DISTRIBUIÇÃO DAS HEMOGLOBINOPATIAS NA POPULAÇÃO BRASILEIRA E SUAS CONSEQUENCIAS FISIOPATOLÓGICAS: UMA REVISÃO DA LITERATURA DISTRIBUTION OF HEMOGLOBINOPATHIES IN BRAZILIAN POPULATION AND ITS CONSEQUENCES PATHOPHYSIOLOGICAL: A LITERATURE REVIEW João Paulo dos Santos1, Lúcia Helena Ferreira Santos2, Ilton Palmeira Silva3, Fernando Wagner da Silva4, Angela dos Santos Martinez Alzamora5, Patrícia Silva Batista6, Tatiana Almeida Omura de Paula7, Regianne Dourado de Oliveira8 RESUMO – Hemoglobinopatias são grupos heterogêneos de distúrbios herdados recessivamente caracterizados como doenças genéticas resultantes de alterações estruturais e/ ou funcionais das moléculas de hemoglobina, sendo responsáveis por considerável morbidade e mortalidade no mundo. Estas alterações genéticas ocorrem como consequência de defeito nos genes que codificam as cadeias globínicas alfa e beta da molécula de hemoglobina. Os defeitos estruturais são característicos da anemia falciforme, enquanto os defeitos funcionais ou quantitativos levam aos quadros de talassemias. Objetivo. Destacar a distribuição das hemoglonopatias na população brasileira e a correlação com as doenças fisiopatológicas nos indivíduos portadores desta doença genética. Ademais, fornecer a sociedade informações sobre a análise eletroforética, aconselhamento genético, suporte clínico e psicológico dos programas preventivos. Conclusão. No Brasil, a introdução das hemoglobinopatias ocorreu com a entrada dos escravos negros africanos e da subsequente mistura racial, a qual teve grande influência na dispersão dos genes anormais. A distribuição das hemoglobinas anormais, provenientes de formas variantes e talassemias, estão relacionadas com as etnias que compõem nossa população. Dentre as hemoglobinas variantes, as mais freqüentes na população brasileira são a hemoglobina S (HbS) e C (HbC), ambas de origem africana, mostrando a intensa participação do negro na composição populacional brasileira. Contudo, em regiões que tiveram maior participação da colonização italiana, as talassemias são mais freqüentes. No presente estudo é exposta a importância do diagnóstico laboratorial de hemoglobinopatias, bem como as atividades de prevenção que permitem o aconselhamento genético e o tratamento precoce nos casos de homozigose. Ressalta-se, ainda, a importância do estudo populacional, que permite uma visualização da distribuição das hemoglobinopatias na população brasileira, auxiliando na elaboração de programas preventivos, pois podem auxiliar a comunidade por meio de campanhas de esclarecimento nas escolas e em serviços de saúde da rede pública e privada, nas quais se faz necessário o diagnóstico de indivíduos heterozigotos, o aconselhamento genético e o diagnóstico neonatal, pois a prevenção das anemias hereditárias deve começar o mais precoce possível e deve ser feita através de ações educadoras, de um diagnóstico laboratorial realizado por profissionais capacitados e por estudo familiar. Ademais, ansiamos despertar na comunidade científica o interesse por uma melhor investigação das anemias hereditárias, e na formação de equipe multidisciplinar para participar de programas de educação, orientação e aconselhamento genético dos afetados, tanto de homozigotos quanto de heterozigotos sem, contudo, ferir preceitos ético ou morais, ou mesmo induzir a qualquer forma de segregação, e invasão de privacidade do paciente. PALAVRAS-CHAVE - Hemoglobinopatias, Doença falciforme, talassemias, diagnóstico laboratorial. . SUMMARY - Hemoglobinopathies are a heterogeneous group of recessively inherited disorders characterized as genetic disorders resulting from structural and / or functional hemoglobin molecules are responsible for considerable morbidity and mortality worldwide. These genetic changes occur as a result of defects in genes encoding the globin alpha and beta chains of the hemoglobin molecule. Structural defects are characteristic of sickle cell anemia, while functional or quantitative defects lead to pictures of thalassemia. Goal. Highlight the distribution of hemoglonopatias the Brazilian population and the correlation with the pathophysiological disease in individuals with this genetic disease. In addition, provide the information society on the electrophoretic analysis, genetic counseling, medical and psychological support of preventive programs. Conclusion. In Brazil, the introduction of hemoglobinopathies occurred with the arrival of African slaves and the subsequent racial mixture, which had great influence on the spread of abnormal genes. The distribution of abnormal hemoglobins from thalassemia variants and forms, are related to the ethnic groups in our population. Among the hemoglobin variants, the most frequent in the Brazilian population are hemoglobin S (HbS) and C (HbC), both of African origin, showing the intense participation of blacks in Brazilian population composition. However, in regions that had higher participation of Italian colonization, thalassemia are more frequent. In this study is exposed the importance of laboratory diagnosis of hemoglobinopathies and prevention activities that allow genetic counseling and early treatment in cases of homozygosity. It is emphasized also the importance of the study population, which allows a distribution view of hemoglobinopathies in the Brazilian population, assisting in the development of preventive programs, they can help the community through awareness campaigns in schools and health services public and private, in which the diagnosis of heterozygous individuals is necessary, genetic counseling and neonatal diagnosis, for the prevention of hereditary anemias should start as early as possible and should be done by educators shares, an accomplished laboratory diagnosis by trained professionals and familiar. Moreover study, we long to awaken the scientific community interest in better research of hereditary anemias, and multidisciplinary team training to participate in education programs, counseling and genetic counseling of affected, both homozygous much heterozygotes, but without hurting ethical or moral precepts, or induce any form of segregation, and patient privacy invasion. KEYWORDS- Hemoglobinopathies, sickle cell disease, thalassemia, laboratory diagnosis. 