CARPENTIER 2012

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Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território
Projeto de Pesquisa UFBa, 2013/2015
Título: O conceito de participação
Fonte: CARPENTIER, Nico. The concept of participation. If they have access and interact, do they really participate?
revista Fronteiras – estudos midiáticos, v. 14(2), mai.-ago. 2012. Porto Alegre: Unisinos, pp. 164-177.
Participação torna-se novamente um dos conceitos-chave dos estudos de comunicação e mídia,
especialmente após a popularização da web 2.0. O conceito de participação tem uma longa história.
Debates sobre a participação estiveram presentes em uma ampla variedade de áreas, sobretudo nas
décadas de 1960 e 1970, em uma surpreendente variedade de enquadramentos. Observando esses
debates, verifica-se uma série de características-chave da participação.
A centralidade da participação está já presente na definição de democracia como uma forma de governo
do povo. “Democracia implica uma comunidade política em que há alguma forma de igualdade política
entre as pessoas" (Held, 1996).1 Neste sentido, um tema-chave tem sido o sempre presente equilíbrio
entre representação e participação, o que dá suporte para a estruturação da tipologia de modelos
democráticos de Held (1996).
Obviamente, as eleições são um dos instrumentos democráticos básicos para a delegação formal de
poder, em que, através de votação popular, os atores políticos são legitimados a ganhar o controle sobre
partes de recursos do Estado e das estruturas de decisão. Esse controle não é total: é estruturado por
lógicas de cunho institucional, legal (muitas vezes constitucional) e cultural. Do outro lado da balança
democrática está a noção de participação, que se refere ao envolvimento da cidadania na política
institucionalizada.
Diferentes modelos da teoria e da prática democrática atribuem diferentes balanceamentos entre os
conceitos de representação e de participação. Aqui são considerados como formas maximalistas de
participação democrática aqueles modelos que prevêm maior descentralização da tomada de decisões.
Versões maximalistas da participação na teoria democrática
Os modelos maximalistas considerados aqui como os mais representativos são o marxismo, o
anarquismo, os modelos de democracia participativa da New Left, democracia deliberativa e democracia
radical.
Para Marx, a sociedade comunista é construída sobre a base de uma nova concepção do eu, a qual é
muito altruísta e não conflituosa. Através das lógicas de cooperação, a participação se tornaria
maximizada na sociedade comunista igualitária. O desaparecimento do princípio da delegação de poderes
se daria conforme a participação fosse sendo organizada na vida cotidiana.
A ênfase dada pelo anarquismo na descentralização e na autonomia local levou a uma forte ênfase na
participação.
As conceituações da Nova Esquerda acerca da democracia participativa, desenvolvida por Pateman (1970,
1985) e Macpherson (1966, 1973, 1977) e mais tarde por Mansbridge (1980) e Barber (1984), focalizaram
na combinação dos princípios e práticas da democracia direta e da democracia representativa.
Pateman (1970) critica autores como Schumpeter (1976) por conta da atribuição de um "papel mínimo" à
participação e por basearem seus argumentos no medo de que a implementação de formas mais
desenvolvidas de participação pudessem comprometer a estabilidade da sociedade. O que induziu
Pateman e Macpherson a introduzirem uma abordagem política ampla, expressa na definição seminal de
1“Democracy entails a political community in which there is some form of political equality among the people” (Held,
1996, p. 1)
Notas técnicas
Maria Célia Furtado Rocha
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Título: O conceito de participação
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Pateman de participação parcial como um processo em que duas ou mais partes se influenciam
mutuamente na tomada de decisões, mas o poder final de decidir permanece com apenas uma das parte
e a participação plena como processo em que cada membro de um órgão de decisão tem igual poder de
determinar o resultado de decisões (Pateman, 1970).
Essa perspectiva política ampla também leva Pateman a olhar para o que ela chama de "áreas
alternativas", a fim de maximizar a participação. É somente através da participação nessas “áreas
alternativas" da política que um cidadão pode esperar ter qualquer controle real sobre o curso da sua
vida ou o desenvolvimento do ambiente em que ele vive (Pateman, 1970, p. 110). Esta expansão da
participação é considerada uma necessidade, uma vez que, para uma política democrática existir, seria
necessário existir uma sociedade participativa, ou seja, uma sociedade onde todos os sistemas políticos
tenham sido democratizados, segundo ela (Pateman, 1970, p 43).
