Unidade I – Dos aspectos diagnósticos

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I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
Unidade I – Dos aspectos diagnósticos
1. DEFINIÇÕES
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma
entidade clínica que se caracteriza pela presença de obstrução ou limitação crônica do fluxo aéreo, apresentando
progressão lenta e irreversível.
A origem destas alterações é a combinação de bronquite crônica e enfisema pulmonar, sendo a definição de predominância de um ou outro componente extremamente
variável e difícil de quantificar in vivo.
A bronquite crônica é definida em bases clínicas pela
presença constante ou por aumentos recorrentes das secreções brônquicas, suficientes para causar expectoração.
A expectoração deve estar presente pelo menos por três
meses por ano, em dois anos sucessivos, estando afastadas outras causas capazes de produzir expectoração crônica. A hipersecreção crônica de muco é devida principalmente a alterações patológicas nas vias aéreas centrais,
sendo freqüente que isto ocorra antes que seja possível
detectar alterações no fluxo aéreo.
O enfisema é definido anatomicamente como um alargamento anormal, permanente, dos espaços aéreos distais ao bronquíolo terminal, acompanhado de destruição
de suas paredes, sem fibrose óbvia.
Em relação aos mecanismos determinantes da redução
ao fluxo aéreo na DPOC, os componentes que, em graus
variáveis, concorrem para a sua instalação na bronquite
crônica são: espessamento da parede brônquica, aumento da quantidade de muco intraluminal e alterações nas
pequenas vias aéreas. No enfisema pulmonar, a limitação
ao fluxo aéreo ocorre por perda da retração elástica pulmonar associada à perda dos pontos de fixação das vias
aéreas terminais aos alvéolos, com colapso expiratório
dos mesmos.
A existência de obstrução ou redução ao fluxo aéreo é
definida pela presença da relação VEF1/CVF abaixo do limite inferior da normalidade, enquanto a intensidade da
mesma é definida pelo valor percentual do VEF1 pós-broncodilatação em relação ao teórico previsto. A Sociedade
Definição
Avaliação
da gravidade
VEF1/CVF
< 90% do teórico
VEF1
pós-bd
Figura 1 – Definição e avaliação de gravidade da DPOC
S4
Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, no seu “Consenso
de Espirometria”, define a relação VEF1/CVF como diminuída quando esta estiver abaixo de 90% do teórico previsto (não confundir o valor do teórico previsto da relação
com o valor da relação obtida diretamente, que é definido
por alguns como indicativo de obstrução quando menor
que 75%). O VEF1 pós-broncodilatador, expresso em valor
percentual, fornecerá uma estimativa da gravidade da limitação ao fluxo aéreo (Figura 1).
A asma, que no passado já foi admitida por alguns autores como participante da DPOC, hoje é considerada como
uma doença inflamatória, não se enquadrando na definição da DPOC. Deve-se observar, porém, que alguns pacientes com asma desenvolvem uma obstrução irreversível das vias aéreas, tornando a asma nessa situação indistinguível da DPOC. É importante também frisar que alguns
Bronquite crônica
Enfisema pulmonar
Asma
Figura 2 – Representação esquemática da DPOC. Este diagrama,
não proporcional, mostra duas grandes aéreas, definidas pelo quadrado com número 10. A área interna ao quadrado representa a
presença de obstrução das vias aéreas e, a área externa, a ausência
de obstrução. A DPOC situa-se no interior do quadrado, sendo formada basicamente pelos grupos de pacientes com bronquite crônica e enfisema. Na área interna, os espaços demarcados definem
subgrupos de pacientes com diagnóstico ou não de DPOC, assim
distribuídos: Área 1 – pacientes com brônquite crônica, não classificados como portadores de DPOC; Área 2 – pacientes com enfisema, não classificados como portadores de DPOC; Área 3 – pacientes com brônquite crônica, com DPOC; Área 4 – pacientes com
enfisema, com DPOC; Área 5 – pacientes com associação brônquite crônica/enfisema com DPOC; Áreas 6, 7 e 8 – pacientes com
asma irreversível em associação com brônquite crônica, enfisema
ou ambos, classificados como portadores de DPOC; Área 9 – pacientes com asma, não classificados como portadores DPOC; Área
10 – pacientes com obstrução do fluxo aéreo não classificada como
asma ou DPOC, tais como bronquiectasias, bronquiolite obliterante e fibrose cística; Área 11 – pacientes com associação bronquite
crônica/enfisema, não classificados como portadores de DPOC.
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
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pacientes portadores de DPOC apresentam, por vezes, hiper-responsividade das vias aéreas semelhante à observada em pacientes asmáticos, com um componente reversível significante, mas não completo.
Deve-se observar que bronquite crônica ou enfisema sem
presença de obstrução ao fluxo aéreo não é considerada
como DPOC. Por outro lado, pode existir obstrução não
reversível ao fluxo aéreo determinada por outras doenças
que não a bronquite crônica ou o enfisema, tais como a
bronquiolite obliterante ou a fibrose cística, e que também
não são consideradas como DPOC (Figura 2).
2. EPIDEMIOLOGIA
Prevalência
Não se conhece a real prevalência da DPOC em nosso
meio, o mesmo ocorrendo nos EUA e na Europa. Estimase que nos EUA aproximadamente 16 milhões de pessoas
apresentem DPOC, 90% com predomínio de bronquite
crônica e 10% de enfisema, numa proporção de dois homens para uma mulher. Todavia, o número de pacientes
com DPOC é significativamente maior: algo em torno de
30 a 35 milhões de pessoas. Isto é devido a doença silenciosa, ou seja, assintomática ou com sintomas de pouca
relevância para o paciente. Outro ponto importante é que
o número de pacientes com diagnóstico de DPOC naquele
país aumentou em torno de 40% desde 1982. No Brasil,
dados do Ministério da Saúde estimam a prevalência do
tabagismo em torno de 32% da população geral, número
confirmado em estudo realizado pela Secretaria de Saúde
do Rio Grande do Sul. Assim sendo, se considerarmos a
população do Brasil em 160.000.000 de habitantes e
sabendo-se que 15% dos fumantes desenvolvem DPOC clinicamente significativa, teremos aproximadamente sete
milhões e meio de pacientes com DPOC, correspondendo
a aproximadamente cinco por cento da população geral
(Figura 3). O diagnóstico da DPOC é geralmente feito tardiamente, visto que os pacientes podem não manifestar
sintomas significativos, mesmo já apresentando baixos valores de fluxo expiratório ao estudo espirométrico, enquanto outros já têm sintomas e o fluxo expiratório ainda
está na faixa normal.
Morbidade
A incidência da DPOC é maior em homens que em mulheres e aumenta acentuadamente com a idade. As diferenças em relação a sexo podem ser devidas à maior prevalência do tabagismo e à maior exposição ocupacional
dos homens. Com o aumento do tabagismo entre as mulheres, estes dados podem vir a modificar-se em futuro
próximo. Temos de considerar a maior exposição das
mulheres à fumaça produzida pela combustão da lenha,
utilizada ainda em muitas cozinhas de nosso país, e que
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
Brasil
habitantes = 160.000.000
Tabagistas = 32%
50.000.000
DPOC = 15% dos tabagistas
5 a 7 % da pop. geral
7.500.000 de doentes
Figura 3 – Prevalência do tabagismo e estimativa da DPOC no
Brasil
constituem possível fator na gênese da DPOC. De acordo
com estatísticas britânicas, as doenças respiratórias figuram como a terceira causa de perda de dias de trabalho,
sendo a DPOC responsável por 56% de tais faltas entre os
homens e 24% entre as mulheres. Sem sombra de dúvida, a DPOC leva a significativa incapacidade, perda de produtividade e piora da qualidade de vida, que se agravam
substancialmente com a progressão da doença. Em função do que foi exposto e dos custos advindos de tratamentos hospitalares prolongados, o impacto econômico da
DPOC é relevante no caso de exacerbações graves da doença e da necessidade de uso prolongado de oxigênio em
domicílio por alguns pacientes.
Mortalidade
As taxas de mortalidade por DPOC variam grandemente
entre os países. Essas diferenças podem ser devidas a diferentes exposições aos fatores de risco, mas podem também ser conseqüentes a problemas metodológicos relacionados com a verificação dos atestados de óbito e o
correto preenchimento dos mesmos. Como exemplo,
podemos citar uma taxa anual de 18,2 óbitos por 100.000
habitantes nos EUA, em comparação com uma taxa de
aproximadamente 40 por 100.000 habitantes na Hungria.
Nos EUA, a taxa de mortalidade por DPOC ajustada à
idade aumentou aproximadamente 70% nos últimos 20
anos, enquanto a mortalidade por doenças cardíacas e
cerebrovasculares diminuiu 45 e 58%, respectivamente.
O aumento das taxas de mortalidade parece ser ainda reflexo de altas taxas de tabagismo no passado e poderá
diminuir nas próximas décadas. Parte do aumento dessas
taxas pode dever-se também ao aumento do número de
pessoas que estão vivendo mais, sendo que a mortalidade
S5
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
por DPOC é particularmente acentuada entre os indivíduos
mais idosos que continuam a fumar. Não estão disponíveis, até o momento, estudos mostrando a mortalidade
por DPOC no Brasil.
Tem-se enfatizado recentemente a relação entre exposição à fumaça de combustão de lenha e aparecimento de
DPOC , devendo, pois, tal condição ser também sempre
interrogada na anamnese.
3. DIAGNÓSTICO
Exame físico
Os sinais mais úteis são aqueles obtidos por inspeção e
por ausculta.
As observações são muito mais qualitativas que quantitativas e complementam um diagnóstico que se baseia
muito mais na história e na espirometria do que em dados
de exame físico.
Tórax hiperinsuflado, dispnéia, taquipnéia, tempo expiratório prolongado, respiração com lábios semicerrados,
utilização de musculatura acessória do pescoço e cianose
podem ser observados na inspeção. Freqüência e intensidade maiores geralmente indicam exacerbação ou doença mais grave.
Na ausculta, podem-se observar diminuição dos sons
respiratórios, sibilos e raros estertores crepitantes, com a
mesma ressalva feita em relação aos dados da inspeção.
Turgência jugular, edema de membros inferiores, hepatomegalia e hiperfonese de P2 levantam a possibilidade
de hipertensão pulmonar e cor pulmonale.
O baqueteamento digital na DPOC deve alertar o médico para a possibilidade de câncer de pulmão ou bronquiectasias.
Os dados de história e exame físico podem distinguir
entre doença compensada ou estável e doença exacerbada ou agudizada. Na forma agudizada, a dispnéia é geralmente acentuada, com início bem definido, associada a
tosse produtiva, com aumento do volume da expectoração e mudança recente no seu aspecto, passando de mucóide a purulenta. Estes dados indicam uma provável infecção brônquica, que é a causa mais freqüente de exacerbação da DPOC. Como já dito antes, os dados obtidos
por inspeção e exame físico são observados mais freqüentemente durante os períodos de exacerbação. Algumas
vezes é difícil distinguir entre doença avançada e agudizada.
O diagnóstico da DPOC baseia-se em elementos obtidos
da história clínica, do exame físico e dos exames complementares.
História
A identificação de pacientes assintomáticos, porém
portadores de DPOC, é difícil. Na prática, quando o paciente percebe o aparecimento de sintomas, geralmente
já existem evidências fisiológicas de limitação ao fluxo aéreo
e sinais físicos anormais.
Os principais sintomas que os pacientes apresentam são
dispnéia ao esforço, sibilos e tosse, geralmente produtiva.
Em 75% dos pacientes com DPOC, a tosse ou precede a
dispnéia ou aparece simultaneamente com ela. A tosse
produtiva ocorre em aproximadamente 50% dos fumantes e desaparece em 90% dos que param de fumar, sendo
que, porém, persiste a limitação funcional porventura existente. Embora a tosse seja um marcador do processo que
leva à incapacidade, ou seja, à limitação do fluxo aéreo,
ela não produz incapacidade na fase inicial da doença.
O relato de sibilos é uma queixa de avaliação mais difícil e geralmente induz o examinador a pensar em asma.
Os sibilos, porém, foram relatados em 83% dos pacientes
com DPOC de moderada a grave e constatados no exame
em 66% destes.
A dispnéia é o sintoma associado ao pior prognóstico,
à maior incapacidade e à maior perda de função pulmonar ao longo do tempo. É geralmente progressiva com a
evolução da doença. Muitos pacientes só referem a dispnéia numa fase mais avançada da doença, pois atribuem
parte da incapacidade física ao envelhecimento e à falta
de condicionamento físico. Muitas vezes a dispnéia é percebida pela primeira vez numa crise de exacerbação da
doença.
A hemoptise pode ocorrer devido simplesmente a uma
infecção brônquica, mas obriga que se afaste a presença
de carcinoma pulmonar e que se pense na possibilidade
associada de bronquiectasias.
A dor torácica não é manifestação habitual da DPOC e
deve lembrar a presença de co-morbidade.
Outro elemento importante da história é o relato de
tabagismo, a principal causa da DPOC. O diagnóstico deve
ser questionado quando o tabagismo está ausente. Quanto maior a intensidade do tabagismo, maior a tendência
ao comprometimento da função pulmonar, embora a relação não seja obrigatória (sabe-se que apenas aproximadamente 15% dos fumantes desenvolvem DPOC).
S6
Exames complementares
O paciente com suspeita clínica de DPOC deverá ser
inicialmente submetido a avaliação radiológica, com radiografia de tórax em posição póstero-anterior (PA) e perfil, avaliação espirométrica com determinação mínima de
CVF , VEF1 e VEF1/CVF e oximetria de pulso. A avaliação
dos gases sanguíneos dependerá da gravidade do quadro.
AVALIAÇÃO RADIOLÓGICA
Havendo suspeita de DPOC, deve-se solicitar rotineiramente uma radiografia simples de tórax em PA e perfil,
não para definição desta, mas para afastar outras doenJ Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
ças pulmonares, principalmente a neoplasia pulmonar
(Quadro 1). A radiografia de tórax pode ainda identificar
bolhas, com provável indicação cirúrgica quando excederem um terço de um campo pulmonar. A tomografia computadorizada de alta resolução é suficientemente sensível
para diagnosticar enfisema em pacientes com dispnéia,
com radiografia de tórax normal e achado isolado de capacidade de difusão diminuída. É capaz ainda de identificar tipos de enfisema, como o centro-acinar e o panacinar. A despeito disso, a tomografia está indicada na DPOC
somente em casos especiais, tais como suspeita da presença de bronquiectasias ou bolhas, indicação de correção cirúrgica destas ou programação de cirurgia redutora
de volume. A tomografia computadorizada de tórax de
alta resolução, a helicoidal e também aquela com inspiração máxima associada à expiração estão sendo realizadas
com freqüência cada vez maior. Porém, estes métodos
tomográficos ainda não têm seus resultados padronizados. Deve-se frisar, todavia, que em alguns trabalhos a
TCAR apresenta correlação com medidas da função pulmonar, como VEF1, VEF1/CVF, VR/CPT e DCO/VA. Podemse visibilizar também imagens de alçaponamento das pequenas vias áreas (tipo mosaico), tanto na DPOC como na
bronquiolite obliterante.
AVALIAÇÃO FUNCIONAL RESPIRATÓRIA
Os testes funcionais na DPOC habitualmente se alteram
quando já há evidência clínica da doença, não se prestando ao diagnóstico precoce da mesma. A avaliação funcio-
nal pode confirmar a suspeita clínica da doença, quantifica o grau de comprometimento, avalia o prognóstico e
auxilia no acompanhamento evolutivo da mesma. A avaliação funcional pode ser dividida em avaliação espirométrica e gasométrica.
AVALIAÇÃO ESPIROMÉTRICA
O ponto cardeal do diagnóstico da DPOC é a obstrução
ao fluxo expiratório forçado. O grau de obstrução ao fluxo aéreo não pode ser previsto com confiança a partir de
sinais ou sintomas e somente pode ser quantificado com
precisão pela mensuração por aparelhagem, dita avaliação espirométrica. A avaliação espirométrica pode ser
realizada com uso de um simples aparelho medidor do
pico de fluxo expiratório, ou com os chamados espirômetros, aparelhos que quantificam os volumes e capacidades
pulmonares por meio da elaboração de curvas volumetempo ou fluxo-volume.
O aparelho medidor do pico do fluxo expiratório, embora muito importante na asma, tem menor utilização na
DPOC. Ele pode ser utilizado para auxiliar a monitorização
domiciliar dos pacientes, mas não é confiável na DPOC
avançada, visto que pode mostrar apenas discreta redução de fluxo, mesmo quando o VEF1 está intensamente
diminuído.