1. Biomédico, Centro de Estudos Superíores de Maceió - CESMAC, Especialista em Hemoterapia e Imuno-Hematologia, Departamento de Oncologia Clínica e Experimental, Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da Universidade Federal de São Paulo- UNIFESP – EPM, Mestrando em Reumatologia, Universidade Federal de São Paulo UNIFESP – EPM, Analista de Hemoterapia, Hospital Israelita Albert Einstein-HMVSC. 2. Biomédica Graduada pelo Centro de Estudos Superíores de Maceió - CESMAC. 3. Coordenador do curso de Biomedicina da Faculdade Sete de Setembro – FASETE, Paulo Afonso- BA. 4. Doutorando em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Alagoas. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL (2008). Coordenador da Pós-Graduação Lato-Senso em Hemoterapia e Professor de Hematologia Clínica e Imuno-Hematologia do Centro de Estudos Superíores de Maceió - CESMAC. Professor Substituto da disciplina de Anatomia Humana na Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Gerente da Agência Transfusional da Maternidade Escola Santa Mônica. 5. Biomédica, Centro Universitário Lusíada, Especialista em Hemoterapia, Senac - SP, Analista de Hemoterapia Pleno, Hospital Israelita Albert Einstein-HMVSC. 6. Bióloga, Universidade Cruzeiro do Sul, Especialista em Hemoterapia e Hematologia Clínica, IPESP, Especialista em Biologia Molecular e Citogenética Humana, IPESP - SP Analista de Hemoterapia Pleno, Hospital Israelita Albert Einstein-HMVSC. 7. Bióloga, Especialista em Hemoterapia, Senac - SP, Coordenadora Hemoterapia,Hospital Israelita Albert Einstein-HMVSC. 8. Farmacêutica, Uninove, Analista de Hemoterapia Pleno, Hospital Israelita Albert Einstein-HMVSC Instituição: Centro de Estudos Superiores de Maceió-CESMAC. Rua. Cônego Machado, nº 918, CEP 57051 -160 – Maceió-AL.Correspondência para: João Paulo dos Santos. Rua Jornal de Alagoas, 41, Farol. Maceió-AL, CEP: 57051420. Email: [email protected]. Tel. (11) 96473-7972. INTRODUÇÃO Hemoglobinopatias são grupos heterogêneos de distúrbios herdados recessivamente e caracterizados como doenças genéticas resultantes de alterações estruturais e/ ou funcionais das moléculas de hemoglobina. Estas alterações genéticas ocorrem como consequência de defeito nos genes que codificam as cadeias globínicas alfa e beta da molécula de hemoglobina e são responsáveis por considerável morbidade e mortalidade no mundo. Os defeitos estruturais são característicos da anemia falciforme, enquanto os defeitos funcionais ou quantitativos levam aos quadros de talassemias (NAOUM, 2004). As hemoglobinopatias surgiram isoladamente ao longo do processo evolutivo e juntamente com a migração e o coito entre indivíduos de diferentes populações, os genes de globinas anormais espalharam-se globalmente. Vários estudos apontam que as primeiras mutações na moléculas de hemoglobina apareceram há 100 milhões de anos no continente africano, onde os genes codificadores das globinas alfa e beta se diferenciaram e seguiram rotas evolutivas independentes (NAOUM, 1987). Acredita-se que a própria evolução humana tenha sido influenciada pela transformação evolutiva da hemoglobina (NAOUM, 2004). Contudo, a relação entre o desenvolvimento da espécie humana e o da hemoglobina pressupõe a existência de situações adaptativas e da pressão seletiva exercida pelo ambiente. Exemplos notáveis do processo evolutivo-adaptativo das hemoglobinas são encontrados na natureza tais como o aumento da concentração dessa moléculas em indivíduos que vivem em regiões acima de três mil metros, e a presença do Plasmodium falciparum em determinadas regiões geográficas que favoreceu o aparecimento e fixação do alelo Hb S (NAOUM, 2004). Milhões de pessoas trazem em sua herança genética, hemoglobinas anormais em várias combinações como consequências que variam das quase imperceptíveis às letais, motivo pelo qual as anemias hereditárias compreendem um grupo de condições de considerável complexidade (Bonini-Domingos, 1993). No Brasil, a introdução das hemoglobinopatias ocorreu com a entrada dos escravos e da subsequente mistura racial, a qual teve grande influência na dispersão dos genes anormais. As mutações nos genes das globinas alfa e beta deram origem à Hb S, Hb C, Hb D, as talassemias alfa e beta entre outras. Consequentemente, ao longo da colonização e do desenvolvimento do Brasil, fluxos migratórios trouxeram imigrantes europeus, judeus, japoneses entre outros que frente a mistura racial contribuíram com o fluxo de genes anormais das globinas e em geral com o nosso quadro de hemoglobinopatias (NAOUM, 1984), De SOUZA, 2006). Dentre as hemoglobinas variantes, as mais freqüentes na população brasileira são a hemoglobina S (HbS) e C (HbC), ambas de origem africana, mostrando a intensa participação do negro na composição populacional brasileira (Naoum et al 1979; Naoum, 1984; Álvares Filho, 1988). As talassemias são mais freqüentes em regiões que tiveram maior participação da colonização italiana, espanhóis gregos e