revista médica - Hospital Ana Costa

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anacosta
revista médica
Janeiro | Fevereiro | Março
Revista Trimestral do Hospital Ana Costa - 2013
18.1
Revista Médica
ISSN 1677-194X
ANA COSTA
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Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 1 - 23, jan / fev / mar 2013
Revista Médica Ana Costa / Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa S.A.
v. 18, n. 1 (jan / fev / mar 2013). Santos: Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa S.A., 2013.
23 p. :il.
Periodicidade trimestral
ISSN 1677 194X
1.Ciências Médicas. 2. Medicina
CDD 610
CDU 616
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 1 - 23, jan / fev / mar 2013
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e instituição onde foi apresentada;
EXEMPLOS
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do evento, local e data de realização.
Livros
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originais os resumos devem ser estruturados
destacando: objetivos, métodos básicos adotados
(informando local, população e amostragem da
pesquisa), resultados e conclusões mais relevantes,
considerando os objetivos do trabalho, e indicar formas
de continuidade do estudo. Para as demais categorias,
o formato dos resumos deve ser o narrativo, mas com
as mesmas informações.
Capítulo de Livros
Discussão: deve explorar adequada e objetivamente
os resultados, discutidos à luz de outras observações já
registradas na literatura.
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b) nome completo de todos os autores;
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Meltzer PS, Kallioniemi A, Trent JM. Chromosome
alterations in human solid tumors. In: Vogelstein B,
Kinzler KW, editors. The genetic basis of human cancer.
New York: McGraw-Hill; 2002. p.93-113.
Dissertações e Teses
Silva LCB. Aspectos da fotoestimulação intermitente
em pacientes com epilepsia: Teófilo Otoni [dissertação]. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de
Campinas; 2000.
Attenhofer Jost CH, Connolly HM, O'Leary PW, Warnes
CA, Tajik AJ, Seward JB. Left heart lesions in patients
with Ebstein anomaly. Mayo Clin Proc. 2005; 80(3):3618.
Trabalhos de Congressos, Simpósios, Encontros,
Seminários e outros
APRESENTAÇÃO DO MANUSCRITO
a) título do artigo (em português e em inglês);
Adolfi M. A terapia familiar. Lisboa: Editorial Veja; 1982.
Artigos de periódicos
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relevância. Não deve ser extensa, a não ser em
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Metodologia: deve conter descrição clara e sucinta,
acompanhada da correspondente citação bibliográfica,
dos seguintes itens:
·
procedimentos adotados;
Harnden P, Joffe JK, Jones WG, editors. Germ cell
tumours V. Proceedings of the 5th Gern Cell Tumour
Conference; 2001 Sep 13-15; Leeds, UK. New York:
Springer; 2002.
Material eletrônico
Periódicos eletrônicos, artigos
Sabbatini RME. A história da terapia por choque em
psiquiatria. Cérebro & Mente [periódico online] dez.
1997/fev. 1998 [Acesso em 12 ago. 2000]; (4).
Disponível em:
·
universo e amostra;
http://www.epub.org.br/cm/n04/historia/shock.htm
·
instrumentos de medida e, se aplicável, método de
validação,
Monografia em um meio eletrônico
·
tratamento estatístico.
Conclusão: apresentar as conclusões relevantes,
considerando os objetivos do trabalho, e indicar formas
de continuidade do estudo. Se incluídas na seção
Discussão, não devem ser repetidas.
Agradecimentos: podem ser registrados agradecimentos, em parágrafo não superior a três linhas,
dirigidos a instituições ou indivíduos que prestaram
efetiva colaboração para o trabalho.
Referências: devem ser numeradas consecutivamente
na ordem em que foram mencionadas a primeira vez no
texto, baseadas no estilo Vancouver. A ordem de
citação no texto obedecerá esta numeração. Nas
referências com 2 até o limite de 6 autores, citam-se
todos os autores; acima de 6 autores, citam-se os 6
São Paulo (Estado). Secretaria do Meio Ambiente.
Entendendo o meio ambiente [monografia online]. São
Paulo; 1999. [Acesso em: 8 mar. 1999]; v.1. Disponível
em: http://www.bdt.org.br/sma/entendendo/atual.htm
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Índice / Contents
Artigo de Revisão
Apendicite aguda e doença inflamatória pélvica: dados relevantes
para o diagnóstico diferencial em mulheres em idade fértil ................................................................................................ 1
Appendicitis and pelvic inflammatory disease: relevant data
to differential diagnosis in women of childbearing age
Clarissa Santos Souza
Doença de Graves na infância .............................................................................................................................................. 4
Grave's Disease in children
Giuliana Cristina Papaleo Taveira, João Antonio Gonçalves Garreta Prats e Luciana Vicente de Sousa Paulino Vilas Boas
Relato de Caso
Acretismo placentário .......................................................................................................................................................... 7
Placenta Accreta
Maria Regina Dumoulin Barros e João Henrique Araújo Fernandes
Gestações a termo em útero com malformação mülleriana ............................................................................................... 9
Normal term pregnancy in uterus with an uncommon malformation
Daniel Machado e Ricardo Lima Gomes
Tratamento endoscópico do câncer retal precoce .............................................................................................................. 11
Endoscopic treatment of early rectal cancer
Márcio Correia Cazzamatta, Dayse da Silva Pereira Aparício, Kátia Ferreira Güenaga, Lourdes Fraga Bongiovanni, Osmar Sílvio Garcia Oliveira,
Renato Brassolotto Bello2, Cynthia Maria Massarico Serafim3, Marcelo Jeronymo Lopes Ferreira, Larissa Bellegard e Mariana Potrich Maymone
Dissecção arterial x acidente vascular encefálico em paciente jovem ............................................................................... 14
Arterial dissection x stroke in a young patient
Sureya Maria de Almeida David Gibelli e Cristiane Serra
Fibrodisplasia muscular carotídea: acidente vascular cerebral
e hipertensão arterial severa em adulto jovem .................................................................................................................. 16
Fibromuscular dysplasia of carotid artery: stroke and severe high blood pressure in young adults
Taísa Ferreira Braga e Cristiane Serra de Souza
Neuromielite óptica em paciente idosa .............................................................................................................................. 19
Neuromyelitis optica in aged pacient
Marjorie Vasconcelos da Silva Ramos e Cristiane Serra de Souza
Neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica ......................................................................................................... 21
Non-arteritic anterior ischemic optic neuropathy
Bruno Ribeiro Mota, Amanda Garcia de Brito, Alexandre de Oliveira Lins, Eduardo Alonso Garcia, Celso Afonso Gonçalves e Marcos Alonso Garcia
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 1 - 23, jan / fev / mar 2013
Artigo de Revisão
Apendicite aguda e doença inflamatória pélvica:
dados relevantes para o diagnóstico diferencial
em mulheres em idade fértil
Appendicitis and pelvic inflammatory disease:
relevant data to differential diagnosis in women of childbearing age
Clarissa Santos Souza¹
RESUMO
ABSTRACT
O diagnóstico de apendicite aguda é, muitas vezes, considerado um desafio para o cirurgião, pois essa doença pode
apresentar-se de diversas formas e possui uma grande
variedade de diagnósticos diferenciais. Quando o paciente em
questão pertence ao gênero feminino e encontra-se em idade
fértil, esse desafio é ainda maior devido à existência de um
número elevado de doenças em órgãos pélvicos que mimetizam os sintomas da apendicite aguda. Assim, o diagnóstico
diferencial de apendicite aguda e doença inflamatória pélvica é
um problema cotidiano para os cirurgiões e ginecologistas e
apresenta grande importância no diagnóstico precoce e
tratamento adequado dessas afecções, além da diminuição de
laparotomias desnecessárias. O atraso no diagnóstico ou
tratamento de ambas pode levar a diversas complicações
como aumento da taxa de ferida infecção e abcesso intraabdominal, peritonite, abscesso pélvico, íleo paralítico e
infertilidade. Na tentativa de aumentar a acurácia diagnóstica
em mulheres em idade fértil, vários trabalhos analisam quais
os dados que realmente contribuem para a realização de um
diagnóstico precoce correto.
The diagnosis of acute appendicitis is often considered a
challenge to the surgeon, since this disease can be presented in
many ways and has a wide range of differential diagnoses.
When the patient in question is female and of childbearing age,
the challenge is even greater due to the existence of a large
number of diseases in the pelvic organs that mimic the
symptoms of acute appendicitis. Thus, the differential diagnosis
of acute appendicitis and pelvic inflammatory disease is a daily
problem for surgeons and gynecologists and has great
importance in early diagnosis and proper treatment of these
pathologies, besides the reduction of unnecessary laparotomy.
Delay in diagnosis or treatment of both can lead to several
complications such as increased rate of wound infection and
intra-abdominal abscess, peritonitis, pelvic abscess, paralytic
ileus, and infertility. In an attempt to increase the diagnostic
accuracy of these diseases in women of childbearing age,
several studies analyze the data that actually contribute to the
achievement of a correct early diagnosis.
Descritores: Apendicite. Doença inflamatória pélvica.
Diagnóstico.
Key words: Appendicitis. Pelvic Inflammatory disease.
Diagnosis.
Introdução
A apendicite aguda é uma das emergências cirúrgicas mais
comuns1-4 e pode acontecer em qualquer idade, embora o pico de
incidência ocorra em adultos jovens1,3. No entanto, seu diagnóstico
ainda permanece um desafio e uma porcentagem significativa de
pacientes que não apresenta a doença é submetida a apendicectomia desnecessariamente. Essas taxas de laparotomia branca
(com remoção de apêndice normal) podem variar de 15 a 30%2,5-8.
Nas mulheres em idade fértil, esse diagnóstico é ainda mais difícil.
Devido à proximidade do apêndice com órgãos pélvicos como o
útero, o ovário direito e a trompa direita, muitas doenças do trato
reprodutivo feminino, típicas nessa população, podem produzir
sintomas que, clinicamente, mimetizam a apendicite aguda2,3,9-11.
A mais comum é a doença inflamatória pélvica (DIP), que ocorre na
mesma faixa etária e apresenta achados clínicos semelhantes.
Consequentemente, pacientes do gênero feminino com idades
entre 15 e 25 anos apresentam uma incidência de cerca de 60% das
laparotomias brancas em comparação com pacientes com idades
entre 36 e 45 anos, com uma incidência de cerca de 20%5. Em
média, as taxas de apendicectomia branca em mulheres em idade
fértil variam de 25 a 50%2,3,6,7,11.
Embora, muitas vezes, o diagnóstico diferencial de apendicite
aguda e doença inflamatória pélvica seja difícil de realizar com
precisão, o diagnóstico precoce e tratamento de ambas são
extremamente importantes. Um atraso no diagnóstico de apendicite pode levar a perfuração do apêndice com um aumento da taxa de
ferida infecção e abcesso intra-abdominal, peritonite, abscesso
pélvico, íleo paralítico e, potencialmente, morte com taxa de
2,4%1,3,6,10. O atraso no tratamento da DIP também pode levar a
sérias conseqüências, como aumento do risco de gravidez
ectópica, infertilidade, aderências pélvicas, dor pélvica crônica,
1) Residente de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil.
Instituição: Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP.
Correspondência: Clarissa Santos Souza, Av. Bernardino de Campos, 598 ap. 12 - CEP: 11065-002 - Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected]
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
Recebido em: 30/10/2011; aceito para publicação em: 30/06/2012; publicado online em: 20/02/2013.
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 1 - 3, jan / fev / mar 2013
1
dispareunia, abscesso tubo-ovariano e DIP recorrente9.
Na tentativa de aumentar a acurácia diagnóstica dessas afecções
em mulheres em idade fértil, vários trabalhos tem sido desenvolvidos com o intuito de avaliar quais os fatores que realmente
contribuem para a realização de um diagnóstico precoce correto.
Conseqüentemente, haveria condições para um tratamento
adequado e para diminuição das complicações.
Dados relevantes no diagnóstico diferencial de apendicite
aguda e doença inflamatória pélvica
Características da dor
O número de episódios de dor e sua duração são diferentes na
apendicite e na DIP. Enquanto a apendicite é relacionada com a
menor duração dos sintomas e, usualmente, dura 24 a 48 horas
antes da perfuração, a DIP pode durar semanas e persistir mesmo
durante o tratamento. A maioria das mulheres com apendicite
apresenta um único episódio de dor, já as com DIP, geralmente,
apresentam três ou mais episódios antes de procurar serviço
médico2, 9,12.
Com relação à localização da dor, nas pacientes com apendicite
ela quase sempre está localizada no quadrante inferior direito,
enquanto na DIP, geralmente é bilateral. Considerando isoladamente os achados de peritonite no quadrante inferior direito, a
freqüência relativa de apendicite para DIP é de 2,5:1. Se os
achados de peritonite encontram-se em ambos quadrantes
inferiores, a razão de apendicite para DIP é 1:82.
A migração da dor, tipicamente do epigástrio ou mesogástrio para a
fossa ilíaca direita é um achado comum em pacientes com
apendicite enquanto na DIP a dor tende a se localizar bilateralmente na região inferior do abdome10 .