O modelo de democracia deliberativa também tenta (re)equilibrar os aspectos participativos e
representativos da democracia, mas, aqui, o momento participativo localiza-se na comunicação: a
democracia deliberativa refere-se tomada de decisão através da discussão entre os cidadãos livres e
iguais.
A sua natureza democrática é garantida por seu foco na tomada de decisão coletiva, com a participação
de todos aqueles que serão afetados pela decisão ou dos seus representantes. Seu caráter deliberativo
está no fato de que se trata de uma tomada de decisão por meio de argumentos oferecidos pelo e para os
participantes que estão comprometidos com os valores ou a racionalidade e imparcialidade.
In Between Facts and Norms, Habermas (1996) desenvolve seu modelo de democracia deliberativa (e sua
relação com a lei). Em seu modelo de política deliberativa, a esfera pública se torna um "sistema de
alarme com sensores que, embora não especificados, são sensíveis através de toda a sociedade"
(Habermas, 1996, p. 359) e que podem problematizar questões, enquanto os procedimentos
deliberativos na esfera da tomada de decisão formal tem por foco soluções cooperativas para (estes)
problemas sociais, sem visar um consenso ético (p. 168).
Laclau e Mouffe (1985), por sua vez, desenvolveram um modelo democrático pós-marxista. Segundo
Žižek (1989), seu caráter radical implica que só podemos salvar a democracia tendo em conta a sua
impossibilidade radical. Por esta razão, Mouffe (1997) refere-se à democracia pluralista radical como uma
democracia que sempre será do “vir a ser”.
O aumento do nível de participação política que a democracia pluralista radical tem para oferecer é ainda
delineado pela necessidade de se "chegar a um acordo sobre as regras liberal-democráticas do jogo",
embora isso não signifique que "a interpretação precisa das regras do jogo" esteja dada de uma vez por
todas. Em Hegemony and Socialist Strategy, Laclau e Mouffe (1985) afirmam explicitamente que não se
deve renunciar à ideologia liberal-democrática contemporânea, mas sim reformulá-la na direção de uma
democracia radical e plural, o que gera abertura suficiente para uma pluralidade de formas e variações de
democracia.
Laclau e Mouffe (1985, p. 194) distinguem explicitamente sua posição do trabalho de Macpherson e de
Pateman, que eles vêem como defensores de um modelo democrático muito específico e muito bem
alinhados.
Notas técnicas
Maria Célia Furtado Rocha
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Para além da teoria democrática
A teoria democrática por vezes incorporou tais transformações, mas estas expansões teóricas não se
desenvolveram no vazio. Elas cresceram a partir de uma diversidade de práticas políticas que se
originaram a partir de atores que muitas vezes estavam (estritamente falando) situados fora da esfera da
política institucionalizada. Sejam eles chamados de grupos de interesse, movimentos sociais, sociedade
civil ou ativistas, esses atores ampliaram o escopo da participação política e a tornaram mais heterogênea
e multidirecional (p. 169).
Em alguns casos, essas práticas políticas visavam impactar diretamente a política institucionalizada; em
outros casos, seus objetivos políticos divergiram do "tradicional" e se destinaram à mudança cultural. Em
projetos feministas vemos um apelo para o político avançar no social. Podemos aplicar uma lógica
semelhante na teoria democrática, uma vez que um número considerável de autores que tendem para as
versões mais maximalistas de participação democrática procuraram (e encontraram) soluções para o
problema de escala em grandes democracias, referindo-se novamente à sociedade civil, à economia e à
família como locais de prática política.
Diz Mouffe:
O social é o reino de práticas sedimentadas, isto é, práticas que ocultam os atos originários de sua
instituição política contingente e que são um dado adquirido, como se estivessem autofundamentado
(2005, p 17).
É isto que os teóricos dos movimentos democráticos e sociais, em conjunto com ativistas políticos,
tentaram fazer em uma variedade de campos sociais: romper esse movimento de tomar como dada uma
ordem social específica para mostrar a sua natureza política.