A espirometria com obtenção de curvas volume-tempo
é obrigatória na suspeita clínica de DPOC, devendo ser
realizada antes e após administração de broncodilatador,
de preferência em fase estável. A espirometria permite a
QUADRO 1
Alterações radiográficas na DPOC
Enfisema
No sistema vascular
Bronquite
No parênquima
Atenuação da
periferia vascular
Tórax “em tonel”
Hiperluscência
Aumento dos
espaços intercostais
Dilatação da
artéria pulmonar
Horizontalização
das costelas
Diminuição
abrupta dos vasos
Hipertransparência
retroesternal
Coração “em gota”,
centralizado
Aumento do
diâmetro ântero-posterior
No sistema vascular
No parênquima
Aumento da
vasculatura pulmonar
Espessamento
peribrônquico
Retificação do diafragma,
com visibilização das
inserções musculares
Ângulos costofrênicos obtusos
Diminuição das
excursões diafragmáticas
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
S7
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
História
Tabagismo
Tosse
Dispnéia
Sibilos
Hiperinsuflação
Exame físico
Radiografia
de tórax
Excluir outras doenças
Bolhas
Hiperinsuflação
Espirometria
Murmúrio vesicular
diminuído
VEF1
CVF
VEF1/CVF<90% teórico
Sinais de cor pulmonale
Gasometria arterial
(se SpO2 ≤ 90%)
Hipoxemia
Hipercapnia
Figura 4 – Diagnóstico da DPOC
avaliação de uma multiplicidade de parâmetros, porém os
mais importantes do ponto de vista de aplicação clínica
são a CVF, o VEF1 e a relação VEF1/CVF. Estes parâmetros
são os que mostram menor variabilidade inter e intra-individual. A relação VEF1/CVF é usada para definir a presença de DPOC. O VEF1 pós-broncodilatador, expresso em valor
percentual do previsto, fornece uma estimativa da gravidade da limitação ao fluxo aéreo (vide estadiamento).
AVALIAÇÃO GASOMÉTRICA E DO PH
A gasometria arterial, colhida em repouso e em ar ambiente, é o exame recomendado para a determinação e a
quantificação das repercussões da DPOC sobre as trocas
gasosas. A PaO2 (pressão parcial de oxigênio no sangue
arterial) avalia o grau de hipoxemia; a PaCO2 (pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial), o nível de ventilação alveolar, e o equilíbrio ácido-base tem singular importância na diferenciação de doença estável e exacerbada.
Há indicação para realização de avaliação da oxigenação em todos os pacientes com DPOC. Esta avaliação pode
ser feita inicialmente de maneira não-invasiva pela oximetria de pulso. Se for identificada uma saturação periférica de oxigênio (SpO2) igual ou inferior a 90%, está indicada então a realização de gasometria arterial para avaliação da PaO2 e da PaCO2. Quando a oximetria for normal, esta deve ser repetida periodicamente nos pacientes
a partir do estádio II e sempre que houver exacerbação,
seguindo-se a mesma orientação anterior com relação à
gasometria.
Em determinadas situações ocorre desproporção da
gasometria arterial com a função pulmonar. Nos pacientes hipoxêmicos graves associados a obstruções leves fazse necessária a investigação de comunicações arteriovenosas (como fístulas e foramen ovale patente) (Figura 4).
S8
OUTROS TESTES DE AVALIAÇÃO RESPIRATÓRIA
A realização de outros exames no paciente com DPOC
não é rotineira, podendo, porém, ser considerada em condições especiais.
A determinação dos volumes estáticos, da capacidade
pulmonar total (CPT), da capacidade residual funcional (CRF)
e do volume residual (VR), bem como a determinação da
capacidade de difusão, permitem-nos uma melhor avaliação dos pacientes com enfisema pulmonar, mas têm, em
nosso meio, suas indicações restritas preferencialmente à
pesquisa.
Nos casos em que existe nítida desproporção entre o
grau de dispnéia e o VEF1, está indicada a determinação
das pressões inspiratória e expiratória máximas (PImax e
PEmax) para avaliação da força dos músculos respiratórios,
além do teste de tolerância ao exercício para diagnóstico
diferencial com outras condições geradoras de dispnéia.
OUTROS EXAMES
A dosagem de α1-antitripsina está indicada nos casos
de aparecimento de enfisema pulmonar em pacientes com
idade inferior a 50 anos que nunca fumaram, história familiar de enfisema grave, doença hepática de causa desconhecida associada ao enfisema e nos casos em que há
predomínio de alterações radiológicas de enfisema nas
bases pulmonares.
A avaliação eletro e ecocardiográfica está indicada nos
casos em que há suspeita de hipertensão pulmonar e cor
pulmonale, geralmente em fases avançadas da doença, e
no diagnóstico diferencial com cardiopatias primárias.
A determinação do hematócrito pode avaliar indiretamente a presença de hipoxemia crônica.
Exame do escarro: a produção regular de secreção é a
principal característica do bronquítico crônico. A secreção mostra predominância de neutrófilos, diferentemente
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I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
dos asmáticos. O aumento de eosinófilos nesta secreção
pode caracterizar um subgrupo de pacientes com sintomas de DPOC e hiper-responsividade.
4. ESTADIAMENTO
Estadiar uma doença consiste em classificá-la em níveis
de acordo com sua gravidade, com a finalidade de propor
orientação terapêutica, definir prognóstico e comparar
resultados de tratamentos.
Em condições ideais, o estadiamento da DPOC deveria
levar em conta:
1) o impacto global da doença no paciente, avaliado
pelos sintomas e a conseqüente alteração da qualidade de
vida;
2) as repercussões da doença na fisiologia pulmonar,
expressas pelos dados da espirometria e do estudo dos
gases sanguíneos.
A correlação entre o estadiamento da DPOC, a gravidade dos sintomas e a avaliação da qualidade de vida são
algo difícil de estabelecer de maneira abrangente. Com
relação às alterações na função pulmonar, os elementos
que melhor se correlacionam com a morbidade e a mortalidade na DPOC são o VEF1 e as alterações dos gases arteriais. Assim sendo, desde que definida a existência da DPOC
com bases nos elementos expostos na sua definição, podemos compor um estadiamento utilizando principalmente os valores de VEF1 e dos gases arteriais, com participação parcial da dispnéia. Em função da sua maior reprodutibilidade, deve-se utilizar o valor do VEF1 pós-broncodilatador, do paciente sem exacerbações acentuadas há pelo
menos 60 dias.
Na literatura não há consenso quanto à correlação entre gravidade da doença e valores de VEF1, sendo que o
“Consenso de DPOC da Sociedade Respiratória Européia
(ERS)” define, por exemplo, que valores de VEF1 inferiores
a 50% do teórico previsto caracterizam doença grave,
enquanto as “Diretrizes da Sociedade Torácica Americana (ATS)” definem como doença grave, chamada de estádio III, aquela que tenha o valor de VEF1 inferior a 35%.
No sentido de manter uniformidade com o “Consenso de
Espirometria da Sociedade Brasileira de Pneumologia e
Tisiologia”, ficou determinada a utilização de três níveis
de VEF1 no estadiamento: maior que 60%, de 59 a 41%,
e menor ou igual a 40%.
Temos de considerar ainda que a existência de hipoxemia significativa, com PaO2 igual ou inferior a 55mmHg, a
qual geralmente ocorre em pacientes com VEF1 bastante
reduzido, define um nível importante de gravidade da doença e a exigência de terapêutica específica, isto é, oxigenoterapia prolongada. Por fim, deve-se considerar o aparecimento de hipercapnia como indicativo de redução da
sobrevida, sendo que esta geralmente ocorre nos pacienJ Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
tes com obstrução muito acentuada e sempre associada à
presença de hipoxemia. Em função disto, ficou estabelecido o estadiamento da DPOC em quatro níveis, havendo
uma acentuação da doença e piora progressiva do prognóstico em direção aos níveis mais elevados.
Estádio I – Doença leve – Pacientes com VEF1 pósbd ≥ 60%, com relação VEF1/CVF inferior a 90%
do teórico
Compreende a grande maioria dos pacientes com DPOC.
Eles geralmente se apresentam com pouca limitação às
suas atividades habituais, e esta costuma ocorrer durante
as exacerbações da doença. O reconhecimento desses
pacientes é importante no sentido de procurar bloquear a
progressão da doença pela adoção de várias medidas,
particularmente pelo abandono do tabagismo.
Estádio II – Doença moderada – Pacientes com VEF1
pós-bd < 60% e > 40%, sem hipoxemia ou hipercapnia
Compreende um grupo menor de pacientes do que no
estádio anterior, mas com doença mais sintomática e mais
limitante. O uso de medicação broncodilatadora de manutenção, provavelmente em regime de associação de drogas, pode vir a reduzir os sintomas e melhorar a qualidade
de vida desses pacientes. A reabilitação respiratória é outra medida importante a considerar nessa fase.
Estádio III – Doença grave – Pacientes com VEF1 ≤
a 40%, ou com necessidade de oxigenoterapia domiciliar, sem hipercapnia, sem dispnéia que os incapacite de realizar atividades diárias necessárias
à sustentação e higiene pessoais
Compreende um grupo de pacientes com exacerbações
freqüentes. Naqueles com hipoxemia é importante que
esta seja persistente, devendo ser diferenciada da hipoxemia que pode surgir após exacerbações acentuadas da
doença e que pode permanecer por aproximadamente
12 semanas. Este nível de hipoxemia é definido por PaO2
< 55 mmHg. Para este grupo já está definido que a oxigenoterapia prolongada, superior a 15 horas/dia, aumenta
a sobrevida. Como a hipoxemia geralmente ocorre nos
pacientes com VEF1 mais reduzido, a avaliação da oxigenação deverá ser feita periodicamente, a cada seis meses
aproximadamente, nos pacientes com doença a partir do
estádio II; para fins de rastreamento (screening), a avaliação da oxigenação pode ser obtida por modo não invasivo com uso de oxímetro de pulso, recomendando-se a
determinação da gasometria arterial se a SaO2 for inferior
a 90%. Nas avaliações subseqüentes, se o paciente estiver clinicamente estável, é suficiente a avaliação pela oximetria, indicando-se a gasometria arterial se ocorrer uma
diminuição acentuada em relação aos níveis anteriores.
S9
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
Estádio IV – Doença muito grave – Independentemente do VEF1, pacientes com hipercapnia, ou pacientes com dispnéia que os incapacite a realizar
atividades diárias necessárias à sustentação e higiene pessoais
A hipercapnia geralmente ocorre em pacientes com
graus muito avançados de obstrução e que já apresentam
hipoxemia, sendo, pois, geralmente, identificada quando
se realiza a gasometria, conforme as indicações do estádio anterior. A indicação de gasometrias posteriores será
definida pela evolução da doença. Independentemente dos
valores do VEF1 e dos gases arteriais, que às vezes não se
alteram de maneira acentuada, pode haver presença de
dispnéia trazendo extrema limitação em um pequeno grupo de pacientes, fazendo que os mesmos não mais sejam
independentes com relação à sua manutenção e higiene.
Os pacientes deste estádio são minoria entre os com DPOC,
mas, em função da gravidade, são os grandes consumidores de recursos financeiros, por necessitarem de freqüentes internações hospitalares, geralmente prolongadas e,
muitas vezes, em ambiente de terapia intensiva (Quadro
2).
QUADRO 2
DPOC – Estadiamento
Parâmetro
Estádio
Estádio I
Doença leve
Estádio II
Doença moderada
VEF1
SpO2
Hipercapnia
Dispnéia – Incapacidade de
sustentação e higiene pessoais
> 60%
VEF1/CVF < 90%
> 88%
Não
Não
< 60% > 40%
> 88%
Não
Não
< 40%
≤ 88% ou > 88%
com VEF1 < 40%
Não
Não
Qualquer valor
Geralmente
inferior a 40%
≤ 88% ou > 88% com
dispnéia incapacitante
Sim/Não
Pode ser não, se a
dispnéia for
incapacitante
Sim/Não
Pode ser não, se
hipercapnia sim
Estádio III
Doença grave
Estádio IV
Doença
muito grave
Unidade II – Da exacerbação aguda e
dos procedimentos terapêuticos habituais
5. EXACERBAÇÃO
AGUDA
Reconhecimento
As exacerbações agudas das doenças pulmonares obstrutivas crônicas expressam-se clinicamente de diferentes
formas e em diversos graus de gravidade.
O quadro clínico mais comum é o de aumento da dispnéia. A presença de tosse com mudança na quantidade e
no aspecto da secreção, que aumenta de quantidade e se
torna de aspecto purulento, é freqüentemente observada
em associação com o aumento da dispnéia.
Nos casos mais graves podem existir sintomas relacionados ao sistema nervoso central que se manifestam com
S 10
irritabilidade, tremores finos, confusão mental e sonolência.
Ao exame, o achado de febre é infreqüente e, quando
ocorre, deve fazer-nos pensar na presença de pneumonia.
Os sinais clínicos de dificuldade respiratória ocorrem
em grau variável, dependendo da intensidade do quadro e
da gravidade da DPOC. Sinais de fadiga muscular como
respiração paradoxal indicam gravidade extrema. Pode
haver surgimento de cianose ou simplesmente uma piora
do quadro de base.
Coma e convulsões podem sobrevir nos casos de hipoxemia grave e narcose.
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
Condições determinantes
As exacerbações agudas da DPOC podem ser determinadas por fatores pulmonares e/ou extrapulmonares.
FATORES PULMONARES
Ø infecção respiratória
Ø tromboembolismo pulmonar
Ø pneumotórax
Ø deterioração da própria doença de base
FATORES EXTRAPULMONARES
Ø alterações cardíacas
Ø uso de sedativos e outras drogas
A infecção respiratória constitui a principal causa de
agudização em pacientes com DPOC. Na maioria dos casos as características típicas de infecção pulmonar, tais
como febre, leucocitose e alterações evidentes na radiografia de tórax, não estão presentes e não são imprescindíveis para o início da antibioticoterapia. A principal característica das infecções agudas, em geral restrita à mucosa brônquica, é uma alteração no aspecto e/ou na quantidade de secreção eliminada, que passa de mucóide para
purulenta e tem seu volume aumentado. Os agentes etiológicos mais comuns são: Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae, Moraxella catarrhalis e os vírus
respiratórios, havendo correlação entre o estádio da doença
e o agente etiológico envolvido na exacerbação aguda (ver
antibióticos).
Outra condição clínica relevante na descompensação
dos portadores de DPOC é o tromboembolismo pulmonar.
Normalmente, esses pacientes levam vida sedentária, são
poliglobúlicos em conseqüência da hipoxemia crônica e
apresentam edema de membros inferiores, que pode estar associado a insuficiência ventricular direita. Tais condições propiciam o desenvolvimento da trombose venosa
profunda e da embolia pulmonar. O diagnóstico de embolia pulmonar é difícil, pois seu quadro clínico sobrepõe-se
ao da DPOC descompensada. Sempre se deverá suspeitar
de tromboembolismo pulmonar quando ocorrer uma descompensação aguda da DPOC sem causa evidente ou que
não responda à terapêutica instituída. Na pesquisa da
embolia, o mapeamento cintilográfico de ventilação/perfusão é normalmente o primeiro exame a ser realizado. A
tomografia espiral contrastada é também útil neste diagnóstico. Podem ainda ser de importância os exames complementares usados para diagnosticar a trombose venosa
profunda, como o duplex scan e a ressonância magnética dos vasos de membros inferiores e da pelve e aqueles
usados para detecção de trombos na circulação pulmonar, como o ecocardiograma bidimensional e o transesofágico. Nos casos de dúvida persistente, pode-se realizar
arteriografia pulmonar.
A suspeita da presença de pneumotórax deve ser levantada quando o quadro clínico tiver deterioração rápida
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
e grave. Várias condições, tais como hiperinsuflação pulmonar, aprisionamento de ar e destruição do septo interalveolar, podem explicar a freqüência aumentada de pneumotórax nos portadores de DPOC. Este deverá ser confirmado pela radiografia de tórax, providenciando-se drenagem adequada.
A deterioração da doença de base deve ser considerada
nos casos de piora lenta e progressiva associada a piora
na espirometria e na gasometria arterial do paciente.
Dentre os fatores extrapulmonares de descompensação
da DPOC temos de considerar que a maior parte dos pacientes é constituída de idosos, fumantes e hipoxêmicos
com maior probabilidade de apresentarem insuficiência
coronariana, arritmias e insuficiência cardíaca. Assim, nas
descompensações agudas, além da avaliação clínica cardiológica, deverá sempre ser solicitado eletrocardiograma
e, nos casos de dúvida, monitoração das enzimas cardíacas e/ou ecocardiograma.
Como estes pacientes freqüentemente apresentam
doenças associadas, é comum eles estarem fazendo uso
de outras drogas, sendo que algumas têm o potencial de
exacerbar a DPOC. Os bloqueadores β-adrenérgicos usados em cardiopatias e no controle da hipertensão arterial
estão associados a broncoconstrição e piora da função
pulmonar nestes pacientes. Opióides, barbitúricos e benzodiazepínicos têm o potencial de deprimir o volume-minuto e a ventilação alveolar efetiva, favorecendo a hipoventilação alveolar e acidose respiratória. A oxigenoterapia, quando utilizada em altos fluxos, pode levar à piora
nas trocas gasosas e hipercabia. Dieta hipercalórica leva
ao aumento da produção de CO2, com agravamento da
acidose respiratória.