turcos (Ramalho, 1986 ORLANDO et al., 2000; ANVISA, 2001). Há dados que comprovam que indígenas brasileiros não-miscigenados de diferentes regiões não apresentam hemoglobinas anormais (GUILHERME et al, 2000). A conscientização das comunidades afetadas, por meio da informação, sobre o tipo de mutação causada na hemoglobina e o apoio clínico, psicológico e genético ao portador e seus familiares é de fundamental importância para o desenvolvimento de programas preventivos nesta área (ORLANDO et al, 2000). O Ministério da Saúde busca trabalhar com uma proposta de um tratamento aos portadores de tais anomalias, assim como na conscientização sobre o quê são essas doenças e como realizar um tratamento paliativo a fim de evitar sofrimentos, bem como alertar os portadores dos genes dessas globinas anormais sobre os riscos de se ter um filho com hemoglobinopatia. O diagnóstico e o tratamento são considerados elementos fundamentais para assegurar a qualidade e a expectativa de vida de uma pessoa com doença genética (De SOUZA, 2006). O presente estudo tem por objetivo destacar a distribuição das hemoglonopatias na população brasileira e a correlação com as doenças fisiopatológicas nos indivíduos portadores desta doença genética. Ao mesmo tempo, fornecer a sociedade informações sobre a análise eletroforética, aconselhamento genético, suporte clínico e psicológico dos programas preventivos. MATERIAL E MÉTODOS A pesquisa foi realizada na Biblioteca Central Craveiro Costa do Centro de Estudos Superíores de Maceió – CESMAC, revisando a literatura por meio de visitas a sites especializados, com consultas a periódicos, assim como, livros e teses sobre os temas, hemoglobinopatias, anemia falciforme, talassemias, doença falciforme, fisiopatologia e formas de diagnósticos. REVISÃO DE LITERATURA 1. ANEMIA FALCIFORME Descrita pela primeira vez em 1904 por James Herrick, a anemia falciforme é a hemoglobinopatia mais comum no Brasil. Sua etiologia é gênica, com padrão autossômico recessivo devido a uma mutação de ponto (GAG->GTG) no gene da beta globina, resultando no aparecimento de uma hemoglobina anormal, denominada hemoglobina S (HbS).Tal alteração é devido a uma substituição do ácido glutâmico por uma valina na posição 6 do segmento da cadeia polipeptídica beta. Esta modificação dá origem a HbS e com a baixa tensão de O2 essa hemoglobina se polimerize acarretando numa deformação das hemácias que assumem forma de foice sendo estas formas responsáveis por vaso-oclusão e episódios de dor e lesões de órgãos (NAOUM, 1987; THOMPSON et al, 2004). No Brasil, aproximadamente 78,6% dos óbitos devidos à doença falciforme ocorrem até os 29 anos de idade (figura 1). Contudo, a literatura existente no Brasil ainda fornece pouca informação sobre o comportamento e desenvolvimento da doença falciforme em seus diversos aspectos (LOUREIRO; ROZENFELD, 2005, ALVES, 1996). Figura 1 – Número de óbitos com doenças falciformes no Brasil entre os anos de 2000 a 2005 (dados do Ministério da Saúde, Comitê de Hemoglobinopatias). Fonte: SIMOES, Belinda P. et al, 2010. Em Minas Gerais foi relatada a incidência de um novo caso homozigoto da doença falciforme para cada 2.800 nascimentos (PAIXÃO et al, 2001). No Estado do Rio de Janeiro foi relatada a incidência de um novo caso a cada 1.196 nascimentos (LOUREIRO; ROZENFELD, 2005). Diagnosticar precocemente é tão importante que em 2001, mediante a portaria nº 822/01 do ministério da saúde, foi criado o programa nacional de triagem neonatal (PNTN), incluindo a triagem para as hemoglobinopatias (CANÇADO; JESUS, 2007). Na tabela 1 é demostrado a proporção de nascidos vivos diagnosticados com doença falciforme de acordo com o PNTN. Na tabela 2 é demostrado a proporção de nascidos vivos diagnosticados com o traço falciforme de acordo com o PNTN. Tabela – 1 Proporção de nascidos vivos diagnosticados com doença falciforme de acordo com o PNTN. Fonte: Modificado do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN). (http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/oministerio/principal/secretarias/sas/dahu/programanacional-de-triagem-neonatal). Tabela – 2 Proporção de nascidos vivos diagnosticados com o traço falciforme de acordo com o PNTN. Fonte: Modificado do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN). (http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/oministerio/principal/secretarias/sas/dahu/programanacional-de-triagem-neonatal). . Dentre as conquistas dessa portaria, deve-se aludir a restauração de um dos princípios básicos da Ética Médica, que é o da igualdade, garantindo acesso igual aos testes de triagem (teste de falcização e solubilidade) a todos recém-nascidos brasileiros, independentemente da origem geográfica, étnica e classe sócio-econômica. Portanto, uma vez que tal portaria se encontra em fase inicial de implantação, é imprescindível uma ampla divulgação das hemoglobinopatias entre os profissionais de saúde, principalmente entre os que atuam na triagem neonatal (RAMALHO, 2003). O diagnóstico neonatal, a pronta instituição do tratamento (vacinas, penicilina profilática) e a orientação do reconhecimento precoce do seqüestro esplênico pelas mães ou cuidadoras contribuíram para a redução da mortalidade das crianças nos primeiros cinco anos de vida. Logo, fica evidente que o diagnostico precoce, sobretudo ao nascimento e o tratamento adequado, ajudam significativamente a taxa de sobrevida e a qualidade de vida dos doentes. Além do mais, alertado há tempo sobre o risco de ocorrência da doença na família, os pais podem se beneficiar do aconselhamento genético e/ou do diagnóstico pré-natal