anacosta revista médica Janeiro | Fevereiro | Março Revista Trimestral do Hospital Ana Costa - 2013 18.1 Revista Médica ISSN 1677-194X ANA COSTA Órgão Científico Oficial do Hospital Ana Costa Conselho Editorial Revista Médica Dr. Airton Zogaib Rodrigues, Santos - SP - Brasil Dr. André Vicente Guimarães, Santos - SP - Brasil Dr. Celso Afonso Gonçalves, Santos - SP - Brasil Dr. Evaldo Stanislau A. de Araújo, Santos - SP - Brasil Dr. Everson Artifon, Santos - SP - Brasil Dr. Luiz Alberto Oliveira Dallan, São Paulo - SP - Brasil Dr. Rider Nogueira de Brito Filho, Santos - SP - Brasil Dr. Rogério Aparecido Dedivitis, Santos - SP - Brasil Dr. Waldimir Carollo dos Santos, Santos - SP - Brasil Dr. Woite Antônio Bertoni Meloni, Santos - SP - Brasil Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa Rua Pedro Américo, 60 - Campo Grande, Santos/SP, Brasil e-mail: [email protected] www.anacosta.com.br Periodicidade: trimestral Tiragem: 500 exemplares Jornalista Responsável: Lucinaira Souza (Mtb: 40.248) Produção Gráfica: Comunicação e Marketing do Hospital Ana Costa A Revista Médica Ana Costa é distribuída gratuitamente para os membros do Corpo Clínico do Hospital Ana Costa, para bibliotecas e faculdades das áreas de saúde cadastradas. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos dessa revista, desde que citada a fonte. Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 1 - 23, jan / fev / mar 2013 Revista Médica Ana Costa / Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa S.A. v. 18, n. 1 (jan / fev / mar 2013). Santos: Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa S.A., 2013. 23 p. :il. Periodicidade trimestral ISSN 1677 194X 1.Ciências Médicas. 2. Medicina CDD 610 CDU 616 Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 1 - 23, jan / fev / mar 2013 Normas de Publicação A Revista Médica Ana Costa é publicada trimestralmente pelo Hospital Ana Costa e aceita artigos na área de saúde. Artigos de caráter comercial não serão aceitos. Serão aceitos manuscritos originais relacionados às seguintes categorias: a) artigos originais - trabalhos resultantes de pesquisa científica, apresentando dados originais de descobertas com relação a aspectos experimentais ou observacionais, incluem análise descritiva e ou inferências de dados próprios. Sua estrutura deverá conter os seguintes itens: Introdução, Métodos, Resultados, Discussão, Conclusão e Referências; b) artigos de revisão - têm por objetivo resumir, analisar, avaliar ou sintetizar trabalhos de investigação já publicados em revistas científicas. Apresenta síntese e análise crítica da literatura levantada e não pode ser confundido com artigo de atualização; c) artigos de atualização - destinados a relatar informações geralmente atuais sobre tema de interesse para determinada especialidade, uma nova técnica ou método, por exemplo, e que têm características distintas de um artigo de revisão, visto que não apresentam análise crítica da literatura; d) relato de caso - relata casos de uma determinada situação médica especialmente rara, descrevendo seus aspectos, história, condutas, etc, incluindo breve revisão da literatura, descrição do caso e discussão pertinente. Apresenta as características do indivíduo estudado, com indicação de sexo e idade. Pode ser realizado em humano ou animal. c) indicação da instituição em que cada autor está afiliado, acompanhada do respectivo endereço; d) nome do departamento e da instituição no qual foi realizado; e) indicação do autor responsável para troca de correspondência (nome completo, endereço, telefones de contato e e-mail); f) quando houver, indicar as fontes de auxílio à pesquisa; g) se extraído de dissertação ou tese, indicar título, ano e instituição onde foi apresentada; EXEMPLOS h) se apresentado em reunião científica, indicar nome do evento, local e data de realização. Livros RESUMO - Todos os artigos submetidos deverão ter resumo em português e em inglês, com um mínimo de 150 e no máximo de 250 palavras. Para os artigos originais os resumos devem ser estruturados destacando: objetivos, métodos básicos adotados (informando local, população e amostragem da pesquisa), resultados e conclusões mais relevantes, considerando os objetivos do trabalho, e indicar formas de continuidade do estudo. Para as demais categorias, o formato dos resumos deve ser o narrativo, mas com as mesmas informações. Capítulo de Livros Discussão: deve explorar adequada e objetivamente os resultados, discutidos à luz de outras observações já registradas na literatura. A primeira página deverá conter: b) nome completo de todos os autores; Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 1 - 23, jan / fev / mar 2013 Meltzer PS, Kallioniemi A, Trent JM. Chromosome alterations in human solid tumors. In: Vogelstein B, Kinzler KW, editors. The genetic basis of human cancer. New York: McGraw-Hill; 2002. p.93-113. Dissertações e Teses Silva LCB. Aspectos da fotoestimulação intermitente em pacientes com epilepsia: Teófilo Otoni [dissertação]. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas; 2000. Attenhofer Jost CH, Connolly HM, O'Leary PW, Warnes CA, Tajik AJ, Seward JB. Left heart lesions in patients with Ebstein anomaly. Mayo Clin Proc. 2005; 80(3):3618. Trabalhos de Congressos, Simpósios, Encontros, Seminários e outros APRESENTAÇÃO DO MANUSCRITO a) título do artigo (em português e em inglês); Adolfi M. A terapia familiar. Lisboa: Editorial Veja; 1982. Artigos de periódicos TERMOS DE INDEXAÇÃO - Deverão acompanhar o resumo, um mínimo de 3 e o máximo de 5 palavraschave descritoras do conteúdo do trabalho, utilizando os descritores em Ciência da Saúde - DeCS - da Bireme. Resultados: sempre que possível, os resultados devem ser apresentados em tabelas ou figuras, elaboradas de forma a serem auto-explicativas, e com análise estatística. Evitar repetir dados no texto. Tabelas, quadros e figuras devem ser limitadas a 5 no conjunto e numerados consecutiva e independentemente, com algarismos arábicos de acordo com a ordem de menção dos dados, e devem vir em folhas individuais e separadas, com indicação de sua localização no texto. O autor responsabiliza-se pela qualidade de desenhos, ilustrações e gráficos, que devem permitir redução sem perda de definição. Sugere-se impressão de alta qualidade. Ilustrações coloridas não são publicadas, a não ser que sejam custeadas pelos autores. PÁGINA DE TÍTULO A exatidão das referências é de responsabilidade dos autores. Citações bibliográficas no texto: deverão ser colocadas em ordem numérica, em algarismos arábicos, sobrescrito, após a citação e devem constar da lista de referências. SUBMISSÃO DOS ARTIGOS A submissão dos artigos à Revista Médica Ana Costa implica transferência dos direitos autorais da publicação. Os trabalhos submetidos devem ser originais e acompanhados por uma declaração dos autores de que o trabalho não será publicado em qualquer outra revista no formato impresso ou eletrônico. Os trabalhos serão avaliados por pelo menos dois revisores, em procedimento sigiloso quanto a identidade tanto do(s) autor(es) quanto dos revisores. Todo trabalho que envolva estudo em seres humanos deverá apresentar a carta de aprovação de Comitê de Ética e Pesquisa registrado no CONEP. Caso haja utilização de ilustrações, fotografias e tabelas devem ser de boa qualidade e marcadas no verso somente com o número da figura e o título do trabalho. As legendas devem ser impressas em folhas separadas. Modelo da carta de submissão Título do Artigo: Considerando a aceitação do trabalho acima, o(s) autor(es) abaixo assinado(s) transfere(m) para a Revista Médica Ana Costa, todos os direitos autorais do artigo mencionado, sendo vedada qualquer reprodução total ou parcial em outro meio de divulgação. Declara(m) que o presente trabalho é original, sendo que seu conteúdo não foi ou está sendo considerado para publicação em outro periódico, quer no formato impresso ou eletrônico. Data: Assinatura (s) Os originais deverão ser enviados para o Hospital Ana Costa - Divisão de Ensino, rua Pedro Américo, 60 - 10º andar, CEP 11075-905, Santos/SP, Brasil. Enviar os manuscritos à Revista Médica Ana Costa em duas cópias, impressos em papel sulfite A4, preparados em espaço duplo, com fonte Times New Roman, tamanho 12. Após as correções sugeridas pelos revisores, a forma definitiva do trabalho deverá ser encaminhada em uma via impressa e em disquete 3 ½” ou em CD-ROM. Os originais não serão devolvidos. primeiros autores seguido de et al. As abreviaturas dos títulos dos periódicos citados deverão estar de acordo com o Index Medicus. ESTRUTURA DO TEXTO Introdução: deve conter revisão da literatura atualizada e pertinente ao tema, adequada à apresentação do problema e que destaque sua relevância. Não deve ser extensa, a não ser em manuscritos submetidos como Artigo de Revisão. Metodologia: deve conter descrição clara e sucinta, acompanhada da correspondente citação bibliográfica, dos seguintes itens: · procedimentos adotados; Harnden P, Joffe JK, Jones WG, editors. Germ cell tumours V. Proceedings of the 5th Gern Cell Tumour Conference; 2001 Sep 13-15; Leeds, UK. New York: Springer; 2002. Material eletrônico Periódicos eletrônicos, artigos Sabbatini RME. A história da terapia por choque em psiquiatria. Cérebro & Mente [periódico online] dez. 1997/fev. 1998 [Acesso em 12 ago. 2000]; (4). Disponível em: · universo e amostra; http://www.epub.org.br/cm/n04/historia/shock.htm · instrumentos de medida e, se aplicável, método de validação, Monografia em um meio eletrônico · tratamento estatístico. Conclusão: apresentar as conclusões relevantes, considerando os objetivos do trabalho, e indicar formas de continuidade do estudo. Se incluídas na seção Discussão, não devem ser repetidas. Agradecimentos: podem ser registrados agradecimentos, em parágrafo não superior a três linhas, dirigidos a instituições ou indivíduos que prestaram efetiva colaboração para o trabalho. Referências: devem ser numeradas consecutivamente na ordem em que foram mencionadas a primeira vez no texto, baseadas no estilo Vancouver. A ordem de citação no texto obedecerá esta numeração. Nas referências com 2 até o limite de 6 autores, citam-se todos os autores; acima de 6 autores, citam-se os 6 São Paulo (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Entendendo o meio ambiente [monografia online]. São Paulo; 1999. [Acesso em: 8 mar. 1999]; v.1. Disponível em: http://www.bdt.org.br/sma/entendendo/atual.htm Anexos e/ou Apêndices: incluir apenas quando imprescindíveis à compreensão do texto. Caberá à Comissão Editorial julgar a necessidade de sua publicação. Abreviaturas e Siglas: deverão ser utilizadas de forma padronizada, restringindo-se apenas àquelas usadas convencionalmente ou sancionadas pelo uso, acompanhadas do significado por extenso quando da primeira citação no texto. Não devem ser usadas no título e no resumo. Índice / Contents Artigo de Revisão Apendicite aguda e doença inflamatória pélvica: dados relevantes para o diagnóstico diferencial em mulheres em idade fértil ................................................................................................ 1 Appendicitis and pelvic inflammatory disease: relevant data to differential diagnosis in women of childbearing age Clarissa Santos Souza Doença de Graves na infância .............................................................................................................................................. 4 Grave's Disease in children Giuliana Cristina Papaleo Taveira, João Antonio Gonçalves Garreta Prats e Luciana Vicente de Sousa Paulino Vilas Boas Relato de Caso Acretismo placentário .......................................................................................................................................................... 7 Placenta Accreta Maria Regina Dumoulin Barros e João Henrique Araújo Fernandes Gestações a termo em útero com malformação mülleriana ............................................................................................... 9 Normal term pregnancy in uterus with an uncommon malformation Daniel Machado e Ricardo Lima Gomes Tratamento endoscópico do câncer retal precoce .............................................................................................................. 11 Endoscopic treatment of early rectal cancer Márcio Correia Cazzamatta, Dayse da Silva Pereira Aparício, Kátia Ferreira Güenaga, Lourdes Fraga Bongiovanni, Osmar Sílvio Garcia Oliveira, Renato Brassolotto Bello2, Cynthia Maria Massarico Serafim3, Marcelo Jeronymo Lopes Ferreira, Larissa Bellegard e Mariana Potrich Maymone Dissecção arterial x acidente vascular encefálico em paciente jovem ............................................................................... 14 Arterial dissection x stroke in a young patient Sureya Maria de Almeida David Gibelli e Cristiane Serra Fibrodisplasia muscular carotídea: acidente vascular cerebral e hipertensão arterial severa em adulto jovem .................................................................................................................. 16 Fibromuscular dysplasia of carotid artery: stroke and severe high blood pressure in young adults Taísa Ferreira Braga e Cristiane Serra de Souza Neuromielite óptica em paciente idosa .............................................................................................................................. 19 Neuromyelitis optica in aged pacient Marjorie Vasconcelos da Silva Ramos e Cristiane Serra de Souza Neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica ......................................................................................................... 