 da SBDI-1 - inserida em 27.09.2002).
(BRASIL, 2005).
No que diz respeito à Súmula nº 349 do TST reproduzida acima, tenho que a mesma
contrapõe o art. 60 da CLT:
Nas atividades insalubres, assim consideradas as constantes dos quadros
mencionados no capítulo "Da Segurança e da Medicina do Trabalho", ou que neles
venham a ser incluídas por ato do Ministro do Trabalho, Industria e Comercio,
quaisquer prorrogações só poderão ser acordadas mediante licença prévia das
autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho, as quais, para esse
efeito, procederão aos necessários exames locais e à verificação dos métodos e
processos de trabalho, quer diretamente, quer por intermédio de autoridades
sanitárias federais, estaduais e municipais, com quem entrarão em entendimento
para tal fim. (BRASIL, 1943).
Incongruentemente, a CLT permite que, em atividades insalubres, possa haver jornada
extraordinária de trabalho, desde que previamente autorizada por autoridade em matéria de
higiene do trabalho. Quanto à incongruência referida acima, a mesma ocorre porque o
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instituto da insalubridade tem como propósito compensar3 o obreiro pela exposição, quando
no desempenho de sua atividade laborativa, a agentes nocivos a sua saúde.
Ora, expor o obreiro a agentes nocivos a sua saúde além do tempo da jornada do
trabalho é, sem sombras de dúvida, agravar ainda mais a exposição lesiva.
Feita a consideração acima, retoma-se o ponto central da discordância relativamente à
Súmula nº 349 do TST.
O art. 60 da CLT condiciona a possibilidade de jornada extraordinária de trabalho à
autorização de órgão competente em medicina do trabalho. Segundo o entendimento da
súmula em comento, a validade de norma autônoma prescinde, ou seja, dispensa —
absurdamente — a autorização.
Em outras palavras, pode-se, segundo entendimento tabulado na referida súmula, por
meio de acordo ou convenção coletiva, dispor sobre compensação de jornada extraordinária
de trabalho independentemente de autorização de órgão competente em matéria de medicina
do trabalho, contrariando, em nosso entendimento, norma de ordem pública, pertencente ao
rol de direitos de indisponibilidade absoluta.
No mesmo sentido, a Súmula nº 364 do TST permite a fixação do adicional de
periculosidade em patamar inferior à previsão legal de 30% (art. 193 da CLT) sobre o salário,
sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros, desde
que proporcional ao tempo da exposição e mediante acordo ou negociação coletiva.
Verifique-se que o instituto do adicional de periculosidade é uma compensação de
natureza salarial a que tem direito o empregado que labore, de forma não eventual, em
atividades de riscos de vida acentuados.
O fundamento do adicional de periculosidade é a existência do risco de vida no
desempenho da atividade laborativa. O bem jurídico maior é a vida.
Desta forma, tem-se que o direito ao referido adicional faz parte do rol dos que estão
protegidos pela indisponibilidade absoluta, o que remete à conclusão de que no cotejo das
normas heterônomas com as originadas nos acordos e convenções coletivas, devem prevalecer
aquelas em detrimento destas.
Ademais, não existem disposições legais que autorizem a relativização de tais direitos.
Destarte, as interpretações consubstanciadas nas Súmulas 349 e 364 necessitam de
revisão, no sentido de que as normas de origem heterônoma, derivadas, portanto, de normas
imperativas estatais, prevaleçam em relação à autonomia privada (negociação coletiva),
3
A compensação aqui referida não é no sentido de reparação indenizatória, mas de um plus pelos efeitos da
exposição. O adicional de insalubridade, assim como outros (periculosidade, penosidade, transferência, noturno e
de horas extras), tem natureza salarial, e não indenizatória, como erroneamente poderia se pensar.
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impedindo a supressão e/ou restrição de direitos de indisponibilidade absoluta, excetuados
aqueles que a própria norma heterônoma relativizar.
CONCLUSÃO
A dinâmica socioeconômica em que as relações jurídicas trabalhistas estão inseridas
impõe a necessidade de adequação de todo aparato normativo que compõe o sistema protetivo
laboral, o que implica, por muitas vezes, na relativização de alguns direitos individuais
trabalhistas.
Contudo, o fenômeno denominado flexibilização não pode retroceder ao tempo em
que as normas jurídicas que regiam a relação trabalhista eram de origem autônoma, ou seja,
produzidas, indiscriminadamente e sem limites, pelos sujeitos da própria relação.
É certo que o arcabouço protetivo conferido ao trabalhador, em certos momentos,
pode significar uma onerosidade demasiada aos que detêm poder sobre os meios de produção,
ao mesmo tempo em que, não se pode permitir que os direitos dos obreiros sejam suprimidos
ou restringidos ao arbítrio da lei.
O Poder Constituinte Originário da Carta Magna vigente privilegiou a produção de
normas autônomas (art. 7, XXVI, CF/88), com o reconhecimento das convenções e acordos
coletivos do trabalho, mas isto não significa — nem pode significar — amplitude e/ou
liberdade ilimitada em celebração de pactos tendentes a suprimir ou reduzir garantias
legalmente previstas.
Há que se fazer uso da técnica de ponderação para se obter o real sentido do
reconhecimento das negociações coletivas previsto constitucionalmente.
Não se contesta a legitimidade das partes negociarem, mas, tão somente, os limites
destas negociações. Elas não podem extrapolar a barreira da indisponibilidade, que tem
conceito de fácil compreensão.
O problema é quando se tenta relativizar essa indisponibilidade autonomamente, ou
seja, por meio de negociação coletiva, pois ainda não se tem uma definição clara e objetiva de
quais direitos laborais ela pode contemplar.
No quanto concerne à previsão constitucional que possibilitou a negociação coletiva
dirimir acerca da redutibilidade salarial, compensação da jornada de trabalho e turnos
ininterruptos de revezamento, nenhum questionamento, vez que a flexibilização foi prevista
por norma heterônoma estatal.
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Contrariamente, porém, à produção de normas autônomas que relativizam direitos
individuais do trabalho, sem qualquer previsão legal, com fundamento apenas no
reconhecimento constitucional da negociação coletiva.
Frise-se: não se pode dar interpretação ampla e ilimitada ao preceito constitucional
que contemplou o reconhecimento do acordo e convenção coletiva, sob pena de supressão ou
restrição garantias de origem heterônoma, o que acabaria afrontando princípios fundamentais
da Constituição, como a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho.
Como não existem definições legais de quais direitos laborais, além dos previstos no
art. 7º, incisos VI, XIII e XIV, da CF/88, podem ser objeto de relativização, surgiram
interpretações conflitantes, inclusive, na Corte Máxima da Justiça do Trabalho.
A solução no caso concreto implica, sobretudo, na necessidade de se cotejar princípios
em busca do sentido real das normas jurídicas conflitantes (autônomas e heterônomas), o que
privilegiaria, sem maiores considerações, a subjetividade do julgador, pelo que é preciso que
haja convergência, no sentido de entender como relativamente indisponíveis apenas àqueles
direitos laborais que a norma heterônoma estabelecer.
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