Sintomas gastrintestinais
A apendicite aguda patologicamente representa uma parte do trato
gastrintestinal e, portanto, tende a manifestar sintomas como
náuseas e vômitos mais frequentemente que a DIP. Sendo assim,
esses sintomas são importantes sinais de apendicite e, apesar de
estarem presentes em outras condições, quando ausentes tornam
a apendicite improvável2,9. Apesar disso, 30% das pacientes com
DIP podem apresentar náuseas ou vômitos ou ambos. Assim, não
podemos considerar a presença desses sintomas de forma isolada
para avaliação diagnostica10.
História clínica
As pacientes com apendicite relatam significativamente mais
anorexia e menos sintomas urinários e história de secreção vaginal
do que as com DIP.
Deve-se perguntar às pacientes em idade fértil com dor abdominal
se esta já apresentou infecção por clamídia ou gonococos, pois a
maioria dos casos de DIP está relacionada com estes organismos.
É necessário um histórico sexual completo, incluindo o número de
parceiros sexuais, última exposição sexual, história de doenças
sexualmente transmissíveis e uso de preservativo. Com isso,
pode-se avaliar o risco de exposição da paciente a DIP9. A
presença de história anterior de DIP é altamente sugestiva de um
novo diagnóstico de DIP, já que somente 1 de 70 casos de
apendicite apresenta tal história11.
Exame ginecológico
Achados de secreção vaginal e eritema cervical podem contribuir
para o diagnóstico de DIP e ajudar no diagnóstico diferencial com
outras patologias. Evidência laboratorial sugestiva de Neisseria
gonorrhoeae ou Chlamydia trachomatis é sugestivo de DIP.
Achados de 10 ou mais polimorfonucleares (PMN) ou gram de
secreção endocervical é diagnóstico de cervicite mucopurulenta e
pode ajudar substancialmente no diagnostico de DIP13.
A sensibilidade do diagnóstico clínico de DIP baseado no exame
pélvico isoladamente é de 60 a 70%. Sendo que, a ocorrência de
sensibilidade dolorosa isolada em região anexial direita apresenta
relação de apendicite para DIP de 3:1, enquanto sensibilidade
2
dolorosa bilateral apresenta relação 1:72.
Ciclo menstrual
Alguns estudos na literatura tem descrito uma incidência variável de
apendicite de acordo com o ciclo menstrual2. A apendicite ocorre
principalmente na fase lútea (depois do dia 14) enquanto 75% das
mulheres com DIP manifestam sintomas iniciais durante os
primeiros 7 dias do ciclo menstrual. Há uma teoria que os sintomas
de DIP durante a fase menstrual são causados por organismos que
ascendem o trato genital quando há menos muco cervical.
Com isso, a taxa de apendicite está baixa na primeira fase do ciclo e
alta durante a fase lútea. Consequentemente, as taxas de apendicectomias de apêndices normais são maiores durante a fase
menstrual e de ovulação12.
Outros estudos concluem que a ocorrência de apendicite independe da fase do ciclo menstrual, enquanto a ocorrência de DIP
encontra-se concentrada nos primeiros dias do ciclo2. Um único
estudo relata que o histórico menstrual não parece contribuir no
diagnóstico diferencial de apendicite e DIP14.
Ultra-som (US)
A ultra-sonografia pode ajudar no diagnóstico precoce de apendicite em pacientes com quadros clínicos atípicos. A sensibilidade
dessa modalidade é 80 a 90%, com especificidade de 90 a 100%.
Entretanto, sua acuracia varia de 71 a 95% e, graças a esses níveis
variáveis, não deve ser considerada isoladamente no diagnóstico
de apendicite9.
As vantagens da ultra-sonografia em mulheres com idade reprodutiva incluem a ausência de radiação, segurança durante a gravidez,
não ser um procedimento invasivo e possuir capacidade de
estabelecer outros diagnósticos em 50% dos casos sem apendicite.
As desvantagens incluem sensibilidade diminuída em casos de
apendicite gangrenosa ou perfurada e o fato de ser operador
dependente1.
A DIP tende a ser bilateral e achados ultra-sonográficos são
variáveis de acordo com a extensão da doença. O ultra-som
transvaginal permite melhor visualização dos órgãos pélvicos e
pode ajudar no diagnostico de DIP9. Além disso, também apresenta
o papel de documentar a resposta terapêutica15.
Tomografia computadorizada (TC)
Pacientes considerados atípicos parecem beneficiar-se mais do
diagnóstico por imagem e, para esse grupo, a TC apresenta maior
acurácia (que pode chegar a 94% em adultos) e especificidade16.
Esse exame é menos dependente da presença de gás intestinal e
da experiência do operador. Enquanto o valor preditivo negativo do
ultra-som é de aproximadamente 56%, o da TC é de 91%. Outro
beneficio da TC em relação a US é a capacidade de diagnosticar
outras condições além de apendicite16.
O teste de maior acurácia é a TC pela técnica FACT (focused
appendix computed tomography), que tem reportado acurácia
diagnóstica de 98%. No entanto, esse tipo de TC não está disponível na maioria dos hospitais. De um modo geral, a literatura afirma
que a TC apresenta maior eficácia que o ultrassom, porém o
ultrassom é mais barato 9.
Laparoscopia
O exame de imagem padrão-ouro para o diagnóstico de DIP é a
laparoscopia, mas este deve ser o último recurso utilizado devido a
sua invasividade. Não é prontamente disponível e é, frequentemente, muito caro para ser usado em pacientes com sintomas vagos9.
O uso da laparoscopia em mulheres com diagnóstico clínico de
apendicite aguda tem demonstrado uma redução da frequência da
redução da retirada de apêndices normais5,8. Em um dos estudos, a
acurácia diagnostica aumentou de 75% para 90% e a redução na
proporção da retirada de apêndices normais foi de 25% para 3%17.
A laparoscopia não deve ser substituída por outros métodos
diagnósticos menos invasivos, como o ultra-som devido aos riscos
associados à anestesia geral e ao procedimento laparoscópico. No
entanto, em certos grupos de pacientes como nas mulheres em
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 1 - 3, jan / fev / mar 2013
idade fértil, a capacidade de diagnosticar outras doenças como a
DIP torna-a uma intervenção apropriada e permite ao cirurgião ver
e tratar afecções adicionais ou outros achados patológicos que
não seriam diagnosticados pela abordagem aberta e, frequentemente, evita laparotomias desnecessárias4,7,17.
A técnica laparoscópica também é recomendada em pacientes
com suspeita de peritonite mimetizando apendicite aguda quando
o diagnóstico não pode ser estabelecido por exame físico e
métodos não invasivos. Para pacientes com diagnóstico claro de
apendicite, o uso rotineiro de laparoscopia irá aumentar os custos
e tempo de operação quando comparado com a cirurgia aberta
convencional 8.
Referências
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3
Artigo de Revisão
Doença de Graves na infância
Grave's Disease in children
Giuliana Cristina Papaleo Taveira1
João Antonio Gonçalves Garreta Prats2
3
Luciana Vicente de Sousa Paulino Vilas Boas
RESUMO
ABSTRACT
O hipertireoidismo é uma doença de múltiplos sistemas e
reflete um estado metabólico aumentado no qual a fisiopatologia resulta dos altos níveis de hormônios tireoidianos circulantes. No hipertireoidismo infantil, a doença de Graves é a forma
quase sempre diagnosticada. Clinicamente é caracterizada
por hipertireoidismo, bócio e oftalmopatia. É entidade rara no
grupo pediátrico, acometendo em menos de 5% os pacientes
abaixo dos 16 anos e em apenas um quinto destes foi descrito
nos primeiros cinco anos de vida. Apesar de suas características clínicas serem bem conhecidas, a doença é muitas vezes
interpretada erroneamente ou não é diagnosticada durante
muito tempo, pondo em risco a vida da criança. Os sintomas
clínicos de hipertireoidismo podem estar presentes até um ano
antes de o diagnóstico ser firmado e, até então, são valorizados sintomas isolados. As manifestações clínicas podem ser
bastante inespecíficas e até mínimas em sua fase inicial, com
desenvolvimento progressivo ao longo de vários meses. O
diagnóstico, na maioria dos casos, baseia-se nos achados de
história clínica e de exame físico. A confirmação diagnóstica
fundamenta-se na presença de T3 e T4 total e T4 livre aumentados, associados a valores suprimidos de TSH. O tratamento
tem como principal objetivo a restauração e manutenção, de
forma rápida e segura, de um estado eutireoideo permanente.
Apresentando-se em duas fases distintas, o tratamento inicial
da DG deve ser com o uso de drogas antitireoideanas (DAT)
até se obter o eutireoidismo, seguido de tratamento definitivo, o
mesmo realizado por três formas: uso prolongado de DAT
(tionamidas), tireoidectomia ou iodo radioativo.
Hyperthyroidism is a condition of multiple systems and reflects
an increased metabolic state in which the pathophysiology
results from high levels of circulating thyroid hormones. Among
the cases of hyperthyroidism in children, Graves' disease is
almost always diagnosed. It is clinically characterized by
hyperthyroidism, goiter and ophthalmopathy. It is rare in the
pediatric group, affecting less than 5% in patients below 16
years, and only 1/5 of these were described in the first 5 years of
life. Despite its clinical features are well known, the disease is
often misinterpreted or not diagnosed for a long time, endangering the child's life. The clinical symptoms of hyperthyroidism
may be present up to a year before the diagnosis is signed and
hitherto isolated symptoms are valued. Clinical manifestations
may be very nonspecific and even minimal in its initial phase,
with progressive development over several months. The
diagnosis of DG, in most cases, is based on findings of clinical
history and physical examination. Diagnostic confirmation is
based on the presence of T3 and total T4 and free T4 increased,
associated with suppressed TSH values. The treatment has as
main objective the restoration and maintenance, quickly and
safely, an euthyroid state permanent. There are two distinct
phases: the initial treatment DG should be the antithyroid drugs
(ATD) until euthyroidism be achieved, followed by definitive
treatment, being accomplished in 3 ways: prolonged use of DAT
(thyonamides) thyroidectomy or radioactive iodine.
Descritores: Hipertireoidismo. Doença de Graves,
Hipertireoidismo Congênito.
Key words: Hyperthyroidism. Graves Disease. Congenital
Hyperthyroidism.
Introdução
A doença de Graves (DG) na infância é uma entidade rara no grupo
pediátrico acometendo em menos de 5% os pacientes abaixo dos
16 anos e, em apenas um quinto destes, nos primeiros cinco anos
de vida. Segundo dados da American Thyroid Association, afeta
apenas uma em cada 10.000.000 de crianças. Acomete principalmente o sexo feminino, em uma taxa de 3:1 a 5:11.
O início da doença pode ser rápido ou, até mesmo, insidioso, sendo
sua forma mais frequente. Apesar de suas características clínicas
serem bem conhecidas, é muitas vezes interpretada erroneamente
ou não é diagnosticada durante muito tempo, colocando em risco a
vida da criança. Os sintomas clínicos de hipertireoidismo podem
estar presentes até um ano antes de o diagnóstico ser firmado e até
então são valorizados sintomas isolados2.
1) Residente de Pediatria do Hospital Ana Costa, Santos/SP.
2) Ex-acadêmico do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Medicas de Santos, Santos/SP.
3) Mestra em medicina pelo Centro Universitário Lusíada, Santos/SP. Chefe da UTI Infantil - Hospital Ana Costa.
Instituição: Serviço de Pediatria do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil.
Correspondência autor: Rua Bela Cintra, 1424 ap 62, 01415-001 São Paulo/SP, Brasil. E-mail: [email protected]
Recebido em: 30/11/2012; aceito para publicação em: 14/01/2013; publicado online em: 20/02/2013.
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
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Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 4 - 6, jan / fev / mar 2013
Embora seja raro na infância, o hipertireoidismo deve ser considerado como diagnóstico diferencial pelos diversos especialistas,
devido ao quadro clínico abrangente e às possíveis complicações,
quando não diagnosticado e tratado precocemente(1,2).
O objetivo do presente estudo é revisar a literatura sobre o
hipertireoidismo na criança, bem como da DG, sua principal causa,
a fim de servir como fonte de informação para a prática diária.
Métodos
Foi realizada revisão da literatura médica envolvendo estudos
publicados nos últimos anos, nas bases de dados Medline e Scielo,
através de busca com descritores MeSH, utilizando combinações
dos descritores "Hyperthyroidism", "Child", “Child Preschool",
"Infant”, "Adolescent" e “Graves' disease”.
Resultados
Considerações gerais sobre o hipertireoidismo em crianças
O hipertireoidismo é uma doença de múltiplos sistemas e reflete
um estado metabólico aumentado no qual a fisiopatologia resulta
dos altos níveis de hormônios tireoidianos circulantes. A glândula
tireoide é uma glândula endócrina que regula o metabolismo do
iodo e compreende a síntese, o armazenamento e a secreção dos
hormônios tireóideos. A glândula tireoide afeta a velocidade do
metabolismo de todos os tecidos. O efeito estimulante faz-se por
meio da produção e distribuição de dois hormônios:
Levotiroxina (T4) - contém quatro átomos de iodo; mantém o
metabolismo orgânico estável; acredita-se que o T4 serve de
precursor do T3;
Triiodotironina (T3) - contém três átomos de iodo; é aproximadamente cinco vezes mais potente do que a tiroxina; sua ação
metabólica e utilização são mais rápidas do que as da tiroxina.
A maior parte da conversão do T4 em T3 ocorre a nível celular, na
periferia. A glândula tireóide produz certa quantidade de T3. A
secreção aumentada da tiroxina, da triiodotironina ou de ambos os
hormônios resulta em um aumento da taxa metabólica do organismo3.