21 Non-arteritic anterior ischemic optic neuropathy Bruno Ribeiro Mota, Amanda Garcia de Brito, Alexandre de Oliveira Lins, Eduardo Alonso Garcia, Celso Afonso Gonçalves e Marcos Alonso Garcia Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 1 - 23, jan / fev / mar 2013 Artigo de Revisão Apendicite aguda e doença inflamatória pélvica: dados relevantes para o diagnóstico diferencial em mulheres em idade fértil Appendicitis and pelvic inflammatory disease: relevant data to differential diagnosis in women of childbearing age Clarissa Santos Souza¹ RESUMO ABSTRACT O diagnóstico de apendicite aguda é, muitas vezes, considerado um desafio para o cirurgião, pois essa doença pode apresentar-se de diversas formas e possui uma grande variedade de diagnósticos diferenciais. Quando o paciente em questão pertence ao gênero feminino e encontra-se em idade fértil, esse desafio é ainda maior devido à existência de um número elevado de doenças em órgãos pélvicos que mimetizam os sintomas da apendicite aguda. Assim, o diagnóstico diferencial de apendicite aguda e doença inflamatória pélvica é um problema cotidiano para os cirurgiões e ginecologistas e apresenta grande importância no diagnóstico precoce e tratamento adequado dessas afecções, além da diminuição de laparotomias desnecessárias. O atraso no diagnóstico ou tratamento de ambas pode levar a diversas complicações como aumento da taxa de ferida infecção e abcesso intraabdominal, peritonite, abscesso pélvico, íleo paralítico e infertilidade. Na tentativa de aumentar a acurácia diagnóstica em mulheres em idade fértil, vários trabalhos analisam quais os dados que realmente contribuem para a realização de um diagnóstico precoce correto. The diagnosis of acute appendicitis is often considered a challenge to the surgeon, since this disease can be presented in many ways and has a wide range of differential diagnoses. When the patient in question is female and of childbearing age, the challenge is even greater due to the existence of a large number of diseases in the pelvic organs that mimic the symptoms of acute appendicitis. Thus, the differential diagnosis of acute appendicitis and pelvic inflammatory disease is a daily problem for surgeons and gynecologists and has great importance in early diagnosis and proper treatment of these pathologies, besides the reduction of unnecessary laparotomy. Delay in diagnosis or treatment of both can lead to several complications such as increased rate of wound infection and intra-abdominal abscess, peritonitis, pelvic abscess, paralytic ileus, and infertility. In an attempt to increase the diagnostic accuracy of these diseases in women of childbearing age, several studies analyze the data that actually contribute to the achievement of a correct early diagnosis. Descritores: Apendicite. Doença inflamatória pélvica. Diagnóstico. Key words: Appendicitis. Pelvic Inflammatory disease. Diagnosis. Introdução A apendicite aguda é uma das emergências cirúrgicas mais comuns1-4 e pode acontecer em qualquer idade, embora o pico de incidência ocorra em adultos jovens1,3. No entanto, seu diagnóstico ainda permanece um desafio e uma porcentagem significativa de pacientes que não apresenta a doença é submetida a apendicectomia desnecessariamente. Essas taxas de laparotomia branca (com remoção de apêndice normal) podem variar de 15 a 30%2,5-8. Nas mulheres em idade fértil, esse diagnóstico é ainda mais difícil. Devido à proximidade do apêndice com órgãos pélvicos como o útero, o ovário direito e a trompa direita, muitas doenças do trato reprodutivo feminino, típicas nessa população, podem produzir sintomas que, clinicamente, mimetizam a apendicite aguda2,3,9-11. A mais comum é a doença inflamatória pélvica (DIP), que ocorre na mesma faixa etária e apresenta achados clínicos semelhantes. Consequentemente, pacientes do gênero feminino com idades entre 15 e 25 anos apresentam uma incidência de cerca de 60% das laparotomias brancas em comparação com pacientes com idades entre 36 e 45 anos, com uma incidência de cerca de 20%5. Em média, as taxas de apendicectomia branca em mulheres em idade fértil variam de 25 a 50%2,3,6,7,11. Embora, muitas vezes, o diagnóstico diferencial de apendicite aguda e doença inflamatória pélvica seja difícil de realizar com precisão, o diagnóstico precoce e tratamento de ambas são extremamente importantes. Um atraso no diagnóstico de apendicite pode levar a perfuração do apêndice com um aumento da taxa de ferida infecção e abcesso intra-abdominal, peritonite, abscesso pélvico, íleo paralítico e, potencialmente, morte com taxa de 2,4%1,3,6,10. O atraso no tratamento da DIP também pode levar a sérias conseqüências, como aumento do risco de gravidez ectópica, infertilidade, aderências pélvicas, dor pélvica crônica, 1) Residente de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Instituição: Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP. Correspondência: Clarissa Santos Souza, Av. Bernardino de Campos, 598 ap. 12 - CEP: 11065-002 - Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em: 30/10/2011; aceito para publicação em: 30/06/2012; publicado online em: 20/02/2013. Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 1 - 3, jan / fev / mar 2013 1 dispareunia, abscesso tubo-ovariano e DIP recorrente9. Na tentativa de aumentar a acurácia diagnóstica dessas afecções em mulheres em idade fértil, vários trabalhos tem sido desenvolvidos com o intuito de avaliar quais os fatores que realmente contribuem para a realização de um diagnóstico precoce correto. Conseqüentemente, haveria condições para um tratamento adequado e para diminuição das complicações. Dados relevantes no diagnóstico diferencial de apendicite aguda e doença inflamatória pélvica Características da dor O número de episódios de dor e sua duração são diferentes na apendicite e na DIP. Enquanto a apendicite é relacionada com a menor duração dos sintomas e, usualmente, dura 24 a 48 horas antes da perfuração, a DIP pode durar semanas e persistir mesmo durante o tratamento. A maioria das mulheres com apendicite apresenta um único episódio de dor, já as com DIP, geralmente, apresentam três ou mais episódios antes de procurar serviço médico2, 9,12. Com relação à localização da dor, nas pacientes com apendicite ela quase sempre está localizada no quadrante inferior direito, enquanto na DIP, geralmente é bilateral. Considerando isoladamente os achados de peritonite no quadrante inferior direito, a freqüência relativa de apendicite para DIP é de 2,5:1. Se os achados de peritonite encontram-se em ambos quadrantes inferiores, a razão de apendicite para DIP é 1:82. A migração da dor, tipicamente do epigástrio ou mesogástrio para a fossa ilíaca direita é um achado comum em pacientes com apendicite enquanto na DIP a dor tende a se localizar bilateralmente na região inferior do abdome10 . Sintomas gastrintestinais A apendicite aguda patologicamente representa uma parte do trato gastrintestinal e, portanto, tende a manifestar sintomas como náuseas e vômitos mais frequentemente que a DIP. Sendo assim, esses sintomas são importantes sinais de apendicite e, apesar de estarem presentes em outras condições, quando ausentes tornam a apendicite improvável2,9. Apesar disso, 30% das pacientes com DIP podem apresentar náuseas ou vômitos ou ambos. Assim, não podemos considerar a presença desses sintomas de forma isolada para avaliação diagnostica10. História clínica As pacientes com apendicite relatam significativamente mais anorexia e menos sintomas urinários e história de secreção vaginal do que as com DIP. Deve-se perguntar às pacientes em idade fértil com dor abdominal se esta já apresentou infecção por clamídia ou gonococos, pois a maioria dos casos de DIP está relacionada com estes organismos. É necessário um histórico sexual completo, incluindo o número de parceiros sexuais, última exposição sexual, história de doenças sexualmente transmissíveis e uso de preservativo. Com isso, pode-se avaliar o risco de exposição da paciente a DIP9. A presença de história anterior de DIP é altamente sugestiva de um novo diagnóstico de DIP, já que somente 1 de 70 casos de apendicite apresenta tal história11. Exame ginecológico Achados de secreção vaginal e eritema cervical podem contribuir para o diagnóstico de DIP e ajudar no diagnóstico diferencial com outras patologias. Evidência laboratorial sugestiva de Neisseria gonorrhoeae ou Chlamydia trachomatis é sugestivo de DIP. Achados de 10 ou mais polimorfonucleares (PMN) ou gram de secreção endocervical é diagnóstico de cervicite mucopurulenta e pode ajudar substancialmente no diagnostico de DIP13. A sensibilidade do diagnóstico clínico de DIP baseado no exame pélvico isoladamente é de 60 a 70%. Sendo que, a ocorrência de sensibilidade dolorosa isolada em região anexial direita apresenta relação de apendicite para DIP de 3:1, enquanto sensibilidade 2 dolorosa bilateral apresenta relação 1:72. Ciclo menstrual Alguns estudos na literatura tem descrito uma incidência variável de apendicite de acordo com o ciclo menstrual2. A apendicite ocorre principalmente na fase lútea (depois do dia 14) enquanto 75% das mulheres com DIP manifestam sintomas iniciais durante os primeiros 7 dias do ciclo menstrual. Há uma teoria que os sintomas de DIP durante a fase menstrual são causados por organismos que ascendem o trato genital quando há menos muco cervical. Com isso, a taxa de apendicite está baixa na primeira fase do ciclo e alta durante a fase lútea. Consequentemente, as taxas de apendicectomias de apêndices normais são maiores durante a fase menstrual e de ovulação12. Outros estudos concluem que a ocorrência de apendicite independe da fase do ciclo menstrual, enquanto a ocorrência de DIP encontra-se concentrada nos primeiros dias do ciclo2. Um único estudo relata que o histórico menstrual não parece contribuir no diagnóstico diferencial de apendicite e DIP14. Ultra-som (US) A ultra-sonografia pode ajudar no diagnóstico precoce de apendicite em pacientes com quadros clínicos atípicos. A sensibilidade dessa modalidade é 80 a 90%, com especificidade de 90 a 100%. Entretanto, sua acuracia varia de 71 a 95% e, graças a esses níveis variáveis, não deve ser considerada isoladamente no diagnóstico de apendicite9. As vantagens da ultra-sonografia em mulheres com idade reprodutiva incluem a ausência de radiação, segurança durante a gravidez, não ser um procedimento invasivo e possuir capacidade de estabelecer outros diagnósticos em 50% dos casos sem apendicite. As desvantagens incluem sensibilidade diminuída em casos de apendicite gangrenosa ou perfurada e o fato de ser operador dependente1. A DIP tende a ser bilateral e achados ultra-sonográficos são variáveis de acordo com a extensão da doença. O ultra-som transvaginal permite melhor visualização dos órgãos pélvicos e pode ajudar no diagnostico de DIP9. Além disso, também apresenta o papel de documentar a resposta terapêutica15. Tomografia computadorizada (TC) Pacientes considerados atípicos parecem beneficiar-se mais do diagnóstico por imagem e, para esse grupo, a TC apresenta maior acurácia (que pode chegar a 94% em adultos) e especificidade16. Esse exame é menos dependente da presença de gás intestinal e da experiência do operador. Enquanto o valor preditivo negativo do ultra-som é de aproximadamente 56%, o da TC é de 91%. Outro beneficio da TC em relação a US é a capacidade de diagnosticar outras condições além de apendicite16. O teste de maior acurácia é a TC pela técnica FACT (focused appendix computed tomography), que tem reportado acurácia diagnóstica de 98%. No entanto, esse tipo de TC não está disponível na maioria dos hospitais. De um modo geral, a literatura afirma que a TC apresenta maior eficácia que o ultrassom, porém o ultrassom é mais barato 9. Laparoscopia O exame de imagem padrão-ouro para o diagnóstico de DIP é a laparoscopia, mas este deve ser o último recurso utilizado devido a sua invasividade. Não é prontamente disponível e é, frequentemente, muito caro para ser usado em pacientes com sintomas vagos9. O uso da laparoscopia em mulheres com diagnóstico clínico de apendicite aguda tem demonstrado uma redução da frequência da redução da retirada de apêndices normais5,8. Em um dos estudos, a acurácia diagnostica aumentou de 75% para 90% e a redução na proporção da retirada de apêndices normais foi de 25% para 3%17. A laparoscopia não deve ser substituída por outros métodos diagnósticos menos invasivos, como o ultra-som devido aos riscos associados à anestesia geral e ao procedimento laparoscópico. No entanto, em certos grupos de pacientes como nas mulheres em Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 1 - 3, jan / fev / mar 2013 idade fértil, a capacidade de diagnosticar outras doenças como a DIP torna-a uma intervenção apropriada e permite ao cirurgião ver e tratar afecções adicionais ou outros achados patológicos que não seriam diagnosticados pela abordagem aberta e, frequentemente, evita laparotomias desnecessárias4,7,17. A técnica laparoscópica também é recomendada em pacientes com suspeita de peritonite mimetizando apendicite aguda quando o diagnóstico não pode ser estabelecido por exame físico e métodos não invasivos. Para pacientes com diagnóstico claro de apendicite, o uso rotineiro de laparoscopia irá aumentar os custos e tempo de operação quando comparado com a cirurgia aberta convencional 8. Referências 1. Rothrock SG, Green SM, Dobson M, Colucciello SA, Simmons CM. Misdiagnosis of appendicitis in nonpregnant women of childbearing age. J Emerg Med. 1995;13(1):1-8. 2. 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Surg Endosc. 2003;17(8):1311-3. 3 Artigo de Revisão Doença de Graves na infância Grave's Disease in children Giuliana Cristina Papaleo Taveira1 João Antonio Gonçalves Garreta Prats2 3 Luciana Vicente de Sousa Paulino Vilas Boas RESUMO ABSTRACT O hipertireoidismo é uma doença de múltiplos sistemas e reflete um estado metabólico aumentado no qual a fisiopatologia resulta dos altos níveis de hormônios tireoidianos circulantes. No hipertireoidismo infantil, a doença de Graves é a forma quase sempre diagnosticada. Clinicamente é caracterizada por hipertireoidismo, bócio e oftalmopatia. É entidade rara no grupo pediátrico, acometendo em menos de 5% os pacientes abaixo dos 16 anos e em apenas um quinto destes foi descrito nos primeiros cinco anos de vida. Apesar de suas características clínicas serem bem conhecidas, a doença é muitas vezes interpretada erroneamente ou não é diagnosticada durante muito tempo, pondo em risco a vida da criança. Os sintomas clínicos de hipertireoidismo podem estar presentes até um ano antes de o diagnóstico ser firmado e, até então, são valorizados sintomas isolados. As manifestações clínicas podem ser bastante inespecíficas e até mínimas em sua fase inicial, com desenvolvimento progressivo ao longo de vários meses. O diagnóstico, na maioria dos casos, baseia-se nos achados de história clínica e de exame físico. A confirmação diagnóstica fundamenta-se na presença de T3 e T4 total e T4 livre aumentados, associados a valores suprimidos de TSH. O tratamento tem como principal objetivo a restauração e manutenção, de forma rápida e segura, de um estado eutireoideo permanente. Apresentando-se em duas fases distintas, o tratamento inicial da DG deve ser com o uso de drogas antitireoideanas (DAT) até se obter o eutireoidismo, seguido de tratamento definitivo, o mesmo realizado por três formas: uso prolongado de DAT (tionamidas), tireoidectomia ou iodo radioativo. Hyperthyroidism is a condition of multiple systems and reflects an increased metabolic state in which the pathophysiology results from high levels of circulating thyroid hormones. Among the cases of hyperthyroidism in children, Graves' disease is almost always diagnosed. It is clinically characterized by hyperthyroidism, goiter and ophthalmopathy. It is rare in the pediatric group, affecting less than 5% in patients below 16 years, and only 1/5 of these were described in the first 5 years of life. Despite its clinical features are well known, the disease is often misinterpreted or not diagnosed for a long time, endangering the child's life. The clinical symptoms of hyperthyroidism may be present up to a year before the diagnosis is signed and hitherto isolated symptoms are valued. Clinical manifestations may be very nonspecific and even minimal in its initial phase, with progressive development over several months. The diagnosis of DG, in most cases, is based on findings of clinical history and physical examination. Diagnostic confirmation is based on the presence of T3 and total T4 and free T4 increased, associated with suppressed TSH values. The treatment has as main objective the restoration and maintenance, quickly and safely, an euthyroid state permanent. There are two distinct phases: the initial treatment DG should be the antithyroid drugs (ATD) until euthyroidism be achieved, followed by definitive treatment, being accomplished in 3 ways: prolonged use of DAT (thyonamides) thyroidectomy or radioactive iodine. Descritores: Hipertireoidismo. Doença de Graves, Hipertireoidismo Congênito. Key words: Hyperthyroidism. Graves Disease. Congenital Hyperthyroidism. Introdução A doença de Graves (DG) na infância é uma entidade rara no grupo pediátrico acometendo em menos de 5% os pacientes abaixo dos 16 anos e, em apenas um quinto destes, nos primeiros cinco anos de vida. Segundo dados da American Thyroid Association, afeta apenas uma em cada 10.000.000 de crianças. Acomete principalmente o sexo feminino, em uma taxa de 3:1 a 5:11. O início da doença pode ser rápido ou, até mesmo, insidioso, sendo sua forma mais frequente. Apesar de suas características clínicas serem bem conhecidas, é muitas vezes interpretada erroneamente ou não é diagnosticada durante muito tempo, colocando em risco a vida da criança. Os sintomas clínicos de hipertireoidismo podem estar presentes até um ano antes de o diagnóstico ser firmado e até então são valorizados sintomas isolados2. 