para uma futura gestação (ANVISA, 2001; ORLANDO et al, 2000; ). Vale ressaltar que, no período neonatal, devido a grande quantidade de HbF, o teste de falcização e solubilidade costumam apresentarem negativos. Esse último apresenta uma boa sensibilidade para a triagem de HbS em outras faixas etárias além de oferecer um custo mais baixo do que a eletroforese e uma execução mais fácil (BANDEIRA et al., 2003). Vale lembrar que na anemia falciforme e em homozigotos da talassemia beta, o aumento percentual da hemoglobina fetal se traduz em um melhor prognóstico da doença (ZAGO, 2004). A divulgação de dados sobre a distribuição populacional dos portadores da HbS se faz basicamente através de programas de saúde controlados pelos governos municipais, estaduais e federal. A base de dados pertencente ao Sistema Único de Saúde (SUS) em relação a autorizações de internação hospitalar (AIH), que é disponibilizada mensalmente em CD-ROM, vêm colaborando com a informação epidemiológica da doença falciforme e outras hemoglobinopatias (LOUREIRO; ROZENFELD, 2005, ALVES, 1996). Recentemente Cançado e Jesus (2007) tabularam os dados do Ministério da Saúde e fizeram uma análise sobre a distribuição quantitativa do gene HbS (figura 2). Pela análise da figura 2, uma concentração maior de indivíduos heretozigotos (AS) é observada justamente nas regiões onde se deu um elevado tráfego de escravos africanos. Figura 2 – Freqüência do gene S em diferentes regiões do país. Fonte: Cançado e Jesus, 2007. (DF = Doença Falciforme). 1.1. CONSEQUENCIAS FISIOPATOLÓGICAS No paciente com doença falciforme ocorre crises vaso-oclusivas que são caracterizadas por quadros dolorosos agudos e seus principais fatores desencadeantes são variados e incluem: infecção, desidratação e tensão emocional. As crises dolorosas tornam-se mais evidentes na terceira e quarta década de vida sendo, por isso, elevada a taxa de mortalidade (figura 3). Ademais, pode ocorrer ainda: trombose arteriolar, aumento de hemólise e ainda necrose celular, como conseqüências dos fenômenos isquêmicos causados pelos trombos sanguíneos (LORENZI,1999). A oclusão secundária à falcização das hemácias leva aos quadros de isquemia tendo como conseqüência uma resposta inflamatória aguda. Há, com certa freqüência, episódios agudos de dor e inchaço das mãos e pés – síndrome das mãos e pés, em crianças no período de seis meses a dois anos de idade, contudo raras depois dos sete anos (ZAGO, 2004). Figura 3 - Células falciformes Fonte: Modificado de www.ebah.com.br/content/ABAAAARRMAG/Bioquimica. Tais quadros clínicos agravam-se quando as células sanguíneas concentram-se de hemoglobina corpuscular média, apresentando baixa afinidade pelo oxigênio, pouca deformidade e alta viscosidade, podendo acelerar ainda mais o processo de formação de polímeros de HbS na desoxigenação e menor sobrevida destas células (FIGUEIREDO, 2007). O valor basal da hemoglobina (Hb), no paciente com doença falciforme, resulta do equilíbrio entre produção e destruição, equilíbrio que pode ser rompido em várias situações, como: agudamente, por sangramentos, infecção, pelo Parvovírus (crise aplástica), seqüestro esplênico ou hepático, hemólise por deficiência de glicose-6fosfato-dehidrogenas (G6PD), infecção por Mycoplasma ou Malária. Geralmente manifesta-se por dispnéia, hipotensão, cansaço acentuado ou insuficiência cardíaca congestiva, com Hb < 5 g/dl, podendo ocorrer morte súbita por colapso cardiovascular e cronicamente, por insuficiência renal crônica (ROSSE et al, 1998). Um dos processos fisiopatológicos mais conhecido, a desoxigenação, leva à polimerização da hemoglobina S (HbS), e consequentemente à falcização das hemácias e numerosos fatores condicionantes podem intensificar ou diminuir os efeitos, gerando uma impressionante variabilidade clínica. Dentre os principais fatores que podem influenciar o fenótipo das doenças falciformes pode-se destacar o genótipo da doença: homozigose para HbS (anemia falciforme) ou genótipos compostos do tipo HbS/HbC, HbS/beta-talassemia, HbS/HbD. Vale ressaltar que os fatores genéticos podem influenciar no processo de polimerização da HbS, no fenômeno de falcização e na hemólise. Fatores ambientais como o local onde vive o paciente, prevalência de doenças infecto-contagiosas, condições socioeconômicas e acesso à assistência médica também tem grande repercussão no quadro clínico da doença.( Zago e Pinto, 2007). Outro órgão bastante afetado e que tem serias consequências clínicas é o endotélio vascular constituindo um fator muito importante no processo inflamatório e de vaso-oclusão. As células endoteliais participam na manutenção da hemostasia e produzem óxido nítrico, substância vasodilatadora que regula o tônus vascular. O endotélio lesado expõe fator tecidual, que desencadeia a cascata da coagulação e libera multímeros de von Willebrand que participam da hemostasia primária. A hemólise crônica de hemácias falciformes libera hemoglobina livre e arginase, enzima que utiliza o substrato usado para a produção de NO. A depleção de substrato e o seqüestro de NO causam redução local desta substância e vasoconstrição. O fenômeno de vasoconstrição, por sua vez, retarda o fluxo sangüíneo e favorece a falcização das hemácias falciformes, quadro bastante característico da crise vaso-oclusiva (Graido-Gonzales et al, 1998). Outras consequencias fisiopatológicas da doença falciforme são a crise aplástica, as crises hemolíticas e a crise de seqüestro esplênico. As crises aplásticas costuma ocorrer nos primeiros anos de vida; diante da infecção por parvovírus, que provoca uma parada passageira de eritropoese. Em