O metabolismo acelerado afeta não só a produção de calor e de
energia, como os sistemas circulatório, muscular e nervoso e
ainda, a função de outras glândulas endócrinas, acarretando uma
taxa metabólica aumentada, com perda rápida de glicogênio
hepático e, consequentemente, a perda de tecidos4.
No hipertireoidismo infantil, a DG é a forma quase sempre
diagnosticada. É uma doença autoimune, na qual o hipertireoidismo é causado pela produção de anticorpos estimuladores dirigidos
contra o receptor do TSH, conhecidos como TRAb (thyrotropin
receptor antibody), que mimetizam os efeitos do TSH nas células
foliculares da tireóide, estimulando a hiperprodução de T4 e T3,
bem como a hiperplasia da glândula. Caracterizado imunologicamente por infiltração linfocitária da glândula tireóide e por ativação
do sistema imune mediada pelos linfócitos B e T, dirigida a quatro
antígenos tireoideos: tireoglobulina (Tg), tireoperoxidase (TPO),
co-transportador de sódio-iodo e receptor de tireotropina (TSH).
Os anticorpos antireceptor da tireotropina (TRAb) ligam-se a esse
receptor e ativam-no, levando à síntese e secreção hormonais, ao
crescimento da glândula (bócio difuso) e ao aumento da sobrevida
celular. Níveis elevados podem, ainda, promover a proliferação
celular5.
Podemos encontrar também formas de hipertireoidismo em
crianças como uma forma menos exuberante de hipertireoidismo,
que é transmitida de forma autossômica nos casos de mutação do
receptor do TSH ou fazer parte da síndrome de McCune Albright
quando há mutação do gene da subunidade α da proteína G. A
mutação somática do receptor do TSH pode levar à formação de
um adenoma tóxico, situação raramente encontrada na criança e
no adolescente. Outra causa rara de hipertireoidismo em crianças
inclui a produção inadequada de TSH, por tumores hipofisários
produtores de TSH e na síndrome de resistência ao hormônio
tireoidiano. Nestes casos iremos encontrar níveis elevados de T4
livre na presença de valores normais ou aumentados de TSH.
Causas de tireotoxicose por ruptura folicular e liberação de
hormônios tireoidianos incluem a tireoidite de Hashimoto e, mais
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 4 - 6, jan / fev / mar 2013
raramente, a tireoidite subaguda, além de ingestão de hormônios
tireoidianos exógenos e iodo (3,5). Porém, no presente estudo nos
atemos à principal causa do hipertireoidismo, a DG.
Manifestações clínicas e laboratoriais
Como mencionado anteriormente, os sintomas clínicos de
hipertireoidismo podem estar presentes até um ano antes de o
diagnóstico ser firmado e são valorizados, somente, os sintomas
isolados, como gastrintestinais, cardiovasculares, respiratórios e
oftalmológicos.
Em casos de crianças com mães com DG durante a gestação,
podemos observar um estímulo aos receptores de TSH associados
a anticorpos acarretando no desenvolvimento da DG neonatal com
surgimento em até nove dias após o parto, sendo sua resolução
dentro de 3-12 semanas, pois os anticorpos do receptor de TSH
materno (pertencentes a classe IgG) são degradadas, tendo uma
meia-vida de aproximadamente 12 dias2.
As manifestações clínicas podem ser bastante inespecíficas e até
mínimas em sua fase inicial, com desenvolvimento progressivo ao
longo de vários meses. Mudanças de comportamento e desempenho escolar, insônia, inquietude e irritabilidade e noctúria são
comuns. Aumento da idade estatural e da maturação esquelética
são observados em mais da metade dos pacientes sem repercussão na estatura final5.
Os sintomas clássicos e sinais incluem bócio, taquicardia, tremor,
nervosismo, aumento da pressão de pulso, aumento apetite, perda
de peso e diarreia1.
Comprometimento oftálmico manifesta-se como ligeira saliência do
globo ocular, flacidez ou retrações de pálpebras e, menos comumente, dor e visão dupla. As alterações oculares estão presentes
na maioria dos casos, porém com menor gravidade que nos
adultos1,2.
A glândula tireoide pode encontrar-se simetricamente alargada,
macia, suave e indolor e móvel à deglutição; sopro da tireoide pode
ser auscultado. Características específicas de hipertireoidismo
congênito incluem a distrofia grave ao nascimento e parto prematuro, e no período pós-natal inquietação, irritabilidade, déficit de
crescimento e taquicardia. Quando o diagnóstico é retardado,
podemos encontrar cranioestenose precoce. Em meninas que
desenvolvem hipertireoidismo depois da puberdade muitas vezes
têm pouco sangramento menstrual e geralmente infrequente, ou
podem até apresentar amenorreia. O diagnóstico da DG, na maioria
dos casos, baseia-se nos achados de história clínica e de exame
físico. A confirmação diagnóstica fundamenta-se na presença de T3
e T4 total e T4 livre aumentados, associados a valores suprimidos
de TSH5.
Os níveis plasmáticos de T3 são, muitas vezes, mais elevados que
as de concentrações de T4 e TSH são suprimidos, exceto quando
há adenomas pituitários secretores de TSH e resistência hipofisária
aos hormônios tireoidianos. Medidas de iodotironinas (T3 e T4) e
anticorpos em neonatos com suspeita de hipertireoidismo congênito devem ser realizadas ao nascimento, coletando sangue de
cordão umbilical, repetindo sua dosagem após uma semana,
quando os efeitos dos anticorpos antitireoidianos maternos
desapareceram, e após 6 - 8 semanas de vida2,5.
Anticorpos são detectáveis, em até 80% dos pacientes, mas não
representam um parâmetro de acompanhamento para remissão ou
recidiva da doença. A ultra-sonografia, indicada para avaliar a
anatomia da glândula, nos revela o alargamento da tireoide, com
reduzida ecogênicidade em grande parte não homogênea e
aumento da perfusão. A cintilografia da tireoide é realizada apenas
em pacientes com nódulos detectados por ultrassonografia, a fim
de descartar nódulos com funcionamento autônomo6.
Tratamento do hipertireoidismo
O tratamento tem como principal objetivo a restauração e manutenção, de forma rápida e segura, de um estado eutireoideo permanente. Apresentando-se em duas fases distintas, o tratamento inicial
deve ser com o uso de drogas antitireoideanas (DAT) até se obter o
eutireoidismo, seguido de tratamento definitivo, o mesmo realizado
por três formas: uso prolongado de DAT (tionamidas), tireoidecto5
mia ou iodo radioativo. Nenhuma das três alternativas preenche
todos os critérios de segurança, efetividade e estabelecimento de
um eutireoidismo permanente 1,5,6.
No tratamento medicamentoso, são utilizadas as tionamidas como
escolha inicial, sendo mais de 90% dos pacientes controlados em
até oito semanas, tendo com esquema:
propiltiouracil (PTU), na dose de 5-10mg/kg/dia, em três tomadas;
ou; metimazol (MTZ), na dose de 0,5-1,0mg/kg, em tomada única
diária.
A aderência ao tratamento costuma ser melhor com a última droga.
Isso se deve a ser somente dose única de MTZ, ao qual pode se
associar l-tiroxina no momento em que se obtém o eutireoidismo. A
dose de l-tiroxina gira ao redor de 100µg/m2/dia e deve manter os
níveis plasmáticos de TSH normais. Este esquema, conhecido
como bloqueio/reposição, mantém a glândula inibida sem o
inconveniente do hipotireoidismo, e permite uma boa aderência ao
tratamento medicamentoso por vários anos. Além do mais, esse
último esquema é vantajoso porque diminui a frequência dos
exames laboratoriais e de visitas médicas5.
Em crianças com sintomatologia muito intensa uma alternativa
para o controle eficaz seria o uso de β-bloqueadores, sendo o
propranolol a droga de escolha, na dose de 1-2mg/kg/dia, dividido
em 3 tomadas6.
A duração do tratamento é variável, mas em geral preconiza-se um
período mínimo de dois anos. Após a suspensão do medicamento
a criança deve ser examinada regularmente, pois a taxa de
remissão (definida como mais de um ano em eutireoidismo) é
muito baixa, da ordem de 25% após dois anos de tratamento e de
50% após 5 anos de uso da droga7. A remissão em crianças prépúberes é mais rara comparada com pacientes já na puberdade.
Alguns pacientes poderão desenvolver espontaneamente
hipotireoidismo. Embora o desaparecimento do bócio e os valores
normalizados de TRAb possam apontar para uma taxa maior de
remissão, não existem parâmetros que permitam predizer de
forma previsível o aspecto evolutivo da doença5,6.
Durante o tratamento com tionamidas, podem ocorrer efeitos
colaterais, que devem ser reconhecidos e tratados precocemente.
Em torno de 2 a 5% dos pacientes desenvolvem rash cutâneo,
náusea, cefaléia, artralgias ou febre, que costumam ser transitórios. Entretanto, se persistirem deve-se trocar a tionamida. Efeitos
maiores incluem hepatite, vasculite, púrpura fulminante e agranulocitose9. As últimas podem levar a efeitos secundários graves e
mesmo ao óbito. Por esse motivo, é importante prevenir aos
familiares sobre o risco de seu uso. A agranulocitose costuma ser
acompanhada de faringite, febre e outros sinais e sintomas
sistêmicos de infecção. Uma vez diagnosticada, deve-se hospitalizar o paciente e iniciar tratamento com antibiótico. Recomenda-se
a realização de hemograma antes do início da DAT e, durante o
tratamento, quando é encontrado qualquer um dos achados acima
descritos.
Em pacientes com bócios grandes a cirurgia pode ser a melhor
forma de tratamento, podendo ser indicada como primeira opção
de tratamento após a obtenção do eutireoidismo10. A tireoidectomia
deve contemplar uma retirada quase total da glândula, de forma a
obter a cura da doença e evitar a recorrência do hipertireoidismo.
A terceira opção de tratamento, o radio iodo, parece ser uma forma
segura e econômica de tratar o hipertireoidismo em crianças e
adolescentes. Mais de 90% dos pacientes são curados e raramente os efeitos secundários são importantes. Existe hoje uma
tendência em vários países para um aumento do uso do radio iodo
como primeira opção de terapia definitiva após a recidiva com a
suspensão da DAT. Em geral, administra-se o radio iodo após um
período de DAT e normalização dos níveis de T4 total e T4 livre6.
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Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 4 - 6, jan / fev / mar 2013
Relato de Caso
Acretismo placentário
Placenta Accreta
Maria Regina Dumoulin Barros¹
João Henrique Araújo Fernandes²
RESUMO
ABSTRACT
Acretismo placentário caracteriza-se por placenta que está
aderida de forma anormal ao útero. Quando a placenta invade
o miométrio, é denominada placenta increta, e quando invade
a serosa uterina, percreta, podendo algumas vezes atingir
órgãos adjacentes, como a bexiga. Relata-se o caso de
gestante com acretismo placentário, ocorrido no Hospital Ana
Costa, em que a paciente foi submetida à embolização das
artérias ilíacas, posteriormente realização de parto cesária.
Placenta accreta is characterized by the placenta that is
abnormally attached to the uterus. When the placenta invades
the myometrium, it is called placenta increta, and when it
invades the uterine serosa, percreta, it can sometimes reach
adjacent organs such as the bladder. A case of a pregnant
women with placenta accreta which occured at Ana Costa
Hospital was reported. She underwent embolization of the iliac
arteries, subsequently performing a cesarean delivery.
Descritores: Gestante. Acretismo Placentário. Embolização.
Key words: Pregnancy. Placenta Accreta. Embolization.
Introdução
A placenta previa e o acretismo placentário são causas clinicamente importantes de hemorragia. Acretismo placentário caracterizase por placenta que está aderida de forma anormal ao útero.
Quando a placenta invade o miométrio, é denominada placenta
increta e quando invade a serosa uterina, percreta, podendo
algumas vezes atingir órgãos adjacentes, como a bexiga1.
Relato de caso
Gestante, 33 anos, primigesta, em acompanhamento pré natal,
sem intercorrências até 20 semanas de gestação realizou exame
de ultrassonagrafia obstétrica que diagnosticou placenta de
implantação baixa. Paciente apresentava-se assintomática. Por
volta de 30 semanas de gestação, a placenta tornou-se marginal
inferior próximo ao orifício interno do colo à ultrassonografia. Com
36 semanas de gestação, foi realizado novo exame de ultrassom,
em que a placenta apresentava-se prévia centro total e a quantidade de líquido amniótico estava reduzida (oligoâmnio), valor de ILA=
3,6. Realizou- se ressonância magnética, que diagnosticou o grau
de acretismo placentário. Foi internada para controle e programação cirúrgica. Optou-se por procedimento pré-parto cesárea –
embolização das artérias ilíacas. Foi realizada embolização das
artérias ilíacas com sucesso e, em seguida, parto cesárea, sem
intercorrências, não havendo necessidade de realização de
histerectomia. Após 48 horas, mãe e recém-nato receberam alta.