1) Residente de Pediatria do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 2) Ex-acadêmico do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Medicas de Santos, Santos/SP. 3) Mestra em medicina pelo Centro Universitário Lusíada, Santos/SP. Chefe da UTI Infantil - Hospital Ana Costa. Instituição: Serviço de Pediatria do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência autor: Rua Bela Cintra, 1424 ap 62, 01415-001 São Paulo/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 30/11/2012; aceito para publicação em: 14/01/2013; publicado online em: 20/02/2013. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 4 Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 4 - 6, jan / fev / mar 2013 Embora seja raro na infância, o hipertireoidismo deve ser considerado como diagnóstico diferencial pelos diversos especialistas, devido ao quadro clínico abrangente e às possíveis complicações, quando não diagnosticado e tratado precocemente(1,2). O objetivo do presente estudo é revisar a literatura sobre o hipertireoidismo na criança, bem como da DG, sua principal causa, a fim de servir como fonte de informação para a prática diária. Métodos Foi realizada revisão da literatura médica envolvendo estudos publicados nos últimos anos, nas bases de dados Medline e Scielo, através de busca com descritores MeSH, utilizando combinações dos descritores "Hyperthyroidism", "Child", “Child Preschool", "Infant”, "Adolescent" e “Graves' disease”. Resultados Considerações gerais sobre o hipertireoidismo em crianças O hipertireoidismo é uma doença de múltiplos sistemas e reflete um estado metabólico aumentado no qual a fisiopatologia resulta dos altos níveis de hormônios tireoidianos circulantes. A glândula tireoide é uma glândula endócrina que regula o metabolismo do iodo e compreende a síntese, o armazenamento e a secreção dos hormônios tireóideos. A glândula tireoide afeta a velocidade do metabolismo de todos os tecidos. O efeito estimulante faz-se por meio da produção e distribuição de dois hormônios: Levotiroxina (T4) - contém quatro átomos de iodo; mantém o metabolismo orgânico estável; acredita-se que o T4 serve de precursor do T3; Triiodotironina (T3) - contém três átomos de iodo; é aproximadamente cinco vezes mais potente do que a tiroxina; sua ação metabólica e utilização são mais rápidas do que as da tiroxina. A maior parte da conversão do T4 em T3 ocorre a nível celular, na periferia. A glândula tireóide produz certa quantidade de T3. A secreção aumentada da tiroxina, da triiodotironina ou de ambos os hormônios resulta em um aumento da taxa metabólica do organismo3. O metabolismo acelerado afeta não só a produção de calor e de energia, como os sistemas circulatório, muscular e nervoso e ainda, a função de outras glândulas endócrinas, acarretando uma taxa metabólica aumentada, com perda rápida de glicogênio hepático e, consequentemente, a perda de tecidos4. No hipertireoidismo infantil, a DG é a forma quase sempre diagnosticada. É uma doença autoimune, na qual o hipertireoidismo é causado pela produção de anticorpos estimuladores dirigidos contra o receptor do TSH, conhecidos como TRAb (thyrotropin receptor antibody), que mimetizam os efeitos do TSH nas células foliculares da tireóide, estimulando a hiperprodução de T4 e T3, bem como a hiperplasia da glândula. Caracterizado imunologicamente por infiltração linfocitária da glândula tireóide e por ativação do sistema imune mediada pelos linfócitos B e T, dirigida a quatro antígenos tireoideos: tireoglobulina (Tg), tireoperoxidase (TPO), co-transportador de sódio-iodo e receptor de tireotropina (TSH). Os anticorpos antireceptor da tireotropina (TRAb) ligam-se a esse receptor e ativam-no, levando à síntese e secreção hormonais, ao crescimento da glândula (bócio difuso) e ao aumento da sobrevida celular. Níveis elevados podem, ainda, promover a proliferação celular5. Podemos encontrar também formas de hipertireoidismo em crianças como uma forma menos exuberante de hipertireoidismo, que é transmitida de forma autossômica nos casos de mutação do receptor do TSH ou fazer parte da síndrome de McCune Albright quando há mutação do gene da subunidade α da proteína G. A mutação somática do receptor do TSH pode levar à formação de um adenoma tóxico, situação raramente encontrada na criança e no adolescente. Outra causa rara de hipertireoidismo em crianças inclui a produção inadequada de TSH, por tumores hipofisários produtores de TSH e na síndrome de resistência ao hormônio tireoidiano. Nestes casos iremos encontrar níveis elevados de T4 livre na presença de valores normais ou aumentados de TSH. Causas de tireotoxicose por ruptura folicular e liberação de hormônios tireoidianos incluem a tireoidite de Hashimoto e, mais Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 4 - 6, jan / fev / mar 2013 raramente, a tireoidite subaguda, além de ingestão de hormônios tireoidianos exógenos e iodo (3,5). Porém, no presente estudo nos atemos à principal causa do hipertireoidismo, a DG. Manifestações clínicas e laboratoriais Como mencionado anteriormente, os sintomas clínicos de hipertireoidismo podem estar presentes até um ano antes de o diagnóstico ser firmado e são valorizados, somente, os sintomas isolados, como gastrintestinais, cardiovasculares, respiratórios e oftalmológicos. Em casos de crianças com mães com DG durante a gestação, podemos observar um estímulo aos receptores de TSH associados a anticorpos acarretando no desenvolvimento da DG neonatal com surgimento em até nove dias após o parto, sendo sua resolução dentro de 3-12 semanas, pois os anticorpos do receptor de TSH materno (pertencentes a classe IgG) são degradadas, tendo uma meia-vida de aproximadamente 12 dias2. As manifestações clínicas podem ser bastante inespecíficas e até mínimas em sua fase inicial, com desenvolvimento progressivo ao longo de vários meses. Mudanças de comportamento e desempenho escolar, insônia, inquietude e irritabilidade e noctúria são comuns. Aumento da idade estatural e da maturação esquelética são observados em mais da metade dos pacientes sem repercussão na estatura final5. Os sintomas clássicos e sinais incluem bócio, taquicardia, tremor, nervosismo, aumento da pressão de pulso, aumento apetite, perda de peso e diarreia1. Comprometimento oftálmico manifesta-se como ligeira saliência do globo ocular, flacidez ou retrações de pálpebras e, menos comumente, dor e visão dupla. As alterações oculares estão presentes na maioria dos casos, porém com menor gravidade que nos adultos1,2. A glândula tireoide pode encontrar-se simetricamente alargada, macia, suave e indolor e móvel à deglutição; sopro da tireoide pode ser auscultado. Características específicas de hipertireoidismo congênito incluem a distrofia grave ao nascimento e parto prematuro, e no período pós-natal inquietação, irritabilidade, déficit de crescimento e taquicardia. Quando o diagnóstico é retardado, podemos encontrar cranioestenose precoce. Em meninas que desenvolvem hipertireoidismo depois da puberdade muitas vezes têm pouco sangramento menstrual e geralmente infrequente, ou podem até apresentar amenorreia. O diagnóstico da DG, na maioria dos casos, baseia-se nos achados de história clínica e de exame físico. A confirmação diagnóstica fundamenta-se na presença de T3 e T4 total e T4 livre aumentados, associados a valores suprimidos de TSH5. Os níveis plasmáticos de T3 são, muitas vezes, mais elevados que as de concentrações de T4 e TSH são suprimidos, exceto quando há adenomas pituitários secretores de TSH e resistência hipofisária aos hormônios tireoidianos. Medidas de iodotironinas (T3 e T4) e anticorpos em neonatos com suspeita de hipertireoidismo congênito devem ser realizadas ao nascimento, coletando sangue de cordão umbilical, repetindo sua dosagem após uma semana, quando os efeitos dos anticorpos antitireoidianos maternos desapareceram, e após 6 - 8 semanas de vida2,5. Anticorpos são detectáveis, em até 80% dos pacientes, mas não representam um parâmetro de acompanhamento para remissão ou recidiva da doença. A ultra-sonografia, indicada para avaliar a anatomia da glândula, nos revela o alargamento da tireoide, com reduzida ecogênicidade em grande parte não homogênea e aumento da perfusão. A cintilografia da tireoide é realizada apenas em pacientes com nódulos detectados por ultrassonografia, a fim de descartar nódulos com funcionamento autônomo6. Tratamento do hipertireoidismo O tratamento tem como principal objetivo a restauração e manutenção, de forma rápida e segura, de um estado eutireoideo permanente. Apresentando-se em duas fases distintas, o tratamento inicial deve ser com o uso de drogas antitireoideanas (DAT) até se obter o eutireoidismo, seguido de tratamento definitivo, o mesmo realizado por três formas: uso prolongado de DAT (tionamidas), tireoidecto5 mia ou iodo radioativo. Nenhuma das três alternativas preenche todos os critérios de segurança, efetividade e estabelecimento de um eutireoidismo permanente 1,5,6. No tratamento medicamentoso, são utilizadas as tionamidas como escolha inicial, sendo mais de 90% dos pacientes controlados em até oito semanas, tendo com esquema: propiltiouracil (PTU), na dose de 5-10mg/kg/dia, em três tomadas; ou; metimazol (MTZ), na dose de 0,5-1,0mg/kg, em tomada única diária. A aderência ao tratamento costuma ser melhor com a última droga. Isso se deve a ser somente dose única de MTZ, ao qual pode se associar l-tiroxina no momento em que se obtém o eutireoidismo. A dose de l-tiroxina gira ao redor de 100µg/m2/dia e deve manter os níveis plasmáticos de TSH normais. Este esquema, conhecido como bloqueio/reposição, mantém a glândula inibida sem o inconveniente do hipotireoidismo, e permite uma boa aderência ao tratamento medicamentoso por vários anos. Além do mais, esse último esquema é vantajoso porque diminui a frequência dos exames laboratoriais e de visitas médicas5. Em crianças com sintomatologia muito intensa uma alternativa para o controle eficaz seria o uso de β-bloqueadores, sendo o propranolol a droga de escolha, na dose de 1-2mg/kg/dia, dividido em 3 tomadas6. A duração do tratamento é variável, mas em geral preconiza-se um período mínimo de dois anos. Após a suspensão do medicamento a criança deve ser examinada regularmente, pois a taxa de remissão (definida como mais de um ano em eutireoidismo) é muito baixa, da ordem de 25% após dois anos de tratamento e de 50% após 5 anos de uso da droga7. A remissão em crianças prépúberes é mais rara comparada com pacientes já na puberdade. Alguns pacientes poderão desenvolver espontaneamente hipotireoidismo. Embora o desaparecimento do bócio e os valores normalizados de TRAb possam apontar para uma taxa maior de remissão, não existem parâmetros que permitam predizer de forma previsível o aspecto evolutivo da doença5,6. Durante o tratamento com tionamidas, podem ocorrer efeitos colaterais, que devem ser reconhecidos e tratados precocemente. Em torno de 2 a 5% dos pacientes desenvolvem rash cutâneo, náusea, cefaléia, artralgias ou febre, que costumam ser transitórios. Entretanto, se persistirem deve-se trocar a tionamida. Efeitos maiores incluem hepatite, vasculite, púrpura fulminante e agranulocitose9. As últimas podem levar a efeitos secundários graves e mesmo ao óbito. Por esse motivo, é importante prevenir aos familiares sobre o risco de seu uso. A agranulocitose costuma ser acompanhada de faringite, febre e outros sinais e sintomas sistêmicos de infecção. Uma vez diagnosticada, deve-se hospitalizar o paciente e iniciar tratamento com antibiótico. Recomenda-se a realização de hemograma antes do início da DAT e, durante o tratamento, quando é encontrado qualquer um dos achados acima descritos. Em pacientes com bócios grandes a cirurgia pode ser a melhor forma de tratamento, podendo ser indicada como primeira opção de tratamento após a obtenção do eutireoidismo10. A tireoidectomia deve contemplar uma retirada quase total da glândula, de forma a obter a cura da doença e evitar a recorrência do hipertireoidismo. A terceira opção de tratamento, o radio iodo, parece ser uma forma segura e econômica de tratar o hipertireoidismo em crianças e adolescentes. Mais de 90% dos pacientes são curados e raramente os efeitos secundários são importantes. Existe hoje uma tendência em vários países para um aumento do uso do radio iodo como primeira opção de terapia definitiva após a recidiva com a suspensão da DAT. Em geral, administra-se o radio iodo após um período de DAT e normalização dos níveis de T4 total e T4 livre6. Nucl Med Mol Imaging. 2002; Supp. 2:S439-46. 3. Nuvarte S. Hipotireoidismo na criança: diagnóstico e tratamento. J. Pediatr. 2007;83(5):S209-S16. 4. Griffin JE. The thyroid. In: Griffin JE, Ojeda SR editors. Textbook of endocrine physiology. New York: Oxford University Press; 2004. p. 294-318. 5. Sandrini R, França SN, Lacerda L, Graf H. Tratamento do hipertireoidismo na infância e adolescência. Arq Bras Endocrinol Metab. 2001;45(1):32-6. 6. Andrade VA, Gross JL, Maia AL. Tratamento do Hipertireoidismo da Doenc¸a de Graves. Arq Bras Endocrinol Metab. 2001;45(6):609-18. 7. Lippe BM, Landaw EM, Kaplan AS. Hyperthyroidism in children treated with long term medical therapy: twenty five percent remission every two years. J Clin Endocrinol Metab 1987; 64:1241-5. 8. Cooper DS. The side effects of antithyroid drugs. The Endocrinologist 1999; 9:457-67. 9. LaFranchi S, Mandell SH. Graves' disease in the neonatal period and childhood. In: Braverman LE, Utiger RD. The Thyroid: a Fundamental and Clinical Textbook. 6th ed. New York: Lippincott; 1991:p.1237-46. 10. Rivkees AS, Sklar C, Freemark M. The management of Graves' disease in children, with special emphasis on radioiodine treatment. J Clin Endocrinol Metab. 1998; 83:3767-76. Referências 1. Bahn RS, Burch HB, Cooper DS, Garber JR, Greenlee MC, Klein I, Laurberg P, McDougall IR, Montori VM, Rivkees SA, Ross DS, Sosa JA, Stan MN; American Thyroid Association; American Association of Clinical Endocrinologists. Hyperthyroidism and other causes of thyrotoxicosis: management guidelines of the American Thyroid Association and American Association of Clinical Endocrinologists. Endocr Pract. 2011;17(3):456-520. 