indivíduos normais, a aplasia transitória produzida pela infecção viral passa despercebida, pois resulta em queda pouco acentuada dos níveis de hemoglobina. Todavia, em pacientes com anemia falciforme, já anêmicos apesar de hiperplasia eritróide, a supressão da eritropoese por alguns dias é suficiente para agravar acentuadamente a anemia (ZAGO; PINTO, 2007). Alguns tipos de vírus estão associados à crise aplástica transitória em pacientes com anemia falciforme principalmente o parvovírus B19 (Borsato et al, 2000). Seu principal alvo é a célula eritróide imatura. Uma vez que os pacientes portadores de anemias hemolíticas crônicas têm uma acentuada hiperplasia compensatória da série eritróide, a infecção pelo parvovírus B19, além de outros vírus, promove uma destruição das células eritróides imaturas, com conseqüente parada da produção de glóbulos vermelhos, levando a uma intensificação da anemia já existente (Saarinem et al, 1986). As crises hemolíticas caracterizam-se por um aumento brusco na taxa de hemólise, estando tal crise associada a infecção por mycoplasma, deficiência de G6PD ou esferocitose hereditária. É importante frisar que para se confirmar tais indícios é nescessário afastar outras possibilidades que podem simular a mesma enfermidade como: elevação de bilirrubinas na obstrução por cálculo de vesícula, hepatite ou ainda a falcização hepática (ZAGO, 2004). A maioria dos pacientes é transfundida em algum momento da vida (60% aos 20 anos de idade), havendo tendência de se formarem múltiplos anticorpos. Mesmo com a possibilidade de 30% deles desaparecerem, poderão acontecer reações anamnésticas a transfusões futuras, causando reações transfusionais, hemolíticas, tardias, 05 a 20 dias após, por anticorpos indetectados no pré-transfusional, que poderão ocasionar piora da anemia, CVO e morte (ROSSE et al, 1998). As crises de seqüestro esplênico são marcadas pelo acúmulo rápido de sangue no baço, baixos níveis de hemoglobina, hiperplasia compensatória de medula óssea e aumento rápido do baço. Tais complicações são mais freqüentes após o sexto mês de vida com redução das crises depois dos dois anos de vida (ZAGO, 2004). Caracterizado por esplenomegalia, dolorosa, maciça, em crianças (baço 4-10 cm), acompanhado de anemia, com queda da Hb de 2 g/dl abaixo do valor basal, plaquetopenia < 100.000 ml e reticulocitose. Pode caminhar rapidamente para o choque hipovolêmico e morte, sendo, portanto, uma emergência transfusional, devendo ser tratada com transfusão rápida de eritrócitos 10-20 ml/kg em uma hora. Após a transfusão, há a possibilidade de ocorrer o fenômeno de overshoot, ou seja, hiperviscosidade por grande elevação do Ht, por causa da liberação dos eritrócitos sequestrados (ROSSE et al, 1998). A recorrência da crise é em torno de 50%, podendo ocorrer, inclusive, em adultos com hemoglobinopatia SC, e o tratamento definitivo é esplenectomia. Recomenda-se que o paciente seja vacinado e mantido em profilaxia penicilínica a vida toda, após a cirurgia (ROSSE et al, 1998). 2. HEMOGLOBINOPATIA C A hemoglobinopatia C é constituída por duas cadeias de alfa globina e por duas variantes da globina beta em que o radical lisina é substituído pelo ácido glutâmico. A hemoglobina torna-se instável e precipita-se formando cristais no interior dos eritrócitos diminuindo, dessa forma, a elasticidade das hemácias tendo com conseqüência o aumento da viscosidade do sangue (NAOUM, 1987). Há uma prevalência desta sindrome entre 5 e 30% em varias regiões da África (NAOUM, 1985). Na forma heterozigota, esta condição é assintomática, todavia os indivíduos homozigotos para esta variante são sintomáticos caracterizados pela anemia hemolítica de leve a moderada. Este quadro clínico proporcionado pela HbC deve-se a sua capacidade de induzir a desidratação dos eritrócitos e a formação intra celular de cristais. A dupla heterozigose HbS/C leva a uma desordem falciforme grave, contudo, menos severa que a anemia falciforme (SOMMER et al., 2006). A HbC é menos solúvel que a HbA em tampão fosfato diluído, mesmo dentro dos eritrócitos. Essa característica físico-química da HbC permite, sob condições especiais de secagem parcial, observar células em alvo e a formação de cristais dentro dos eritrócitos (NAOUM, 1987). Esta mesma variante teve origem na áfrica e sua propagação foi extensa nas regiões do Mediterrâneo e Américas por meio do tráfico de escravos, em várias épocas da história da humanidade. Tal processo de distribuição de gene da hemoglobina possibilitou a sua interação com outras hemoglobinas variantes e talassemias, tão intensamente observado na população brasileira (SOMMER et al., 2006). 3. HEMOGLOBINOPATIA D A hemoglobinopatia D é uma variante que apresenta mobilidade eletroforética semelhante a da HbS, entretanto não ocorre o fenômeno da falcização dos eritrócitos. Tal ocorrência torna-se possível quando há associação desta variante com a HbS(forma heterozigota). Somente a forma HbDD causa discretas anemia e esplenomegalia (LORENZI, 1999). O diagnóstico da homozigose torna-se possível excluindo-se com cautela estudos familiares, a interação da HbD com a beta talassemia com supressão. Há também uma preocupação no tocante a uma diferenciação de um paciente com HbSS devendo, nessa situação, ser feito eletroforese em PH ácido para a distinção de um paciente HbSS e de um paciente HbSD. Para maior segurança no resultado laboratorial, ressalta-se,quando possível, a realização de análise das hemoglobinas dos pais (CANÇADO; JESUS, 2007). A introdução da hidroxiuréia (HU) também teve impacto na qualidade de vida desses pacientes reduzindo o número de crises vaso-oclusivas, número de hospitalização, tempo de internação, a ocorrência de Síndrome de tórax Agudo(STA) e, possivelmente, de eventos neurológicos agudos (Steinberg, 2003). A observação de que valores aumentados de Hb fetal (Hb F) previnem várias complicações da doença falciforme (DF) conduziu os pesquisadores à busca por fármacos que estimulassem a síntese de cadeias globínicas gama e aumentassem a síntese intraeritrocitária de Hb F(Stevens, 1999). A partir de fevereiro de 1998, a HU passou a fazer parte do arsenal terapêutico para pacientes com DF e se tornou, nos anos subsequentes, o primeiro medicamento que comprovadamente previne complicações clínicas, melhora a qualidade de vida e aumenta a sobrevida de pacientes com DF (Charache et al 1995; Ballas et al, 2006). 