Terapêutica
A terapêutica proposta atualmente nas exacerbações
agudas da DPOC inclui, em termos gerais, o uso de antibióticos, broncodilatadores, corticosteróides e oxigênio
(vide tópicos específicos).
QUADRO 3
Objetivos no tratamento da DPOC agudizada
1. Tratar
• Infecção, TEP, pneumotórax, isquemia cardíaca, arritmia
e ICC
2. Melhorar a oxigenação do paciente
• Manter SpO2 entre 90 e 92%
3. Diminuir a resistência das vias aéreas
• Broncodilatadores, corticóides e fisioterapia respiratória
4. Melhorar a função da musculatura respiratória
• Suporte ventilatório não invasivo, nutrição adequada, ventilação mecânica
S 11
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
APÊNDICE
ABC da condução da exacerbação aguda da DPOC
Exacerbação sem necessidade de internação
Antibiótico na presença de pelo menos duas das seguintes condições:
aumento do volume da expectoração;
mudança do aspecto da expectoração para purulento;
aumento da intensidade da dispnéia.
Broncodilatador inalatório:
Iniciar ou aumentar a freqüência de uso de β2-agonista de curta duração e/ou brometo de ipratrópio.
Corticóide:
Prednisona ou equivalente por via oral em caso de dispnéia e/ou sibilância.
Oxigênio:
Titular a oferta de O2 para manter SpO2 entre 90 e 92%
ABC da condução da exacerbação aguda da DPOC
Exacerbação com necessidade de internação
Antibiótico na presença de pelo menos duas das seguintes condições:
aumento do volume da expectoração;
mudança do aspecto da expectoração para purulento;
aumento da intensidade da dispnéia.
Broncodilatador:
β2-agonista de curta duração a cada 20 minutos - até 3 doses e, em seguida, de 4/4 horas até estabilização;
brometo de ipratrópio a cada 4 horas;
xantinas a critério médico.
Corticóide:
hidrocortisona ou metilprednisolona IV por até 72 horas, seguida de prednisona ou equivalente, se necessário.
Oxigênio:
Titular a oferta de O2 para manter SpO2 entre 90 e 92%.
Ventilação não-invasiva
Ventilação invasiva
na falência ou contra-indicação de ventilação não-invasiva.
Fisioterapia respiratória a ser avaliada individualmente.
As exacerbações agudas podem ser tratadas em ambulatório ou hospital, dependendo da gravidade do quadro
(Quadro 3 e apêndice).
Critérios de internação
Não há estudos prospectivos que determinem quando
um paciente com exacerbação aguda deva ser internado.
Tradicionalmente utilizam-se critérios subjetivos, como grau
de insuficiência respiratória, avaliação da resposta à medicação ambulatorial ou no pronto atendimento, presença de co-morbidades e fatores socioeconômicos.
As principais indicações de internação estão descritas
no Quadro 4.
6. VENTILAÇÃO
MECÂNICA
O suporte ventilatório mecânico não-invasivo e invasivo na DPOC é necessário nas exacerbações agudas da doen-
S 12
ça, com hipoxemia grave não-corrigida e nos casos de
hipoventilação alveolar com acidemia.
A necessidade de ventilação mecânica é mais freqüente
nos casos de hipoventilação com acidemia do que na hipoxemia refratária à oxigenoterapia. A principal causa
que leva à hipoventilação alveolar nas exacerbações agudas da DPOC é a fadiga da musculatura respiratória. Esta
pode ocorrer em função da resistência aumentada das vias
aéreas associada a causas metabólicas como hipocalemia,
hipocalcemia, hipofosfatemia, hipomagnesemia, e à hipoxemia.
Ventilação mecânica não-invasiva
PRESSÃO DE SUPORTE
A pressão de suporte é um modo ventilatório que se
caracteriza pelo oferecimento de níveis predeterminados
de pressão positiva e constante nas vias aéreas do pacienJ Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
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grupos-controle de pacientes que só
utilizaram oxigênio. Observou-se
que o uso da ventilação não-invasiva nas exacerbações agudas da
Ø Insuficiência respiratória aguda grave
DPOC diminuiu em cerca de 8 ve* aumento acentuado da dispnéia
zes a necessidade de intubação tra* distúrbios de conduta ou hipersonolência
queal (taxa de risco de 0,12) e em
* incapacidade para se alimentar, dormir ou deambular
cerca de 5 vezes a mortalidade inØ Hipoxemia refratária, hipercapnia com acidose (comparar com gasometrias prévias do
tra-hospitalar (taxa de risco de 0,22)
paciente)
destes pacientes. Assim, atualmenØ Complicações como embolia pulmonar, pneumonia ou pneumotórax
te, é tratamento de excelência méØ Insuficiência cardíaca descompensada ou descompensação de outra condição associada,
dica o uso da ventilação mecânica
como diabetes
não-invasiva em pacientes portadoØ Impossibilidade de realizar corretamente o tratamento ambulatorial, por ausência de
res de doença pulmonar obstrutiva
condição socioeconômica
crônica agudizada.
Obs.: Devem-se considerar ainda condições que possam exacerbar o paciente estável:
Assim, a pressão de suporte com
máscara,
que pode ser obtida com
Ø Necessidade de procedimentos invasivos como broncoscopia, biópsia transbrônquica ou
respirador
específico ou o acoplabiópsia transparietal com agulha
Ø Necessidade de realizar procedimentos médicos ou cirúrgicos que requeiram o uso de
mento de uma máscara com saída
hipnoanalgésicos, sedativos ou anestésicos
única a um respirador mecânico que
possua pressão de suporte, é uma
boa alternativa como primeira aborte, aplicada apenas durante a fase inspiratória. É um modo
dagem ventilatória em pacientes com DPOC descompenobrigatoriamente assistido, podendo ser aplicado através
sada com hipoxemia e, principalmente, com retenção de
de máscara facial ou tubo traqueal associado ao ventilaCO2.
dor mecânico. A pressão de suporte mantém níveis consA pressão de suporte deverá ser iniciada com um adetantes e predeterminados de pressão positiva nas vias
quado acoplamento da máscara à face do paciente (evitar
aéreas do doente durante a inspiração, sendo o término
vazamentos excessivos) e com adequada proteção (para
do ciclo inspiratório (ciclagem do aparelho) determinado
não causar danos à face). O nível inicial será de 15 a
por fluxo (geralmente 25% do fluxo máximo atingido). O
20cmH2O, devendo-se observar o volume corrente e a fretempo inspiratório, os níveis de fluxo inspiratório atingiqüência respiratória. Deve-se manter o volume corrente
dos e o volume inspiratório são determinados pelo paacima de 350 e a freqüência abaixo de 28.
ciente, assim como sua freqüência respiratória. Assim, por
SUPORTE VENTILATÓRIO COM DOIS NÍVEIS DE PRESSÃO
estas suas características, pode ser um modo ventilatório
interessante para ventilação dos pacientes com DPOC aguÀ semelhança da pressão de suporte, o suporte ventiladizada. A manutenção de pressão positiva na fase inspiratório com dois níveis de pressão, freqüentemente denotória auxilia na ventilação do paciente, diminuindo os níminado de BiPAP, que na realidade é marca registrada de
veis de PaCO2 e colaborando para um repouso relativo da
um fabricante deste tipo de aparelho, também é uma almusculatura respiratória. Desta forma, evitaria a fadiga
ternativa interessante para os pacientes com exacerbamuscular, enquanto se administra o tratamento medicação da DPOC. Ele consiste na manutenção de uma presmentoso. Trabalho prospectivo, randomizado, multicênsão inspiratória positiva constante (IPAP) que auxiliará a
trico, comparando ventilação mecânica não-invasiva (presventilação do paciente e de uma pressão expiratória posisão de suporte com máscara sem PEEP) em 43 pacientes
tiva constante (EPAP). Pode ser instalado com máscara nasal
com DPOC agudizada, contra 42 pacientes com DPOC aguou facial ou no respirador associado ao tubo traqueal.
dizada em tratamento convencional, mostrou que a ventiQuando utilizado com máscara, esta deve ser acoplada
lação mecânica não invasiva está associada a uma necesà face do paciente. O aparelho deve ser ajustado para
sidade menor de intubação orotraqueal destes pacientes,
uma IPAP de 15 a 20cmH2O, para obtenção de volume
menor número de complicações, permanência hospitalar
corrente superior a 350ml e freqüência respiratória infemais curta e mortalidade intra-hospitalar mais baixa.
rior a 28 movimentos respiratórios por minuto. O pacienMais recentemente, uma revisão sistemática da literatute deve ser acompanhado com a gasometria arterial e a
ra médica, abrangendo quatro estudos clínicos randomiIPAP ajustada de tal modo que mantenha ventilação adezados e controlados, comparou o uso de ventilação mecâquada e confortável ao paciente. O EPAP pode ser ajustanica não-invasiva em exacerbações agudas de DPOC com
do entre 2 e 6cm de H2O.
QUADRO 4
Condições indicativas de internação
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
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I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
VENTILAÇÃO COM PRESSÃO NEGATIVA
Embora os ventiladores a pressão negativa tenham sido
os primeiros a ser introduzidos na prática clínica, poucos
avanços quanto aos modelos dos equipamentos disponíveis ou quanto às suas potencialidades têm sido oferecidos nos últimos anos.
A maioria dos ventiladores a pressão negativa disponíveis desenvolve uma pressão subatmosférica e predeterminada ao redor do tórax, iniciando ou assistindo a inspiração. Normalmente, a duração da fase inspiratória e expiratória é determinada por um simples mecanismo controlador de tempo, mas existe a opção de acoplar um
sensor nasal de pressão, capaz de deflagrar ciclos assistidos em resposta a pequenos esforços inspiratórios do paciente. Nos modelos mais modernos e confortáveis, a bomba geradora de pressão negativa é ligada a uma veste toracoabdominal hermeticamente fechada, permitindo ao
paciente ficar deitado ou sentado numa poltrona normal,
evitando os desconfortos inerentes aos conhecidos “pulmões de aço”.
Os estudos sobre a ventilação com pressão negativa
realizados até o momento sugerem que esta pode ser utilizada em alguns subgrupos de pacientes tais como os que
se apresentam com fadiga muscular crônica e retenção
de CO2. Períodos intermitentes tão curtos quanto quatro
horas semanais já parecem apresentar algum resultado
positivo, com diminuição da hipercarbia. Estes resultados,
entretanto, não foram uniformes e uma caracterização
melhor do perfil dos doentes nos quais esta técnica estaria
indicada ainda está por ser feita. Um outro subgrupo que
poderia beneficiar-se de tal técnica seria o de pacientes
com DPOC com exacerbação, numa tentativa de evitar a
prótese ventilatória. Estes resultados ainda são muito limitados e raramente se obtém sucesso nesta situação. Muitas vezes esses pacientes trabalham com freqüências respiratórias elevadas, tornando difícil a sincronização com o
aparelho. Outros problemas nesta condição seriam o rebaixamento do nível de consciência e o colapso de vias
aéreas superiores. Quando o paciente não está bem desperto e orientado, pode ocorrer um relaxamento da musculatura de faringe e laringe, predispondo ao colapso destas regiões em virtude da geração de pressões negativas
nestes locais. Vale a pena lembrar que o repouso muscular propiciado pela pressão negativa é geralmente muito
inferior ao alcançado por meio da pressão suporte ou por
outros modos ventilatórios com pressão positiva.
Ventilação mecânica invasiva
A decisão de colocar o paciente em ventilação mecânica é primariamente clínica e o maior determinante é o
nível de consciência do paciente. Se o paciente se encontra sonolento e não consegue colaborar, a intubação orotraqueal e a ventilação mecânica devem ser precocemen-
S 14
te consideradas. Não existe qualquer valor absoluto de pH
ou de PCO2 que indique ventilação mecânica. Mesmo diante
de uma acidose respiratória grave podemos tentar as terapêuticas adjuvantes descritas acima, desde que o paciente esteja alerta e colaborador. Técnicas específicas de
ventilação para os pulmonares crônicos vêm sendo desenvolvidas com sucesso. O objetivo a alcançar é o de
retornar o pH ao nível normal e não à normalidade da
PCO2.
Na ventilação mecânica do paciente portador de DPOC
devemos alcançar os seguintes objetivos:
• Permitir repouso da musculatura por 24-48h, utilizando-se ventilação controlada e sedação ou modalidades
que impliquem baixo esforço muscular (pressão de suporte ótima).
• Buscar sempre uma sensibilidade máxima do ventilador mecânico. Quando disponível, optar pela modalidade
ventilatória pressão de suporte, em vista de seu grande
potencial em diminuir o trabalho respiratório (iniciar com
20cmH2O, aproximadamente).
• Manter uma PaCO2 inicial entre 45 e 65mmHg, normalmente suficientes para manter o pH dentro da faixa
de normalidade.
• Considerar medidas gerais para diminuição da produção de CO2 (diminuir aporte de carboidratos, controlar
temperatura e infecção).
• Utilizar sempre fluxos em rampa decrescente (produzem picos de pressão menores) ou, caso se disponha de
pressão de suporte ou de pressão controlada (desde que
utilizando baixas relações I:E), estas devem ser utilizadas
preferencialmente, em vista da possibilidade de reduzir o
pico de pressão traqueal.
• Utilizar baixas freqüências respiratórias (de preferência abaixo de 12/min) e baixos volumes correntes (abaixo
de 8ml/kg); utilizar altos fluxos inspiratórios (para aumentar o tempo expiratório), de preferência acima de 50l/
min; utilizar baixos níveis de PEEP (entre 3 e 10cmH2O,
não se devendo ultrapassar 85% do nível do PEEP intrínseco), de forma a facilitar o disparo do ventilador.
• Na vigência de grande instabilidade cardiovascular,
considerar sempre a possibilidade de pneumotórax.
• Iniciar desmame apenas após o repouso muscular adequado, a estabilização hemodinâmica, o controle do broncoespasmo e a correção hidroeletrolítica (Quadro 5).
Desmame da ventilação mecânica
O desmame do paciente com DPOC do ventilador mecânico deverá ser iniciado apenas após atingir o repouso
muscular adequado, a estabilização hemodinâmica, o controle do broncoespasmo e a correção hidroeletrolítica. O
desmame pode ser realizado no modo ventilatório pressão de suporte ou, na sua ausência, em períodos curtos e
progressivos de tubo T. No caso de utilização de pressão
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
de suporte, iniciar com pressão de suporte máxima, isto
é, a pressão de suporte necessária para obtenção de volume corrente adequado (acima de 350ml) e freqüência respiratória adequada (abaixo de 28 por/min). Baixar progressivamente os níveis da pressão de suporte, observando sempre o volume corrente e a freqüência respiratória,
até níveis ao redor de 5-8cmH2O (níveis suficientes para
ajudar o paciente a respirar contra a resistência do tubo
orotraqueal e do circuito do ventilador). Se o paciente
permanecer confortável com níveis de pressão de suporte
ao redor de 5-8cmH2O associados a 3-5cmH2O de PEEP
(fazendo o papel da glote), com FIO2 ≤ 40%, mantendo
níveis adequados de oxigenação e PaCO2 arterial, o paciente poderá ser extubado. No caso de não se dispor do
modo ventilatório pressão de suporte, o paciente deverá
ser colocado em tubo T com nebulização de O2 por períodos de no máximo 15 minutos a cada duas horas, os quais
serão progressivamente prolongados até períodos de duas
horas. O paciente poderá ser extubado quando permanecer confortável, com volume corrente e freqüência respiratória adequados e com oxigenação arterial e PaCO2 adequados por duas horas em tubo T.
Os pacientes não devem permanecer por mais de duas
horas em tubo T. A respiração através do tubo orotra-
queal por mais de duas horas pode propiciar microatelectasias pulmonares, assim como fadiga muscular respiratória devido à sua resistência, principalmente nos pacientes
com função pulmonar limítrofe.
Nas UTIs que dispõem de equipamentos com dois níveis
pressóricos ou pressão de suporte com máscara, estes
poderão ser utilizados na progressão do desmame (Quadro 5).
7. ANTIBIÓTICOS
Considerações iniciais
A DPOC é caracterizada, em sua evolução, por exacerbações periódicas, sendo a principal causa dessas exacerbações a infecção. Dentre as causas infecciosas de exacerbações, as bactérias são responsáveis por aproximadamente 2/3 destas e os vírus por 1/3. As bactérias podem atuar como causa primária da exacerbação ou agir
como invasores secundários após uma infecção virótica.
As principais bactérias envolvidas são, de acordo com a
maioria dos estudos, Haemophilus influenzae, responsável por 50% das infecções, Streptococcus pneumoniae
e Moraxella catarrhalis.
Sabendo-se que as bactérias participam das exacerbações da DPOC e que estas infecções são basicamente limitadas à mucosa brônquica, cabe-nos discutir a validade ou não do uso de antibióticos
QUADRO 5
Oxigenoterapia, ventilação mecânica e desmame
em tais exacerbações.