2. Bettendorf M. Thyroid disorders in children from birth to adolescence. Eur J 6 Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 4 - 6, jan / fev / mar 2013 Relato de Caso Acretismo placentário Placenta Accreta Maria Regina Dumoulin Barros¹ João Henrique Araújo Fernandes² RESUMO ABSTRACT Acretismo placentário caracteriza-se por placenta que está aderida de forma anormal ao útero. Quando a placenta invade o miométrio, é denominada placenta increta, e quando invade a serosa uterina, percreta, podendo algumas vezes atingir órgãos adjacentes, como a bexiga. Relata-se o caso de gestante com acretismo placentário, ocorrido no Hospital Ana Costa, em que a paciente foi submetida à embolização das artérias ilíacas, posteriormente realização de parto cesária. Placenta accreta is characterized by the placenta that is abnormally attached to the uterus. When the placenta invades the myometrium, it is called placenta increta, and when it invades the uterine serosa, percreta, it can sometimes reach adjacent organs such as the bladder. A case of a pregnant women with placenta accreta which occured at Ana Costa Hospital was reported. She underwent embolization of the iliac arteries, subsequently performing a cesarean delivery. Descritores: Gestante. Acretismo Placentário. Embolização. Key words: Pregnancy. Placenta Accreta. Embolization. Introdução A placenta previa e o acretismo placentário são causas clinicamente importantes de hemorragia. Acretismo placentário caracterizase por placenta que está aderida de forma anormal ao útero. Quando a placenta invade o miométrio, é denominada placenta increta e quando invade a serosa uterina, percreta, podendo algumas vezes atingir órgãos adjacentes, como a bexiga1. Relato de caso Gestante, 33 anos, primigesta, em acompanhamento pré natal, sem intercorrências até 20 semanas de gestação realizou exame de ultrassonagrafia obstétrica que diagnosticou placenta de implantação baixa. Paciente apresentava-se assintomática. Por volta de 30 semanas de gestação, a placenta tornou-se marginal inferior próximo ao orifício interno do colo à ultrassonografia. Com 36 semanas de gestação, foi realizado novo exame de ultrassom, em que a placenta apresentava-se prévia centro total e a quantidade de líquido amniótico estava reduzida (oligoâmnio), valor de ILA= 3,6. Realizou- se ressonância magnética, que diagnosticou o grau de acretismo placentário. Foi internada para controle e programação cirúrgica. Optou-se por procedimento pré-parto cesárea – embolização das artérias ilíacas. Foi realizada embolização das artérias ilíacas com sucesso e, em seguida, parto cesárea, sem intercorrências, não havendo necessidade de realização de histerectomia. Após 48 horas, mãe e recém-nato receberam alta. Discussão A placenta previa é uma complicação obstétrica em que a placenta está inserida em uma região próxima ou recobrindo o orifício cervical. O diagnóstico geralmente é realizado após 27 semanas de gestação. Excepcionalmente, o diagnóstico poderá ser feito mais precocemente. Existem diversas classificações para placenta prévia. De modo geral, podemos ter placentas que recobrem todo o orifício cervical (placenta prévia centro total), parcialmente (placenta previa parcial) ou que apenas estão próximas a ele (placenta prévia marginal)1. Uma das mais temidas complicações é o acretismo placentário, caracterizado pela invasão excessiva do trofoblasto no miométrio, resultando em hemorragia significativa quando o obstetra tenta efetuar a dequitação. Diante desse diagnóstico, além da hemotransfusão serão necessárias manobras que vão desde curagem e curetagem até a histerectomia, conforme a extensão e o grau do acretismo placentário. Na última década, o acretismo placentário superou a atonia uterina como principal causa de histerectomia por hemorragia pós-parto. Infelizmente, a placenta prévia acreta (PPA) vem tornando-se cada vez mais frequente. Em 1952, de cada 1000 gestantes com PP, apenas duas tinham acretismo associado. Em 1980, a cifra elevou-se 40,5 /1000, em 1985 para 99/1.000 e, a partir de 1995, já ultrapassava os 150/10002,3. O aumento e a frequência do acretismo placentário correlacionam-se ao aumento do número de casarias, idade materna avançada, curetagem anterior, multiparidade, miomectomias e embolização de miomas4. A extensão da invasão placentária, muitas vezes não é conhecida até o trabalho de parto. Isso ocorre devido à falta de definição na literatura do melhor método de diagnóstico pré-natal do acretismo placentário. A adequada detecção do acretismo placentário e da extensão da invasão miometrial permitiria um adequado planejamento da via de parto, do risco operatório e das medidas de segurança nessas condições. Isso resultaria na redução da morbidade e em uma abordagem multidisciplinar de uma situação 1) Residente de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/ SP 2) Chefe do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/SP Instituição: Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua Olavo de Paula Borges, 88 ap. 82 – 11035-130, Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em: 30/10/2011; aceito para publicação em: 15/08/2012; publicado online em: 20/02/2013. Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 7 - 8, jan / fev / mar 2013 7 potencialmente dramática5. A ultrassonografia (US)e a ressonância magnética (RM) têm sido utilizadas como modalidades no diagnóstico de acretismo placentário, porém, a US ainda é mais acessível6. Existem critérios ultrassonográficos estabelecidos para o diagnóstico de placenta acreta, os quais têm sido utilizados com sucesso relativo. Os critérios ultra-sonograficos indicativos de suspeita de acretismo placentário foram os preconizados na literatura, destacando-se: o adelgaçamento da zona hipoecóica retroplacentária, lacunas vasculares irregulares, irregularidade na espessura do miométrio basal e presença de vasos tortuosos invadindo o miométrio5,7. A RM, nos últimos 10 anos, destaca-se como método de diagnóstico antenatal de malformações complexas e de afecções maternas na gestação, devido à não exposição à radiação ionizante e à boa resolução diagnóstica8. Ao realizar o parto de uma gestante com placenta previa acreta, o obstetra estará diante de uma situação de extremo risco para hemorragias. O resultado final dependerá da sua aptidão em fazer o diagnóstico correto do acretismo, da sua experiência e habilidade técnica em realizar os procedimentos cirúrgicos indicados, da disponibilidade imediata de volumes adequados de sangue para transfusão e da competência anestesistas e intensivistas em manter as condições hemodinâmicas da paciente durante e após a cirurgia. Se o obstetra pudesse prever, de forma clínica e sem recursos tecnológicos sofisticados, qual¹ gestante com placenta previa mais propensa ao acretismo, poderia preparar uma serie de recursos capazes de garantir uma assistência para esta paciente na hora do parto, reduzindo os seus riscos e até evitando a sua morte. Com isso estudos demonstraram que a oclusão com balão das artérias uterinas é um método seguro e parece reduzir a perda de sangue e necessidade de transfusão em pacientes diagnosticados com placenta acreta2, 9. 8 Referências 1. Zugaib M. Obstetrícia I. 1º ed. Barueri: Manole; 2008. p.700-12. 2. Torloni MR, Moron AF, Camano L. Fatores de risco para o Acretismo, Rev Bras Ginecol Obstet. 2001; 23(7):417-22. 3. Cunningham RG, McDonald FC, Gant NG. Williams Obstetrics. 20th ed. East Norwalk: Appleton & Lange; 1997. p.761. 4. Gielchinsky Y, RojanskyN, Fasouliotis SJ, EzraY. Placenta Accreta- Summary of 10 Years: A survey of 310 Cases. 2002. p. 210-4. 5. Francisco VV, Goldman SM, Faria J, Szejnfeld J. Valor da ressonância magnética no diagnóstico antenatal do acretismo placentário. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006; 28(12):700-7. 6. Levine D, Hulka CA, Ludmir J, Li W, Edelman RR. Placenta accreta: evaluation with color Doppler US, power Doppler US and MR imaging. Radiology. 1997;205(3):773-6. 7. Lam G, Kuller J, McMahon M. Use of magnetic resonance imaging and ultrasound in the antenatal diagnosis of placenta accreta. J Soc Gynecol Investig. 2002;9(1):1-3. 8. Maldjian C, Adam R, Pelosi M, Pelosi M, Rudelli RD, Maldjian J. MRI appearance of placenta percreta and placenta accreta. Magn Reson Imaging. 1999;17(7):965-71. 9. Bodner J, Nosher J, Gribbin C, Siegel R. Balloon- Assisted Occlusion of the Internal Iliac Artries in Patients with Placenta Accreta/Percreta. Cardiovascular and Interventional. Radiology. 2006;29:354-61. Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 7 - 8, jan / fev / mar 2013 Relato de Caso Gestações a termo em útero com malformação mülleriana Normal term pregnancy in uterus with an uncommon malformation Daniel Machado1 Ricardo Lima Gomes2 RESUMO ABSTRACT Introdução: anormalidades estruturais podem ocorrer durante a formação uterina originando várias malformações, entre elas, o útero didelfo, que predispõe as gestantes a partos prematuros e a abortamentos. Relato do caso: paciente de 30 anos, parda, três gestações, sendo um parto normal, um abortamento e um parto cesárea. Apresentou, ao exame ultrassonográfico, imagem compatível com útero didelfo, sem evidência de septo em vagina, duas cavidades endometriais e dois colos uterinos, sendo um útero de menor volume, desviado para a esquerda e outro útero com volume maior, desviado para a direita. Dentre três gestações, duas chegaram ao termo, a primeira evoluiu até trinta e sete semanas e cinco dias e a outra foi interrompida com operação cesariana com trinta e oito semanas e cinco dias. Este relato apresenta duas gestações espontâneas em útero com anomalia mülleriana, revisando brevemente a literatura sobre o binômio malformação mülleriana/ gravidez, ultrassom como método diagnóstico e prevalência da patologia, bem como a incidência de abortamentos relacionados com a malformação. Introduction: Structural abnormalities may occur during formation of the uterus yielding several malformations, including the didelphic uterus, which predisposes pregnant women to premature births and miscarriages. Case report: We present a case of a 30 year-old, dark skin woman, three pregnancies, with a normal birth, a miscarriage and a cesarean parturition. She presented at the ultrasound, an image compatible with didelphic uterus without evidence of septum in vagina, two endometrial cavities and two laps uterine, being one of uteri with lesser volume deflected to the left and other uterus bigger bulk, shifted to the right. Among three pregnancies, two were mature, the first evolved up to thirty-seven weeks and five days and the other was interrupted by cesarean surgery withal thirtyeight weeks and five days. This report presents two spontaneous pregnancies with uterine mullerian anomaly, reviewing briefly the literature on binomial mullerian malformation / pregnancy, ultrasound as a diagnostic method and prevalence of the condition, as well the incidence of abortion by the malformation. Descritores: Útero/Anormalidades. Gestação. Ultrassonografia. K e y w o r d s : U t e r u s / A b n o r m a l i t i e s . P r e g n a n c y. Ultrasonography. Introdução No desenvolvimento mülleriano normal, parece existir uma progressão ordenada do desenvolvimento embrionário do útero, tubas uterinas e vagina. Alterações desse processo resultam em anomalias uterinas, tubárias e/ou vaginais congênitas1. O útero e a extremidade superior da vagina começam a formar-se quando os ductos paramesonéfricos fundem-se próximo de sua fixação à parede posterior do seio urogenital primitivo. As malformações müllerianas representam um conjunto de anormalidades estruturais que podem originar-se da fusão desses dutos na linha média, pela falha da conexão com o seio urogenital ou na falha quanto a criar uma luz apropriada na porção superior da vagina e útero, por não reabsorção das células da vagina central e do septo entre os dutos müllerianos fundidos1,2. Porém, a causa definitiva destas anomalias não está claramente elucidada1. Estima-se que acometam, aproximadamente, 1 a 6% das mulheres, porém, sua incidência exata é incerta, pois a maioria dos dados provém de estudos de complicações obstétricas ou de infertilidade1. O conhecimento de sua prevalência e de seus vários subtipos é importante para o diagnóstico e tratamento das possíveis complicações ginecológicas e obstétricas delas decorrentes3. A importância deste relato é demostrar a capacidade reprodutiva na presença de malformação mülleriana, no caso, útero didelfo, e a eficiência do ultrassom no diagnóstico, além de apontar falhas nas mensurações da prevalência e da infertilidade inerente a tais defeitos anatômicos. Relato do caso A paciente consentiu em disponibilizar a utilização de seus dados para fins científicos por meio de termo de consentimento livre e 1) Médico Residente do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Preceptor de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Instituição: Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua Pedro Américo, 60 - CEP 11075-905 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 01/09/2012; aceito para publicação em: /2012; publicado online em: 20/02/2013. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 9 - 10, jan / fev / mar 2013 9 esclarecido (TCLE). Paciente de 30 anos, menarca aos 11 anos, parda, tercigesta, com diagnóstico de útero anteversofletido e didelfo em exame ultrassonográfico de rotina na primeira gravidez. O exame mostrava útero didelfo, com cavidades uterinas assimétricas, com maior volume à direita, dois colos e uma vagina. Sem evidência de tumores pélvicos. Ao exame ginecológico, apresentava genitália externa normal e presença de dois colos uterinos. No toque vaginal palpavam-se os dois colos. Em relação aos ciclos, a paciente relatou sangramento uterino anormal, com dois ou três episódios de fluxo intenso e duração de 5 dias por mês, apresentando dismenorreia até a primeira gestação, pois os ciclos tornaram-se regulares após o primeiro parto. Não apresentava dispareunia. Não há informações sobre uso de drogas teratogênicas pela mãe da paciente em sua gestação, como dietilbestrol e, em vários exames ultrassonográficos, não foi evidenciado anomalia no sistema urinário. Na primeira gravidez, localizada no útero com maior volume, o parto via baixa aconteceu após trabalho de parto com trinta e sete semanas e cinco dias de gestação, houve hemorragia no quarto período, mas o quadro estabilizou e não foi necessário medidas como transfusão sanguínea ou intervenções cirúrgicas. Uma segunda gestação, não diagnosticada previamente, evoluiu com abortamento, após sangramento. Ao procurar assistência, devido à hemorragia, foi confirmado óbito embrionário no interior do útero de menor volume, evoluindo com expulsão do conteúdo, sem indicação de curetagem uterina. Por fim, uma terceira gestação, no útero maior, seguiu até 38 semanas e cinco dias, quando foi interrompida por cesariana, uma vez que, após período de trabalho de parto prolongado, não houve a evolução esperada, permanecendo a apresentação alta, mesmo com esvaecimento do colo uterino e protrusão da bolsa do líquido amniótico. A incompetência cervical já havia sido diagnosticada com vinte e três semanas e dois dias de gestação, com o colo uterino apresentando, ao exame ultrassonográfico transvaginal, 0,7cm de comprimento e presença de herniação da “bolsa das águas” pelo orifício interno do colo (“sinal do dedo de luva”). Os recém-nascidos, o primeiro do sexo feminino e o segundo do masculino, não apresentaram anomalias, estando saudáveis e sem comorbidades. Discussão Neste caso, descrevemos a duplicação cervical associada ao útero didelfo, no qual houve duas gestações espontâneas com boa evolução obstétrica e um abortamento. Aproximadamente 15 a 25% dos abortos espontâneos são causados por defeitos da fusão dos ductos müllerianos. Em mulheres com úteros didelfos, as taxas de aborto espontâneo e parto prematuro estão entre 25 a 38% e 25 a 47%, respectivamente, dependendo do local de implantação do blastocisto4. A prevalência de anomalias uterinas congênitas foi de, aproximadamente, 6,7% na população geral, de 7,3% na população de mulheres estéreis e de 16,7% nas mulheres com abortamento habitual3. As falhas na fusão dos ductos de Müller, que ocorrem entre a 10ª e a 12ª semana acompanham-se, frequentemente, de malformações urinárias. As principais variantes são: a. útero didelfo, na ausência completa de fusão dos ductos; b. útero bicorno bicervical; e c. útero bicorno unicervical3. De uma maneira geral, as malformações uterinas foram identificadas em 1 para cada 594 mulheres férteis (0,17%) e em 1 para cada 29 mulheres inférteis (3,5%); a prevalência de anomalias uterinas na população geral foi de 1 para cada 201 mulheres (0,50%); a distribuição segundo os grupos foi de 7% para o útero arqueado, 34% para o septado, 39% para o bicorno, 11% para o didelfo, 5% para o unicorno e 4% para o hipoplástico/aplástico/sólido e outras formas3. O presente caso demonstra, também, o valor da ultrassonografia como um método de imagem diagnóstico para avaliação da anatomia uterina e para o diagnóstico das anomalias müllerianas. A ultrassonografia é um exame pouco invasivo e de baixo custo, comparando-se com a histeroscopia, laparoscopia ou com a ressonância nuclear magnética5. A possibilidade de visualização 10 da cavidade uterina e do miométrio, com o ultrassom, facilita o diagnóstico das anomalias uterinas, proporcionando a diferenciação entre septo uterino, útero bicorno e útero didelfo. Além disso, permite o início de um planejamento cirúrgico, no caso de um útero septado3. No caso descrito, além da avaliação do corpo uterino, foi possível evidenciar a presença dos dois colos uterinos e a incompetência cervical na época do segundo exame obstétrico morfológico, sendo que o acompanhamento ultrassonográfico no segundo trimestre é de grande valia6. Já do ponto de vista anatômico, malformações do sistema urinário podem acompanhar anomalias uterinas, contudo, essa peculiaridade não foi constatada ou clinicamente observada, até o momento, na paciente em questão. Nos casos de malformações uterinas, a real avaliação do risco obstétrico é dificultada porque muitas malformações não são diagnosticadas, especialmente nas pacientes assintomáticas ou com sinais pouco específicos, além dos casos de abortamentos não diagnosticados. Essa malformação, na maioria das vezes, tem o diagnóstico tardio, geralmente na idade reprodutiva, devido ao fato de não causar problemas durante a puberdade5. Como ainda não existe consenso quanto ao impacto desta anomalia sobre a fertilidade, estas pacientes devem ser acompanhadas, no intuito de estabelecer o melhor plano terapêutico a ser seguido3. A ultrassonografia tridimensional, exame não invasivo e de baixo custo, é uma opção diagnóstica que deve ser considerada no arsenal semiótico das malformações müllerianas, assim como a ressonância nuclear magnética, de custo mais elevado, contudo, com alta definição das partes moles nas estruturas anatômicas3. Referências 1. Badalotti M, Arent A, Monteggia V, Machado J, Petracco R, Petracco A. Septo uterino, duplicação cervical e septo vaginal: relato de rara malformação mülleriana com gestação a termo. Rev Bras Ginecol Obstet. 2007; 29(11):58892. 2. Bittar RE, Pereira PP,Liao AW. Intercorrências Obstétricas. In: Zugaib M. Obstetrícia. 1ª ed. Barueri: Manole; 2008. p.1228. 3. Bagnoli VR, Fonseca AM, Fassolas G, Arie MHA, Arie WMY, Baracat EC. Conduta frente às malformações genitais uterinas: revisão baseada em evidências. Rev Femina. 2010;38(4):217-28. 4. Berek JS. In: Berek & Novak. Tratado de Ginecologia. 14ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. 5. Ferreira AC, Mauad Filho F, Nicolau LG, Gallarreta FP, De Paula WM, Gomes DC. Ultra-sonografia tridimensional em ginecologia: malformações uterinas. Radiol Bras. 2007;(2). Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0 100 39842007000200013. 6. Montenegro CAB, Rezende Filho J. In: Rezende. Obstetrícia Fundamental. 12ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p.724. Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 9 - 10, jan / fev / mar 2013 Artigo de Revisão Tratamento endoscópico do câncer retal precoce Endoscopic treatment of early rectal cancer Márcio Correia Cazzamatta¹ Dayse da Silva Pereira Aparício² Kátia Ferreira Güenaga² Lourdes Fraga Bongiovanni² Osmar Sílvio Garcia Oliveira² Renato Brassolotto Bello² Cynthia Maria Massarico Serafim³ Marcelo Jeronymo Lopes Ferreira4 Larissa Bellegard5 Mariana Potrich Maymone5 RESUMO ABSTRACT Relata-se um caso de tratamento endoscópico de câncer retal precoce. Paciente do sexo masculino, 63 anos, foi admitido no Serviço de Endoscopia do Hospital Ana Costa, para a realização de colonoscopia para seguimento de doença diverticular dos cólons. Durante o procedimento, além da diverticulose, observou-se lesão plano-elevada em reto médio, que foi ressecada em bloco com alça de polipectomia precedida de injeção de solução de azul de metileno na submucosa. A peça foi submetida a estudo anatomopatológico, que evidenciou adenocarcinoma moderadamente diferenciado com margens circunferenciais livres. Foi realizada ecoendoscopia transrretal perilesional, com o intuito de detectar a presença de neoplasia residual e acometimentos linfáticos e vasculares com resultados negativos. A conduta a seguir foi a realização de seguimento com retossigmoidoscopia flexível e colonoscopia para detecção de recidiva do tumor. We report a case of endoscopic treatment of early rectal cancer. A male patient, 63 years, was admitted to the Endoscopy Unit, Hospital Ana Costa, Santos, SP, for colonoscopy to follow-up colon diverticular disease. During the procedure, beyond diverticulosis, a high level lesion in medium rectum was observed, which was resected en bloc with polipectomy loop preceded by injection of methylene blue in submucosa. The piece underwent pathologic evaluation, which showed moderately differentiated adenocarcinoma with free circunferencial margins. It was performed perilesional transrretal ultrasound in order to detect the presence of residual neoplastic superficial vascular and lymphatic affections with negative results. The path to follow was to conduct screening with flexible retosigmoidoscopy and colonoscopy for detection of recurrence tumor. Descritores: câncer retal precoce Key words: early rectal cancer Introdução O câncer colorretal é a neoplasia mais comum do trato digestório e a terceira causa de morte por neoplasias nos países ocidentais1. O câncer retal representa menos de 30% de todos os cânceres colorretais. O número de casos novos de câncer colorretal no Brasil, fornecidos pelo Instituto Nacional do Câncer(INCA) em 2010, foi de 13.310 casos em homens e 14.800 em mulheres. O número de mortes registrados em 2007 foi de 11.322 casos, sendo 5305 homens e 6017 mulheres2. É mais incidente em indivíduos caucasianos, com idade entre 70-79 anos, casados e com nível sócio-econômico médio3. Existem alguns fatores de risco que predispõem o desenvolvimento de câncer colorretal, como os genéticos (polipose adenomatosa familiar e síndrome de Lynch), ambientais (uso de álcool, dieta pobre em frutas, vegetais e fibras e ricas em gorduras) e as doenças inflamatórias intestinais4. A tese da sequência adenomacarcinoma mostra que os pólipos adenomatosos evoluem lentamente para câncer. Uma maneira de prevenir o aparecimento de tumores seria a detecção e remoção dos pólipos antes de eles se tornarem malignos5. A realização do rastreamento de câncer colorretal é uma importante ferramenta para seu diagnóstico precoce, com importante impacto na morbimortalidade. Os exames necessários para a sua realização são toque retal, retossigmoidoscopia flexível e pesquisa de sangue oculto nas fezes. The American Cancer Society recomenda a realização anual de toque retal em pacientes com mais de 40 anos, pesquisa anual de sangue oculto nas fezes em pacientes com mais de 50 anos e retossigmoidoscopia flexível a cada 3-5 anos em pacientes com mais de 50 anos. Se houver pesquisa de sangue oculto nas fezes positiva ou alterações no toque retal ou na retossigmoidoscopia flexível, é mandatória a realização de colonoscopia6. A definição de câncer retal precoce baseia-se no fato da lesão estar limitada à mucosa e submucosa, independentemente de acometimento linfonodal, localizado nos últimos 11 cm proximais à borda anal7,8. A ressecção endoscópica do câncer retal precoce representa grande benefício para os pacientes porque preserva função esfincteriana, além de promover baixa mortalidade e rápida recuperação9. O prognóstico dos pacientes depende da profundidade de invasão do tumor, número de metástases linfonodais e comprometimento 1. Estagiário de Endoscopia Digestiva do Hospital Ana Costa, Santos/SP 2. Médicos do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Ana Costa, Santos/SP 3. Residente de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP 4. Médico do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP 5. Acadêmicas da Faculdade de Ciências Médicas de Santos, Centro Universitário Lusíada, UNILUS, Santos/SP Instituição: Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua Pedro Américo, 60 – 11075 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em: 30/10/2011; aceito para publicação em: 08/08/2012; publicado online em: 20/02/2013.. Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 11 - 13, jan / fev / mar 2013 11 da margem circunferencial da peça ressecada10. Relato de caso Paciente do sexo masculino, de 63 anos de idade, caucasiano, procurou atendimento no Serviço de Endoscopia do Hospital Ana Costa, Santos, SP para realização de colonoscopia para seguimento de doença diverticular dos cólons. À colonoscopia, foram observados inúmeros óstios diverticulares, predominantes em sigmóide, sem sinais de processo inflamatório atual ou recente. Em reto médio, foi evidenciada lesão plano-elevada (0-IIa-IIc) com superfície irregular, medindo aproximadamente 10 mm de diâmetro em seu maior eixo com leve depressão em seu ápice – Figura 1. Procedeu-se a marcação dos bordos com ponta de alça de polipectomia – Figura 2, seguida de injeção de solução de azul de metileno a 1% na submucosa; foi então realizada mucosectomia, com alça de polipectomia, sendo a lesão retirada em bloco. Figura 3 – Transição entre mucosa retal normal (esquerda) e tumoral (direita). HE 100x. Figura 1 – Lesão plano-elevada em reto médio. Figura 4 – Área central do tumor com leve depressão. HE 100x. Figura 2 – Marcação dos bordos com ponta de alça de polipectomia. O estudo anatomopatológico revelou fragmentos de mucosa intestinal contendo estrutura parcialmente substituída por neoplasia de células epiteliais formando glândulas e algumas projeções papilíferas – adenocarcinoma moderadamente diferenciado. O pleomorfismo nuclear era discreto e com hipercromasia, além de frequentes mitoses. As margens circunferenciais da lesão eram de aproximadamente 5 mm – Figuras 3, 4 e 5. 12 Figura 5 – Glândulas tumorais infiltrando mucosa. HE 100x. O local da ressecção foi submetido à avaliação por ecoendoscopia transrretal, que evidenciou áreas de cicatrização de aspecto normal após a mucosectomia endoscópica com hiperecogenicidade irregular da parede, onde se verifica fusão das terceiras e quartas camadas no local e ausência de acometimento linfonodal e vascular perilesional – Figura 6. Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 11 - 13, jan / fev / mar 2013 Figura 6 – A: Áreas de cicatrização de aspecto normal com conteúdo hiperecóico irregular da parede (SETA); B: Fusão das terceiras e quartas camadas. Discussão Em indivíduos assintomáticos com mais de 50 anos submetidos à colonoscopia, a prevalência de adenocarcinoma é de 0,8%, dos quais 50% são estádio 0 (TisN0M0) ou estádio I (T1N0M0 ou T2N0M0)11. A excisão local do câncer retal deve considerar o risco de acometimento linfonodal, a incidência de recorrência local, a mortalidade operatória e risco de disfunção anorretal. O diagnóstico da lesão em fase precoce oferece a opção de realizarem-se ressecções locais com baixo risco operatório. As opções são a ressecção endoscópica e microcirurgia transanal endoscópica (TEMS)12. A ressecção endoscópica do câncer retal precoce eficaz deve enquadrar-se nos seguintes critérios: 1) adenocarcinoma bem ou moderadamente diferenciado; 2) invasão do terço superior da submucosa (sm1) até profundidade menor que 1000 micrômetros; 3) margens de segurança de, pelo menos, 1 mm e 4) ausência de invasão vascular ou linfática13,14. A taxa de cura para esta modalidade de tratamento é de 97%15. Pacientes com estadiamento T1 são os grandes candidatos ao TEMS e aqueles com estadiamento T2 podem realizar o procedimento, desde que realizem tratamento complementar, geralmente quimiorradioterapia, se indicados. A ressecção de tumores grandes por TEMS pode ocasionar perda do volume retal e estenose da anastomose após reparo primário após a excisão. Lesões T3 não são candidatas a TEMS curativa, exceto para pacientes com alto risco cirúrgico. Todos os pacientes com qualquer tipo de acometimento linfonodal devem realizar ressecção radical porque a ressecção endoscópica não pode tratar e avaliar os linfonodos acometidos15. Os critérios para a realização da TEMS são tumor mobilidade, tamanho menor que 3,5 cm e localização do tumor até 15 cm da borda anal16. As taxas de sobrevida livre de doença no estadiamentos T1 e T2 com terapia neoadjvante são de, respectivamente, 100% e 93%17. A ecoendoscopia transrretal é o método de maior acurácia para a avaliação da invasão local do câncer retal e acometimento linfonodal perirretal. Os achados desse exame determinam as diretrizes do tratamento, como ressecção local ou ressecção radical. Pode ainda detectar a recidiva do câncer com confirmação histológica por punção local com agulha fina ecoguiada. O toque retal, para avaliar a mobilidade e grau de infiltração do tumor e detecção de linfonodos palpáveis, tem acurácia de, respectivamente, 80% e 65%. Estudos comparativos mostraram que a acurácia da ecoendoscopia transrretal é maior que a da tomografia computadorizada, para o estágio T (87% e 76%) e N (78% e 62%) e também maior que o da ressonância magnética (85% e 77%)18. O seguimento dos pacientes com câncer retal precoce pósressecção endoscópica baseia-se na realização retossigmoidoscopia flexível e colonoscopia. A retossigmoidoscopia flexível deve ser realizada 3-6 meses após a ressecção e, com resultado sem alterações, a cada 2-3 anos. A colonoscopia está indicada um ano após ressecção e, se normal, após quatro anos. Não havendo anormalidades, a colonoscopia pode ser realizada a cada cinco Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 11 - 13, jan / fev / mar 2013 anos19. O paciente relatado realizou a colonoscopia para seguimento de diverticulose do cólon e o diagnóstico do câncer retal precoce foi realizado ao acaso. A lesão foi submetida à marcação das bordas com ponta de alça de polipectomia, para facilitar alçar toda a lesão durante a mucosectomia e injeção de azul de metileno a 1% na submucosa para promover elevação da mucosa em relação à submucosa. Isso facilitou ainda mais a mucosectomia e a coloração da submucosa com azul de metileno a 1% permite identificar resquícios de mucosa ou acometimento da muscular própria após o procedimento. A seguir, procedeu-se à retirada em bloco da lesão com alça de polipectomia. A lesão foi enviada para estudo anatomopatológico, respeitando todos os critérios de ressecção endoscópica completa porque se tratava de um adenocarcinoma moderadamente diferenciado, a lesão é restrita à mucosa, as margens circunferenciais de segurança da lesão são de, aproximadamente 5 mm e ausência de invasão vascular ou linfática na peça. O paciente foi submetido à ecoendoscopia transrretal no local da ressecção, que evidenciou áreas de cicatrização de aspecto normal com hiperecogenicidade irregular das paredes com fusão das terceiras e quartas camadas. O seguimento de câncer colorretal é a ferramenta mais eficaz para o diagnóstico dessas lesões em estágio precoce, que podem ser tratadas com métodos minimamente invasivos, como mucosectomia endoscópica e TEMS. Desde que a lesão apresente margens circunferenciais livres de segurança limitadas a T1, para mucosectomia endoscópica e limitadas a T2 com tratamento neoadjuvante, para TEMS e a ecoendoscpia transrretal perilesional apresentando ausência de invasão vascular e/ou linfática perilesional, o paciente pode ser considerado tratado, devendo seguir os protocolos após ressecção da lesão. Referências 1. Jemal A, Siegel R, Xu J, Ward E. Cancer statistics, 2010. CA Cancer J Clin. 2010;60(5):277-300. 