Discussão
A placenta previa é uma complicação obstétrica em que a placenta
está inserida em uma região próxima ou recobrindo o orifício
cervical. O diagnóstico geralmente é realizado após 27 semanas
de gestação. Excepcionalmente, o diagnóstico poderá ser feito
mais precocemente. Existem diversas classificações para placenta
prévia. De modo geral, podemos ter placentas que recobrem todo o
orifício cervical (placenta prévia centro total), parcialmente
(placenta previa parcial) ou que apenas estão próximas a ele
(placenta prévia marginal)1. Uma das mais temidas complicações é
o acretismo placentário, caracterizado pela invasão excessiva do
trofoblasto no miométrio, resultando em hemorragia significativa
quando o obstetra tenta efetuar a dequitação. Diante desse
diagnóstico, além da hemotransfusão serão necessárias manobras
que vão desde curagem e curetagem até a histerectomia, conforme
a extensão e o grau do acretismo placentário. Na última década, o
acretismo placentário superou a atonia uterina como principal
causa de histerectomia por hemorragia pós-parto. Infelizmente, a
placenta prévia acreta (PPA) vem tornando-se cada vez mais
frequente. Em 1952, de cada 1000 gestantes com PP, apenas duas
tinham acretismo associado. Em 1980, a cifra elevou-se 40,5 /1000,
em 1985 para 99/1.000 e, a partir de 1995, já ultrapassava os
150/10002,3. O aumento e a frequência do acretismo placentário
correlacionam-se ao aumento do número de casarias, idade
materna avançada, curetagem anterior, multiparidade, miomectomias e embolização de miomas4.
A extensão da invasão placentária, muitas vezes não é conhecida
até o trabalho de parto. Isso ocorre devido à falta de definição na
literatura do melhor método de diagnóstico pré-natal do acretismo
placentário. A adequada detecção do acretismo placentário e da
extensão da invasão miometrial permitiria um adequado planejamento da via de parto, do risco operatório e das medidas de
segurança nessas condições. Isso resultaria na redução da
morbidade e em uma abordagem multidisciplinar de uma situação
1) Residente de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/ SP
2) Chefe do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/SP
Instituição: Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil.
Correspondência: Rua Olavo de Paula Borges, 88 ap. 82 – 11035-130, Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected]
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
Recebido em: 30/10/2011; aceito para publicação em: 15/08/2012; publicado online em: 20/02/2013.
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 7 - 8, jan / fev / mar 2013
7
potencialmente dramática5.
A ultrassonografia (US)e a ressonância magnética (RM) têm sido
utilizadas como modalidades no diagnóstico de acretismo
placentário, porém, a US ainda é mais acessível6. Existem critérios
ultrassonográficos estabelecidos para o diagnóstico de placenta
acreta, os quais têm sido utilizados com sucesso relativo. Os
critérios ultra-sonograficos indicativos de suspeita de acretismo
placentário foram os preconizados na literatura, destacando-se: o
adelgaçamento da zona hipoecóica retroplacentária, lacunas
vasculares irregulares, irregularidade na espessura do miométrio
basal e presença de vasos tortuosos invadindo o miométrio5,7. A
RM, nos últimos 10 anos, destaca-se como método de diagnóstico
antenatal de malformações complexas e de afecções maternas na
gestação, devido à não exposição à radiação ionizante e à boa
resolução diagnóstica8.
Ao realizar o parto de uma gestante com placenta previa acreta, o
obstetra estará diante de uma situação de extremo risco para
hemorragias. O resultado final dependerá da sua aptidão em fazer
o diagnóstico correto do acretismo, da sua experiência e habilidade técnica em realizar os procedimentos cirúrgicos indicados, da
disponibilidade imediata de volumes adequados de sangue para
transfusão e da competência anestesistas e intensivistas em
manter as condições hemodinâmicas da paciente durante e após
a cirurgia. Se o obstetra pudesse prever, de forma clínica e sem
recursos tecnológicos sofisticados, qual¹ gestante com placenta
previa mais propensa ao acretismo, poderia preparar uma serie de
recursos capazes de garantir uma assistência para esta paciente
na hora do parto, reduzindo os seus riscos e até evitando a sua
morte. Com isso estudos demonstraram que a oclusão com balão
das artérias uterinas é um método seguro e parece reduzir a perda
de sangue e necessidade de transfusão em pacientes diagnosticados com placenta acreta2, 9.
8
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Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 7 - 8, jan / fev / mar 2013
Relato de Caso
Gestações a termo em útero
com malformação mülleriana
Normal term pregnancy in uterus with an uncommon malformation
Daniel Machado1
Ricardo Lima Gomes2
RESUMO
ABSTRACT
Introdução: anormalidades estruturais podem ocorrer durante
a formação uterina originando várias malformações, entre
elas, o útero didelfo, que predispõe as gestantes a partos
prematuros e a abortamentos. Relato do caso: paciente de 30
anos, parda, três gestações, sendo um parto normal, um
abortamento e um parto cesárea. Apresentou, ao exame
ultrassonográfico, imagem compatível com útero didelfo, sem
evidência de septo em vagina, duas cavidades endometriais e
dois colos uterinos, sendo um útero de menor volume,
desviado para a esquerda e outro útero com volume maior,
desviado para a direita. Dentre três gestações, duas chegaram
ao termo, a primeira evoluiu até trinta e sete semanas e cinco
dias e a outra foi interrompida com operação cesariana com
trinta e oito semanas e cinco dias. Este relato apresenta duas
gestações espontâneas em útero com anomalia mülleriana,
revisando brevemente a literatura sobre o binômio malformação mülleriana/ gravidez, ultrassom como método diagnóstico
e prevalência da patologia, bem como a incidência de abortamentos relacionados com a malformação.
Introduction: Structural abnormalities may occur during
formation of the uterus yielding several malformations,
including the didelphic uterus, which predisposes pregnant
women to premature births and miscarriages. Case report: We
present a case of a 30 year-old, dark skin woman, three
pregnancies, with a normal birth, a miscarriage and a cesarean
parturition. She presented at the ultrasound, an image compatible with didelphic uterus without evidence of septum in vagina,
two endometrial cavities and two laps uterine, being one of uteri
with lesser volume deflected to the left and other uterus bigger
bulk, shifted to the right. Among three pregnancies, two were
mature, the first evolved up to thirty-seven weeks and five days
and the other was interrupted by cesarean surgery withal thirtyeight weeks and five days. This report presents two spontaneous pregnancies with uterine mullerian anomaly, reviewing
briefly the literature on binomial mullerian malformation /
pregnancy, ultrasound as a diagnostic method and prevalence
of the condition, as well the incidence of abortion by the
malformation.
Descritores: Útero/Anormalidades. Gestação.
Ultrassonografia.
K e y w o r d s : U t e r u s / A b n o r m a l i t i e s . P r e g n a n c y.
Ultrasonography.
Introdução
No desenvolvimento mülleriano normal, parece existir uma
progressão ordenada do desenvolvimento embrionário do útero,
tubas uterinas e vagina. Alterações desse processo resultam em
anomalias uterinas, tubárias e/ou vaginais congênitas1. O útero e a
extremidade superior da vagina começam a formar-se quando os
ductos paramesonéfricos fundem-se próximo de sua fixação à
parede posterior do seio urogenital primitivo. As malformações
müllerianas representam um conjunto de anormalidades estruturais que podem originar-se da fusão desses dutos na linha média,
pela falha da conexão com o seio urogenital ou na falha quanto a
criar uma luz apropriada na porção superior da vagina e útero, por
não reabsorção das células da vagina central e do septo entre os
dutos müllerianos fundidos1,2. Porém, a causa definitiva destas
anomalias não está claramente elucidada1.
Estima-se que acometam, aproximadamente, 1 a 6% das mulheres, porém, sua incidência exata é incerta, pois a maioria dos dados
provém de estudos de complicações obstétricas ou de infertilidade1.
O conhecimento de sua prevalência e de seus vários subtipos é
importante para o diagnóstico e tratamento das possíveis complicações ginecológicas e obstétricas delas decorrentes3.
A importância deste relato é demostrar a capacidade reprodutiva na
presença de malformação mülleriana, no caso, útero didelfo, e a
eficiência do ultrassom no diagnóstico, além de apontar falhas nas
mensurações da prevalência e da infertilidade inerente a tais
defeitos anatômicos.
Relato do caso
A paciente consentiu em disponibilizar a utilização de seus dados
para fins científicos por meio de termo de consentimento livre e
1) Médico Residente do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil.
2) Preceptor de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil.
Instituição: Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil.
Correspondência: Rua Pedro Américo, 60 - CEP 11075-905 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected]
Recebido em: 01/09/2012; aceito para publicação em: /2012; publicado online em: 20/02/2013.
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 9 - 10, jan / fev / mar 2013
9
esclarecido (TCLE). Paciente de 30 anos, menarca aos 11 anos,
parda, tercigesta, com diagnóstico de útero anteversofletido e
didelfo em exame ultrassonográfico de rotina na primeira gravidez.
O exame mostrava útero didelfo, com cavidades uterinas assimétricas, com maior volume à direita, dois colos e uma vagina. Sem
evidência de tumores pélvicos. Ao exame ginecológico, apresentava genitália externa normal e presença de dois colos uterinos. No
toque vaginal palpavam-se os dois colos. Em relação aos ciclos, a
paciente relatou sangramento uterino anormal, com dois ou três
episódios de fluxo intenso e duração de 5 dias por mês, apresentando dismenorreia até a primeira gestação, pois os ciclos
tornaram-se regulares após o primeiro parto. Não apresentava
dispareunia. Não há informações sobre uso de drogas teratogênicas pela mãe da paciente em sua gestação, como dietilbestrol e,
em vários exames ultrassonográficos, não foi evidenciado
anomalia no sistema urinário. Na primeira gravidez, localizada no
útero com maior volume, o parto via baixa aconteceu após trabalho
de parto com trinta e sete semanas e cinco dias de gestação,
houve hemorragia no quarto período, mas o quadro estabilizou e
não foi necessário medidas como transfusão sanguínea ou
intervenções cirúrgicas. Uma segunda gestação, não diagnosticada previamente, evoluiu com abortamento, após sangramento. Ao
procurar assistência, devido à hemorragia, foi confirmado óbito
embrionário no interior do útero de menor volume, evoluindo com
expulsão do conteúdo, sem indicação de curetagem uterina. Por
fim, uma terceira gestação, no útero maior, seguiu até 38 semanas
e cinco dias, quando foi interrompida por cesariana, uma vez que,
após período de trabalho de parto prolongado, não houve a
evolução esperada, permanecendo a apresentação alta, mesmo
com esvaecimento do colo uterino e protrusão da bolsa do líquido
amniótico. A incompetência cervical já havia sido diagnosticada
com vinte e três semanas e dois dias de gestação, com o colo
uterino apresentando, ao exame ultrassonográfico transvaginal,
0,7cm de comprimento e presença de herniação da “bolsa das
águas” pelo orifício interno do colo (“sinal do dedo de luva”). Os
recém-nascidos, o primeiro do sexo feminino e o segundo do
masculino, não apresentaram anomalias, estando saudáveis e
sem comorbidades.
Discussão
Neste caso, descrevemos a duplicação cervical associada ao
útero didelfo, no qual houve duas gestações espontâneas com boa
evolução obstétrica e um abortamento. Aproximadamente 15 a
25% dos abortos espontâneos são causados por defeitos da fusão
dos ductos müllerianos. Em mulheres com úteros didelfos, as
taxas de aborto espontâneo e parto prematuro estão entre 25 a
38% e 25 a 47%, respectivamente, dependendo do local de
implantação do blastocisto4.
A prevalência de anomalias uterinas congênitas foi de, aproximadamente, 6,7% na população geral, de 7,3% na população de
mulheres estéreis e de 16,7% nas mulheres com abortamento
habitual3.
As falhas na fusão dos ductos de Müller, que ocorrem entre a 10ª e
a 12ª semana acompanham-se, frequentemente, de malformações urinárias. As principais variantes são: a. útero didelfo, na
ausência completa de fusão dos ductos; b. útero bicorno bicervical;
e c. útero bicorno unicervical3.
De uma maneira geral, as malformações uterinas foram identificadas em 1 para cada 594 mulheres férteis (0,17%) e em 1 para cada
29 mulheres inférteis (3,5%); a prevalência de anomalias uterinas
na população geral foi de 1 para cada 201 mulheres (0,50%); a
distribuição segundo os grupos foi de 7% para o útero arqueado,
34% para o septado, 39% para o bicorno, 11% para o didelfo, 5%
para o unicorno e 4% para o hipoplástico/aplástico/sólido e outras
formas3.
O presente caso demonstra, também, o valor da ultrassonografia
como um método de imagem diagnóstico para avaliação da
anatomia uterina e para o diagnóstico das anomalias müllerianas.
A ultrassonografia é um exame pouco invasivo e de baixo custo,
comparando-se com a histeroscopia, laparoscopia ou com a
ressonância nuclear magnética5. A possibilidade de visualização
10
da cavidade uterina e do miométrio, com o ultrassom, facilita o
diagnóstico das anomalias uterinas, proporcionando a diferenciação entre septo uterino, útero bicorno e útero didelfo. Além disso,
permite o início de um planejamento cirúrgico, no caso de um útero
septado3.
No caso descrito, além da avaliação do corpo uterino, foi possível
evidenciar a presença dos dois colos uterinos e a incompetência
cervical na época do segundo exame obstétrico morfológico, sendo
que o acompanhamento ultrassonográfico no segundo trimestre é
de grande valia6.