Nesse sentido, uma das observações mais
PaCO <60 mmHg
ar ambiente
importantes foi a realizada por Anthonisen
e col. em 1987. Nesse estudo avaliaram-se
362 exacerbações de DPOC em 173 pacienOxigenoterapia
tes tratados com placebo ou antibiótico
(FIO suficiente para SpO ≥ 90%)
(amoxicilina 40%, cotrimoxazol 40% e doxiciclina 20%), avaliando-se o percentual de
Se PaCO aumentar
Se PaCO entre 40-55 mmHg
resolução do quadro em 21 dias e o percen(>55 mmHg) e/ou pH<7,25
e pH>7,25
tual de deterioração clínica nas primeiras 72
ou
horas. Na definição de exacerbação, os autores caracterizaram tais exacerbações em
Manter
três tipos:
piora
Ventilação não invasiva
Ventilação invasiva
2
2
2
2
2
pressão ou volume
controlado (48-72h)
Pressão de suporte
máxima
insucesso
sucesso
Vent. não-invasiva
domiciliar
(considerar)
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
Desmame (Pressão de
suporte ou tubo T)
Resp. espontânea
(cat O2 ou másc Venturi)
O2 domiciliar
Ar ambiente
Ø tipo I – quando havia presença de aumentos da dispnéia, do volume de escarro e da purulência do escarro;
Ø tipo II – quando somente duas das três
manifestações acima estavam presentes;
Ø tipo III – quando somente uma das manifestações acima estava presente, acompanhada de pelo menos uma das seguintes manifestações: sintomas de infecção
respiratória alta, febre sem causa aparente, aumento dos sibilos, aumento da tosse, aumento da freqüência respiratória ou
cardíaca acima de 20% do basal.
S 15
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
Estes critérios usados para definir os tipos de exacerbação são também conhecidos como critérios de Winnipeg,
local onde foi realizado tal estudo.
Os resultados mostraram que nas exacerbações do tipo
I o percentual de sucesso terapêutico em 21 dias foi maior
que no grupo placebo (62% versus 43%) e a deterioração
em 72 horas foi menor no grupo tratado (14%) do que no
grupo placebo (30%). Nas exacerbações do tipo II não
houve diferença significativa no sucesso terapêutico em
21 dias entre o grupo tratado e o placebo (70 e 60%).
Houve, entretanto, benefício quanto à deterioração, que
ocorreu em número menor no grupo tratado (5%) do que
no grupo placebo (10%). Nas exacerbações do tipo III não
houve diferença quanto ao sucesso terapêutico em 21 dias
nem quanto à deterioração nas primeiras 72 horas. Segundo esse estudo, a antibioticoterapia estaria indicada
nas exacerbações dos tipo I e II. Nas exacerbações do tipo
III, o uso de antibióticos não traria benefícios evidentes
(Tabelas 1 e 2). Um estudo posterior conduzido por Allegra e col. e uma metanálise considerando exacerbações
de DPOC e uso de antibióticos também chegaram a conclusões semelhantes.
TABELA 1
Taxa de sucesso do tratamento segundo
a classificação de Anthonisen e col.
Exacerbação
Tipo I
Tipo II
Tipo III
Antibiótico
Placebo
62,9%
43%
70,1%
60%
74,2%
69,7%
TABELA 2
Taxa de deterioração clínica
Exacerbação
Tipo I
Tipo II
Tipo III
Antibiótico
Placebo
14,3%
30,5%
5,2%
10,7%
11,4%
12,1%
Com relação aos agentes etiológicos, sabemos quais são
os mais prevalentes quando consideramos a população
de pacientes com DPOC como um todo. Estudos recentes
mostram haver uma correlação entre o estado funcional
pulmonar do paciente, uso prévio de corticóide e antibiótico e a população bacteriana isolada da árvore brônquica
nas exacerbações. Tais estudos mostram que, à medida
que vai ocorrendo uma deterioração funcional pulmonar
do paciente, este começa a ser infectado por agentes com
maior poder de resistência antimicrobiana (Tabela 3).
A escolha do antibiótico ideal deve levar em conta o
agente etiológico mais provável, o seu padrão de resistência, o espectro do antimicrobiano e seu custo, e a gravidade da doença.
Critérios para escolha do antibiótico
Podemos dividir os pacientes em dois grupos em relação à definição do antibiótico de escolha:
GRUPO 1
Pacientes com menos de 60 anos de idade, sem comorbidades significativas, com menos de quatro exacerbações no ano anterior, sem uso freqüente de corticóide,
e aqueles que se enquadrem nos estádios I e II (vide estadiamento). Como o risco de deterioração significativa destes pacientes é baixo, podemos escolher um dos antibióticos abaixo, sem ordem de preferência, com as devidas
considerações com relação a custos, eficácia e adesão
(Quadro 6). As considerações com relação à resistência
não implicam a não-utilização do antibiótico em questão,
mas dão maior possibilidade de falha terapêutica com uso
do mesmo.
GRUPO 2
Pacientes com mais de 60 anos de idade, com co-morbidades significativas, com quatro ou mais exacerbações
no ano anterior, com uso freqüente de corticóide, e aqueles que se enquadrem nos estádios III e IV. Neste grupo de
pacientes o risco de deterioração é maior; assim sendo,
devemos dar preferência aos antibióticos com maior ação
TABELA 3
Bactérias isoladas do escarro de pacientes com DPOC agudizada, em
relação com a função pulmonar – Valores expressos em termos percentuais
Função pulmonar
Bactérias
S. pneumoniae e
outros cocos G+
H. influenzae
M. catarrhalis
Enterobacteriáceas
Pseudomonas
47
27
23
23
33
13
30
40
63
VEF1 > 50%
VEF1 50% - 35%
VEF1 < 35%
Eller et al. Chest 1998; 113: 1542-1548.
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I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
QUADRO 6
Escolha de antibióticos no grupo 1, sem ordem de preferência
QUADRO 7
Escolha de antibióticos no grupo 2
Ø β-lactâmicos – amoxicilina, associação amoxicilina-ácido clavulânico, cefalosporinas de 2ª e 3ª geração
* resistência a amoxicilina; Haemophilus influenzae – 20 a
40%; Moraxella – 80 a 100%
Ø quinolonas – Devido à grande potência deste grupo de drogas em relação as bactérias gram-negativas, as altas concentrações atingidas pelas mesmas na mucosa brônquica e
nas secreções respiratórias e pela observação de um período livre de reinfecções maior após o uso das mesmas, podem ser consideradas como drogas de primeira escolha.
* Ação antipseudomonas significativa exibida somente pela
ciprofloxacina.
Ø novos macrolídeos – azitromicina, diidrotromicina claritromicina, roxitromicina
* considerar resistência do Haemophilus
Ø quinolonas – quinolonas com efeito antipneumocócico
Baixas taxas de resistência e custo unitário mais alto, que
pode ser compensado por melhor adesão e menores índices
de recaída e maior tempo livre de infecção.
Ø doxiciclina
Ø outros – cloranfenicol, sulfametoxasol-trimetoprima, tetraciclinas
Podem ser válidos, mas deve-se considerar baixa adesão e/
ou altos níveis de resistência.
comprovada contra os germes mais freqüentes. Podemos
sugerir, em ordem de preferência, com maior ênfase para
as quinolonas e igual intensidade para as demais drogas, e
de acordo com outras recomendações já publicadas em
nosso meio (Quadro 7).
8. BRONCODILATADORES
Considerações iniciais
Os broncodilatadores são a base do tratamento sintomático das doenças pulmonares obstrutivas. Na DPOC, a
resposta aguda aos broncodilatadores é modesta, inferior
à obtida na asma, varia no tempo e com a classe de broncodilatador utilizada e não significa resposta a longo prazo.
O paciente com DPOC pode ter melhora isolada e independente dos sintomas, do teste de caminhada, do teste
Ø azitromicina, β-lactâmicos com inibidor de β-lactamase,
cefalosporinas orais de segunda ou terceira geração
de tolerância ao exercício, da avaliação da qualidade de
vida e da espirometria. O VEF1 é o melhor parâmetro espirométrico para avaliação do grau de obstrução do fluxo
aéreo e da resposta aos broncodilatadores, apesar de não
ter boa correlação com a hiperinsuflação pulmonar e o
grau de dispnéia. Isto ocorre em conseqüência da melhora do desempenho dos músculos respiratórios após redução da capacidade pulmonar total, devido à desobstrução
das pequenas vias aéreas.
Embora não exista broncodilatador ideal para tratamento
da DPOC, o mais adequado para determinado paciente
seria aquele que possibilitasse maior resposta clínico-funcional, com poucos efeitos adversos, baixo custo, alta eficácia e boa adesão.
Classes de broncodilatadores
β2-AGONISTAS DE CURTA AÇÃO
São broncodilatadores potentes e seguros que atuam
abrindo os canais de potássio e aumentando o AMP cíclico. São drogas de escolha para alívio dos sintomas por
TABELA 4
Escolha do antibiótico na exacerbação da DPOC
Grupo
terapêutico
Características
clínico-funcionais
Escolha
antibiótica
Grupo 1
< 60 anos
sem co-morbidades
< 4 exacerbações ao ano
Estádios I ou II
β-lactâmicos
Novos macrolídeos
Quinolonas antipneumo
Doxiciclina
Cloranfenicol
SMT+TMP
Tetraciclinas
Grupo 2
> 60 anos
com co-morbidades
≥ 4 exacerbações ao ano
Estádios III ou IV
QUINOLONAS
Azitromicina
β-lactâmicos + inibidor de β-lactamase
Cefaloporinas de 2ª ou 3ª geração
* A idade isoladamente não muda obrigatoriamente o paciente de grupo.
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serem eficazes, terem rápido início de ação e poucos efeitos adversos. Nas doses usuais (Tabela 5) podem causar
taquicardia, tremores e hipocalemia, entretanto, sem repercussão clínica significativa. Em pacientes idosos, hipoxêmicos, coronariopatas e/ou em uso de outras drogas
há maior risco de arritmias, angina, etc. Até o momento
existem poucas evidências de que o uso regular de β-agonistas, a longo prazo, aumente a perda anual do VEF1 ou
dificulte o controle da DPOC. Faltam estudos sobre a existência de taquifilaxia com β-agonistas ou de sua menor
eficácia em idosos em conseqüência da perda de receptores β decorrente da idade.
β2-AGONISTAS DE LONGA DURAÇÃO
Os β2-agonistas de longa duração têm demonstrado
benefício quanto ao escore de sintomas, à qualidade de
vida e à função pulmonar nos pacientes com DPOC. O
efeito broncodilatador, que se prolonga por 12 horas, pode
ser inclusive superior ao dos broncodilatadores de curta
duração. São úteis em pacientes com sintomas noturnos,
em uso excessivo de outros broncodilatadores ou com baixa
adesão ao tratamento. Não existem grandes diferenças
de eficácia entre formoterol e salmeterol, a não ser o início de efeito mais rápido com o primeiro.
ANTICOLINÉRGICOS DERIVADOS DO AMÔNIO QUATERNÁRIO
O brometo de ipratrópio é um antagonista inespecífico
dos receptores muscarínicos, com efeito broncodilatador
superior ao da atropina e no mínimo igual ao dos β2-agonistas para tratamento da DPOC. É uma droga segura, desprovida de efeitos atropínicos graves, por ser pouco absorvida pelas mucosas e não atravessar a barreira hematoencefálica. Em alguns pacientes causa tosse, ressecamento da orofaringe e gosto desagradável na boca. Pode
ser administrada em idosos, hipoxêmicos graves, cardiopatas e prostáticos. Em pacientes com glaucoma deve-se
tomar o cuidado de não permitir contato direto da névoa
de aerossol com os olhos. O pico de ação do ipratrópio
varia de 30 a 90 minutos e a duração de seu efeito varia
entre 4 e 6 horas, justificando seu uso regular em DPOC.
Um novo anticolinérgico de longa duração, para uso uma
vez ao dia, que já está fase de estudos clínicos, o brometo
de tiotrópio, poderá ter um papel importante no que diz
respeito a efeito broncodilatador e adesão.
XANTINAS
As xantinas continuam sendo usadas em larga escala,
apesar de seu efeito broncodilatador ser inferior ao das
demais drogas e de causarem grande número de efeitos
TABELA 5
Como administrar β -agonistas e brometo de ipratrópio em DPOC
Fenoterol
Salbutamol
Terbutalina
Ipratrópio
Formoterol
Salmeterol
Apresentação*
Nebulímetro µg
Turbuhaler µg
Diskhaler µg
Aerolizer µg
Solução µg
Comprimidos mg
C.L. Lenta mg
100 e 200
–
–
–
250
2,5
–
100
–
–
–
250
2e4
8
–
500
–
–
500
2,5
5
20
–
–
–
12,5
–
–
–
6 e 12
–
12
–
–
–
25
–
50
–
–
–
Manutenção**
Nebulímetro µg
Turbuhaler µg
Aerolizer µg
Diskhaler µg
N. de jato mg
Via oral mg
200 a 400
–
–
–
1,25-2,5
2,5
200 a 400
–
–
–
1,25-2,5
2,0
–
500
–
–
2,5-5
2,5
40 a 120
–
–
–
0,25-0,5
–
–
12
12
–
–
–
25 a 50
–
–
50
–
–
Exacerbação**
Nebulímetro µg
Turbuhaler µg
N. de jato mg
Subcutânea mg
500
–
2,5 a 5
–
500
–
2,5 a 5
0,25
–
1.000
5 a 10
0,25
80 a 160
–
0,5
–
–
–
–
–
–
–
–
–
* µg ou mg/inalação, gota ou comprimido; ** µg ou mg/dose
OBS:
• Inaladores de pó – O paciente deve gerar fluxo inspiratório de pelo menos 30L/min, ideal 60L/min.
• Relação entre a dose via nebulímetro acoplado a espaçador/dose via nebulizador de jato: 1/6
• Na exacerbação administrar uma dose a cada 20 minutos até melhora ou surgimento de efeitos adversos.
• Via subcutânea – reservada para casos extremos; evitar seu uso em cardiopatas. Uso IV contínuo: monitorar ritmo cardíaco e repor potássio
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adversos. Faltam evidências do valor clínico do efeito estimulante do centro respiratório, inotrópico cardíaco e diurético da teofilina. O aumento da eficiência dos músculos
respiratórios explicaria a melhora da tolerância ao exercício
em pacientes com DPOC que usam teofilina e não melhoram o VEF1 ou que piorem a dispnéia após sua retirada.
A teofilina e seus derivados têm estreita faixa terapêutica e depuração que varia com inúmeras situações (Tabela
6). Tanto a freqüência quanto a gravidade dos efeitos adversos estão relacionados com a teofilinemia, embora intoxicações graves nem sempre sejam precedidas de sintomas leves. Idosos e pacientes com DPOC sofrem maior
risco de intoxicações graves ou crônicas que passam despercebidas por causarem apenas hiporexia, redução da
capacidade cognitiva e diarréia.
A relação entre risco e benefício ao usar teofilina em
DPOC deve ser avaliada cuidadosamente, e um teste terapêutico deve ser reservado para pacientes graves, com
sintomas noturnos e não responsivos a outras drogas (Tabela 7).
A bamifilina é uma xantina que tem a vantagem de ter
menos efeitos adversos do que a teofilina, mas sem demonstração bem definida de eficácia semelhante. São
necessários mais estudos para definir seu papel no tratamento da DPOC.
Hierarquia de uso e papel da associação de broncodilatadores no tratamento de manutenção
Existem muitas controvérsias quanto ao uso de broncodilatadores em DPOC devido a: a) diferenças de metodologia, b) critérios de seleção e tamanho da amostra, c) doses
e método de administração das drogas, d) critérios de avaliação da resposta.
Teoricamente, a associação de broncodilatadores seria
útil por combinar drogas com diferentes mecanismos de
ação, locais de atuação, início e duração de efeito. Entretanto, o eventual efeito aditivo é muitas vezes suplantado
pelo aumento dos efeitos adversos, o aumento do custo e
a redução da adesão ao tratamento.
A associação de β-agonista e ipratrópio em doses usuais
tem efeito aditivo. Este efeito freqüentemente não ocorre
quando se usa uma das drogas em dose elevada. Outras
vezes a associação de drogas melhora significantemente a
função pulmonar a curto prazo, sem haver melhora dos
sintomas e/ou da qualidade de vida a longo prazo. A associação de ipratrópio aos β-agonistas aumenta a duração do efeito broncodilatador em uma a duas horas, sem
aumentar o número de efeitos adversos. Em nosso meio,
o brometo de ipratrópio é comercializado associado ao
fenoterol ou ao salbutamol.
A associação de teofilina em doses terapêuticas máximas aos β-agonistas e a ipratrópio melhora significantemente a função pulmonar, mas este efeito é pequeno e de
valor clínico duvidoso.
Alguns estudos demonstram redução da dispnéia e melhora da qualidade de vida com a associação de β-agonistas, anticolinérgicos e teofilina, sem haver melhora funcional significativa. Apesar das discordâncias, existem subgrupos de DPOC que se beneficiam com a associação de
drogas, mas infelizmente esses pacientes não podem ser
identificados antes de um teste terapêutico.