2. Instituto Nacional do Câncer(on line). Epidemiologia, informação e vigilância. Rio de Janeiro; 2010. Disponível em URL: HTTP: www. inca.org.br. 3. Rulyak SJ, Mandelson MT, Brentnall TA, Rutter CM, Vagner EH. Clinical and sociodemographic factors associated with colon surveillance among patients with a history of colorectal cancer. Gastrointest Endosc. 2004;59(2):239-47. 4. Austoker J. Diet and Cancer. BMJ. 1994;308:1610-4. 5. Hara AM, Johnson CD, Reed JE, Ahlquist DA, Nelson H, Ehman RL, McCullough. Detection of colorectal polyps by computed tomographic colography: feasibility of a novel technique. Gastroenterology. 1996;110:284-90. 6. Austoker J. Diet and Cancer. BMJ. 1994;308:1610-4. 7. Whitehouse PA, Armitage JN, Tilney HS, Simson JN. Transanal endoscopic microsurgery local recurrence rate following resection of rectal cancer. Colorectal Dis. 2008;10:187-93. 8. Tytherleigh MG, Warren BF, Mortensen NJ. Management of early rectal cancer. Br J Surg. 2008;95(9):1189-90. 9. Dumontier I, Roseau G. 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Gastrointes Endosc. 2006;63(4):546-57. 13 Relato de Caso Dissecção arterial x acidente vascular encefálico em paciente jovem Arterial dissection x stroke in a young patient Sureya Maria de Almeida David Gibelli¹ Cristiane Serra² RESUMO ABSTRACT Aneurismas dissecantes da artéria vertebral são lesões pouco comuns, responsáveis por 2% de todos os acidentes vasculares encefálicos. A taxa de mortalidade chega a 5% dos casos, somando-se as dissecções de carótida e vertebral. Relata-se o caso de uma mulher de 48 anos, a qual, após atividade física extenuante, apresentou dissecção de artéria vertebral, sendo optado pelo tratamento clínico, devido ao diagnóstico de oclusão arterial. Dissecting aneurisms of vertebral artery are not very common being responsible for just 2% of all the strokes. Mortality rate is around 5%, including not only carotid, but also vertebral dissections. This article is a case report of a 48 years old that after strenuous physical activity had vertebral artery dissection. The chosen management, for this patient, was clinical treatment once she had entire artery's occlusion. Descritores: Acidente Vascular Encefálico. Jovens. Dissecção. Key words: Stroke. Dissection.Young. Introdução A dissecção espontânea de artérias cervicais, carótida ou vertebral é responsável por apenas 2% de todos os acidentes vasculares encefálicos isquêmicos1. Se considerarmos apenas os pacientes com menos de 50 anos, essa estimativa sobe para 10-25% dos casos. Nos Estados Unidos, a incidência atual é de 5 casos a cada 100.000 habitantes por ano1,2. O tipo de dissecção mais freqüente é o comprometimento unilateral da artéria carótida interna. A dissecção multiarterial cervical ocorre em até um terço dos casos e eventualmente está associada a algum defeito dos componentes do colágeno ou a uma arteriopatia que predisponha à ruptura da camada íntima ou média3. Devido à maior mobilidade das artérias carótidas internas e vertebrais em suas porções extra-cranianas e por estarem em íntimo contato com estruturas ósseas (vértebras ou processo estilóide), suas dissecções são favorecidas, quando comparadas com artérias de calibres semelhantes como as renais e coronárias4. Na maioria dos casos a causa da lesão é espontânea, porém, algumas vezes é possível identificar um evento traumático ou um evento menos relevante precedendo o quadro isquêmico, como hiperextensão ou rotação do pescoço, massagem cervical, vômitos, tosse e exercícios físicos4. O quadro clínico da dissecção das artérias cervicais inclui sintomas relacionados à lesão arterial, cervicalgia e cefaléia, bem como eventos isquêmicos secundários a embolia ou hipofluxo. Em 5095% dos casos de dissecção de carótida e em 90% dos casos de dissecção de vertebral, há lesão isquêmica associada3. A dor é o principal sintoma, seja cefaléia, seja cervicalgia. Cervicalgia está presente em até 45% dos casos de dissecção de vertebral e, geralmente, ocorre na porção posterior do pescoço4. Até 20% dos pacientes não apresentam sinais ou sintomas que precedam a isquemia. A dissecção carotídea geralmente se inicia 2 cm acima da origem da artéria carótida interna (porção faríngea). Já a dissecção de vertebrais costuma ocorrer na altura da segunda vértebra cervical (ou segmento V3), próximo a sua origem3. A taxa de mortalidade chega a 5% dos casos, somando-se as dissecções de carótida e vertebral3. Relato de caso Paciente feminina, de 48 anos, casada, natural e residente em Santos, procura atendimento médico após quadro de cefaléia e cervicalgia associada à tontura de início havia um dia, após ter corrido 10 km. À admissão, referia cefaléia hemicraniana esquerda latejante, vertigem associada à instabilidade postural para andar, diplopia e parestesia de hemiface esquerda de início súbito associados a cervicalgia posterior. Ao exame, apresentava força muscular preservada nos quatro membros, nistagmo horizonto rotatório para a esquerda já na posição primária do olhar, mantido nas demais posições, pupilas isocóricas fotorreagentes, sem rigidez de nuca. Foi submetida à tomografia computadorizada de crânio, que não evidenciou lesões agudas. Já na ressonância magnética (RNM) de crânio, identificamos infartos focais isquêmicos recentes, com restrição à difusão em parênquima cerebelar a esquerda e face lateral bulbo-medular. A angio-RNM mostrou ausência de sinal de fluxo na artéria vertebral esquerda (oclusão 1) Residente de Clínica Médica do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Neurologista do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Instituição: Serviço de Neurologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua Joaquim Nabuco, 1028 – 04621-003 São Paulo/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em: 30/10/2011; aceito para publicação em: 15/03/2012; publicado online em: 20/02/2013. 14 Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 14 - 15, jan / fev / mar 2013 estenose crítica), com aneurisma incidentais, diminutos nichos de até 2mm em território de cerebral média bilateral atribuíveis à pequenas imagens de adição compatíveis com diminutos aneurismas. Submeteu-se à angiografia cerebral para elucidação diagnóstica, que mostrou oclusão de artéria vertebral esquerda no segmento V3 associado à estenose moderada no segmento V2, sugestiva de dissecção e irregularidades parietais em todo seu trajeto. Origem e trajeto cervical de artéria vertebral direita estavam com irregularidades parietais sem estenoses significativas. Diante do diagnóstico de oclusão arterial, embora mecanismo sugestivo de dissecção, paciente recebe alta hospitalar em uso de AAS e estatina, sem anticoagulante oral. Seguiu com exercícios para reabilitação. Discussão As artérias intracranianas, bem como as artérias do canal vertebral, possuem diferenças anatômicas quando comparadas às artérias de diâmetro similar do restante do corpo. Estas possuem redução das camadas adventícia e média devido à diminuição da quantidade de fibras elásticas, além de possuírem fibras colágenas mais finas e pela ausência da camada elástica externa5. Existem diversas causas de dissecção de artérias cervicais, dentre as quais podemos citar as dissecções espontâneas em pacientes portadores de migrânea, displasia fibromuscular, necrose cística medial, síndrome de Marfan, durante atividades esportivas, espirros e rotação da cabeça, dentre outras6,7. O sintoma mais encontrado nos aneurismas dissecantes da artéria vertebral é a dor occipto-cervical que, na maioria dos casos, precede a cefaléia ou inicia-se simultaneamente a ela, sendo ipsilateral em cerca de 75% dos casos6-8. A angiografia das artérias vertebrais geralmente sela o diagnóstico, contudo, tanto a RNM quanto a angioressonância de crânio são usadas como triagem, valorizadas por não serem métodos invasivos e possuírem alta resolução na fossa posterior. Entretanto, é por meio da angiografia digital que o diagnóstico pode ser confirmado, bem como programada a melhor conduta terapêutica9. O tratamento cirúrgico por abordagem endovascular mostra-se uma opção utilizada para estes aneurismas atualmente, por meio do qual pode-se usar balões destacáveis, angioplastia transluminais ou oclusão com molas10,11. A dissecção arterial é uma causa importante de acidente vascular encefálico isquêmico nos adultos jovem. Podem ser diagnosticadas por meios não invasivos, como RNM e angio-RNM com contraste e, no caso de dúvida diagnóstica, deve-se lançar mão da angiografia digital. Não há consenso absoluto quanto ao tratamento das dissecções, sendo instituída a terapêutica antitrombótica nas dissecções cervicais e nas intracranianas com apresentação isquêmica. Já nos casos de dissecções extracranianas, a terapêutica endovascular é realizada nos casos sintomáticos. A terapêutica endovascular deve ser precocemente indicada nas dissecções intracranianas com apresentação hemorrágica, com aneurismas dissecantes ou com agravamento das alterações angiográficas12. Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 14 - 15, jan / fev / mar 2013 Referências 1. Schievink WI. Spontaneous dissection of the carotid and vertebral arteries. N Engl J Med. 2001;344:898-906. 2. Ducrocq X, Lacour JC, Debouverie M, Bracard S, Girard F, Weber M. Accidents vasculaires cérébraux ischémiques du sujet jeune: etude prospective de 296 patients àgés de 16 à 45 ans. Rev Neurol (Paris). 1999;155:575-82. 3. Campos CR, Evaristo EF, Yamamoto FI, Puglia Jr P, Lucato LT, Scaff M. Dissecção Espontânea Cervical Carotídea e Vertebral Arq Neuropsiquiatr. 2004;62(2-B):492-8. 4. Andrade GC, Oliveira JG, Dauar RFB, Nalli DR, Braga FM. Aneurisma dissecante de artéria vertebral intracraniana fenestrada submetido ao tratamento endovascular. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63(2-A):352-6. 5. Fang H. Acomparison of blood vessels of the brain and peripheral blood vessels. In: Wright IS, Milikan CH: (EDS) Cerebral vascular diseases. New York: Grune & Stratton; 1958:17-22. 6. Sinclair W. Dissecting aneurysm of the middle cerebral artery associated with migraine syndrome. Am J Pathol. 1953;29(10):1083-91. 7. Ringel SP, Harrison SH, Norenberg MD, et al. Fibromuscular dysplasia: multiple 'spontaneous' dissecting aneurysm of the major cervical arteries. Ann Neurol. 1977;1:301-4. 10. Thapedi IM, Ashenhurst EM, Rozdilsky B. Spontaneous dissecting aneurysms of the internal carotid artery: in the neck. Arch Neurol. 1970;23:549-54. 11. Sekino H, Nakamura N, Kato Y, et al. Disecting aneurysms of the vertebrobasilar system: clincal and angiographic observation. No Shinkei Geka. 1982;9:12533. 12. Coley SC, Clifton A. Dissecting vertebral artery aneurysm: diagnosis and coil embolization. Case report. Br J Radiol. 1999;72:408-11. 13. Halbach VV, Higashida RT, Dowd CF, et al. Endovascular treatment ofn vertebral artery dissections and pseudoaneurysms. J Neurosurg. 1993;79:18391. 14. Vilela P, Goulão A. Dissecção Arteriais Cervicais e Intra-cranianas : revisão da apresentação aguada clínica e imagiológica de 48 casos. Acta Médica Portuguesa. 2003;16:155-64. 