Já do ponto de vista anatômico, malformações do sistema urinário
podem acompanhar anomalias uterinas, contudo, essa peculiaridade não foi constatada ou clinicamente observada, até o momento, na paciente em questão.
Nos casos de malformações uterinas, a real avaliação do risco
obstétrico é dificultada porque muitas malformações não são
diagnosticadas, especialmente nas pacientes assintomáticas ou
com sinais pouco específicos, além dos casos de abortamentos
não diagnosticados. Essa malformação, na maioria das vezes, tem
o diagnóstico tardio, geralmente na idade reprodutiva, devido ao
fato de não causar problemas durante a puberdade5.
Como ainda não existe consenso quanto ao impacto desta
anomalia sobre a fertilidade, estas pacientes devem ser acompanhadas, no intuito de estabelecer o melhor plano terapêutico a ser
seguido3.
A ultrassonografia tridimensional, exame não invasivo e de baixo
custo, é uma opção diagnóstica que deve ser considerada no
arsenal semiótico das malformações müllerianas, assim como a
ressonância nuclear magnética, de custo mais elevado, contudo,
com alta definição das partes moles nas estruturas anatômicas3.
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Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 9 - 10, jan / fev / mar 2013
Artigo de Revisão
Tratamento endoscópico do câncer retal precoce
Endoscopic treatment of early rectal cancer
Márcio Correia Cazzamatta¹
Dayse da Silva Pereira Aparício²
Kátia Ferreira Güenaga²
Lourdes Fraga Bongiovanni²
Osmar Sílvio Garcia Oliveira²
Renato Brassolotto Bello²
Cynthia Maria Massarico Serafim³
Marcelo Jeronymo Lopes Ferreira4
Larissa Bellegard5
Mariana Potrich Maymone5
RESUMO
ABSTRACT
Relata-se um caso de tratamento endoscópico de câncer retal
precoce. Paciente do sexo masculino, 63 anos, foi admitido no
Serviço de Endoscopia do Hospital Ana Costa, para a realização de colonoscopia para seguimento de doença diverticular
dos cólons. Durante o procedimento, além da diverticulose,
observou-se lesão plano-elevada em reto médio, que foi
ressecada em bloco com alça de polipectomia precedida de
injeção de solução de azul de metileno na submucosa. A peça
foi submetida a estudo anatomopatológico, que evidenciou
adenocarcinoma moderadamente diferenciado com margens
circunferenciais livres. Foi realizada ecoendoscopia transrretal
perilesional, com o intuito de detectar a presença de neoplasia
residual e acometimentos linfáticos e vasculares com resultados negativos. A conduta a seguir foi a realização de seguimento com retossigmoidoscopia flexível e colonoscopia para
detecção de recidiva do tumor.
We report a case of endoscopic treatment of early rectal cancer.
A male patient, 63 years, was admitted to the Endoscopy Unit,
Hospital Ana Costa, Santos, SP, for colonoscopy to follow-up
colon diverticular disease. During the procedure, beyond
diverticulosis, a high level lesion in medium rectum was
observed, which was resected en bloc with polipectomy loop
preceded by injection of methylene blue in submucosa. The
piece underwent pathologic evaluation, which showed
moderately differentiated adenocarcinoma with free circunferencial margins. It was performed perilesional transrretal
ultrasound in order to detect the presence of residual neoplastic
superficial vascular and lymphatic affections with negative
results. The path to follow was to conduct screening with flexible
retosigmoidoscopy and colonoscopy for detection of recurrence tumor.
Descritores: câncer retal precoce
Key words: early rectal cancer
Introdução
O câncer colorretal é a neoplasia mais comum do trato digestório e
a terceira causa de morte por neoplasias nos países ocidentais1. O
câncer retal representa menos de 30% de todos os cânceres
colorretais. O número de casos novos de câncer colorretal no
Brasil, fornecidos pelo Instituto Nacional do Câncer(INCA) em
2010, foi de 13.310 casos em homens e 14.800 em mulheres. O
número de mortes registrados em 2007 foi de 11.322 casos, sendo
5305 homens e 6017 mulheres2. É mais incidente em indivíduos
caucasianos, com idade entre 70-79 anos, casados e com nível
sócio-econômico médio3.
Existem alguns fatores de risco que predispõem o desenvolvimento de câncer colorretal, como os genéticos (polipose adenomatosa
familiar e síndrome de Lynch), ambientais (uso de álcool, dieta
pobre em frutas, vegetais e fibras e ricas em gorduras) e as
doenças inflamatórias intestinais4. A tese da sequência adenomacarcinoma mostra que os pólipos adenomatosos evoluem
lentamente para câncer. Uma maneira de prevenir o aparecimento
de tumores seria a detecção e remoção dos pólipos antes de eles
se tornarem malignos5.
A realização do rastreamento de câncer colorretal é uma importante
ferramenta para seu diagnóstico precoce, com importante impacto
na morbimortalidade. Os exames necessários para a sua realização são toque retal, retossigmoidoscopia flexível e pesquisa de
sangue oculto nas fezes. The American Cancer Society recomenda
a realização anual de toque retal em pacientes com mais de 40
anos, pesquisa anual de sangue oculto nas fezes em pacientes com
mais de 50 anos e retossigmoidoscopia flexível a cada 3-5 anos em
pacientes com mais de 50 anos. Se houver pesquisa de sangue
oculto nas fezes positiva ou alterações no toque retal ou na
retossigmoidoscopia flexível, é mandatória a realização de
colonoscopia6.
A definição de câncer retal precoce baseia-se no fato da lesão estar
limitada à mucosa e submucosa, independentemente de acometimento linfonodal, localizado nos últimos 11 cm proximais à borda
anal7,8. A ressecção endoscópica do câncer retal precoce representa grande benefício para os pacientes porque preserva função
esfincteriana, além de promover baixa mortalidade e rápida
recuperação9.
O prognóstico dos pacientes depende da profundidade de invasão
do tumor, número de metástases linfonodais e comprometimento
1. Estagiário de Endoscopia Digestiva do Hospital Ana Costa, Santos/SP
2. Médicos do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Ana Costa, Santos/SP
3. Residente de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP
4. Médico do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP
5. Acadêmicas da Faculdade de Ciências Médicas de Santos, Centro Universitário Lusíada, UNILUS, Santos/SP
Instituição: Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua Pedro Américo, 60 – 11075 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected]
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
Recebido em: 30/10/2011; aceito para publicação em: 08/08/2012; publicado online em: 20/02/2013..
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 11 - 13, jan / fev / mar 2013
11
da margem circunferencial da peça ressecada10.
Relato de caso
Paciente do sexo masculino, de 63 anos de idade, caucasiano,
procurou atendimento no Serviço de Endoscopia do Hospital Ana
Costa, Santos, SP para realização de colonoscopia para seguimento de doença diverticular dos cólons. À colonoscopia, foram
observados inúmeros óstios diverticulares, predominantes em
sigmóide, sem sinais de processo inflamatório atual ou recente.
Em reto médio, foi evidenciada lesão plano-elevada (0-IIa-IIc) com
superfície irregular, medindo aproximadamente 10 mm de
diâmetro em seu maior eixo com leve depressão em seu ápice –
Figura 1. Procedeu-se a marcação dos bordos com ponta de alça
de polipectomia – Figura 2, seguida de injeção de solução de azul
de metileno a 1% na submucosa; foi então realizada mucosectomia, com alça de polipectomia, sendo a lesão retirada em bloco.
Figura 3 – Transição entre mucosa retal normal (esquerda) e
tumoral (direita). HE 100x.
Figura 1 – Lesão plano-elevada em reto médio.
Figura 4 – Área central do tumor com leve depressão. HE 100x.
Figura 2 – Marcação dos bordos com ponta de alça de polipectomia.
O estudo anatomopatológico revelou fragmentos de mucosa
intestinal contendo estrutura parcialmente substituída por
neoplasia de células epiteliais formando glândulas e algumas
projeções papilíferas – adenocarcinoma moderadamente
diferenciado. O pleomorfismo nuclear era discreto e com hipercromasia, além de frequentes mitoses. As margens circunferenciais
da lesão eram de aproximadamente 5 mm – Figuras 3, 4 e 5.
12
Figura 5 – Glândulas tumorais infiltrando mucosa. HE 100x.
O local da ressecção foi submetido à avaliação por ecoendoscopia
transrretal, que evidenciou áreas de cicatrização de aspecto normal
após a mucosectomia endoscópica com hiperecogenicidade
irregular da parede, onde se verifica fusão das terceiras e quartas
camadas no local e ausência de acometimento linfonodal e
vascular perilesional – Figura 6.
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 11 - 13, jan / fev / mar 2013
Figura 6 – A: Áreas de cicatrização de aspecto normal com
conteúdo hiperecóico irregular da parede (SETA); B: Fusão das
terceiras e quartas camadas.
Discussão
Em indivíduos assintomáticos com mais de 50 anos submetidos à
colonoscopia, a prevalência de adenocarcinoma é de 0,8%, dos
quais 50% são estádio 0 (TisN0M0) ou estádio I (T1N0M0 ou
T2N0M0)11.
A excisão local do câncer retal deve considerar o risco de acometimento linfonodal, a incidência de recorrência local, a mortalidade
operatória e risco de disfunção anorretal. O diagnóstico da lesão
em fase precoce oferece a opção de realizarem-se ressecções
locais com baixo risco operatório. As opções são a ressecção
endoscópica e microcirurgia transanal endoscópica (TEMS)12.
A ressecção endoscópica do câncer retal precoce eficaz deve
enquadrar-se nos seguintes critérios: 1) adenocarcinoma bem ou
moderadamente diferenciado; 2) invasão do terço superior da
submucosa (sm1) até profundidade menor que 1000 micrômetros;
3) margens de segurança de, pelo menos, 1 mm e 4) ausência de
invasão vascular ou linfática13,14. A taxa de cura para esta modalidade de tratamento é de 97%15.
Pacientes com estadiamento T1 são os grandes candidatos ao
TEMS e aqueles com estadiamento T2 podem realizar o procedimento, desde que realizem tratamento complementar, geralmente
quimiorradioterapia, se indicados. A ressecção de tumores
grandes por TEMS pode ocasionar perda do volume retal e
estenose da anastomose após reparo primário após a excisão.
Lesões T3 não são candidatas a TEMS curativa, exceto para
pacientes com alto risco cirúrgico. Todos os pacientes com
qualquer tipo de acometimento linfonodal devem realizar ressecção radical porque a ressecção endoscópica não pode tratar e
avaliar os linfonodos acometidos15. Os critérios para a realização
da TEMS são tumor mobilidade, tamanho menor que 3,5 cm e
localização do tumor até 15 cm da borda anal16. As taxas de
sobrevida livre de doença no estadiamentos T1 e T2 com terapia
neoadjvante são de, respectivamente, 100% e 93%17.
A ecoendoscopia transrretal é o método de maior acurácia para a
avaliação da invasão local do câncer retal e acometimento
linfonodal perirretal. Os achados desse exame determinam as
diretrizes do tratamento, como ressecção local ou ressecção
radical. Pode ainda detectar a recidiva do câncer com confirmação
histológica por punção local com agulha fina ecoguiada. O toque
retal, para avaliar a mobilidade e grau de infiltração do tumor e
detecção de linfonodos palpáveis, tem acurácia de, respectivamente, 80% e 65%. Estudos comparativos mostraram que a
acurácia da ecoendoscopia transrretal é maior que a da tomografia
computadorizada, para o estágio T (87% e 76%) e N (78% e 62%) e
também maior que o da ressonância magnética (85% e 77%)18.
O seguimento dos pacientes com câncer retal precoce pósressecção endoscópica baseia-se na realização retossigmoidoscopia flexível e colonoscopia. A retossigmoidoscopia flexível deve
ser realizada 3-6 meses após a ressecção e, com resultado sem
alterações, a cada 2-3 anos. A colonoscopia está indicada um ano
após ressecção e, se normal, após quatro anos. Não havendo
anormalidades, a colonoscopia pode ser realizada a cada cinco
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 11 - 13, jan / fev / mar 2013
anos19.
O paciente relatado realizou a colonoscopia para seguimento de
diverticulose do cólon e o diagnóstico do câncer retal precoce foi
realizado ao acaso. A lesão foi submetida à marcação das bordas
com ponta de alça de polipectomia, para facilitar alçar toda a lesão
durante a mucosectomia e injeção de azul de metileno a 1% na
submucosa para promover elevação da mucosa em relação à
submucosa. Isso facilitou ainda mais a mucosectomia e a coloração
da submucosa com azul de metileno a 1% permite identificar
resquícios de mucosa ou acometimento da muscular própria após o
procedimento.
A seguir, procedeu-se à retirada em bloco da lesão com alça de
polipectomia. A lesão foi enviada para estudo anatomopatológico,
respeitando todos os critérios de ressecção endoscópica completa
porque se tratava de um adenocarcinoma moderadamente
diferenciado, a lesão é restrita à mucosa, as margens circunferenciais de segurança da lesão são de, aproximadamente 5 mm e
ausência de invasão vascular ou linfática na peça. O paciente foi
submetido à ecoendoscopia transrretal no local da ressecção, que
evidenciou áreas de cicatrização de aspecto normal com hiperecogenicidade irregular das paredes com fusão das terceiras e quartas
camadas.