Todas as esferas sociais são possíveis objetos de reivindicações no sentido da democratização e maior
participação, embora essas afirmações (e as lutas provocadas), não conduzam necessariamente à sua
realização, e a resistência em algumas esferas da sociedade acabe por ser mais substancial do que em
outras.
Caracterização da participação
O elemento definidor da participação é o poder. Os debates sobre a participação na política
institucionalizada e em todos os outros campos da sociedade, incluindo a participação da mídia, têm
muito em comum: todos eles focam na distribuição do poder na sociedade, tanto no nível macro quanto
no micro. O equilíbrio entre a inclusão das pessoas nos processos de tomada de decisão implícitos e
explícitos dentro destes campos, e sua exclusão através da delegação de poder (implícita ou explícita) é
central nas discussões sobre a participação em todos eles.
Por exemplo, nos debates teóricos sobre a participação, podemos ver que, no nível macro, eles lidam com
o grau em que as pessoas podem e devem ser empoderadas para (co)decidir, por exemplo, questões
políticas, simbólico-culturais e comunicativas. No nível micro, eles lidam com as sempre localizadas
relações de poder entre atores privilegiados e não privilegiados, entre políticos e profissionais de mídia,
por um lado, e as pessoas comuns que não possuemestas posições, por outro lado.
As nossas práticas democráticas são, pelo menos parcialmente, estruturadas e ativadas através da forma
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como pensamos a participação. A definição de participação nos permite pensar o processo participativo
como minimalista ou como maximalista, e é simultaneamente constituída pela nossa prática participativa
específica (minimalista ou maximalista). De maneira mais particular, a definição de participação é um dos
muitos campos sociais onde a luta política é travada entre as variações minimalistas e maximalistas da
democracia.
No modelo minimalista, participação serve exclusivamente ao campo da política institucionalizada,
porque a política é limitada a este campo. No modelo maximalista, a democracia é vista como uma
combinação mais equilibrada de representação e participação, onde tentativas são feitas para maximizar
a participação. O político é considerado uma dimensão do social, o que permite uma ampla aplicação da
participação em muitos campos sociais diferentes (incluindo a mídia), tanto em nível macro quanto micro,
e tendo respeito à diversidade social (p. 171).
Participação não é o mesmo que acesso e interação
Acesso e interação são importantes para os processos participativos na mídia – eles são de fato suas
condições de possibilidade – mas eles também são muito distintos da participação por causa de sua
ênfase menos explícita sobre a dinâmica de poder e da tomada de decisões. Aqui, especialmente, a
definição da participação de Pateman, que se refere a influenciar ou mesmo a iguais relações de poder
nos processos de tomada de decisão, é útil para evitar a sobrecarga do significante participação.
O conceito de interação tem uma longa história na teoria sociológica, onde muitas vezes refere-se ao
estabelecimento de relações sociocomunicativas. Sociologias subjetivistas, como o interacionismo
simbólico e a sociologia fenomenológica, destacam a importância da interação social na construção de
significado através de experiências vividas e intersubjetivas incorporadas na linguagem. Para estas
sociologias o social é moldado por atores que interagem com base em interesses, propósitos e valores
compartilhados, ou conhecimento comum (p. 174).
Se interação é vista como o estabelecimento de relações sociocomunicativas dentro da esfera midiática,
há novamente uma variedade de maneiras em que essas relações podem ser estabelecidas. A fim de lidar
com os diferentes componentes da Interação Humano-Computador, diferentes tipos de interação foram
estabelecidos. Através destas categorizações desenvolveu-se a componente interação audiência-paraaudiência em combinação com a audiência-para-componentes da tecnologia de mídia. Os tradicionais
modelos de audiência ativa contribuíram para este debate através de seu foco na interação entre público
e conteúdo, o que diz respeito à seleção e interpretação do conteúdo.
A distinção entre a participação relacionada ao conteúdo e à participação estrutural pode então ser
utilizada para apontar diferentes esferas de tomada de decisão.
Conclusão
Acesso e interação permanecem sendo importantes condições de possibilidade da participação, mas não
podem ser equiparados com participação.
Meu argumento aqui é que, através da justaposição de acesso e interação, a participação é definida como
um processo político - no sentido amplo do conceito de política - em que os atores envolvidos no
processo decisório são posicionados uns em relação aos outros através de relações de poder que são (até
certo ponto) igualitárias.
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