15 Relato de Caso Fibrodisplasia muscular carotídea: acidente vascular cerebral e hipertensão arterial severa em adulto jovem Fibromuscular dysplasia of carotid artery: stroke and severe high blood pressure in young adults Taísa Ferreira Braga¹ Cristiane Serra de Souza² RESUMO ABSTRACT A fibrodisplasia muscular é angiopatia que afeta artérias de médio calibre, predominante em mulheres jovens, em idade fértil. O envolvimento renal ocorre em 60-75% dos casos, envolvimento vascular cerebral 25-30%, envolvimento visceral em 9% e as artérias dos membros são afetadas em cerca de 5% dos casos. Em 26% dos pacientes, a doença é encontrada em mais de uma região arterial. Na perspectiva neurológica, a FDM é uma importante causa de acidente vascular cerebral (AVC) em adultos jovens. A doença fibromuscular da artéria carótida é um achado infreqüente, mas que está associado a sintomas neurológicos focais e globais. A maioria dos pacientes pode ser tratada com medicamentos antiplaquetários sem sintomas recorrentes, no entanto, quando os sintomas são persistentes, alguns necessitam de dilatação cirúrgica da artéria carótida. O acometimento carotídeo também pode levar a hemorragia catastrófica intracraniana. Os sintomas da doença fibromuscular são inespecíficos e incluem cefaléia, vertigem tontura e zumbido, porém a maioria dos pacientes com doença fibromuscular craniocervical são assintomáticos. Nenhum sintoma é patognomônico de FDM. Este relato de caso tem a finalidade de descrever uma paciente com diagnóstico de hipertensão arterial severa, de difícil controle que evolui com déficit motor dimidiado e diagnóstico subseqüente de FDM carotídea. The fibromuscular dysplasia (FMD) is an angiopathy that affects medium diameter arteries, predominantly in young women. Renal involvement occurs in 60-75% of cases, 25-30% cerebral vascular involvement, visceral involvement in 9% and limb arteries are affected in about 5% of cases. In 26% of patients, the disease in found in more than one arterial region. In neurological perspective, the FDM is important cause of stroke in young adults. FMD of the carotid artery is an infrequent finding, but is associated with focal and global neurological symptoms. Most of patients can be treated with antiplatelet medications without recurrent symptoms. However, when symptoms are persistent some patients need surgical dilation of the carotid artery. Also carotid involvement can lead to catastrophic brain hemorrhage. FMD symptoms are nonspecific and include headache, dizziness, vertigo but the most patients are asymptomatic. Nothing symptom is pathognomonic of FMD. This case report describes a patient with severe high blood pressure difficult control that involves dimidiate motor deficit and subsequent diagnosis of carotid FMD. Descritores: Isquemia Cerebral. Fibrodisplasia Muscular. Acidente Vascular Cerebral. Key Words: Stroke, Fibromuscular dysplasia, Young stroke. Introdução A displasia fibromuscular (FDM) é doença pouco conhecida, que acarreta desenvolvimento anormal ou crescimento exacerbado de células nas paredes das artérias, o que pode levar o vaso sanguíneo a estreitar ou formar protuberâncias, irregularidades que podem alterar o fluxo sanguíneo laminar de vasos de pequeno e médio calibre1,2. As artérias carótidas e renais são as mais comumente afetadas pela displasia fibromuscular, daí a correlação clínica com doenças como acidente vascular cerebral (AVC), infarto miocárdico e hipertensão arterial sistêmica refratária1. As manifestações clínicas da FDM são diversas: desde hiperten- são, vertigem, dor de cabeça crônica, aneurisma intracraniano, zumbido no ouvido, fraqueza, rubor facial, alterações na visão, até pacientes assintomáticos2,3. A doença acomete com maior prevalência mulheres na faixa etária de 25 a 50 anos. Relato de caso Paciente feminina, de 32 anos, foi admitida em hospital particular de Santos/SP com quadro de parestesia em dimídio direito associada a pico hipertensivo. Não tinha diagnóstico prévio de hipertensão, sendo medicada para controle pressórico e submetida à tomografia de crânio, que se mostrou sem alterações. Foi encaminhada para 1) Residente de Clínica Médica do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Médico Assistente do Serviço de Neurologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Instituição: Serviço de Cardiologia e de Neurologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua Olavo Bilac, 24 ap.12 – 11065-220 Santos/ SP, Brasil. E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em: 30/10/2011; aceito para publicação em: 2011; publicado online em: 20/02/2013. 16 Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 16 - 18, jan / fev / mar 2013 seguimento ambulatorial e avaliação neurológica. No momento da avaliação neurológica, apresentava-se com queixa de cefaléia esporádica e hemiparesia completa direita, força muscular grau IV com sinais de liberação piramidal, mantendo hipertensão de difícil controle, apesar do uso de três classes de anti-hipertensivos. Submeteu-se a investigação etiológica, seguindo o protocolo de AVC isquêmico em jovem. A ressonância magnética de encéfalo confirmou diversos focos isquêmicos lacunares, predomínio em região capsular esquerda, associados sinais de microangiopatia periventricular pronunciada. O ultrassom Doppler de carótidas e vertebrais mostrou espessamentos focais médio-intimais das carótidas internas distais, com pequenas tortuosidades e dilatações associadas, principalmente em carótida comum esquerda. Foi submetida à angiografia cerebral para elucidação diagnóstica, que mostrou presença de estenose anular seguida de dilatações saculares na carótida cervical direita imediatamente ao bulbo (Figuras 1 e 2), medindo aproximadamente 4 mm, sugestivo de displasia fibromuscular com pseudoaneurisma. O mesmo padrão irregular de fluxo, devido estenoses seguidas de dilatações, também pode ser visto na artéria carótida interna esquerda (Figuras 3 e 4), o clássico “contas em um colar”. Neste caso, há leve a moderado estreitamento da artéria. Segue em acompanhamento, em uso de seis classes de anti-hipertensivos (Atensina 0,4mg/dia, Anlodipino 10mg/dia, Atenolol 100mg/dia, Aldactone 50mg/dia, Enalapril 40mg/dia, Hidroclorotiazida 25mg/dia), AAS 300mg/dia e Sinvastatina 40mg/dia, sem controle adequado da pressão arterial, porém, recuperação gradativa do déficit motor. Seguiu em acompanhamento com cirurgia vascular para programação cirúrgica. Figura 3 – Artéria carótida esquerda perfil à angiografia. Figura 4 – Artéria carótida esquerda oblíqua à angiografia. Figura 1 – Vista lateral de uma angiografia de carótida direita demonstra múltiplas estenoses de febre aftosa da artéria carótida interna. Figura 2 - Artéria carótida direita perfil à angiografia. Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 16 - 18, jan / fev / mar 2013 Discussão A displasia fibromuscular (FMD) é uma angiopatia incomum, predominante em jovens de meia-idade (30-50 anos) e indivíduos do gênero feminino, ainda com literatura limitada2,3. É doença vascular, não-inflamatória, não aterosclerótica que afeta vasos de pequeno e médio calibre, devido a um grupo heterogêneo de alterações histológicas, as quais conduzem finalmente a um estreitamento arterial. A associação acidente vascular cerebral e FMD é especialmente importante entre jovens de meia idade e do gênero feminino, na maioria dos casos sendo herdada como traço autossômico dominante4. A FMD foi observada pela primeira vez em 1938, por Leadbetter e Burkland, em um menino de cinco anos de idade, sendo descrita como doença das artérias renais. O envolvimento das artérias craniocervicais foi reconhecido em 1946, por Palubinskas e Ripley1. As manifestações clínicas refletem o leito arterial envolvido, mais comumente hipertensão arterial (renal) e acidente vascular cerebral (carótida)2. A FDM pode ser encontrada em todo o sistema arterial cervicocraniano. A maioria dos casos acomete as artérias carótidas internas (95%), frequentemente bilateral (60-85%). O envolvimento da artéria vertebral é em menor grau e é associado frequentemente a doença carotídea5. Pelo menos dois leitos vasculares são envolvidos em até 28% dos pacientes6. Os sintomas ocorrem quando essas lesões arteriais são fortemente estenosadas, produzindo hipoperfusão, embolização, trombose, dissecção ou quando há ruptura de aneurisma associado. Sintomas inespecíficos incluem dor de cabeça, alterações mentais, zumbidos, vertigens e dores no pescoço 3,6,7. Ataque isquêmico transitório, infarto cerebral(AVC), hemorragia subaracnóidea, síncope, síndrome de Horner e paralisia de nervos cranianos são os sintomas neurológicos mais vistos8. 17 Existe uma forte associação entre aneurismas intracranianos e a fibrodisplasia muscular cervicocranianas. A maioria é localizada na artéria carótida interna e artéria cerebral média. Aneurismas múltiplos são encontrados em alguns casos7. Todos os pacientes com displasia muscular cervicocranianas devem ter uma angiorressonância do polígono de Willis para descartar um aneurisma intracraniano5. FDM tem como importante diagnóstico diferencial vasculites, angiopatia de caráter infalamatório que pode ter a mesma apresentação clínica. É um diagnóstico histopatológico, mas a alterações vistas na angiografia podem ser usadas para sugerir o diagnóstico de acordo com a suspeita clínica, mesmo sem a confirmação anatomopatológica de FDM9. Várias modalidades de imagem podem ser usadas para diagnosticar fibrodisplasia muscular cervicocranianas. Ultra-sonografia duplex de carótidas pode evidenciar estenoses no leito arterial, porém, é de difícil diagnóstico no nível das vértebras C1-C2. Angiorressonância é uma excelente opção não invasiva, mas a angiografia permanece o método diagnóstico de escolha10. A angioplastia é uma opção de tratamento recomendado para pacientes com FMD da artéria renal e também carótida interna que apresentaram acidente isquêmico trânsitório (AIT)s ou AVCs relacionado ao estreitamento arterial grave. Implante de stent pode ser necessário em casos raros, quando os pacientes tiverem dissecção da artéria carótida ou vertebral ou que tenham um aneurisma associado11,12. Embora as evidências de estudos randomizados ainda não sejam suficientes, a anticoagulação é frequentemente usada, após descartar hemorragia cerebral. Inicialmente é feita com heparina e depois, administrado em regime ambulatorial, Varfarina por 3-6 meses. Se a apresentação é de hemorragia subaracnóidea, devido à ruptura do aneurisma, isso impede a anticoagulação e indica a necessidade de tratamento com a finalidade de evitar o vasoespasmo. O tratamento agudo é focado principalmente na prevenção de ressangramento, vasoespasmo arterial e prevenção e ainda isquêmica cerebral. Os aneurismas podem ser fechados pelo embolização endovascular ou clipagem cirúrgica. Nimodipina, um bloqueador dos canais de cálcio, é usado como medicamento de escolha para reduzir o vasoespasmo mediado por lesão cerebral9,13. Referências 1. Plouin PF, Perdu J, Alanore Alb, Boutouyrie P, Roqueplo APG, Jeunemaitre X. Fibromuscular dysplasia. Orphanet J Rare Dis. 2007;2:28. 2. Osborn AG, Anderson RE. Angiographic spectrum of cervical and intracranial fibromuscular dysplasia. Stroke. 1977;8:617-26. 3. Cloft HJ, Kallmes DF, Kallmes MH, Goldstein JH, Jensen ME, Dion JE. Prevalence of cerebral aneurysms in patients with fibromuscular dysplasia: a reassessment. J Neurosurg. 1998;88:436-40. 4. Rushton AR. The genetics of fibromuscular dysplasia. Arch Intern Med. 1980;140:233-6. 5. Olin JW, Pierce M. Contemporary management of fibromuscular dysplasia. Curr Opin Cardiol. 2008;23(6):527-36. 6. Pilz P, Hartjes HJ. 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Bilateral stenting of symptomatic and asymptomatic internal carotid artery stenosis due to fibromuscular dysplasia. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2000;69(5):683-6. 12. Bragin MA, Cherkasov AP. Morphogenesis of fibromuscular dysplasia of the renal arteries (anultrastructural study). Arkh Patol. 1979;41(2):46-52. 13. Finsterer J, Strassegger J, Haymerle A, Hagmüller G. Bilateral stenting of symptomatic and asymptomatic internal carotid artery stenosis due to fibromuscular dysplasia. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2000;69(5):683-6. Considerações finais A fibrodisplasia muscular é uma doença rara, embora já tenha sido demonstrada em quase todas as artérias do leito vascular cerebral. É freqüentemente confundida com vasculite, aterosclerose, doenças congênitas vasculares, em especial quando há envolvimento difuso. Pode apresentar-se com hipertensão arterial, infarto renal, dissecção, ataque isquêmico transitório e acidente vascular cerebral, simulando vasculite. Do ponto de vista neurológico, a FDM é importante causa de acidente vascular cerebral em adultos jovens, com necessidade de diagnóstico precoce e possibilidade de várias opções terapêuticas relativamente seguras que têm resultados excelentes. Entretanto, estudos prospectivos ainda serão necessários para determinar a conduta ideal da fibrodisplasia muscular para cada leito vascular acometido14. 18 Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 16 - 18, jan / fev / mar 2013 Relato de Caso Neuromielite óptica em paciente idosa Optic neuromyelitis in aged pacient Marjorie Vasconcelos da Silva Ramos¹ Cristiane Serra de Souza² RESUMO ABSTRACT Neuromielite óptica (NMO) é doença desmielinizante, monofásica ou recidivante, com acometimento predominante dos nervos ópticos e medula espinal e tem uma evolução mais grave quando comparada à esclerose múltipla. Pouco prevalente, com maior incidência entre mulheres adultas de meia idade. É doença com prognóstico reservado, em termos da função óptico-medular, que exige diagnóstico e tratamento precoces. Segue relato de paciente, 75 anos de idade, que teve diagnóstico de NMO após amaurose súbita em olho direito, evoluindo com paraparesia crural, pouco frequente considerando faixa etária acometida. Neuromyelitis optica (NMO) is a single or recurrent demyelinating disease, with predominant involvement of the optic nerves and spinal cord and has is more severe compared to multiple sclerosis. It presents low prevalence, with higher incidence among adult women of middle age. It is a disease with poor prognosis in terms of optic-spinal cord function, requiring early diagnosis and treatment. The case of a 75 years old patient is reported. She was diagnosed with NMO after sudden blindness in the right eye, presenting crural paraparesis, infrequent considering the age group affected. Descritores: Neuromielite Óptica. Amaurose. Desmielinizante. Key words: Optic Neuromyelitis. Amaurosis. Demyelinating. Introdução Neuromielite óptica (NMO), também conhecida como doença de Devic, é uma doença desmielinizante do sistema nervoso central (SNC), que afeta preferencialmente a medula espinhal e os nervos ópticos¹. A NMO é rara na população caucasiana, representando menos de 1% das doenças desmielinizantes do SNC. Apresenta alta incidência na população asiática, africana e sul-americana. É três a cinco vezes mais frequente no sexo feminino, com início, em média, aos 40 anos de idade, sendo raro o início em idosos1. É caracterizada por ataques agudos de neurite óptica (NO), geralmente bilaterais. Ao mesmo tempo, em poucos dias ou mais raro em alguns meses, a NO é seguida por mielopatia transversa severa (MT) – inflamação aguda da medula espinhal. Em cerca de 20% dos casos, a MT precede a NO2. O diagnóstico é realizado por meio da suspeita clínica, em associação com exames de imagem como tomografia computadorizada ou ressonância magnética. Na maioria dos casos, existe associação positiva com o anticorpo NMO IgG 2. O tratamento consiste no controle da crise, no controle da doença de base e da sintomatologia. Nas crises, o tratamento mais preconizado é a realização de pulsos endovenosos (EV) de metilprednisolona com desmame, por via oral, ao longo de meses. Na ausência de resposta ou nos casos com recidivas precoces, a plasmaferese deve ser efetuada3. O prognóstico é reservado, com grave repercussão funcional. A sobrevida após cinco anos é de cerca de 68% para as formas recidivantes e de 90% para as formas monofásicas, sendo a principal causa de morte o compromisso respiratório que ocorre na lesão medular grave4. Relato de caso Paciente idosa, branca, 75 anos, procurou o pronto-socorro, com queixa de diminuição da acuidade visual em olho direito associada à fraqueza em membros inferiores havia um dia. Referia episódio semelhante dois dias antes, com melhora espontânea. Com comorbidades conhecidas, apresentava diabetes mellitus, hipertensão arterial e amaurose prévia em olho esquerdo por sequela de toxoplasmose ocular havia dois anos. Foi admitida com força muscular grau II em membro inferior direito e força grau V em membro inferior esquerdo, reflexos osteotendíneos hipoativos bilaterais em membros inferiores e normoativos em membros superiores e sinal de Babinsk presente à direita. A fundoscopia evidenciava seqüela de toxoplasmose a esquerda, sem anormalidades no fundo de olho direito. Conduziu-se inicialmente como provável quadro vascular cerebral agudo. No primeiro dia de internação hospitalar, apresentou retenção urinária, com necessidade de sondagem vesical de demora. A TC de crânio não revelou lesões agudas. O ecocardiograma demonstrou insuficiência mínima aórtica. A ultrassonografia Doppler de carótidas não 1) Residente de Clínica Médica do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Neurologista do Hospital Ana Costa de Santos/SP, Brasil. Instituição: Serviço de Neurologia do Hospital Ana Costa de Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua Thiago Feereira 51/61- Santos SP. E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em: 15/08/2011; aceito para publicação em: 07/05/2012; publicado online em: 20/02/2013. Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 19 - 20, jan / fev / mar 2013 19 mostrou estenoses significativas. A RNM evidenciou focos de gliose periventricular em T2 em FLAIR, compatível com doenças de pequenos vasos apenas. O líquor lombar tinha aspecto límpido, com 58 células, 22% neutrófilos, 78% linfócitos, glicose 56, proteínas 117, VDRL não reagente, bacterioscopia negativa, Tinta da China negativa, BAAR negativo e bandas oligoclonais ausentes. No terceiro dia de internação, apresentou piora do quadro neurológico, evoluindo com paraparesia crural flácida, reflexo cutâneo plantar em extensão bilateral, e nível sensitivo em T4, mantendo baixa acuidade visual olho direito. Foi transferida para a Unidade de Terapia Intensiva, sem alteração do quadro clinico, recebendo pulsoterapia intravenosa com metilprednisolona diante do quadro de mielite aguda. As sorologias foram: para toxoplasmose IgM negativa, IgG positiva, anti-HIV negativo, anti-HTLV I e II negativo; fator reumatóide não reagente; FAN negativo. Na RNM de coluna torácica, notou-se hipossinal em T1 e hipersinal em T2 com realce, após administração intravenosa de gadolíneo, em toda a sua extensão – Figura 1. Eletroneuromiografia: ausência de comprometimento neuropático periférico e/ou miopático atuais. Recebeu alta da UTI para continuidade de tratamento em enfermaria com pouca melhora do déficit visual. Foi iniciado tratamento com Imunoglobulina humana por cinco dias,apresentando recuperação parcial do déficit visual. Ao final do décimo quinto dia de internação, recebeu alta hospitalar, mantendo corticoterapia oral, com diagnóstico de neuromielite óptica para seguimento ambulatorial. RNM medular, com extensão a três ou mais segmentos vertebrais; anticorpo NMO-IgG positivo4. O curso da doença é imprevisível. A neurite óptica na NMO geralmente é mais grave e de recuperação incompleta, relativamente à neurite associada à EM. As crises, habitualmente, são de intensidade moderada a severa e as remissões geralmente incompletas. Mais de metade dos doentes apresentam amaurose total de pelo menos um olho e/ou incapacidade para deambular de forma autônoma ao fim de cinco anos3. O tratamento preconizado é a pulsoterapia com metilprednisolona intravenosa, seguido de corticoterapia oral para desmame por alguns meses. Em casos onde a resposta não for satisfatória, está indicada plasmaférese. Embora os corticosteróides e troca de plasma sejam as melhores opções terapêuticas durante os ataques de NMO, outros tratamentos devem ser destinados à prevenção de recorrência, possivelmente, visando a produção de auto-anticorpos e/ou mecanismos efetores. Rituximab e micofenolato mofetil aparecem no momento como as drogas mais promissoras9.Há também a necessidade precoce de um plano de reabilitação (fisioterapia, terapia ocupacional, treino vesical e intestinal, apoio psicológico, ajudas técnicas e ajudas visuais), que envolve a participação de uma equipe multidisciplinar e multiprofissional. O prognóstico é pior quando a mielite é necrosante, havendo excelente prognóstico na população pediátrica10. A neuromielite óptica é uma doença grave, de prognóstico reservado, e somente com diagnóstico precoce e tratamento intensivo pode se alterar sua evolução. Embora seja mais freqüente em mulheres adultas jovens, faixa etária de 40 anos, a idade mais avançada não é fator de exclusão para diagnóstico da patologia. Assim, independente da faixa etária ou sexo, quadros de neurite óptica que venham acompanhados de quadros medulares, obrigatoriamente devem ser investigados para NMO. Referências Figura 1 – RNM coluna torácica, em T2, com hipersinal medular extenso. Discussão A neuromielite óptica ou doença de Devic é uma doença rara e caracteriza-se por afetar simultaneamente os nervos ópticos e da medula espinhal, sendo sua manifestação principal uma perda visual parcial a completa de início súbito, precedida ou seguida por sinais de mielite transversa, geralmente acometendo adultos jovens1. É três a cinco vezes mais frequente no gênero feminino, com início, em média, aos 40 anos de idade, sendo raro o início em idosos2. Apesar da etiologia permanecer incerta, os estudos anatomopatológicos e laboratoriais indicam a hipótese de ser uma doença do tipo canalopatia auto-imune. Existem vários casos descritos associados a infecções, nomeadamente a hepatite A, mononucleose infecciosa, varicela, tuberculose pulmonar e sífilis secundária6,7. A associação a doenças do tecido conjuntivo é outro indício a favor da hipótese de haver fator imunológico como iniciador da doença8. O caso relatado descreve um quadro de mielite transversa associado à perda visual completa de início súbito, em paciente fora da faixa etária de acometimento mais comum. Dada a evolução clínica, o diagnóstico de NMO destacou-se como o mais provável, confirmado pela positividade do biomarcador sorológico NMO-IgG (antiaquaporina-4). Estavam reunidos todos os critérios para o diagnóstico, de acordo com os critérios revistos em 2005, por Wingerchuk et al.: neurite óptica, mielite aguda, e os três sinais – RNM cerebral sem alterações, inicialmente; alteração de sinal na 20 1. Peixoto I, Ermida V, Torres A, Aparício MI, André R, Caldas J. Doença de Devic. Acta Med Port. 2010;23(2):263-6. 2. Guimarães J, Wingerchuk D, Sá MJ. Doença de Devic com confirmação serológica. Soc Port Neurol. 2005;5(2). 3. Argyriou A, Makris N. 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Descreve-se o caso de uma paciente que apresentou quadro de baixa da acuidade visual súbita em olho direito, sendo submetida a tratamento com corticosteróides e evoluindo com perda irreversível de grande parte do campo visual. Nesse caso, além da oclusão das artérias ciliares posteriores curtas, houve acometimento de ramo ciliorretiniano. Descritores: Neuropatia Óptica Isquêmica Anterior. Ramo Introdução As neuropatias ópticas isquêmicas constituem um importante grupo de afecções da via óptica. Representam as neuropatias agudas mais frequentes em pacientes acima de 50 anos de idade. Dependendo do segmento do nervo óptico acometido, são divididas em neuropatias isquêmicas anteriores e posteriores. A afecção usualmente acomete a porção anterior do nervo óptico, visível à oftalmoscopia, sendo denominada neuropatia óptica isquêmica anterior. Essa forma representa 90% dos casos de neuropatia óptica isquêmica. Menos comumente, lesões isquêmicas acometem as porções posteriores do nervo óptico, sendo denominada neuropatia óptica isquêmica posterior (NOIP)1. A neuropatia óptica isquêmica anterior é das afecções mais freqüentes do nervo óptico e, geralmente, leva à perda acentuada da função visual. É a causa mais comum de edema de papila em pacientes com mais de 55 anos de idade e representa o infarto do segmento anterior do nervo óptico1. Relato de caso Paciente de 29 anos, negra, casada, procedente de Santos/SP, deu entrada no pronto socorro de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, com queixa de baixa da acuidade visual súbita e indolor em olho direito com duração de um dia, notada logo pela manhã. Ao exame de biomicroscopia, apresentava, ao defeito pupilar ABSTRACT The ischemic optic neuropathy is an important group of disorders of the visual pathway. It represents the most frequent acute neuropathies in patients over 50 years of age. The nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy is the result of a widespread or segmental infarction of the optic nerve head caused by occlusion of short posterior cilliary arteries. We describe the case of a patient who presented with sudden loss of vision in the right eye and underwent treatment with corticosteroids and evolved with loss of much of the visual field. In this case, besides the occlusion of short posterior ciliary arteries was affected cilioretinal branch, as well. Key words: Anterior Ischemic Optic Neuropathy. Ciliorretinal Branch. aferente, edema de disco óptico difuso associado a área de isquemia retiniana (exsudato algodonoso) em feixe papilo-macular – Figura 1. Acuidade visual não tinha percepção luminosa. Como anntecedentes pessoais, teve doença de Crohn com diagnóstico feito por biópsia intestinal, em uso mesalazina. Referia história de mal-estar no dia anterior, sendo detectado aumento da P.A. de 150x80 mmHg, sendo medicada com captopril. A paciente foi internada e instituída pulsoterapia intravenosa com metilprednisolona na dose de 1g/dia por cinco dias e profilaxia para strongiloidíase disseminada com albendazol 400 mg por três dias. Foram solicitados dosagens de PCR (44 mg/L - normal ate 5 mg/L) e VHS (104 mm/h – normal até 30 mm/h), bem como sorologias para doenças infecciosas (HIV - negativo, sífilis – não reagente, toxoplasmose – apenas IgG positivo e CMV – apenas IgG positivo). O hemograma revelou leucocitose de 14.800 e trombocitose de 598.000. Na+, K+ e Cr normais. Exame de urina normal. A angiografia fluoresceínica apresentou hiperfluorescência do nervo óptico e parede de vaso caracterizando papilite associada vasculite – Figura 2. A RNM de crânio e órbitas revelou hipersinal discreto no nervo óptico à direita, com borramento da gordura adjacente, sugerindo neurite – Figura 3. O campo visual acusou amaurose, porém, a paciente relatou que passou a apresentar pequena ilha de visão temporal superior – Figura 4. Novos hemograma e coagulograma mostraram leucocitose de 17.300 e trombocitose de 533.000. 1. Residente de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 2. Médico Oftalmologista do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 3. Médico Oftalmologista, Chefe do Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 4. Médico Oftalmologista, Preceptor de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. Instituição: Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos-SP, Brasil. Correspondência: Rua Pedro Américo, 60 – 10º andar - 11075-905 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em: 30/10/2011; aceito para publicação em: 05/04/2012; publicado online em: 20/02/2013. Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 21 - 23, jan / fev / mar 2013 21 Evoluiu com queda de PCR para 3.7 mg/L e VHS para 56 mm/h. em conta dedos a um metro na ilha de visão temporal superior. O hemograma normalizou. Encontra-se em seguimento ambulatorial – Figura 6. Figura 1 – Retinografia do 1º dia de internação: edema de disco + exsudato algodonoso. Figura 4 – Campo visual amaurótico OD. Figura 2 – Angiografia do 1º dia de internação demostrando papilite (círculo) + vasculite (seta). Figura 5 – Retinografia após cinco dias de tratamento mostrando regressão parcial do edema de disco e diminuição do exsudato algodonoso. Figura 3 – RNM de órbita: hipersinal com borramento de gordura adjacente (círculos). A paciente evoluiu com discreta melhora da acuidade visual durante a internação, passando a apresentar aumento da ilha de visão temporal superior, sendo capaz de contar dedos a cerca de um metro. Houve melhora das alterações fundoscópicas com regressão discreta do edema de disco óptico e do exsudato algodonoso – Figura 5. Teve alta com prednisona na dose de 80 mg/dia, sendo então reduzida para 60 mg ao longo de quatro semanas, quando começou paulatinamente a ser retirada no decorrer de mais quatro semanas. A acuidade visual estabilizou 22 Figura 6 – Retinografia mostra o aspecto atual: atrofia do nervo óptico com palidez de papila e cicatriz discreta em feixe papilomacular superior. Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 21 - 23, jan / fev / mar 2013 Discussão A neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica (NOIA-NA) é resultado de um infarto segmentar ou generalizado da cabeça do nervo óptico causado por oclusão das artérias ciliares posteriores curtas2-6. Neste caso, também houve acometimento de ramo ciliorretiniano. As condições sistêmicas predisponentes incluem hipertensão, diabetes melito, hipercolesterolemia, doença vascular do colágeno, síndrome do anticorpo antifosfolipídeo, hiper-homocisteinemia, episódios de hipotensão súbita, cirurgia de catarata, síndrome da apnéia do sono7, além de doenças cardiovasculares4-14. Eventos tromboembólicos foram a principais hipóteses aventadas, uma vez que havia história de aumento da P.A. e trombocitose de 598.000, além do aspecto fundoscópico sugestivo. Em geral, ocorre em pacientes com idade entre 40 e 60 anos, que tipicamente têm uma concentração estrutural de fibras na cabeça do nervo óptico de tal forma que a escavação fisiológica se apresenta muito pequena ou ausente6,15, como o disco óptico da paciente do relato. A apresentação dá-se com perda monocular da visão, súbita e sem dor e não progressiva, que não está associada a obscurecimento premonitório da visão4-5,7-11,16-18. A perda visual é freqüentemente descoberta ao acordar19, sugerindo que a hipotensão noturna pode desempenhar um papel importante, principalmente quando o paciente faz uso de medicação anti-hipertensiva20. A paciente tinha história de no dia anterior ter apresentado elevação da P.A. de 150x80 mmHg e uso de captopril. O disco encontra-se com edema difuso ou setorial e pálido, podendo estar associado a hemorragias em chama de vela. Está associada com defeito pupilar aferente. A angiofluoresceínografia durante a fase aguda mostra hiperfluorescência localizada ou difusa do disco óptico. Seu principal diagnóstico diferencial é a neuropatia óptica isquêmica anterior arterítica (NOIA), causada pela arterite de células gigantes, que pode ser acompanhada de dor periocular, claudicação mandibular, cefaléia de início recente, sensibilidade no couro cabeludo, perda de peso e histórico de polimialgia reumática. No caso em questão, estiveram presentes algumas alterações que nos levam a pensar em NOIA, como trombocitose, elevação de VHS e PCR, no entanto a paciente possuía doença de Crohn, que pode cursar com essas alterações e faltavam sinais e sintomas típicos de arteríte de células gigantes21. Ophthalmol. 1994;118(6):766-80. 13. McCulley TJ, Lam BL, Feuer WJ. Nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy and surgery of the anterior segment: temporal relationship analysis. Am J Ophthalmol. 2003;136(6):1171-2. 14. McCulley TJ, Lam BL, Feuer WJ. Incidence of nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy associated with cataract extraction. Ophthalmology. 2001;108(7):1275-8. 15. Danesh-Meyer HV, Savino PJ, Sergott RC. The prevalence of cupping in endstage arteritic and nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy. Ophthalmology. 2001;108(3):593-8. 16. Tesser RA, Niendorf ER, Levin LA. The morphology of an infarct in nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy. 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