TABELA 6
Fatores que alteram a depuração da teofilina*
Diminuindo
Aumentando
Acentuadamente (> 50%)
Ácido pipemídico
Enoxacin
Hipoxemia grave
Insuficiência cardíaca grave
Insuficiência hepática grave
Tiabendazol
Troleandomicina
Fenitoína
Maconha
Rifampicina
Tabaco
Moderadamente (30 a 50%)
Cimetidina
Ciprofloxacina
Perfloxacina
Propranolol
Carbamazepina
Carvão ativado
Primidona
Fenobarbital
Levemente (< 30%)
Alopurinol
Contraceptivo oral
Eritromicina
Furosemida
Roxitromicina
Verapamil
Corticosteróides
Sulfinpirazona
Terbutalino
Dieta**
* Valores percentuais sujeitos a grandes variações individuais e entre os vários estudos
** Rica em proteínas e pobre em carboidratos
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TABELA 7
Como administrar metilxantinas em DPOC
TABELA 8
Escolha de broncodilatadores de
acordo com os estádios da DPOC
Apresentações
Aminofilina – frasco-ampola de 10ml com 240mg e comprimidos
de 100 e 200mg
Teofilina de liberação lenta – cápsulas de 100, 200 e 300mg
Solução – 10mg/gota
Bamifilina – drágeas com 300 ou 600mg
Dose de ataque por via intravenosa
• 6mg/kg se não usou teofilina nas últimas 24h
• 3mg/kg se usou e não tem sintomas de intoxicação
• diluir em 30 a 50ml de soro e administrar em 20 a 30 minutos
Dose de manutenção
Insuficiência cardíaca
ou hepática, hipoxemia
Aminofilina IV
**
mg/kg/hora
Teofilina VO
+
mg/kg/dia
0,2 a 0,3
4a6
Uso de droga que
reduz depuração*
0,3 a 0,4
6a8
Adulto não-fumante
0,5 a 0,7
10 a 13
Adulto fumante
0,8 a 1,0
15 a 20
Uso de droga que
aumenta a depuração*
0,8 a 1,0
15 a 20
* – ver tabela 2; ** – aconselhável usar bomba de infusão; + – iniciar com 50% da
dose total e aumentar gradativamente
Não existe consenso quanto ao tipo de broncodilatador
para iniciar o tratamento da DPOC. Segundo Fergunson e
Cherniack, a primeira escolha seria o ipratrópio; para o
Consenso Americano seriam os β2-agonistas e para o
Consenso Europeu não haveria diferença entre essas duas
classes de drogas. O único acordo na literatura é que as
xantinas deveriam ser consideradas como a última opção
terapêutica.
A maioria dos pacientes com DPOC no estádio I é bem
controlada com o uso de β-agonista, quando necessário.
Nos estádios II, III e IV é necessário o uso regular de uma
segunda ou terceira droga (Tabela 8).
Uso de broncodilatadores na exacerbação
Os β2-agonistas são os broncodilatadores de primeira
escolha para tratamento da exacerbação da DPOC, devido
ao seu rápido início de ação.
O papel da associação de ipratrópio com β-agonistas é
controverso; alguns estudos demonstram benefício, enquanto outros não evidenciam efeito aditivo quando se
usam doses elevadas de um desses broncodilatadores. Na
prática diária, pelas limitações impostas ao uso de doses
elevadas, recomendamos iniciar a terapêutica broncodilatadora da exacerbação aguda com o uso associado do brometo de ipratrópio a um β2 de ação curta.
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Estádios
Drogas
I
β2-agonista de curta duração ou brometo
de ipratrópio, quando necessário
β2-agonista de curta ou de longa duração ou
brometo de ipratrópio, continuamente
II
Se necessário, associar β2 de curta ou
longa duração ao brometo de ipratrópio
Brometo de ipratrópio associado a β2 de
curta ou de longa duração, continuamente
III e IV
⇒ Avaliar individualmente o
valor de acrescentar xantinas
* Nos estádios II, III e IV utilizar, se necessário, adicionalmente, β2-agonista de curta duração
ou brometo de ipratrópio, para alívio dos sintomas
O valor da associação de aminofilina aos β-agonistas e
ipratrópio é ainda mais duvidoso. Usualmente, as xantinas não têm efeito aditivo e aumentam os efeitos adversos. Apesar da falta de estudos definitivos, a associação
de dois ou três broncodilatadores continua sendo usada
em larga escala no tratamento da exacerbação da DPOC.
O uso de mais de um broncodilatador seria justificado em
pacientes com exacerbação intensa, sem resposta a apenas uma droga, e pela possibilidade de respostas individuais, impossíveis de detectar previamente.
A via inalatória é a preferida para administração dos
broncodilatadores na DPOC por possibilitar rápido início
de ação das drogas com uso de pequenas doses e por
causar menos efeitos adversos. O uso de β-agonistas por
via subcutânea é reservado a pacientes com risco de vida
ou sem condições de realizar nebulização de jato.
Como administrar broncodilatadores por via inalatória
A escolha do dispositivo mais adequado para administração das drogas inalatórias é fundamental para sucesso
do tratamento e deve ser individualizada, com participação ativa do paciente, tendo-se em mente que a primeira
opção do ponto de vista científico pode ser a última do
ponto de vista do paciente. Independentemente do dispositivo utilizado, é essencial ensinar e checar periodicamente
a técnica de uso e certificar-se da sua eficácia.
Muitos pacientes, especialmente os idosos, não conseguem usar corretamente os nebulímetros, a não ser que
se acoplem espaçadores valvulados de grande volume a
estes. A técnica de uso do inalador de pó seco é mais
simples e, portanto, mais fácil de assimilar que a dos nebulímetros. Quase todos os pacientes, inclusive aqueles
com obstrução grave do fluxo aéreo, conseguem gerar
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I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
pico de fluxo inspiratório de no mínimo 30L/min, conseguindo, portanto, usar inaladores de pó. Os inaladores de
pó seco do tipo “Turbohaler” têm a vantagem de fornecer
maior deposição pulmonar de droga. O custo dos inaladores de pó seco é mais elevado que o dos nebulímetros e
eles não estão disponíveis para todos os broncodilatadores. Nebulizadores de jato são indicados para pacientes
com exacerbação da DPOC ou com dificuldade de uso dos
nebulímetros e inaladores de pó. A adesão ao uso de nebulizadores elétricos no domicílio não é boa, talvez por
fazerem muito ruído, terem grande variação no volume
nebulizado e na acurácia, demorarem de 10 a 15 minutos
para nebulizar a solução e necessitarem de manutenção e
limpeza. Nebulizadores ultra-sônicos são silenciosos, têm
maior custo, desencadeiam mais tosse e não aumentam a
deposição de drogas nos pulmões em relação aos nebulizadores de jato.
9. CORTICÓIDES
Considerações iniciais
Os recentes avanços na terapêutica da asma vieram
reforçar uma tendência mundial de introduzir a corticoterapia inalatória cada vez mais precocemente nesta condição, visto que a mesma passou a ser considerada como
doença inflamatória. Enquanto isto, o papel dos corticóides na DPOC ainda permanece em disputa. Tem-se demonstrado inflamação brônquica nos pacientes com DPOC,
mas nunca na mesma magnitude daquela observada nos
pacientes com asma.
Na DPOC, a hiper-responsividade brônquica (HRB) é mais
uma conseqüência da geometria brônquica alterada (remodelação) do que da inflamação, estando mais relacionada aos valores basais do VEF1. Estudos que analisaram o
valor dos corticóides sobre a HRB na DPOC foram todos
negativos.
Corticóides e ação antiinflamatória
Um estudo controlado que comparou o efeito de 1,0mg
de dipropionato de beclometasona durante seis semanas
em 20 pacientes com DPOC leve (VEF1 médio = 72%) não
mostrou diferença no número de células inflamatórias na
amostra alveolar do lavado broncoalveolar (LBA) quando
comparado com placebo. Em outro estudo controlado,
em DPOC grave, a presença de células inflamatórias e de
citocinas no escarro induzido não se modificou após duas
semanas de tratamento com budesonida na dose de
1,6mg/d, e prednisolona 30mg/dia. Apesar de existirem
inflamação e citocinas inflamatórias na DPOC, os corticóides, tanto inalatórios como orais, não foram capazes de
suprimir a quimiotaxia e os sinais de ativação do componente inflamatório, como acontece na asma.
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Corticóides e variáveis espirométricas
ESTUDOS A CURTO PRAZO
CORTICÓIDE ORAL
Uma metanálise demonstrou que o corticóide oral em
pacientes com DPOC estável e sem história de asma associada beneficiou com aumento igual ou superior a 20%
no VEF1 apenas 10% dos pacientes. Eosinofilia sanguínea
ou no escarro, atopia, sibilância torácica e prova broncodilatora positiva foram fatores pouco consistentes para
prever uma resposta.
O teste do corticóide, para prever quais pacientes se
beneficiarão do seu uso, é geralmente realizado com a
prednisona oral na dose de 30-40mg/dia por um período
de duas semanas. Um aumento previsto de ≥ 10% no
VEF1 pós-broncodilatador define o teste como positivo. Entretanto, uma resposta ao teste não garante um benefício
a longo prazo. Nem sempre o benefício se mantém quando a dose é reduzida ou o doente é transferido a regime
de corticóide inalatório. Portanto, os resultados a curto
prazo não podem ser extrapolados para os efeitos na redução anual do VEF1 do paciente com DPOC.
CORTICÓIDE INALATÓRIO
A resposta ao corticóide inalatório costuma ser semelhante àquela ao corticóide oral e capaz de identificar a
maioria dos pacientes responsivos, embora alguns estudos tenham demonstrado uma superioridade do teste oral
em relação ao inalatório. Uma resposta broncodilatadora
positiva pode ser preditiva de resposta ao corticóide inalado. O teste com corticóide inalatório pode ser feito com
1,5mg/dia de budesonida ou beclometasona ou dose equivalente de fluticasona, flunisolida ou triancinolona, por três
ou mais semanas.
ESTUDOS
A LONGO PRAZO
Dois estudos retrospectivos, com seguimento de 2,8 a
20 anos, indicaram uma queda anual do VEF1 menor após
o uso de prednisolona oral por mais de nove meses, em
doses iguais ou superiores a 7,5-10mg/dia. Por outro lado,
os pacientes que não utilizaram a prednisolona na dose e
no período acima estabelecidos tenderam à redução linear e progressiva da função pulmonar.
Dois outros estudos prospectivos realizados na Holanda no início dos anos 90 demonstraram benefício inicial
na queda anual de VEF1, que não se manteve ao longo do
estudo. Entretanto, é preciso cautela na interpretação
desses resultados porque a seleção de pacientes incluiu
asmáticos.
No Euroscop, que é um estudo multicêntrico controlado envolvendo 47 centros em 12 países da Europa e com
três anos de duração, estudaram-se 1.277 pacientes com
S 21
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
leve a moderada, que persistiam fumando. O estudo avaliou o valor da budesonida via Turbohaler, na dose
de 0,8mg/d, na redução anual do VEF1. Nos seis primeiros meses, houve um ganho médio de 17ml no grupo
budesonida e uma redução de 81ml no grupo placebo.
Entretanto, à partir daí, as taxas de declínio anual de VEF1
mantiveram-se semelhantes e ao final de 36 meses não
houve diferença nas taxas de declínio entre os grupos,
mantendo-se o ganho inicial dos seis primeiros meses.
Embora não se tenha conseguido demonstrar benefício
com a budesonida na totalidade dos pacientes, o grupo
com história de tabagismo menor que 36 anos/maço
mostrou ser o único responsivo.
Um outro estudo duplo-cego, randomizado, controlado
contra placebo por três anos, também realizado com a
budesonida em pacientes com DPOC leve, na cidade de
Copenhague, não mostrou em nenhum momento diferença na taxa de declínio anual do VEF1 e no número de
exacerbações.
O estudo Isolde, o terceiro também duplo-cego, randomizado, controlado contra placebo por três anos, utilizando fluticasona, mostrou achados funcionais superponíveis
aos do Euroscop. Nesta amostra analisaram-se também
outros critérios de resposta, como o número de exacerbações e a qualidade de vida. No grupo fluticasona houve
diminuição do número de exacerbações/ano em 25%,
especialmente no grupo com doença de maior gravidade
(pacientes com VEF1 menor que 1,25L). Interessante foi o
impacto na qualidade de vida, que se manifestou desde o
início do estudo, mas, ao contrário do VEF1, mostrou diferenças que se pronunciaram ao longo do tempo.
Estudos a longo prazo que obedecem a critérios de seleção mais rígidos sugerem que o valor do corticóide inalatório contra a redução anual do VEF1 é modesto e referente a grupos específicos que ainda não foram bem definidos. Ao que parece, os pacientes com redução anual
excessiva do VEF1, história de tabagismo menor e maior
gravidade são os que mais se beneficiam.
Atualmente, outros critérios, tais como avaliação da qualidade de vida e número de exacerbações por ano, vêm
sendo mais valorizados como forma de determinar o desfecho final de estudos de longo prazo em pacientes com
DPOC (Quadro 8).
Corticóide na crise de exacerbação aguda
Em pacientes hospitalizados com insuficiência respiratória aguda, demonstrou-se o valor da metilprednisolona
intravenosa na dose de 0,5mg/kg a cada seis horas. Após
72 horas de tratamento, quase a metade dos pacientes
(12/22) que receberam metilprednisolona teve aumento
≥ 40% no VEF1, contra apenas 3/21 pacientes que receberam placebo.
Mais recentemente, um estudo randomizado, duplo-cego
e controlado contra placebo comparou o valor de duas e
oito semanas de corticóide em 271 pacientes hospitalizados em exacerbação aguda. A falência terapêutica foi significativamente menor nos dois grupos de corticóide que
no grupo placebo. Os benefícios da corticoterapia ocorreram principalmente nas duas primeiras semanas de tratamento, enquanto o número de eventos adversos (hiperglicemia) foi significativamente maior no regime de oito semanas.
Por outro lado, em pacientes em crise de exacerbação
tratados em regime ambulatorial, a prednisona oral por
nove dias teve uma resposta objetiva detectada na função
pulmonar, na gasometria e escore de dispnéia, e ainda
evitou a deterioração clínica quando comparada com o
placebo. Observou-se falência terapêutica em 8/14 pacientes no grupo placebo, enquanto nenhum dos 13 pacientes do grupo prednisona apresentou os critérios estabelecidos de deterioração.
Um estudo retrospectivo realizado em sala de emergência mostrou um índice menor de recaídas após 24 a
48 horas quando o tratamento incluía corticóide e este
era mantido após alguns dias. Por outro lado, não houve
benefício num estudo que utilizou dose única, embora elevada, de 100mg de metilprednisolona em 96 pacientes
também tratados em sala de emergência e avaliados três
a cinco horas após.
Os diversos estudos referidos mostram que o uso de
corticóide sistêmico tem benefício nos pacientes com exacerbação com necessidade de internação, havendo evidência de menor intensidade das exacerbações que não
requeiram hospitalização (Quadro 9).
QUADRO 8
Prováveis indicações de corticóide inalatório na DPOC estável
1. Exacerbação aguda em pacientes com sibilância e dispnéia,
mas sem necessidade de internação
Prednisona 40mg/3 a 5 dias; a seguir, 20mg/3 a 5 dias ou
dose equivalente de outro corticóide, depois reavaliação para
continuação ou suspensão.
2. Exacerbação aguda com necessidade de internação
Hidrocortisona – 3 a 5mg/kg/dose a cada 6 horas
Metilprednisolona – 0,5 a 1mg/kg/dose a cada 6/8 horas por
72 horas e, se possível e necessário, passar ao tratamento
oral.
DPOC
1. Associação com asma
2. Reversibilidade nos testes funcionais – aumento do VEF1 ≥
10%
3. Teste oral positivo com corticóide – ≥ 10% previsto pós-bd
4. Maior grau de obstrução – VEF1 ≤ 40%
* Reavaliar após seis meses a melhora clínica e/ou funcional
S 22
QUADRO 9
Indicações e doses do corticóide na exacerbação aguda
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Efeitos adversos dos corticóides
Especialmente na DPOC é preciso avaliar a relação risco/benefício do tratamento com corticóide, que inclui
geralmente pacientes idosos, pouco ativos e com história
importante de tabagismo, fatores esses que os colocam
em maior risco de efeitos adversos da corticoterapia sistêmica e inalatória. Os corticóides inalatórios têm menos
efeitos sistêmicos e mais efeitos locais: candidíase, disfonia e tosse. Os fenômenos locais são mais facilmente contornados por meio de redução da dose e da freqüência do
tratamento, por uso da câmara de expansão (espaçadores), e de bochechos após cada aplicação.
Dentre os efeitos sistêmicos mais freqüentes com os
corticóides inalatórios encontram-se o adelgaçamento da
pele e a fragilidade capilar, causando equimoses.
Embora se tenham demonstrado alterações no metabolismo ósseo, até hoje não existem evidências de que a
corticoterapia inalatória provoque osteoporose e maior
risco de fratura. Conforme demonstrou o Euroscop, tanto
a densidade óssea quanto o número de novas fraturas não
foram afetados no grupo de budesonida, em relação a
placebo. Também não há definição de catarata subcapsular posterior, alterações no metabolismo da glicose e de
lipídios, e de hipertensão arterial com os corticóides inalatórios.