O seguimento de câncer colorretal é a ferramenta mais eficaz para
o diagnóstico dessas lesões em estágio precoce, que podem ser
tratadas com métodos minimamente invasivos, como mucosectomia endoscópica e TEMS. Desde que a lesão apresente margens
circunferenciais livres de segurança limitadas a T1, para mucosectomia endoscópica e limitadas a T2 com tratamento neoadjuvante,
para TEMS e a ecoendoscpia transrretal perilesional apresentando
ausência de invasão vascular e/ou linfática perilesional, o paciente
pode ser considerado tratado, devendo seguir os protocolos após
ressecção da lesão.
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13
Relato de Caso
Dissecção arterial x acidente vascular
encefálico em paciente jovem
Arterial dissection x stroke in a young patient
Sureya Maria de Almeida David Gibelli¹
Cristiane Serra²
RESUMO
ABSTRACT
Aneurismas dissecantes da artéria vertebral são lesões pouco
comuns, responsáveis por 2% de todos os acidentes vasculares encefálicos. A taxa de mortalidade chega a 5% dos casos,
somando-se as dissecções de carótida e vertebral. Relata-se o
caso de uma mulher de 48 anos, a qual, após atividade física
extenuante, apresentou dissecção de artéria vertebral, sendo
optado pelo tratamento clínico, devido ao diagnóstico de
oclusão arterial.
Dissecting aneurisms of vertebral artery are not very common
being responsible for just 2% of all the strokes. Mortality rate is
around 5%, including not only carotid, but also vertebral
dissections. This article is a case report of a 48 years old that
after strenuous physical activity had vertebral artery dissection.
The chosen management, for this patient, was clinical treatment once she had entire artery's occlusion.
Descritores: Acidente Vascular Encefálico. Jovens.
Dissecção.
Key words: Stroke. Dissection.Young.
Introdução
A dissecção espontânea de artérias cervicais, carótida ou vertebral
é responsável por apenas 2% de todos os acidentes vasculares
encefálicos isquêmicos1. Se considerarmos apenas os pacientes
com menos de 50 anos, essa estimativa sobe para 10-25% dos
casos. Nos Estados Unidos, a incidência atual é de 5 casos a cada
100.000 habitantes por ano1,2.
O tipo de dissecção mais freqüente é o comprometimento unilateral da artéria carótida interna. A dissecção multiarterial cervical
ocorre em até um terço dos casos e eventualmente está associada
a algum defeito dos componentes do colágeno ou a uma arteriopatia que predisponha à ruptura da camada íntima ou média3.
Devido à maior mobilidade das artérias carótidas internas e
vertebrais em suas porções extra-cranianas e por estarem em
íntimo contato com estruturas ósseas (vértebras ou processo
estilóide), suas dissecções são favorecidas, quando comparadas
com artérias de calibres semelhantes como as renais e coronárias4.
Na maioria dos casos a causa da lesão é espontânea, porém,
algumas vezes é possível identificar um evento traumático ou um
evento menos relevante precedendo o quadro isquêmico, como
hiperextensão ou rotação do pescoço, massagem cervical,
vômitos, tosse e exercícios físicos4.
O quadro clínico da dissecção das artérias cervicais inclui sintomas relacionados à lesão arterial, cervicalgia e cefaléia, bem como
eventos isquêmicos secundários a embolia ou hipofluxo. Em 5095% dos casos de dissecção de carótida e em 90% dos casos de
dissecção de vertebral, há lesão isquêmica associada3.
A dor é o principal sintoma, seja cefaléia, seja cervicalgia.
Cervicalgia está presente em até 45% dos casos de dissecção de
vertebral e, geralmente, ocorre na porção posterior do pescoço4.
Até 20% dos pacientes não apresentam sinais ou sintomas que
precedam a isquemia. A dissecção carotídea geralmente se inicia
2 cm acima da origem da artéria carótida interna (porção faríngea).
Já a dissecção de vertebrais costuma ocorrer na altura da segunda
vértebra cervical (ou segmento V3), próximo a sua origem3.
A taxa de mortalidade chega a 5% dos casos, somando-se as
dissecções de carótida e vertebral3.
Relato de caso
Paciente feminina, de 48 anos, casada, natural e residente em
Santos, procura atendimento médico após quadro de cefaléia e
cervicalgia associada à tontura de início havia um dia, após ter
corrido 10 km. À admissão, referia cefaléia hemicraniana esquerda
latejante, vertigem associada à instabilidade postural para andar,
diplopia e parestesia de hemiface esquerda de início súbito
associados a cervicalgia posterior. Ao exame, apresentava força
muscular preservada nos quatro membros, nistagmo horizonto
rotatório para a esquerda já na posição primária do olhar, mantido
nas demais posições, pupilas isocóricas fotorreagentes, sem
rigidez de nuca. Foi submetida à tomografia computadorizada de
crânio, que não evidenciou lesões agudas. Já na ressonância
magnética (RNM) de crânio, identificamos infartos focais isquêmicos recentes, com restrição à difusão em parênquima cerebelar a
esquerda e face lateral bulbo-medular. A angio-RNM mostrou
ausência de sinal de fluxo na artéria vertebral esquerda (oclusão
1) Residente de Clínica Médica do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil.
2) Neurologista do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil.
Instituição: Serviço de Neurologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil.
Correspondência: Rua Joaquim Nabuco, 1028 – 04621-003 São Paulo/SP, Brasil. E-mail: [email protected]
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
Recebido em: 30/10/2011; aceito para publicação em: 15/03/2012; publicado online em: 20/02/2013.
14
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 14 - 15, jan / fev / mar 2013
estenose crítica), com aneurisma incidentais, diminutos nichos de
até 2mm em território de cerebral média bilateral atribuíveis à
pequenas imagens de adição compatíveis com diminutos
aneurismas. Submeteu-se à angiografia cerebral para elucidação
diagnóstica, que mostrou oclusão de artéria vertebral esquerda no
segmento V3 associado à estenose moderada no segmento V2,
sugestiva de dissecção e irregularidades parietais em todo seu
trajeto. Origem e trajeto cervical de artéria vertebral direita estavam
com irregularidades parietais sem estenoses significativas. Diante
do diagnóstico de oclusão arterial, embora mecanismo sugestivo
de dissecção, paciente recebe alta hospitalar em uso de AAS e
estatina, sem anticoagulante oral. Seguiu com exercícios para
reabilitação.
Discussão
As artérias intracranianas, bem como as artérias do canal vertebral, possuem diferenças anatômicas quando comparadas às
artérias de diâmetro similar do restante do corpo. Estas possuem
redução das camadas adventícia e média devido à diminuição da
quantidade de fibras elásticas, além de possuírem fibras colágenas mais finas e pela ausência da camada elástica externa5.
Existem diversas causas de dissecção de artérias cervicais, dentre
as quais podemos citar as dissecções espontâneas em pacientes
portadores de migrânea, displasia fibromuscular, necrose cística
medial, síndrome de Marfan, durante atividades esportivas,
espirros e rotação da cabeça, dentre outras6,7.
O sintoma mais encontrado nos aneurismas dissecantes da artéria
vertebral é a dor occipto-cervical que, na maioria dos casos,
precede a cefaléia ou inicia-se simultaneamente a ela, sendo
ipsilateral em cerca de 75% dos casos6-8.
A angiografia das artérias vertebrais geralmente sela o diagnóstico, contudo, tanto a RNM quanto a angioressonância de crânio são
usadas como triagem, valorizadas por não serem métodos
invasivos e possuírem alta resolução na fossa posterior.
Entretanto, é por meio da angiografia digital que o diagnóstico
pode ser confirmado, bem como programada a melhor conduta
terapêutica9.
O tratamento cirúrgico por abordagem endovascular mostra-se
uma opção utilizada para estes aneurismas atualmente, por meio
do qual pode-se usar balões destacáveis, angioplastia transluminais ou oclusão com molas10,11.
A dissecção arterial é uma causa importante de acidente vascular
encefálico isquêmico nos adultos jovem. Podem ser diagnosticadas por meios não invasivos, como RNM e angio-RNM com
contraste e, no caso de dúvida diagnóstica, deve-se lançar mão da
angiografia digital. Não há consenso absoluto quanto ao tratamento das dissecções, sendo instituída a terapêutica antitrombótica
nas dissecções cervicais e nas intracranianas com apresentação
isquêmica. Já nos casos de dissecções extracranianas, a terapêutica endovascular é realizada nos casos sintomáticos. A terapêutica endovascular deve ser precocemente indicada nas dissecções
intracranianas com apresentação hemorrágica, com aneurismas
dissecantes ou com agravamento das alterações angiográficas12.
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 14 - 15, jan / fev / mar 2013
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15
Relato de Caso
Fibrodisplasia muscular carotídea: acidente vascular
cerebral e hipertensão arterial severa em adulto jovem
Fibromuscular dysplasia of carotid artery:
stroke and severe high blood pressure in young adults
Taísa Ferreira Braga¹
Cristiane Serra de Souza²
RESUMO
ABSTRACT
A fibrodisplasia muscular é angiopatia que afeta artérias de
médio calibre, predominante em mulheres jovens, em idade
fértil. O envolvimento renal ocorre em 60-75% dos casos,
envolvimento vascular cerebral 25-30%, envolvimento visceral
em 9% e as artérias dos membros são afetadas em cerca de
5% dos casos. Em 26% dos pacientes, a doença é encontrada
em mais de uma região arterial. Na perspectiva neurológica, a
FDM é uma importante causa de acidente vascular cerebral
(AVC) em adultos jovens. A doença fibromuscular da artéria
carótida é um achado infreqüente, mas que está associado a
sintomas neurológicos focais e globais. A maioria dos pacientes pode ser tratada com medicamentos antiplaquetários sem
sintomas recorrentes, no entanto, quando os sintomas são
persistentes, alguns necessitam de dilatação cirúrgica da
artéria carótida. O acometimento carotídeo também pode levar
a hemorragia catastrófica intracraniana. Os sintomas da
doença fibromuscular são inespecíficos e incluem cefaléia,
vertigem tontura e zumbido, porém a maioria dos pacientes
com doença fibromuscular craniocervical são assintomáticos.
Nenhum sintoma é patognomônico de FDM. Este relato de
caso tem a finalidade de descrever uma paciente com
diagnóstico de hipertensão arterial severa, de difícil controle
que evolui com déficit motor dimidiado e diagnóstico subseqüente de FDM carotídea.
The fibromuscular dysplasia (FMD) is an angiopathy that affects
medium diameter arteries, predominantly in young women.
Renal involvement occurs in 60-75% of cases, 25-30% cerebral
vascular involvement, visceral involvement in 9% and limb
arteries are affected in about 5% of cases. In 26% of patients,
the disease in found in more than one arterial region. In
neurological perspective, the FDM is important cause of stroke
in young adults. FMD of the carotid artery is an infrequent
finding, but is associated with focal and global neurological
symptoms. Most of patients can be treated with antiplatelet
medications without recurrent symptoms. However, when
symptoms are persistent some patients need surgical dilation of
the carotid artery. Also carotid involvement can lead to catastrophic brain hemorrhage. FMD symptoms are nonspecific and
include headache, dizziness, vertigo but the most patients are
asymptomatic. Nothing symptom is pathognomonic of FMD.
This case report describes a patient with severe high blood
pressure difficult control that involves dimidiate motor deficit
and subsequent diagnosis of carotid FMD.
Descritores: Isquemia Cerebral. Fibrodisplasia Muscular.
Acidente Vascular Cerebral.
Key Words: Stroke, Fibromuscular dysplasia, Young stroke.
Introdução
A displasia fibromuscular (FDM) é doença pouco conhecida, que
acarreta desenvolvimento anormal ou crescimento exacerbado de
células nas paredes das artérias, o que pode levar o vaso sanguíneo a estreitar ou formar protuberâncias, irregularidades que
podem alterar o fluxo sanguíneo laminar de vasos de pequeno e
médio calibre1,2. As artérias carótidas e renais são as mais comumente afetadas pela displasia fibromuscular, daí a correlação
clínica com doenças como acidente vascular cerebral (AVC),
infarto miocárdico e hipertensão arterial sistêmica refratária1.
As manifestações clínicas da FDM são diversas: desde hiperten-
são, vertigem, dor de cabeça crônica, aneurisma intracraniano,
zumbido no ouvido, fraqueza, rubor facial, alterações na visão, até
pacientes assintomáticos2,3. A doença acomete com maior prevalência mulheres na faixa etária de 25 a 50 anos.
Relato de caso
Paciente feminina, de 32 anos, foi admitida em hospital particular de
Santos/SP com quadro de parestesia em dimídio direito associada
a pico hipertensivo. Não tinha diagnóstico prévio de hipertensão,
sendo medicada para controle pressórico e submetida à tomografia
de crânio, que se mostrou sem alterações. Foi encaminhada para
1) Residente de Clínica Médica do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil.
2) Médico Assistente do Serviço de Neurologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil.
Instituição: Serviço de Cardiologia e de Neurologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil.
Correspondência: Rua Olavo Bilac, 24 ap.12 – 11065-220 Santos/ SP, Brasil. E-mail: [email protected]
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
Recebido em: 30/10/2011; aceito para publicação em: 2011; publicado online em: 20/02/2013.
16
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 16 - 18, jan / fev / mar 2013
seguimento ambulatorial e avaliação neurológica. No momento da
avaliação neurológica, apresentava-se com queixa de cefaléia
esporádica e hemiparesia completa direita, força muscular grau IV
com sinais de liberação piramidal, mantendo hipertensão de difícil
controle, apesar do uso de três classes de anti-hipertensivos.