4. DIAGNÓSTICO DA ANEMIA FALCIFORME O diagnóstico da síndrome falcemica, fundamentado no diagnóstico laboratorial. Os diferentes tipos de associação genética da Hb S, com destaque para a homozigose ou Hb SS, interação com talassemia beta ou Hb S/Beta Tal, interação com talassemia alfa ou Hb SH, e as duplas heterozigoses, Hb SC e Hb SD, necessitam de métodos complementares como: eletroforese em agarácido, dosagem de Hb Fetal, pesquisa de Hb H, etc) e, em especial o eritrograma. A maior dificuldade é observada quando a eletroforese fraciona a Hb S com Hb Fetal elevada (ex.: 15% de Hb Fetal), caracterizando a Hb SF. Nesses casos, a Hb Fetal elevada pode estar relacionada a uma dessas três causas: persistência hereditária de Hb Fetal associada à anemia falciforme; Hb Fetal elevada devido ao tratamento com hidroxiuréia em paciente com anemia falciforme; interação Hb S/Beta talassemia (Naoum, 2004). A definição do provável diagnóstico laboratorial das doenças falciformes, estabelecidas com base em procedimentos eletroforéticos, análise do eritrograma e morfologia eritrocitária, pode ser completada pelas avaliações quantitativas das frações de hemoglobinas e perfil cromatográfico, com rapidez e segurança, pela Cromatografia Líquida de Alta Perfomance – HPLC. A combinação desses resultados laboratoriais define condutas metodológicas pré-moleculares e afastam as interações com as hemoglobinas similares à Hb S, como são os casos da Hb D, Hb Korle-Bu e Hb G.( Bonini-Domingos e Zamaro, 2006). As figuras 4 e 5 ilustram os procedimentos eletroforéticos em pH alcalino e ácido, onde se fundamenta o diagnóstico das principais hemoglobinopatias. Figura 4. Eletroforese em acetato de celulose pH 8,6 Observação: as setas na fita 2 indicam a presença de metahemoglobina, devido ao envelhecimento de algumas amostras. Na fita 3, a seta indica a presença da mutante de cadeia delta AB2 Figura 5. Eletroforese em pH 6,2 ágar - fosfato para diferenciação F: Hemoglobina Fetal A: Hemoglobina A S: Hemoglobina S 5.1 Eletroforese de hemoglobina em meio alcalino (ph 8,0 – 9,0) A hemoglobina é uma proteína carregada negativamente, migrando em direção ao pólo positivo. Esse método identifica as hemoglobinas normais e grande parte das variantes. As diferentes mobilidades verificadas entre as diversas hemoglobinas com defeitos estruturais se devem as alterações de cargas elétricas, causadas por substituições de aminoácidos de diferentes pontos isoelétricos. As hemoglobinas que envolvem alterações de carga elétricas, geralmente apresentam mobilidade eletroforética semelhante à da Hb A; nesse grupo situam-se as maiorias das hemoglobinas instáveis (BANDEIRA et al, 2003). 5.2 Eletroforese de hb em ph meio ácido O emprego da eletroforese em ágar pH 6,2 é específico para diferenciar alguns tipos de hemoglobinas mais lentas do que a Hb A, quais sejam: HbS da HbD e HbC da HbE, que migram em posições similares em eletroforeses alcalinas. Por essa técnica as hemoglobinas S e C separam-se da Hb A, enquanto as hemoglobinas D e E migram na mesma posição da hemoglobina A (BANDEIRA et al, 2003). 6. TALASSEMIAS São caracterizadas por apresentarem defeitos na taxa de produção das cadeias de hemoglobinas, ou seja, quando a síntese de globina alfa está diminuída em relação à globina beta, denomina-se talassemia alfa e quando ocorre o inverso, trata-se da talassemia beta. Erros nas proporções de globinas alfa e/ou betas sintetizadas acarretam nas talassemias (alfa ou beta-talassemia, de acordo com a cadeia cuja síntese está prejudicada). As talassemias podem ser resultantes de deleções como é o caso das alfa-talassemias. Tais deleções decorrem como conseqüência de trocas desiguais entre duas regiões homologas entre os genes a-1 e a-2. Outra conseqüência dessas recombinações é a produção de cromossomos com três genes a (figura 2) (NAOUM, 1987). Figura 7 - Esquema representativo dos prováveis mecanismos que originam as αtalassemias. O deslizamento, o pareamento homólogo e a recombinação entre o gene α1 e o gene α2 resultam na deleção ou no ganho de um gene α. Fonte: THOMPSON et al, 2004. Essas doenças são marcadas clinicamente pela presença de anemia e são mais freqüentes em populações descendentes de grupos originários do Mediterrâneo (italianos, espanhóis, entre outros). Quanto às manifestações clínicas, estas dependem do número de genes talassémicos presentes. Por exemplo, surge o quadro de hidroxsia com morte fetal quando se expressa à forma homozigótica, na qual quatro genes estão afetados, sendo considerada a forma mais grave. Tal gravidade diminui à medida que existem três, dois ou apenas um gene talassêmico (LORENZI, 1999). No feto, a deficiência de globina α produz um excesso de cadeias ﻻe, após o sexto mês de vida, o excesso deve-se à globina β, que se tornam livres. Essas cadeias livres