Os efeitos agudos adversos da corticoterapia sistêmica
em doses mais elevadas para o paciente em exacerbação
incluem principalmente alterações psíquicas, diabetes e
hemorragia digestiva. O risco de hemorragia digestiva
nesses casos praticamente se restringe aos pacientes com
úlcera péptica ou ao uso concomitante de antiinflamatórios não hormonais ou anticoagulantes. Como fator isolado, o corticóide não parece ser importante em provocar
úlcera péptica. Em uma metanálise, a incidência de úlcera péptica no grupo placebo foi de 9/3.267 (0,3%) e no
grupo corticóide de 13/3.335 (0,4%). Complicações infecciosas e miopatia aguda são relacionadas ao emprego
de doses não-usuais para o paciente em crise de exacerbação. O risco de sepse bacteriana aumenta com dose
cumulativa de prednisona acima de 700mg.
O uso crônico de corticóide sistêmico deve ser evitado
sempre que possível, devido aos efeitos colaterais.
10. OXIGENOTERAPIA
Introdução
Para um adequado funcionamento das células do organismo é importante a manutenção de um nível estável de
oxigênio no sangue. Quadros de insuficiência respiratória, com instalação de hipoxemia aguda necessitam, portanto, de oxigenoterapia enquanto persistirem as condições determinantes da hipoxemia. Nos casos de insuficiência respiratória crônica, resultante de lesões pulmoJ Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
nares irreversíveis, como acontece com os pacientes com
DPOC, bronquiectasia, fibrose cística e fibrose pulmonar,
há indicação do uso prolongado ou até crônico de oxigênio a baixos fluxos.
Em relação ao dano celular causado pela hipóxia, outras variáveis devem ser consideradas, tais como hemoglobina adequada, débito cardíaco suficiente e perfusão
periférica mantida. No entanto, deve-se ressaltar que o
fornecimento de O2 a partir de uma fonte externa nas
situações de insuficiência respiratória crônica é fundamental.
O tratamento da hipoxemia
Os estudos clínicos prospectivos do MRC (Medical Research Council, Inglaterra) e do NOTT (Nocturnal Oxygen
Therapy Trial Group, EUA) provaram que o uso prolongado de oxigênio aumenta a sobrevida de pacientes com
DPOC e insuficiência respiratória crônica. No entanto, até
agora os motivos para esta melhoria na expectativa de
vida não estão muito claros. Além disso, a oxigenoterapia
prolongada é capaz de reverter a policitemia secundária à
hipóxia, aumentar o peso corporal, prevenir e melhorar a
insuficiência cardíaca congestiva direita, o desempenho
em testes neuropsicológicos e a capacidade de se exercitar e de cumprir as atividades da vida diária.
O NOTT incluiu no seu protocolo medidas da pressão na
artéria pulmonar antes e depois de seis meses de uso de
O2 nos dois grupos de pacientes avaliados (uso noturno
de oxigênio e uso quase contínuo). Houve redução na pressão na artéria pulmonar em repouso no grupo de uso contínuo e nos dois grupos, durante o exercício. Outros autores também mostraram que uma sobrevida de até oito
anos estava relacionada à queda na pressão da artéria
pulmonar durante os seis primeiros meses de tratamento
com O2 e que uma diminuição superior a 5mmHg na pressão prognosticava uma sobrevida significativamente maior.
Existe correlação entre a mortalidade por insuficiência
respiratória crônica e hipertensão pulmonar. No entanto,
não se pode afirmar que a morte ocorra apenas em razão
desta alteração. A hipóxia representa uma agressão para
todas as células do organismo e a utilização prolongada
de oxigênio consegue melhorar uma situação metabólica
bastante alterada, restituindo ao organismo uma condição de equilíbrio mais próxima do normal.
Outra possível ação benéfica do oxigênio é a sua atividade sobre o estímulo respiratório. O oxigênio é a única
droga capaz de reduzir o estímulo respiratório sem provocar mais hipóxia. Sempre se temeu muito a utilização de
oxigênio em retentores crônicos de CO2, pois eles poderiam aumentar a hipercapnia, com conseqüente acidose
respiratória descompensada. Sabe-se hoje, no entanto,
que na maioria dos pacientes com DPOC e hipercapnia o
estímulo respiratório não está diminuído; na verdade, ele
S 23
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
está elevado e a hipoventilação resulta não de falta de
estímulo nervoso para respirar, mas de condições inadequadas da mecânica ventilatória. A oxigenoterapia poderia até reduzir o estímulo respiratório nesses pacientes,
mas esta seria uma ação benéfica, diminuindo o excessivo
trabalho respiratório. Em alguns pacientes pode ocorrer
hipercapnia com o uso de oxigênio com alto fluxo; nestes
casos, a explicação é a piora das relações ventilação/perfusão por liberação do reflexo de vasoconstrição hipóxica
e conseqüente aumento da razão espaço morto/volume
corrente.
Deve-se ter em mente que o principal objetivo do tratamento da insuficiência respiratória crônica é o de prevenir a hipóxia tecidual. Deste modo, a melhora da função
pulmonar pela correção do broncoespasmo e o tratamento das infecções brônquicas, além do controle da insuficiência cardíaca congestiva, são também fundamentais e
devem estar sempre associados à oxigenoterapia.
Na oxigenoterapia por cânula nasal, o volume final inspirado é a mistura do oxigênio da cânula com baixo fluxo
e alta concentração (90 a 100%) com o volume de ar
ambiente com fluxo mais alto e menor concentração de
oxigênio (20,9%). O resultado final é uma discreta elevação da FiO2: ela aumenta para aproximadamente 24%
quando o fluxo na cânula nasal for de 1L/min, para 28%
com fluxo de 2L/min e para 32% com fluxo de 3L/minuto.
A resposta da PaO2 dependerá de variáveis pulmonares (alterações das relações ventilação/perfusão) e extrapulmonares (padrão respiratório, débito cardíaco e consumo de oxigênio). Oxigênio a baixos fluxos é bastante
eficiente na correção da hipoxemia, até um valor de
“shunt” próximo de 50%.
Indicações gerais de oxigenoterapia
A oxigenoterapia tem demonstrado ser, além da cessação do tabagismo, a forma principal de melhorar a sobrevida e a qualidade de vida em pacientes hipoxêmicos portadores de DPOC. Os resultados dos estudos do British
Medical Research Council Study e do National Institutes of Health Nocturnal Oxygen Therapy Trial indicam
que a melhor sobrevida se relaciona com períodos mais
prolongados de utilização da suplementação e que o oxigênio pode prevenir subseqüentes aumentos da pressão
na artéria pulmonar. No primeiro estudo foram comparados pacientes hipoxêmicos sem uso de oxigênio com pacientes hipoxêmicos recebendo oxigênio por 12 horas por
dia, e no segundo foram comparados pacientes hipoxêmicos recebendo oxigênio por 12 ou 24 horas (na realidade 19 horas/dia, em média). O objetivo da oxigenoterapia é manter a saturação da hemoglobina acima de 90%.
A indicação de oxigenoterapia baseia-se em dados gasométricos e clínicos, que devem ser obtidos quando o
paciente está em período estável. Nos pacientes que pre-
S 24
encham os requisitos necessários para oxigenoterapia
contínua após uma internação por exacerbação, uma nova
avaliação da indicação deverá ser realizada após 60 a 90
dias, visto que eles podem apresentar hipoxemia significativa prolongada, mas transitória.
Constituem indicação para a prescrição de oxigenoterapia prolongada domiciliar a baixos fluxos os seguintes
achados laboratoriais e de exame físico:
Ø PaO2 ≤ 55mmHg ou saturação ≤ 88% em repouso;
Ø PaO2 entre 56 e 59mmHg com evidências de cor pulmonale ou policitemia;
Ø PaO2 ≤ 55mmHg ou saturação ≤ 88% em exercício;
Ø PaO2 ≤ 55mmHg ou saturação ≤ 88% durante o sono.
A oxigenoterapia prolongada está indicada nas duas
primeiras situações; nas duas últimas, de acordo com a
necessidade específica. Embora a avaliação oximétrica seja
um guia eficaz para a necessidade da oxigenoterapia, é
conveniente a determinação da gasometria arterial, pois
ela permite a avaliação da condição ventilatória do paciente pela análise da PaCO2.
Os fluxos de oxigênio devem ser ajustados para repouso, exercício e sono e estes ajustes podem ser feitos com
a oximetria de pulso. São necessários pelo menos 20 minutos para que ocorra o equilíbrio após uma variação no
fluxo de oxigênio.
Indicação de oxigênio durante o sono
O período de oxigenoterapia que o paciente usa por
dia deve, necessariamente, incluir as 12 horas noturnas,
pois, se existe hipoxemia durante a vigília, com certeza
ela se acentua durante o sono, em razão da irregularidade
respiratória que aparece neste estado. Os pacientes com
DPOC não apresentarão necessariamente apnéia do sono;
esta pode ser uma condição que agravará a hipóxia durante o sono de pacientes já portadores de uma insuficiência respiratória grave por DPOC.
Não existe, ainda, demonstração de que pacientes que
apresentem apenas hipoxemia noturna tenham ganhos
significativos de qualidade ou tempo de vida com uso de
oxigênio noturno em relação a pacientes com igual condição que não recebam oxigênio, apesar de parecer bastante razoável a suposição de que a correção da hipoxemia
durante o sono possa trazer benefícios. Existem evidências de aumento de pressão na artéria pulmonar durante
o dia em pacientes que se dessaturam durante o sono.
Recomenda-se que à prescrição de oxigênio utilizada
durante o dia se adicione mais 1L/min durante a noite. O
ideal seria determinar a dose do oxigênio com a oximetria
contínua durante a noite.
Oxigenoterapia durante a atividade física
Deve-se estimular o paciente com DPOC a realizar no
mínimo as atividades da vida diária de maneira indepenJ Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
dente e, se possível, alguma forma de atividade física regular, tal como a caminhada, por exemplo. Pacientes com
hipoxemia em repouso diminuem ainda mais a PaO2 durante a atividade física; naqueles com gasometria normal
em repouso pode haver dessaturação durante o esforço.
Seria recomendável, portanto, aumentar o fluxo em pacientes que já usam oxigênio e introduzir o oxigênio naqueles que só se dessaturam durante a atividade física.
Os benefícios imediatos da utilização de oxigênio durante a atividade física são a redução da dispnéia e o aumento da tolerância às atividades submáximas.
A suplementação de oxigênio durante o esforço físico
aumenta consideravelmente o desempenho; por este
motivo, reforça-se aqui a importância da disponibilidade
de fontes portáteis de O2 que garantam a deambulação
dos pacientes. A manutenção de uma vida ativa tem implicações fisiológicas e psicossociais muito relevantes, que
talvez expliquem a excelente resposta ao uso praticamente contínuo de O2.
Duração da oxigenoterapia
Trabalhos publicados demonstram que o oxigênio pode
ter efeito reparativo “estrutural” no pulmão. A redução
da vasoconstrição hipóxica na rede arterial pulmonar pode
traduzir-se em reversão de algumas alterações anatômicas vasculares. Este fato pode ser observado após vários
meses ou anos de utilização de O2. Além disso, o restante
do tratamento pode melhorar a relação ventilação-perfusão de modo a fazer subir os níveis basais da PaO2 medidos sem suplementação de oxigênio. Um paciente nestas
condições poderia não mais se enquadrar nos critérios de
indicação de oxigenoterapia. No entanto, esta melhora
não deve servir de base para a descontinuação da terapia,
pois acredita-se que este efeito dependa da manutenção
do O2.
De modo geral, pacientes clinicamente estáveis e recebendo oxigênio continuam atendendo aos critérios de indicação quando sem ele, situação que demonstra ser o
procedimento uma necessidade para o resto da vida.
Com relação ao número de horas diárias necessárias, o
ideal é que o oxigênio seja utilizado o maior tempo possível. Nos dois estudos clássicos de oxigenoterapia, já citados, demonstraram-se ganhos de qualidade de vida e na
sobrevida no grupo de 15 horas em relação ao grupo sem
oxigênio, e no grupo com O2 por todo o dia, na realidade
19 horas/dia (em média), em relação ao grupo com indicação de O2 por 12 horas/dia.
Sistemas de oxigenoterapia
CILINDROS DE OXIGÊNIO
Para a administração de oxigênio domiciliar, tradicionalmente têm sido utilizados os cilindros, que armazenam
o gás sob pressão. Este é um método muito caro e comJ Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
plicado, pois os cilindros esvaziam-se rapidamente e devem ser trocados por recipientes cheios. Ao preço do gás
soma-se aqui toda a estratégia de transporte do mesmo
até a residência do paciente.
CONCENTRADORES DE OXIGÊNIO
Nos últimos 20 anos, um novo método de fornecer oxigênio se transformou no modo mais prático e mais barato
para oxigenoterapia domiciliar individual. Consiste na utilização dos concentradores de oxigênio, que são máquinas capazes de separar o oxigênio do nitrogênio do ar
ambiente pela ação de uma substância (silicato de alumínio sintético) que funciona como peneira molecular. Apesar do consumo de energia elétrica, ainda assim os concentradores constituem-se em método menos dispendioso que oxigênio fornecido em cilindros, sem contar sua
maior praticidade. Os procedimentos relacionados com
sua utilização são muito simples e fáceis de assimilar pelo
próprio paciente ou seu cuidador. Uma análise de custos
realizada no Hospital de Clínicas da Unicamp, considerando o preço médio mensal para o aluguel de concentradores obtido em concorrência pública, revelou um gasto
mensal por doente no concentrador 3,29 vezes menor do
que aquele pago com a utilização de cilindros. No entanto, para o consumidor individual, o custo mensal do concentrador de oxigênio é 50% do custo do cilindro. Em
países desenvolvidos, o custo do oxigênio administrado
por concentradores varia de 25 a 75% do custo com oxigênio em cilindros.
Já existem no mercado estrangeiro, mas ainda em fase
inicial, concentradores de oxigênio capazes de encher
pequenos cilindros, tornando possível que o paciente continue a usar oxigênio fora do seu ambiente domiciliar. Esses concentradores têm um custo mais elevado.
OXIGÊNIO LÍQUIDO
O oxigênio pode também ser disponibilizado na forma
líquida, sendo necessária uma temperatura de –196ºC para
que ele se mantenha nesse estado. O oxigênio líquido é
acondicionado em dispositivos apropriados (tanques criogênicos) de capacidade variável (25 a 40 litros); cada litro
de oxigênio líquido produz em torno de 863 litros de oxigênio na forma gasosa.
O oxigênio líquido tem a grande vantagem de poder ser
transferido para recipientes menores, portáteis, com autonomia aproximada de oito horas. Sua desvantagem é
estar disponível, no momento, somente nas grandes cidades.
O seu custo é semelhante ao do sistema de cilindro,
para o consumidor individual. Quando houver disponibilidade de recursos, ele representa a melhor opção para
pacientes que tenham ainda atividades laborais ou de lazer fora de casa.
S 25
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
SISTEMAS COMBINADOS
Um sistema combinado para fornecer oxigenoterapia
domiciliar inclui uma fonte estacionária de O2 e uma fonte
de O2 portátil. A fonte estacionária deve ser, de preferência, um concentrador, utilizado com uma extensão de até
6 metros de comprimento e 5mm de diâmetro interno,
para permitir que o paciente se desloque dentro de casa.
A fonte portátil pode ser um cilindro de alumínio para
armazenamento de oxigênio gasoso sob pressão, acoplado a um dispositivo eletrônico conservador de O2, para
permitir que o paciente se desloque fora do domicílio. Estas
escolhas representam as alternativas mais baratas disponíveis no mercado brasileiro.
Métodos para a administração de oxigênio
A cânula nasal que termina em duas pequenas hastes
que são introduzidas no vestíbulo das narinas é muito mais
confortável para o paciente do que os cateteres longos
(nasofaríngeos).
Dispositivos eletrônicos conservadores de oxigênio têm
como princípio de funcionamento a liberação de todo o
fluxo de oxigênio no início da inspiração, em resposta à
variação de fluxo e/ou pressão induzida na cânula pelo
movimento inspiratório do paciente. Não há fluxo de oxigênio no restante da inspiração ou durante a expiração,
situação esta que acarreta uma grande economia de oxigênio. Tais aparelhos têm indicação quando se utilizam
sistemas portáteis de armazenamento de O2, pois aumentam significativamente a duração do estoque de oxigênio,
apesar de ainda haver dúvidas sobre seu funcionamento
adequado. Há dispositivos conservadores de oxigênio mais
simples e mais baratos, não eletrônicos, porém menos
eficientes.