Submeteu-se a investigação etiológica, seguindo o protocolo de
AVC isquêmico em jovem. A ressonância magnética de encéfalo
confirmou diversos focos isquêmicos lacunares, predomínio em
região capsular esquerda, associados sinais de microangiopatia
periventricular pronunciada. O ultrassom Doppler de carótidas e
vertebrais mostrou espessamentos focais médio-intimais das
carótidas internas distais, com pequenas tortuosidades e dilatações associadas, principalmente em carótida comum esquerda.
Foi submetida à angiografia cerebral para elucidação diagnóstica,
que mostrou presença de estenose anular seguida de dilatações
saculares na carótida cervical direita imediatamente ao bulbo
(Figuras 1 e 2), medindo aproximadamente 4 mm, sugestivo de
displasia fibromuscular com pseudoaneurisma. O mesmo padrão
irregular de fluxo, devido estenoses seguidas de dilatações,
também pode ser visto na artéria carótida interna esquerda
(Figuras 3 e 4), o clássico “contas em um colar”. Neste caso, há
leve a moderado estreitamento da artéria. Segue em acompanhamento, em uso de seis classes de anti-hipertensivos (Atensina
0,4mg/dia, Anlodipino 10mg/dia, Atenolol 100mg/dia, Aldactone
50mg/dia, Enalapril 40mg/dia, Hidroclorotiazida 25mg/dia), AAS
300mg/dia e Sinvastatina 40mg/dia, sem controle adequado da
pressão arterial, porém, recuperação gradativa do déficit motor.
Seguiu em acompanhamento com cirurgia vascular para programação cirúrgica.
Figura 3 – Artéria carótida esquerda perfil à angiografia.
Figura 4 – Artéria carótida esquerda oblíqua à angiografia.
Figura 1 – Vista lateral de uma angiografia de carótida direita
demonstra múltiplas estenoses de febre aftosa da artéria carótida
interna.
Figura 2 - Artéria carótida direita perfil à angiografia.
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 16 - 18, jan / fev / mar 2013
Discussão
A displasia fibromuscular (FMD) é uma angiopatia incomum,
predominante em jovens de meia-idade (30-50 anos) e indivíduos
do gênero feminino, ainda com literatura limitada2,3. É doença
vascular, não-inflamatória, não aterosclerótica que afeta vasos de
pequeno e médio calibre, devido a um grupo heterogêneo de
alterações histológicas, as quais conduzem finalmente a um
estreitamento arterial. A associação acidente vascular cerebral e
FMD é especialmente importante entre jovens de meia idade e do
gênero feminino, na maioria dos casos sendo herdada como traço
autossômico dominante4.
A FMD foi observada pela primeira vez em 1938, por Leadbetter e
Burkland, em um menino de cinco anos de idade, sendo descrita
como doença das artérias renais. O envolvimento das artérias
craniocervicais foi reconhecido em 1946, por Palubinskas e Ripley1.
As manifestações clínicas refletem o leito arterial envolvido, mais
comumente hipertensão arterial (renal) e acidente vascular
cerebral (carótida)2. A FDM pode ser encontrada em todo o sistema
arterial cervicocraniano. A maioria dos casos acomete as artérias
carótidas internas (95%), frequentemente bilateral (60-85%). O
envolvimento da artéria vertebral é em menor grau e é associado
frequentemente a doença carotídea5. Pelo menos dois leitos
vasculares são envolvidos em até 28% dos pacientes6.
Os sintomas ocorrem quando essas lesões arteriais são fortemente
estenosadas, produzindo hipoperfusão, embolização, trombose,
dissecção ou quando há ruptura de aneurisma associado.
Sintomas inespecíficos incluem dor de cabeça, alterações mentais,
zumbidos, vertigens e dores no pescoço 3,6,7.
Ataque isquêmico transitório, infarto cerebral(AVC), hemorragia
subaracnóidea, síncope, síndrome de Horner e paralisia de nervos
cranianos são os sintomas neurológicos mais vistos8.
17
Existe uma forte associação entre aneurismas intracranianos e a
fibrodisplasia muscular cervicocranianas. A maioria é localizada na
artéria carótida interna e artéria cerebral média. Aneurismas
múltiplos são encontrados em alguns casos7. Todos os pacientes
com displasia muscular cervicocranianas devem ter uma angiorressonância do polígono de Willis para descartar um aneurisma
intracraniano5.
FDM tem como importante diagnóstico diferencial vasculites,
angiopatia de caráter infalamatório que pode ter a mesma
apresentação clínica. É um diagnóstico histopatológico, mas a
alterações vistas na angiografia podem ser usadas para sugerir o
diagnóstico de acordo com a suspeita clínica, mesmo sem a
confirmação anatomopatológica de FDM9.
Várias modalidades de imagem podem ser usadas para diagnosticar fibrodisplasia muscular cervicocranianas. Ultra-sonografia
duplex de carótidas pode evidenciar estenoses no leito arterial,
porém, é de difícil diagnóstico no nível das vértebras C1-C2.
Angiorressonância é uma excelente opção não invasiva, mas a
angiografia permanece o método diagnóstico de escolha10.
A angioplastia é uma opção de tratamento recomendado para
pacientes com FMD da artéria renal e também carótida interna que
apresentaram acidente isquêmico trânsitório (AIT)s ou AVCs
relacionado ao estreitamento arterial grave. Implante de stent pode
ser necessário em casos raros, quando os pacientes tiverem
dissecção da artéria carótida ou vertebral ou que tenham um
aneurisma associado11,12.
Embora as evidências de estudos randomizados ainda não sejam
suficientes, a anticoagulação é frequentemente usada, após
descartar hemorragia cerebral. Inicialmente é feita com heparina e
depois, administrado em regime ambulatorial, Varfarina por 3-6
meses. Se a apresentação é de hemorragia subaracnóidea,
devido à ruptura do aneurisma, isso impede a anticoagulação e
indica a necessidade de tratamento com a finalidade de evitar o
vasoespasmo. O tratamento agudo é focado principalmente na
prevenção de ressangramento, vasoespasmo arterial e prevenção
e ainda isquêmica cerebral. Os aneurismas podem ser fechados
pelo embolização endovascular ou clipagem cirúrgica.
Nimodipina, um bloqueador dos canais de cálcio, é usado como
medicamento de escolha para reduzir o vasoespasmo mediado
por lesão cerebral9,13.
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Considerações finais
A fibrodisplasia muscular é uma doença rara, embora já tenha sido
demonstrada em quase todas as artérias do leito vascular cerebral.
É freqüentemente confundida com vasculite, aterosclerose,
doenças congênitas vasculares, em especial quando há envolvimento difuso. Pode apresentar-se com hipertensão arterial, infarto
renal, dissecção, ataque isquêmico transitório e acidente vascular
cerebral, simulando vasculite.
Do ponto de vista neurológico, a FDM é importante causa de
acidente vascular cerebral em adultos jovens, com necessidade de
diagnóstico precoce e possibilidade de várias opções terapêuticas
relativamente seguras que têm resultados excelentes. Entretanto,
estudos prospectivos ainda serão necessários para determinar a
conduta ideal da fibrodisplasia muscular para cada leito vascular
acometido14.
18
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 16 - 18, jan / fev / mar 2013
Relato de Caso
Neuromielite óptica em paciente idosa
Optic neuromyelitis in aged pacient
Marjorie Vasconcelos da Silva Ramos¹
Cristiane Serra de Souza²
RESUMO
ABSTRACT
Neuromielite óptica (NMO) é doença desmielinizante,
monofásica ou recidivante, com acometimento predominante
dos nervos ópticos e medula espinal e tem uma evolução mais
grave quando comparada à esclerose múltipla. Pouco
prevalente, com maior incidência entre mulheres adultas de
meia idade. É doença com prognóstico reservado, em termos
da função óptico-medular, que exige diagnóstico e tratamento
precoces. Segue relato de paciente, 75 anos de idade, que
teve diagnóstico de NMO após amaurose súbita em olho
direito, evoluindo com paraparesia crural, pouco frequente
considerando faixa etária acometida.
Neuromyelitis optica (NMO) is a single or recurrent demyelinating disease, with predominant involvement of the optic nerves
and spinal cord and has is more severe compared to multiple
sclerosis. It presents low prevalence, with higher incidence
among adult women of middle age. It is a disease with poor
prognosis in terms of optic-spinal cord function, requiring early
diagnosis and treatment. The case of a 75 years old patient is
reported. She was diagnosed with NMO after sudden blindness
in the right eye, presenting crural paraparesis, infrequent
considering the age group affected.
Descritores: Neuromielite Óptica. Amaurose.
Desmielinizante.
Key words: Optic Neuromyelitis. Amaurosis. Demyelinating.
Introdução
Neuromielite óptica (NMO), também conhecida como doença de
Devic, é uma doença desmielinizante do sistema nervoso central
(SNC), que afeta preferencialmente a medula espinhal e os nervos
ópticos¹.
A NMO é rara na população caucasiana, representando menos de
1% das doenças desmielinizantes do SNC. Apresenta alta
incidência na população asiática, africana e sul-americana. É três
a cinco vezes mais frequente no sexo feminino, com início, em
média, aos 40 anos de idade, sendo raro o início em idosos1. É
caracterizada por ataques agudos de neurite óptica (NO),
geralmente bilaterais. Ao mesmo tempo, em poucos dias ou mais
raro em alguns meses, a NO é seguida por mielopatia transversa
severa (MT) – inflamação aguda da medula espinhal. Em cerca de
20% dos casos, a MT precede a NO2.
O diagnóstico é realizado por meio da suspeita clínica, em
associação com exames de imagem como tomografia computadorizada ou ressonância magnética. Na maioria dos casos, existe
associação positiva com o anticorpo NMO IgG 2.
O tratamento consiste no controle da crise, no controle da doença
de base e da sintomatologia. Nas crises, o tratamento mais
preconizado é a realização de pulsos endovenosos (EV) de
metilprednisolona com desmame, por via oral, ao longo de meses.
Na ausência de resposta ou nos casos com recidivas precoces, a
plasmaferese deve ser efetuada3.
O prognóstico é reservado, com grave repercussão funcional. A
sobrevida após cinco anos é de cerca de 68% para as formas
recidivantes e de 90% para as formas monofásicas, sendo a
principal causa de morte o compromisso respiratório que ocorre na
lesão medular grave4.
Relato de caso
Paciente idosa, branca, 75 anos, procurou o pronto-socorro, com
queixa de diminuição da acuidade visual em olho direito associada
à fraqueza em membros inferiores havia um dia. Referia episódio
semelhante dois dias antes, com melhora espontânea. Com
comorbidades conhecidas, apresentava diabetes mellitus,
hipertensão arterial e amaurose prévia em olho esquerdo por
sequela de toxoplasmose ocular havia dois anos. Foi admitida com
força muscular grau II em membro inferior direito e força grau V em
membro inferior esquerdo, reflexos osteotendíneos hipoativos
bilaterais em membros inferiores e normoativos em membros
superiores e sinal de Babinsk presente à direita. A fundoscopia
evidenciava seqüela de toxoplasmose a esquerda, sem anormalidades no fundo de olho direito. Conduziu-se inicialmente como
provável quadro vascular cerebral agudo. No primeiro dia de
internação hospitalar, apresentou retenção urinária, com necessidade de sondagem vesical de demora. A TC de crânio não revelou
lesões agudas. O ecocardiograma demonstrou insuficiência
mínima aórtica. A ultrassonografia Doppler de carótidas não
1) Residente de Clínica Médica do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil.
2) Neurologista do Hospital Ana Costa de Santos/SP, Brasil.
Instituição: Serviço de Neurologia do Hospital Ana Costa de Santos/SP, Brasil.
Correspondência: Rua Thiago Feereira 51/61- Santos SP. E-mail: [email protected]
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
Recebido em: 15/08/2011; aceito para publicação em: 07/05/2012; publicado online em: 20/02/2013.
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 19 - 20, jan / fev / mar 2013
19
mostrou estenoses significativas. A RNM evidenciou focos de
gliose periventricular em T2 em FLAIR, compatível com doenças
de pequenos vasos apenas. O líquor lombar tinha aspecto límpido,
com 58 células, 22% neutrófilos, 78% linfócitos, glicose 56,
proteínas 117, VDRL não reagente, bacterioscopia negativa, Tinta
da China negativa, BAAR negativo e bandas oligoclonais ausentes. No terceiro dia de internação, apresentou piora do quadro
neurológico, evoluindo com paraparesia crural flácida, reflexo
cutâneo plantar em extensão bilateral, e nível sensitivo em T4,
mantendo baixa acuidade visual olho direito. Foi transferida para a
Unidade de Terapia Intensiva, sem alteração do quadro clinico,
recebendo pulsoterapia intravenosa com metilprednisolona diante
do quadro de mielite aguda. As sorologias foram: para toxoplasmose IgM negativa, IgG positiva, anti-HIV negativo, anti-HTLV I e II
negativo; fator reumatóide não reagente; FAN negativo. Na RNM
de coluna torácica, notou-se hipossinal em T1 e hipersinal em T2
com realce, após administração intravenosa de gadolíneo, em
toda a sua extensão – Figura 1. Eletroneuromiografia: ausência de
comprometimento neuropático periférico e/ou miopático atuais.