formam tetrâmeros denominados de Hb Bart`s (ﻻ4) e Hb H (β4). A formação desses tetrâmeros condiciona a fisiopatologia da talassemia α. As talassemias α são classificadas em quatro categorias de acordo com o nível de expressão do gene α: (1) portador silencioso, com perda de um único gene (-α/αα); (2) o traço alfa talassêmico, no qual há perda de dois genes alfa de um único cromossomo (--/αα) ou de um gene α de ambos os cromossomos (-α/- α); (3) a doença da hemoglobina H, na qual apenas um gene alfa é funcional (--/-α) e (4) a hidropsia fetal, caracterizada pela a ausência dos quatros genes alfa (--/--). (SANDRINE et al., 2005). As talassemias alfa se devem principalmente por defeitos herdados na expressão dos genes que codificam as globinas α atingindo de um a quatro destes genes, embora, defeitos de síntese também podem ocorrer de forma adquirida (WAGNER et. al., 2005). As Talassemias surgiram no Brasil ao longo do processo evolutivo e juntamente com a migração. Exemplo disso foi o ciclo do ouro em Goiás. A exploração do ouro em Goiás trouxe um grande impacto na qualidade de vida do povo goiano, com alterações hereditárias das hemoglobinas representadas principalmente pela talassemia alfa. Isso por sua vez, devido à introdução e contribuição de forma aleatória e sem controle de diferentes etnias assinaladas por escravos, italianos, alemães, espanhóis, japoneses, tailandeses, libaneses, sírios, gregos e por migrações internas de diferentes lugares como, por exemplo, Minas Gerais, Pará, Maranhão, Bahia, São Paulo (MELOREIS, Paulo Roberto de et al, 2010). Conforme dados da Associação Brasileira de Talassemia (Abrasta), a Região Sudeste do Brasil, sobretudo o estado de São Paulo, possui o maior número de casos de Talassemia. Na Região Nordeste, o estado de Pernambuco é o que mais apresenta números de casos cadastrados. Dados representados nas tabelas 3, 4 e 5 (Abrasta). Tabela -3 Número de casos de Talassemia Maior no Brasil Fonte: Modificado de http://www.abrasta.org.br/ Tabela -4 Número de casos de Talassemia Intermediaria no Brasil. Fonte: Modificado de http://www.abrasta.org.br/ Tabela - 5 Número de casos de Talassemia S-Beta no Brasil Fonte: Modificado de http://www.abrasta.org.br/ Aproximadamente 2,7 milhões de brasileiros em 65 cidades de 16 estados do Brasil, são portadores da talassemia minor. Esse tipo de talassemia, não demanda tratamento por ser apenas uma característica genética, e não uma enfermidade. O portador não apresenta sintomas e pode viver com esse traço sem nunca saber (Reis PRM et al, 2005, Steagall, M). No tocante a beta talassemia minor ocorre em praticamente todos os grupos étnicos, sendo rara nos indivíduos brancos de origem norte-européia. É comum na Grécia, Itália e não só entre os cipriotas gregos como entre os turcos, onde em algumas regiões variam de 15 a 20%. Há também, uma prevalência de 5 a 10% na Índia, na Tailândia e outras partes do sudeste da Ásia (BAIN, 2004). As Beta-talassemias major são em muitos aspectos semelhantes às α talassemias. Entretanto, a produção reduzida de b-globina causa uma anemia microcítica hipocrômica e precipitação das cadeias a em excesso nas células precursoras das hemácias, resultando numa eritropoiese ineficaz. Pacientes com deleções que deixam pelo menos um dos genes g intactos têm uma de duas apresentações clínicas dependendo da deleção: dbº-talassemia, ou um estado clinicamente benigno denominado persistência hereditária da hemoglobina fetal (PHHF) (THOMPSON et al, 2004). Os homozigotos com uma dessas afecções são viáveis porque o(s) gene(s) g remanescentes permanecem ativos após o nascimento compensando a ausência de Hb A pela síntese de Hb F. Alguns pacientes com PHHF não apresentam deleções, mas sim substituições de um único par de bases. Supõe-se que tais mutações alterem a afinidade de proteínas reguladoras essenciais à repressão pós-natal da expressão dos genes g (THOMPSON et al, 2004). 7. DIAGNÓSTICO DAS TALASSEMIAS Os diagnósticos diferencias imprescindíveis da beta talassemia minor precisam serem elaborados com o traço alfa talassemico e anemia ferropênica. Com relação à beta talassemia maior, esta apresenta hiperplasia eritróide acentuada e eritropoese ineficaz, devido ao dano aos eritroblastos em desenvolvimento. Clinicamente, o paciente se mostra com anemia grave, hepatomegalia, esplenomegalia e retardo de crescimento (BAIN, 2004). O diagnóstico da talassemia maior é sugerido pela presença de anemia grave com eritrócitos muito hipocrônicos, numero moderado de células em alvo e história familiar do mediterrâneo, contudo o diagnostico definitivo depende do numero elevado de Hb F. No que se refere ao diagnostico da talassemia menor, esta apresenta RDW normal, reticulócitos superior a 5%, CHCM de 30% ou mais e níveis elevados de Hb F (RAVEL, 2005). No diagnostico diferencial a Hb costuma esta acima de 7 a 8g/dl e os demais achados do sangue periférico também são intermediário entre os da talassemia maior e os da talassemia minor. Ressalta-se a importância de exames adicionais nos casos duvidosos, como a eletroforese da hemoglobina ou HPLC (BAIN, 2004). 