Outro método de conservação de oxigênio é o cateter
transtraqueal, o qual é instalado na traquéia através de
punção percutânea, para uso crônico. Ele é facilmente
escondido sob a roupa e pode ser preferido por alguns
pacientes por esta vantagem cosmética. No entanto, é
um método invasivo, não isento de complicações e que
exige colaboração intensa do paciente para sua manutenção. Constituem contra-indicações relativas para o uso do
cateter transtraqueal: uso de doses altas de esteróides (acima de 30mg de prednisona), diabetes mellitus, doença
do tecido conjuntivo e obesidade importante. São contraindicações absolutas: estenose subglótica, paralisia de corda
vocal, coagulopatia grave, acidose respiratória descompensada e impossibilidade do paciente de cuidar de si
mesmo. O cateter transtraqueal diminui o espaço morto e
as quantidades de O2 necessárias para atingir uma mesma saturação da hemoglobina. A principal complicação
desse cateter é a obstrução por rolha de secreção, em
razão do efeito secante do fluxo de O2 e da eliminação do
nariz no trajeto do gás, órgão que tem papel fundamental
S 26
na umidificação dos gases inalados. Este fluxo de gás diretamente na traquéia torna obrigatória a utilização de sistemas artificiais de umidificação. Além disso, pacientes
bronquíticos já apresentam secreção em quantidade consideravelmente aumentada e a aderência a uma rotina
meticulosa de limpeza do cateter é baixa, fatos que favorecem a obstrução.
Umidificação
Não existem evidências científicas que indiquem a necessidade de umidificação em sistemas que empregam
cateteres nasais e fluxos inferiores a 5L/min. Isto não se
aplica, como já foi dito anteriormente, a cateteres transtraqueais.
11. VACINAÇÃO
Considerando que a principal causa de exacerbações
de DPOC é de natureza infecciosa, a prevenção por meio
de imunização é um princípio recomendável em todo portador dessa doença.
Vacina antiinfluenza
Existem dois tipos de vírus influenza: A e B. O vírus
influenza A é responsável por 80 a 90% dos casos da
doença.
As vacinas têm variado conteúdo antigênico e são feitas com abrangência mundial com as cepas circulantes
contendo duas cepas de influenza A e uma de influenza B.
Sua proteção é de aproximadamente 70% se aplicada em
pessoas com sistema imunológico preservado. Uma infecção prévia não previne infecção por uma nova cepa
mutante.
Está recomendado seu uso em portadores de DPOC,
especialmente nas formas com maior limitação respiratória, e deve ser repetida anualmente no outono.
Vacina antipneumocócica
A vacina comercializada contém os 23 sorotipos mais
freqüentes, os quais são responsáveis por 90% das infecções pneumocócicas. Seu nível de proteção é inferior ao
da vacina antigripal. A confirmação de sua eficácia em
portador de DPOC não está tão bem estabelecida quanto a
da vacina antigripal. Porém, em função da inexistência de
efeitos colaterais significativos e de uma série de trabalhos mostrando a sua eficácia em pacientes idosos, achamos válida a sua utilização. Não deve ser repetida antes
de cinco anos.
Vacina anti-Haemophilus influenzae
A vacina disponível é eficaz contra o H. influenzae tipo
B, capsulado. Não é eficaz contra o H. influenzae não
tipável, que não tem cápsula polissacarídea, e que é o
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
principal responsável pelas agudizações nos pacientes com
DPOC. Não tem, portanto, indicação nestes pacientes.
12. DROGAS
MUCOATIVAS
Os estudos existentes sobre drogas mucoativas, tanto
europeus quanto norte-americanos, não permitem conclusões definitivas. A grande maioria dos trabalhos que
demonstram evidências dos efeitos das drogas sobre as
propriedades físicas do muco restringe-se a estudos in vitro realizados há mais de 10 anos. Apesar de existirem
estudos clínicos posteriores, o efeito mucoativo da maioria das drogas permanece com comprovação insuficiente.
Um estudo multicêntrico europeu demonstrou uma diminuição na freqüência de exacerbações com uso crônico
de acetilcisteína oral (Multicenter Study Group, 1980). Outro trabalho mostrou melhora sintomática com uso de ambroxol em pacientes com DPOC (Guyatt, 1987). Um estudo multicêntrico norte-americano mostrou melhora dos
sintomas em pacientes com DPOC recebendo um composto iodado (iodeto de glicerol) (Petty, 1990). Todos estes estudos não são definitivos e necessitam de confirmação. Curiosamente, tanto a N-acetilcisteína quanto o ambroxol podem também ter ação antioxidante e desta forma agir sobre o epitélio por um mecanismo alternativo.
Os efeitos antioxidantes conhecidos da N-acetilcisteína são
obtidos somente com doses endovenosas muitas vezes
maiores que as administradas por via oral no tratamento
de DPOC.
Concluímos que não existem evidências clínicas suficientes que justifiquem a utilização de drogas mucoativas, quer
para uso crônico ou na fase de exacerbação.
13. TRATAMENTO
DO COR PULMONALE CRÔNICO
E DA HIPERTENSÃO PULMONAR
As medidas mais eficazes de tratamento do cor pulmonale e da hipertensão pulmonar na DPOC são aquelas que
visam um controle adequado dessa condição, aí incluídas
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
todas as medidas terapêuticas anteriormente citadas, com
especial destaque para a oxigenoterapia, visto ser a vasoconstrição hipóxica a determinante da hipertensão arterial e do cor pulmonale na DPOC.
Apesar da freqüência com que é utilizada na prática,
não há base científica para a utilização de digitálicos no
cor pulmonale, já que não exercem efeito na contratilidade cardíaca direita. Por outro lado, há uma incidência maior
de efeitos colaterais, sobretudo de arritmias cardíacas, favorecidos pela hipoxemia presente nestes pacientes. Assim, a indicação de digitálicos deve ser restrita aos casos
em que haja coexistência de insuficiência cardíaca esquerda ou taquiarritmias supraventriculares.
Diuréticos estão indicados nos pacientes com edema,
mas devem ser usados cuidadosamente para evitar a redução do débito cardíaco e da perfusão renal. Recomenda-se também a monitorização eletrolítica, para evitar
particularmente a hipopotassemia, com o conseqüente
risco de toxicidade cardíaca.
A teofilina e os agentes •-adrenérgicos produzem discreta vasodilatação pulmonar e efeitos inotrópicos cardíacos positivos.
De maneira geral, os vasodilatadores não são eficazes
nestes pacientes. Na realidade, em vários casos, ao provocarem vasodilatação periférica, determinam redução do
débito cardíaco, o que tende a piorar a condição hemodinâmica.
A indicação de flebotomias é controversa. Nos pacientes convenientemente tratados farmacologicamente e sob
oxigenoterapia prolongada, dificilmente o hematócrito
permanece elevado. As flebotomias estão indicadas inquestionavelmente em pacientes com hematócrito superior a 55%, em que os sinais de descompensação do cor
pulmonale não estejam controlados. Não está claro, entretanto, o papel de sangrias repetidas. Há relatos de que
não se obtêm benefícios adicionais após a primeira sangria, sendo necessário repeti-la até a normalização do
hematócrito. Outros grupos, entretanto, acreditam na indicação de flebotomias sempre que o hematócrito ultrapassar 55%, independentemente do quadro clínico.
S 27
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
Unidade III – Das avaliações diversas
14. AVALIAÇÃO
PRÉ-OPERATÓRIA E DO RISCO
CIRÚRGICO
Considerações iniciais
Define-se risco cirúrgico como a probabilidade de ocorrerem complicações e/ou mortalidade resultantes da preparação pré-operatória, da anestesia, da cirurgia e da
convalescença pós-operatória.
Nos pacientes candidatos a cirurgia e sem doença clínica subjacente, as complicações mais freqüentes no pósoperatório são de origem cardíaca e respiratória, enquanto nos pneumopatas predominam as últimas.
Trabalhos realizados em portadores de DPOC mostram
que a incidência de complicações pulmonares pós-operatórias (CPP) varia de 10 a 43%. Esta grande diferença ocorre porque os autores mencionados utilizaram definições
diferentes para complicações pulmonares. A ATS refere
um índice de mortalidade de 3 a 5% para tais pacientes, a
depender do tipo cirúrgico, se torácico ou abdominal. Em
pacientes portadores de DPOC grave este índice pode chegar a 19%.
Em trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia da
Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de
Medicina, com 59 portadores de DPOC leve e moderada
submetidos a cirurgia geral, verificaram-se 35 complicações em 20 pacientes (34%) e seis óbitos (10,2%), sendo
dois por insuficiência de múltiplos órgãos e sistemas, dois
por choque séptico e dois por sepse com síndrome de
desconforto respiratório secundária a pneumonia. Estes
valores estão concordes com outros resultados da literatura, porém muito acima do esperado entre pacientes normais.
A presença de sintomas respiratórios, especialmente
tosse e expectoração, e a persistência do hábito tabágico
levam a maior incidência de CPP. Como a associação destes fatores é freqüente nos pacientes portadores de DPOC,
eles constituem um grupo de alto risco para CPP. Deve-se
considerar, também, que a incidência de CPP está diretamente relacionada ao tipo de anestesia e cirurgia a realizar, bem como ao tempo cirúrgico. Por isso, a avaliação
pré-operatória tem por objetivo, além de quantificar este
risco, orientar os cuidados fisioterápicos e a instituição de
terapêutica farmacológica plena para tentar-se maximizar a função pulmonar e, conseqüentemente, atenuar o
risco cirúrgico.
As cirurgias realizadas com anestesia local geralmente
apresentam baixo risco para CPP. Nesta categoria são muito
S 28
freqüentes as cirurgias oftálmicas, nas se quais deve manter o paciente com DPOC compensado de modo que consiga suportar dentro do possível o decúbito horizontal sem
tosse, expectoração e dispnéia no intra-operatório. No
pós-operatório é fundamental mantê-los sem tosse, para
impedir o aumento da pressão intra-ocular.
Nas cirurgias com anestesia geral, o local da incisão
cirúrgica é fator determinante do aparecimento de complicações.
A diminuição dos volumes e das capacidades pulmonares ocorre em todas as cirurgias com incisão e manipulação de cavidades, enquanto nas cirurgias periféricas as
alterações são mínimas. Tanto nas cirurgias torácicas como
nas abdominais altas (incisão operatória acima da cicatriz
umbilical), evidencia-se queda de 50 a 60% da capacidade vital nas primeiras 24 a 48 horas, e estes valores retornam progressivamente aos níveis pré-operatórios em uma
a duas semanas. Em pacientes submetidos a estas cirurgias
verifica-se mudança no padrão ventilatório, que acarreta
diminuição no volume corrente em até 25% do seu valor
pré-operatório e aumento da freqüência respiratória em
torno de 20%, o que mantém o volume-minuto inalterado. A causa direta destas alterações é a disfunção diafragmática que resulta de um reflexo inibitório do nervo frênico, desencadeado pela estimulação de receptores durante
a manipulação visceral.
Durante o ato cirúrgico e no pós-operatório imediato é
comum a ocorrência de hipoxemia arterial secundária à
desproporção entre a ventilação e a perfusão das unidades alvéolo-capilares. A pressão parcial de oxigênio no
sangue arterial pode decrescer em até 30% nas cirurgias
torácicas e abdominais altas. Nas cirurgias abdominais
baixas, esta queda é menor, entre 10 e 18%, enquanto
nas cirurgias periféricas ela é de somente 5%, estando
associada tão-somente à administração de anestesia geral. Nesta modalidade anestésica, o volume torácico diminui devido ao relaxamento do diafragma e ao seu deslocamento cefálico, com decréscimo da capacidade residual
funcional (CRF), que, aliada à compressão do tecido pulmonar, favorece o aparecimento de atelectasia. Outra alteração decorrente da anestesia geral consiste no acúmulo de secreções durante a cirurgia, por diminuição da depuração mucociliar.
A retenção aguda de gás carbônico pode tornar-se um
problema nos portadores de DPOC, que em geral apresentam uma sensibilidade aumentada aos efeitos anestésicos
depressores da função ventilatória, requerendo monitorização cuidadosa durante o ato anestésico.
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
Abordaremos inicialmente a avaliação do portador de
que será submetido a cirurgia geral e reservaremos
um tópico à parte para a ressecção pulmonar, que requer
uma avaliação mais complexa.
DPOC
Cirurgias sem ressecção pulmonar
Na avaliação pré-operatória do paciente com DPOC,
além da história clínica e do exame físico, serão solicitados os seguintes exames complementares: hematócrito
ou hemoglobina, independentemente da idade; glicemia
de jejum e creatinina sérica nos pacientes com mais de 40
anos; eletrocardiograma; ecocardiograma se houver sinais
de cor pulmonale ou suspeita de hipertensão pulmonar;
radiografia de tórax nas posições ântero-posterior e perfil; espirometria antes e após o uso de broncodilatador, e
gasometria arterial. A análise da espirometria e dos gases
arteriais é fundamental para estabelecer o estadiamento
da DPOC.
Entretanto, a utilização da espirometria como fator prognóstico de CPP no pós-operatório é polêmica e muitas
vezes não traz nenhum valor adicional à história e ao exame físico destes pacientes. Em outro trabalho realizado
em portadores de DPOC, observou-se que na cirurgia abdominal alta eletiva encontram-se quatro categorias de risco
para CPP, baseadas na presença ou ausência dos seguintes fatores: tempo cirúrgico superior a 210 minutos, presença de outra doença clínica além da DPOC, mais precisamente a hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e cardiopatia de qualquer natureza.
Neste trabalho, bem como em outros citados na literatura, o diagnóstico clínico de DPOC é um marcador da
ocorrência de complicação pulmonar pós-operatória melhor do que o valor do VEF1 ou de VEF1/CVF.
Cirurgias com ressecção pulmonar
Atualmente, a principal indicação para ressecção pulmonar na DPOC ocorre no diagnóstico ou no tratamento
de neoplasia de pulmão. Os pacientes com câncer de pulmão apresentam uma associação maior com a DPOC, provavelmente devido ao hábito de fumar. Alguns estudos
mostraram que aproximadamente 90% dos pacientes com
câncer de pulmão apresentam sinais e sintomas de doença pulmonar obstrutiva crônica e que pelo menos 20%
destes têm disfunção pulmonar grave.
A avaliação pré-operatória dos pacientes com DPOC deve
identificar os fatores de risco da cirurgia e determinar se a
relação risco-benefício torna a cirurgia aconselhável, enfatizando a estimativa da viabilidade funcional no pós-operatório.
Deve-se ter em mente que, ao avaliar um paciente que
vai sofrer ressecção pulmonar, não há um único teste que
possa prever sua evolução no período pós-operatório.
Além disso, a avaliação deve prever que a extensão da
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
ressecção pode ser maior que a estimada no período préoperatório devido à constatação de doença mais extensa
que a inicialmente suspeitada no estadiamento pré-operatório.
Quando se realiza pneumectomia, ocorre deslocamento do mediastino, permitindo que o pulmão remanescente se expanda para preencher a cavidade torácica. Esta
distensão pulmonar é maior em pacientes idosos, causando prejuízo na mecânica pulmonar que levará à diminuição da eficiência da troca gasosa.
A pneumonectomia pode reduzir permanentemente a
função pulmonar em 40% a 50%, com sérias conseqüências para o paciente com DPOC. Por isso, recomenda-se
que as ressecções sejam mais econômicas e com a menor
perda de tecido funcional possível. Nesta avaliação devese enfatizar o conceito de tecido em funcionamento, ou
seja, se a região a ser ressecada não tem função, ocorrerá
apenas diminuição temporária de função atribuível à toracotomia.
O pulmão normal apresenta grande reserva funcional,
sendo capaz de aumentar sua ventilação e de acomodar
grande aumento de volume sanguíneo. A ressecção de
parênquima pulmonar, apesar de sacrificar parte desta
reserva, pode ser suportada se o tecido remanescente for
normal. Os efeitos funcionais da ressecção pulmonar dependem da função pulmonar preexistente e da capacidade de adaptação do tecido remanescente. Desta maneira,
o conceito de reserva funcional é importante e torna-se
crítico para o paciente com doença pulmonar ou cardíaca
que será submetido à ressecção pulmonar.
Apesar de a avaliação pré-operatória e a tentativa de
prever complicações ser tradição entre os cirurgiões desde o tempo da cirurgia para tratamento da tuberculose,
existe ainda grande divergência sobre o método mais eficiente em predizer risco para CPP. Na avaliação destes
pacientes deve-se estimar a função pulmonar que permanecerá após a cirurgia, de modo a diminuir o risco de
desenvolvimento de insuficiência respiratória crônica, cor
pulmonale e morte. Os critérios usados tradicionalmente
fundamentam-se no exame clínico e na avaliação das funções cardiovascular e respiratória em repouso.
Inicialmente, os testes de função pulmonar em repouso
constituem boa avaliação da função respiratória global,
mas não são suficientes para estimar o risco do aparecimento de complicações pós-ressecção pulmonar. Embora
o risco de insuficiência respiratória ou óbito seja maior
em paciente masculino adulto com VEF1 < 2L ou 50% do
previsto, VVM < 50% ou DCO < 60% do previsto, estes
testes não podem ser determinantes na decisão sobre a
viabilidade cirúrgica do paciente. Portanto, resultados anormais destes testes servem somente para indicar a necessidade de exames mais complexos que definam com maior
especificidade a capacidade funcional regional do pulmão
S 29
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
e, com isto, quais são os pacientes capazes de suportar a
ressecção proposta.