Recebeu alta da UTI para continuidade de tratamento em enfermaria com pouca melhora do déficit visual. Foi iniciado tratamento
com Imunoglobulina humana por cinco dias,apresentando
recuperação parcial do déficit visual. Ao final do décimo quinto dia
de internação, recebeu alta hospitalar, mantendo corticoterapia
oral, com diagnóstico de neuromielite óptica para seguimento
ambulatorial.
RNM medular, com extensão a três ou mais segmentos vertebrais;
anticorpo NMO-IgG positivo4.
O curso da doença é imprevisível. A neurite óptica na NMO
geralmente é mais grave e de recuperação incompleta, relativamente à neurite associada à EM. As crises, habitualmente, são de
intensidade moderada a severa e as remissões geralmente
incompletas. Mais de metade dos doentes apresentam amaurose
total de pelo menos um olho e/ou incapacidade para deambular de
forma autônoma ao fim de cinco anos3.
O tratamento preconizado é a pulsoterapia com metilprednisolona
intravenosa, seguido de corticoterapia oral para desmame por
alguns meses. Em casos onde a resposta não for satisfatória, está
indicada plasmaférese. Embora os corticosteróides e troca de
plasma sejam as melhores opções terapêuticas durante os ataques
de NMO, outros tratamentos devem ser destinados à prevenção de
recorrência, possivelmente, visando a produção de auto-anticorpos
e/ou mecanismos efetores. Rituximab e micofenolato mofetil
aparecem no momento como as drogas mais promissoras9.Há
também a necessidade precoce de um plano de reabilitação
(fisioterapia, terapia ocupacional, treino vesical e intestinal, apoio
psicológico, ajudas técnicas e ajudas visuais), que envolve a
participação de uma equipe multidisciplinar e multiprofissional.
O prognóstico é pior quando a mielite é necrosante, havendo
excelente prognóstico na população pediátrica10.
A neuromielite óptica é uma doença grave, de prognóstico reservado, e somente com diagnóstico precoce e tratamento intensivo
pode se alterar sua evolução. Embora seja mais freqüente em
mulheres adultas jovens, faixa etária de 40 anos, a idade mais
avançada não é fator de exclusão para diagnóstico da patologia.
Assim, independente da faixa etária ou sexo, quadros de neurite
óptica que venham acompanhados de quadros medulares,
obrigatoriamente devem ser investigados para NMO.
Referências
Figura 1 – RNM coluna torácica, em T2, com hipersinal medular
extenso.
Discussão
A neuromielite óptica ou doença de Devic é uma doença rara e
caracteriza-se por afetar simultaneamente os nervos ópticos e da
medula espinhal, sendo sua manifestação principal uma perda
visual parcial a completa de início súbito, precedida ou seguida por
sinais de mielite transversa, geralmente acometendo adultos
jovens1. É três a cinco vezes mais frequente no gênero feminino,
com início, em média, aos 40 anos de idade, sendo raro o início em
idosos2.
Apesar da etiologia permanecer incerta, os estudos anatomopatológicos e laboratoriais indicam a hipótese de ser uma doença do
tipo canalopatia auto-imune. Existem vários casos descritos
associados a infecções, nomeadamente a hepatite A, mononucleose infecciosa, varicela, tuberculose pulmonar e sífilis secundária6,7. A associação a doenças do tecido conjuntivo é outro indício a
favor da hipótese de haver fator imunológico como iniciador da
doença8.
O caso relatado descreve um quadro de mielite transversa
associado à perda visual completa de início súbito, em paciente
fora da faixa etária de acometimento mais comum. Dada a
evolução clínica, o diagnóstico de NMO destacou-se como o mais
provável, confirmado pela positividade do biomarcador sorológico
NMO-IgG (antiaquaporina-4). Estavam reunidos todos os critérios
para o diagnóstico, de acordo com os critérios revistos em 2005,
por Wingerchuk et al.: neurite óptica, mielite aguda, e os três sinais
– RNM cerebral sem alterações, inicialmente; alteração de sinal na
20
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Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 19 - 20, jan / fev / mar 2013
Relato de Caso
Neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica
Non-arteritic anterior ischemic optic neuropathy
Bruno Ribeiro Mota¹
Amanda Garcia de Brito¹
Alexandre de Oliveira Lins¹
Eduardo Alonso Garcia²
Celso Afonso Gonçalves³
Marcos Alonso Garcia4
RESUMO
As neuropatias ópticas isquêmicas constituem um importante
grupo de afecções da via óptica. Representam as neuropatias
agudas mais freqüentes em pacientes acima de 50 anos de
idade. A neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica
(NOIA-NA) é resultado de um infarto segmentar ou generalizado da cabeça do nervo óptico, causado por oclusão das
artérias ciliares posteriores curtas. Descreve-se o caso de uma
paciente que apresentou quadro de baixa da acuidade visual
súbita em olho direito, sendo submetida a tratamento com
corticosteróides e evoluindo com perda irreversível de grande
parte do campo visual. Nesse caso, além da oclusão das
artérias ciliares posteriores curtas, houve acometimento de
ramo ciliorretiniano.
Descritores: Neuropatia Óptica Isquêmica Anterior. Ramo
Introdução
As neuropatias ópticas isquêmicas constituem um importante
grupo de afecções da via óptica. Representam as neuropatias
agudas mais frequentes em pacientes acima de 50 anos de idade.
Dependendo do segmento do nervo óptico acometido, são
divididas em neuropatias isquêmicas anteriores e posteriores. A
afecção usualmente acomete a porção anterior do nervo óptico,
visível à oftalmoscopia, sendo denominada neuropatia óptica
isquêmica anterior. Essa forma representa 90% dos casos de
neuropatia óptica isquêmica. Menos comumente, lesões isquêmicas acometem as porções posteriores do nervo óptico, sendo
denominada neuropatia óptica isquêmica posterior (NOIP)1.
A neuropatia óptica isquêmica anterior é das afecções mais
freqüentes do nervo óptico e, geralmente, leva à perda acentuada
da função visual. É a causa mais comum de edema de papila em
pacientes com mais de 55 anos de idade e representa o infarto do
segmento anterior do nervo óptico1.
Relato de caso
Paciente de 29 anos, negra, casada, procedente de Santos/SP,
deu entrada no pronto socorro de Oftalmologia do Hospital Ana
Costa, com queixa de baixa da acuidade visual súbita e indolor em
olho direito com duração de um dia, notada logo pela manhã. Ao
exame de biomicroscopia, apresentava, ao defeito pupilar
ABSTRACT
The ischemic optic neuropathy is an important group of
disorders of the visual pathway. It represents the most frequent
acute neuropathies in patients over 50 years of age. The nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy is the result of a
widespread or segmental infarction of the optic nerve head
caused by occlusion of short posterior cilliary arteries. We
describe the case of a patient who presented with sudden loss
of vision in the right eye and underwent treatment with corticosteroids and evolved with loss of much of the visual field. In this
case, besides the occlusion of short posterior ciliary arteries
was affected cilioretinal branch, as well.
Key words: Anterior Ischemic Optic Neuropathy. Ciliorretinal
Branch.
aferente, edema de disco óptico difuso associado a área de
isquemia retiniana (exsudato algodonoso) em feixe papilo-macular
– Figura 1. Acuidade visual não tinha percepção luminosa. Como
anntecedentes pessoais, teve doença de Crohn com diagnóstico
feito por biópsia intestinal, em uso mesalazina. Referia história de
mal-estar no dia anterior, sendo detectado aumento da P.A. de
150x80 mmHg, sendo medicada com captopril. A paciente foi
internada e instituída pulsoterapia intravenosa com metilprednisolona na dose de 1g/dia por cinco dias e profilaxia para strongiloidíase disseminada com albendazol 400 mg por três dias. Foram
solicitados dosagens de PCR (44 mg/L - normal ate 5 mg/L) e VHS
(104 mm/h – normal até 30 mm/h), bem como sorologias para
doenças infecciosas (HIV - negativo, sífilis – não reagente,
toxoplasmose – apenas IgG positivo e CMV – apenas IgG positivo).
O hemograma revelou leucocitose de 14.800 e trombocitose de
598.000. Na+, K+ e Cr normais. Exame de urina normal. A angiografia fluoresceínica apresentou hiperfluorescência do nervo óptico e
parede de vaso caracterizando papilite associada vasculite – Figura
2. A RNM de crânio e órbitas revelou hipersinal discreto no nervo
óptico à direita, com borramento da gordura adjacente, sugerindo
neurite – Figura 3. O campo visual acusou amaurose, porém, a
paciente relatou que passou a apresentar pequena ilha de visão
temporal superior – Figura 4. Novos hemograma e coagulograma
mostraram leucocitose de 17.300 e trombocitose de 533.000.
1. Residente de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP.
2. Médico Oftalmologista do Hospital Ana Costa, Santos/SP.
3. Médico Oftalmologista, Chefe do Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP.
4. Médico Oftalmologista, Preceptor de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP.
Instituição: Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos-SP, Brasil.
Correspondência: Rua Pedro Américo, 60 – 10º andar - 11075-905 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected]
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
Recebido em: 30/10/2011; aceito para publicação em: 05/04/2012; publicado online em: 20/02/2013.
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 21 - 23, jan / fev / mar 2013
21
Evoluiu com queda de PCR para 3.7 mg/L e VHS para 56 mm/h.
em conta dedos a um metro na ilha de visão temporal superior. O
hemograma normalizou. Encontra-se em seguimento ambulatorial
– Figura 6.
Figura 1 – Retinografia do 1º dia de internação: edema de disco +
exsudato algodonoso.
Figura 4 – Campo visual amaurótico OD.
Figura 2 – Angiografia do 1º dia de internação demostrando papilite
(círculo) + vasculite (seta).
Figura 5 – Retinografia após cinco dias de tratamento mostrando
regressão parcial do edema de disco e diminuição do exsudato
algodonoso.
Figura 3 – RNM de órbita: hipersinal com borramento de gordura
adjacente (círculos).
A paciente evoluiu com discreta melhora da acuidade visual
durante a internação, passando a apresentar aumento da ilha de
visão temporal superior, sendo capaz de contar dedos a cerca de
um metro. Houve melhora das alterações fundoscópicas com
regressão discreta do edema de disco óptico e do exsudato
algodonoso – Figura 5. Teve alta com prednisona na dose de 80
mg/dia, sendo então reduzida para 60 mg ao longo de quatro
semanas, quando começou paulatinamente a ser retirada no
decorrer de mais quatro semanas. A acuidade visual estabilizou
22
Figura 6 – Retinografia mostra o aspecto atual: atrofia do nervo
óptico com palidez de papila e cicatriz discreta em feixe papilomacular superior.
Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 21 - 23, jan / fev / mar 2013
Discussão
A neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica (NOIA-NA) é
resultado de um infarto segmentar ou generalizado da cabeça do
nervo óptico causado por oclusão das artérias ciliares posteriores
curtas2-6. Neste caso, também houve acometimento de ramo
ciliorretiniano. As condições sistêmicas predisponentes incluem
hipertensão, diabetes melito, hipercolesterolemia, doença
vascular do colágeno, síndrome do anticorpo antifosfolipídeo,
hiper-homocisteinemia, episódios de hipotensão súbita, cirurgia
de catarata, síndrome da apnéia do sono7, além de doenças
cardiovasculares4-14. Eventos tromboembólicos foram a principais
hipóteses aventadas, uma vez que havia história de aumento da
P.A. e trombocitose de 598.000, além do aspecto fundoscópico
sugestivo. Em geral, ocorre em pacientes com idade entre 40 e 60
anos, que tipicamente têm uma concentração estrutural de fibras
na cabeça do nervo óptico de tal forma que a escavação fisiológica
se apresenta muito pequena ou ausente6,15, como o disco óptico da
paciente do relato.
A apresentação dá-se com perda monocular da visão, súbita e sem
dor e não progressiva, que não está associada a obscurecimento
premonitório da visão4-5,7-11,16-18. A perda visual é freqüentemente
descoberta ao acordar19, sugerindo que a hipotensão noturna
pode desempenhar um papel importante, principalmente quando o
paciente faz uso de medicação anti-hipertensiva20. A paciente tinha
história de no dia anterior ter apresentado elevação da P.A. de
150x80 mmHg e uso de captopril. O disco encontra-se com edema
difuso ou setorial
e pálido, podendo estar associado a
hemorragias em chama de vela. Está associada com defeito
pupilar aferente.
A angiofluoresceínografia durante a fase aguda mostra
hiperfluorescência localizada ou difusa do disco óptico.
Seu principal diagnóstico diferencial é a neuropatia óptica
isquêmica anterior arterítica (NOIA), causada pela arterite de
células gigantes, que pode ser acompanhada de dor periocular,
claudicação mandibular, cefaléia de início recente, sensibilidade
no couro cabeludo, perda de peso e histórico de polimialgia
reumática. No caso em questão, estiveram presentes algumas
alterações que nos levam a pensar em NOIA, como trombocitose,
elevação de VHS e PCR, no entanto a paciente possuía doença de
Crohn, que pode cursar com essas alterações e faltavam sinais e
sintomas típicos de arteríte de células gigantes21.
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Revista Médica Ana Costa, v. 18, n. 1, p. 21 - 23, jan / fev / mar 2013
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