8. DISCURSÃO A população brasileira caracteriza–se por apresentar grande heterogeneidade genética, derivada da contribuição dos seus grupos raciais formadores, por si também já muito diversificados, e dos diferentes graus com que eles se intercruzaram nas várias regiões do país. A miscigenação da população brasileira é resultante das imigrações que ocorreram no período da colonização compreendido entre os séculos XVI e XIX, nos quais o Brasil recebeu milhões de imigrantes europeus e asiáticos. A freqüência das anemias hereditárias reflete a diversidade de origens raciais e os diferentes graus de mistura entre brasileiros de cada região do país. (Salzano, 1982; Naoum, 1983; Teixeira e Ramalho, 1994). Assim, vale ressaltar que a detecção de indivíduos portadores das formas imperceptíveis de hemoglobinopatias, os heterozigotos, são extremamente importantes para a saúde pública, pois, além de representarem fonte de novos heterozigotos, podem, através de casamentos entre portadores, originar indivíduos homozigotos e duplos heterozigotos. Os indivíduos homozigotos diagnosticados deverão ser devidamente encaminhados à orientação médica para tratamento precoce, minimizando as manifestações clínicas. Dessa forma, os pontos fundamentais de um programa preventivo de hemoglobinopatias compreende a divulgação da informação à população, o reconhecimento de heterozigotos, diagnóstico neonatal, e aconselhamento genético (Silvestroni, 1978). Logo se infere que a prevalência das anemias hereditárias na população é variável entre as várias regiões brasileiras, pois está intimamente ligada ao processo de formação étnica de cada uma delas (Viana-Baracioli et al, 2001), o que se torna cada vez mais evidente que os casos de anemia hereditária devem ser pesquisados habitualmente em todos os pacientes que tenham ou não alteração no eritrograma, uma vez que, quanto mais precocemente houver o diagnóstico, acompanhamento médico e aconselhamento genético, mais chances de diminuição da morbidade, mortalidade e transmissãogênica. Para o diagnóstico neonatal utiliza-se, geralmente, o sangue de cordão umbilical, e nesta fase de vida, os componentes hemoglobínicos que predominam são a HbF (90 a 100%), a HbA (0 a 10%) e a Hb A2 (0 a 1%). Após o nascimento e até aproximadamente seis meses de vida haverá a inversão na produção das cadeias hemoglobínicas, podendo ser observados os valores definitivos do indivíduo adulto: HbA (96 a 98%), HbA2 (2,5 a 3,7%) e HbF (0 a 1%). Já o diagnóstico neonatal, principalmente nas alterações de cadeia beta, como é o caso das falcemias, só são encontrados os traçados eletroforéticos característicos após o sexto mês de vida. Na fase neonatal apenas traços das hemoglobinas anormais de cadeia beta podem ser visualizados (Naoum, 1987). Com relação aos programas preventivos de anemia falciforme em neonatos, são utilizadas eletroforeses alcalina e ácida. Os testes de solubilidade para a triagem de HbS são desaconselhados, uma vez que, estes não permitem distinguir indivíduos AS, SS ou SC. Além disso, em neonatos, estes testes costumam ser negativos devido à pequena concentração da HbS. Entretanto, podem ser utilizados como testes de confirmação após a eletroforese alcalina (Naoum, 1987; Dumars et al, 1996). É importante uma tecnologia adequada para o diagnóstico, utilizando vários testes laboratoriais seletivos e de confirmação, dados clínicos e estudo familial, bem como a formação de pessoal capacitado para o diagnóstico laboratorial correto. 9. CONCLUSÕES No Brasil, a introdução das hemoglobinopatias ocorreu com a entrada dos escravos negros africanos e da subsequente mistura racial, a qual teve grande influência na dispersão dos genes anormais. A distribuição das hemoglobinas anormais, provenientes de formas variantes e talassemias, estão relacionadas com as etnias que compõem nossa população. Dentre as hemoglobinas variantes, as mais freqüentes na população brasileira são a hemoglobina S (HbS) e C (HbC), ambas de origem africana, mostrando a intensa participação do negro na composição populacional brasileira. Contudo, em regiões que tiveram maior participação da colonização italiana, as talassemias são mais freqüentes. No presente estudo é exposta a importância do diagnóstico laboratorial de hemoglobinopatias, bem como as atividades de prevenção que permitem o aconselhamento genético e o tratamento precoce nos casos de homozigose. Ressalta-se, ainda, a importância do estudo populacional, que permite uma visualização da distribuição das hemoglobinopatias na população brasileira, auxiliando na elaboração de programas preventivos, pois podem auxiliar a comunidade por meio de campanhas de esclarecimento nas escolas e em serviços de saúde da rede pública e privada, nas quais se faz necessário o diagnóstico de indivíduos heterozigotos, o aconselhamento genético e o diagnóstico neonatal, pois a prevenção das anemias hereditárias deve começar o mais precoce possível e deve ser feita através de ações educadoras, de um diagnóstico laboratorial realizado por profissionais capacitados e por estudo familiar. Ademais, ansiamos despertar na comunidade científica o interesse por uma melhor investigação das anemias hereditárias, e na formação de equipe multidisciplinar para participar de programas de educação, orientação e aconselhamento genético dos afetados, tanto de homozigotos quanto de heterozigotos sem, contudo, ferir preceitos ético ou morais, ou mesmo induzir a qualquer forma de segregação, e invasão de privacidade do paciente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ÁLVARES FILHO, F., Naoum, P.C., Moreira, H.W., Ângulo, I.L. Variabilidade polimórfica das hemoglobinas humanas anormais em indivíduos das cidades de Barretos e Colina, SP, Brasil. Rev. Bras. Patol. Clin., v.24, n.2, p.32, 1988. ALVES, A.L. Estudo da mortalidade por anemia falciforme. Inf. Epidemiol. SUS. v. 5, n. 4,. p. 45-53, 1996. BAIN, B. J. Bain, Células Sanguíneas. 3ª ed.- Porto Alegre RS: Artmed, 2004. p 267272. BALLAS SK, Barton FB, Waclawiw MA, Swerdlow P, Eckman JR, Pegelow CH, et al. 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