Alguns métodos de avaliação da função pulmonar unilateral caíram em desuso por dificuldades técnicas, desconforto para o paciente e dificuldade de reprodutibilidade. Atualmente utiliza-se o mapeamento quantitativo de
perfusão com tecnécio e ventilação com xenônio para fazer a estimativa quantitativa da função pulmonar pós-operatória. Por meio deste método, conta-se o número de
segmentos broncopulmonares a serem ressecados e aplica-se uma fórmula simples para prever o VEF1 pós-ressecção ou o VEF1 previsto para o pós-operatório (VEF1 ppo):
VEF1 ppo =
VEF1 pré-operatório x (total de segmentos - segmentos ressecados)
nº total de segmentos
A cirurgia pode ser realizada de modo seguro se o VEF1
previsto para o pós-operatório for maior que 800ml ou
40% do previsto para a idade, o sexo e a altura do paciente. Quando este critério não é preenchido, associa-se a
estas avaliações em repouso o estudo do consumo máximo de O2 (VO2max) durante o exercício como método capaz de estimar a morbidade e a mortalidade pós-toracotomia. O princípio deste estudo visa estabelecer a capacidade de resposta dos sistemas cardiovascular e respiratório
ao exercício. O VO2max não depende apenas da função
pulmonar, mas é processo que resulta da interação entre
a função pulmonar, a performance cardiovascular e a utilização de oxigênio pela periferia.
Os pacientes com VO2max superior a 20ml/kg/min apresentam menor risco de complicações, entre 10 e 15ml/
kg/min haveria risco intermediário e abaixo de 10ml/kg/
min o óbito é mais provável. Comparando-se estes valores obtidos pela maioria dos autores com a classificação
de prejuízo funcional da ATS (1986), o VO2max superior a
25ml/kg/min corresponde a indivíduo que pode desempenhar qualquer função, entre 20 e 25ml/kg/min ao que
apresenta restrição leve e entre 15 e 20ml/kg/min a restrição moderada. Entre 10 e 15ml/kg/min, o prejuízo seria
intenso e o paciente não seria capaz de trabalhar. O VO2max
inferior a 10ml/kg/min corresponderia, portanto, a disfunção muito intensa. Resumindo, para valores inferiores
a 10ml/kg/min ou superiores a 20ml/kg/min, provavelmente a avaliação clínica é suficiente.
As informações fornecidas pelo teste de exercício permitem melhor entendimento da fisiopatologia cardiopulmonar, possibilitando prever o comportamento do paciente
frente à situação de estresse representada pelo evento cirúrgico. O teste de exercício deve ser visto como um método útil que fornece informações funcionais complementares a respeito dos pacientes que não teriam acesso à
cirurgia, baseando-se em outros critérios de seleção.
S 30
Quando o VEF pós-operatório previsto for menor que
40%, o paciente deverá ser encaminhado a serviço terciário.
Reconhecendo a limitação de todo e qualquer método,
não se deve excluir a possibilidade de submeter o paciente a cirurgia, com base apenas no resultado de um teste.
A cintilografia pulmonar avalia a função regional do pulmão, enquanto o teste de exercício analisa o sistema cardiopulmonar de transporte de oxigênio. Assim, as informações obtidas com estes métodos devem ser complementares na avaliação global do paciente.
Nos casos de pneumonectomia, a ocorrência ou agravamento de hipertensão pulmonar pode ser prevista pela
oclusão temporária com balão da artéria pulmonar homolateral, com ou sem exercício. A elevação da pressão média
da artéria pulmonar acima de 35mmHg ou a queda da
PaO2 abaixo de 45mmHg após oclusão do ramo direito ou
esquerdo com exercício indica a incapacidade de tolerar a
retirada desta quantidade de parênquima pulmonar.
A avaliação pré-operatória, com o intuito de estimar o
risco de ocorrência de CPP, teria pouco valor se não fosse
possível ao médico manipular ao menos em parte alguns
dos fatores. As manobras capazes de diminuir o risco de
complicações pulmonares no pós-operatório de cirurgias
eletivas devem ser instituídas no pré, intra e pós-operatório.
RECOMENDAÇÕES GERAIS DE CUIDADO AOS PACIENTES COM DPOC
QUE SERÃO SUBMETIDOS A CIRURGIA:
1. No pré-operatório
Ø Informar e integrar a equipe médica que assiste o paciente, especificando os riscos e elaborando um plano
de tratamento para estes pacientes;
Ø melhorar o estado nutricional;
Ø interromper o consumo tabágico pelo menos oito semanas antes do ato operatório, se a cirurgia for eletiva;
Ø manter o paciente assintomático ou no seu melhor estado, mesmo que haja necessidade de utilizar dose
máxima de broncodilatadores, corticosteróides e antibioticoterapia;
Ø internar 72 horas antes da cirurgia os casos que permanecerem sintomáticos a despeito de máxima medicação oral, para instituir medicação endovenosa e broncodilatadores inalatórios em horários fixos;
Ø instruir e se possível iniciar fisioterapia respiratória;
Ø preparar psicologicamente o paciente;
Ø iniciar profilaxia para trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar em pacientes selecionados.
2. No intra-operatório
Ø Diminuir o tempo anestésico e cirúrgico;
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
Ø manter a medicação utilizada no pré-operatório e, nos
pacientes em uso crônico de corticosteróides, aumentar a dose usual para evitar insuficiência adrenal durante o estresse cirúrgico.
3. No pós-operatório
Ø Retirar o paciente da ventilação mecânica e da intubação orotraqueal em condições ideais;
Ø manter a medicação estabelecida no pré-operatório;
Ø diminuir a utilização de narcóticos para analgesia;
Ø manter fisioterapia respiratória no mínimo por sete dias
nas cirurgias torácicas e abdominais com incisão acima e três dias nas cirurgias com incisão abaixo da cicatriz umbilical;
Ø deambulação precoce;
Ø manter profilaxia para TVP e TEP até iniciar deambulação.
15. AVALIAÇÃO DA
QUALIDADE DE VIDA
Considerações iniciais
Nos últimos anos tem-se percebido em todo o mundo
científico um aumento do interesse na qualidade de vida.
Ao contrário do termo “deficiência física”, o termo “qualidade de vida” (QV) é difícil de definir precisamente. Uma
conduta útil é ver a QV como uma separação entre aquilo
que é desejável e aquilo que é alcançável. Na realidade,
ela expressa o impacto da doença no estilo de vida pessoal individual do paciente.
Sabemos que os dois objetivos principais da Medicina
com relação às doenças incuráveis, como é o caso da DPOC,
são um aumento da duração da vida do indivíduo e uma
melhoria da qualidade de vida. É importante que coloquemos sempre a melhoria da qualidade de vida como um
objetivo tão importante quanto o aumento do tempo de
vida.
A avaliação do paciente com DPOC por meio da espirometria é suficiente para nos dar uma idéia global da qualidade de vida deste paciente? Não, pois já está demonstrado que a correlação dos índices espirométricos com vários fatores que alteram a qualidade de vida desses pacientes, tais como sensação de dispnéia, tolerância ao
exercício, quantidade de expectoração, freqüência de tosse, fadiga, ansiedade e depressão, é pequena ou quase
nula. Como devemos, então, avaliar a qualidade de vida
em pacientes com DPOC? A avaliação da QV é feita por
meio da aplicação de questionários que produzem uma
expressão numérica que será utilizada para calcular o impacto da doença no paciente e para avaliar comparativamente os resultados obtidos após uma determinada terapêutica. Há atualmente considerável evidência mostrando que os questionários de qualidade de vida fornecem
estimativas válidas dos distúrbios das atividades diárias e
do bem-estar.
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
Medidas feitas com questionários adequadamente desenvolvidos e validados não são diferentes de qualquer outra
medida em Medicina, como, por exemplo, valores normalizados de espirometria. A avaliação da QV possibilita,
assim, a comparação de diferentes tipos de tratamento da
mesma doença, permitindo, ainda, recomendar um tratamento específico quando diferentes tratamentos mostram
os mesmo efeitos na morbidade e mortalidade.
Classificação dos questionários de qualidade de
vida
Os questionários de qualidade de vida podem ser classificados quanto à abordagem utilizada e quanto à doença
avaliada.
CLASSIFICAÇÃO QUANTO À ABORDAGEM UTILIZADA
Quanto à abordagem utilizada, temos dois tipos básicos
de questionários. O primeiro usa uma pergunta global
única, por exemplo: “Quanto a sua doença pulmonar o
afeta em suas atividades diárias?” Esta abordagem é chamada de holística. As respostas a este tipo de pergunta
podem ser quantificadas usando-se, por exemplo, uma
escala de zero a cinco, com rótulos que variam de “nada”
a “muito”. O outro tipo de abordagem é chamada de “decomposta”, visto que a área de interesse é fracionada em
várias alterações específicas. Por exemplo, a seção relacionada com a atividade diária, em um questionário de
abordagem decomposta, também chamado de questionário decomposto, conterá vários itens que perguntam sobre diferentes tipos de atividade e sobre diferentes maneiras por meio das quais estas podem estar alteradas. Em
questionários deste tipo, a alteração global da atividade
física é medida pela reunião das respostas às perguntas
individuais. A abordagem “holística” é rápida, fácil de
aplicar e quantificada em escala. Os questionários decompostos são mais longos e de uso mais complexo. É claro
que seria mais vantajoso se um questionário simples demonstrasse ser tão sensível e confiável quanto um questionário complexo. O que ocorre, porém, é que aparentemente todas as perguntas holísticas podem subestimar o
impacto das doenças das vias aéreas na saúde percebida
pelo paciente, a despeito da maneira como são realizadas. Os questionários complexos são, pois, necessários
para estimativas sensíveis e confiáveis.
CLASSIFICAÇÃO QUANTO À DOENÇA AVALIADA
Os questionários de qualidade de vida podem ser divididos ainda em questionários gerais e questionários específicos para a doença. Os questionários gerais permitem
comparações entre populações com doenças diferentes,
sendo que os questionários específicos foram desenvolvidos para uma alta sensibilidade dentro de uma condição
clínica limitada e especificada. Questionários específicos
para DPOC foram desenvolvidos a partir de dados recolhi-
S 31
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
dos de populações de pacientes com esta doença. Os principais questionários “específicos para a doença” relacionados com as doenças de vias aéreas são o Questionário
Respiratório Crônico (QRC) e o Questionário de Doenças
Respiratórias do Hospital St. George (SGRQ).
O Questionário Respiratório Crônico foi o primeiro
questionário “específico para a doença desenvolvido para
a DPOC, por Guyatt e colaboradores. Ele tem três componentes padronizados cobrindo emoção, fadiga e domínio
sobre a doença. Este questionário é de alta especificidade, mas fornece resultados numéricos difíceis de comparar estatisticamente entre indivíduos. O QRC não é, pois,
pelos motivos já expostos, adequado para definir uma
população ou fazer comparações dentro dela.
O Questionário do St. George foi desenvolvido pelo
grupo do Prof. Paul Jones para permitir comparações diretas de ganho de saúde a obter com diferentes tipos de
terapêutica, tanto na asma quanto na DPOC. Foi desenvolvido de maneira a ser utilizado em estudos de longa
duração e é completamente padronizado. O questionário
tem três componentes: sintomas, cobrindo o desconforto
devido a sintomas respiratórios; atividade, avaliando alterações da atividade física; e impactos, avaliando o impacto global na vida diária e no bem-estar do paciente. Um
escore total também é calculado e varia de zero, representando saúde total, a cem, que corresponde ao pior estado possível. Demonstrou-se que este questionário pode
identificar mudanças na saúde num período de aproximadamente um ano e agrupar mudanças em vários aspectos
diferentes da doença. O questionário tem pesos específicos e estes pesos parecem ser válidos para ambos os sexos, uma larga faixa de idade e uma extensa variação de
gravidade de doença. O SGRQ apresenta ainda boa reprodutibilidade, tornando-o adequado para estudos comparativos, de longa duração, relacionados com o efeito das
doenças das vias aéreas nas atividades diárias e no bemestar dos pacientes. Já existe uma versão oficial do SGRQ
em português autorizada pelo Prof. Paul Jones e validada
no Brasil.
Temos de ponderar que nenhum dos questionários utilizados atualmente é recomendado na prática diária, mas
que a avaliação da QV deve, obrigatoriamente, ser considerada em todos os trabalhos clínicos envolvendo pacientes com DPOC, sendo um ponto crucial a levar em conta
na elaboração de estratégias terapêuticas e na avaliação
dos resultados das mesmas. No momento, pelos motivos
já expostos, recomendamos o uso do SGRQ.
16. AVALIAÇÃO
DO ESTADO NUTRICIONAL
Considerações iniciais
Têm-se descrito perda de peso, valores de peso do corpo abaixo do ideal e alterações dos indicadores bioquími-
S 32
cos utilizados como índices do estado nutricional em pacientes com DPOC durante os períodos de estabilidade e
de exacerbação da doença. A desnutrição afeta a sobrevida, a capacidade muscular aeróbia e a tolerância ao exercício em pacientes com DPOC clinicamente estáveis.
A prevalência de desnutrição em pacientes com DPOC
é variável, dependendo da população estudada e do indicador utilizado para avaliar o estado nutricional. Na literatura há relatos de valores de aproximadamente 20% em
pacientes clinicamente estáveis e de 50% em pacientes
hospitalizados. Estudos retrospectivos mostram que a redução nos valores do peso ideal e no índice de massa
corpórea são indicadores de prognóstico pior, independentemente da gravidade da obstrução ao fluxo aéreo.
Uma publicação recente trouxe evidências adicionais neste sentido e também mostrou que o efeito negativo do
baixo peso na sobrevida dos pacientes com DPOC pode
ser revertido pela utilização de terapia nutricional adequada, pelo menos em alguns pacientes.
Fisiopatologia
Várias etiologias têm sido propostas para a deficiência
nutricional observada em pacientes com DPOC, embora
os mecanismos envolvidos não estejam completamente
esclarecidos. Desequilíbrio entre a ingestão e o gasto energético, devido à diminuição da ingestão ou aumento do
gasto energético, parece ocorrer na maioria dos casos.
Alguns estudos mostraram que durante períodos de estabilidade da doença a ingestão energética está normal ou
até aumentada em relação aos valores recomendados.
Dados da literatura mostram que pacientes com DPOC
desnutridos apresentam valores de gasto energético basal
(GEB) maiores que os valores previstos quando comparados com pacientes com DPOC sem evidências de desnutrição e indivíduos normais. Portanto, pacientes com DPOC
revelam adaptação inadequada à perda de peso, uma vez
que não apresentam diminuição da demanda energética
normalmente associada à desnutrição. Atribui-se o GEB
elevado observado nestes pacientes ao aumento do trabalho ventilatório, à produção aumentada de mediadores inflamatórios e à influência das medicações. Relatam-se efeitos estimulantes das medicações broncodilatadores, tais
como β2-estimulantes e teofilina, no GEB e gasto energético diário (GED). Além disso, estudos recentes evidenciaram que os pacientes com DPOC apresentam valores de
GED mais elevados que controles normais, sugerindo aumento do gasto energético para atividades. Entretanto,
não há evidências suficientes de que o hipermetabolismo
seja a única explicação para a perda de peso nestes pacientes. Em primeiro lugar, nem todos os pacientes que
perdem peso são hipermetabólicos e, além disso, o hipermetabolismo verificado poderia ser facilmente contrabalançado se os pacientes aumentassem a ingestão calórica.
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
Ainda não se sabe se a perda de peso ocorre de forma
gradual nos períodos de estabilidade da doença, ou de
forma abrupta durante os períodos de exacerbação da
doença. De qualquer maneira, os períodos de exacerbação representam uma ameaça adicional ao estado nutricional desses pacientes. De fato, um estudo recente mostrou que durante esses períodos os pacientes apresentaram balanço negativo de nitrogênio apesar da ingestão
energética e protéica elevada. Além disso, outro estudo
revelou que durante os períodos de exacerbação os pacientes apresentaram diminuição da ingestão e aumento
do GEB com conseqüente balanço energético negativo.
Em resumo, os mecanismos da perda de peso não estão completamente esclarecidos, porém os dados disponíveis até o momento sugerem que a etiologia seja multifatorial, incluindo hipermetabolismo, presença de mediadores inflamatórios e alterações produzidas pelo tratamento
e a exacerbação da doença.
Suplementação alimentar
Há dois grupos de pacientes com DPOC que podem ser
beneficiados com o suporte nutricional: 1) pacientes desnutridos ou que estão perdendo peso e 2) pacientes apresentando exacerbação da doença. A avaliação nutricional
ajuda a identificar esses dois grupos de pacientes. Podemse utilizar medidas antropométricas e de impedância bioelétrica para avaliar a composição do corpo. A perda de
peso de até 10% em seis meses é classificada como significante e é considerada grave. O peso do corpo pode também ser expresso como percentagem do ideal, de acordo
com tabelas padrão, e valores menores que 90% estão
associados com maior mortalidade. Valores de índice de
massa corpórea (IMC) expresso pela relação peso/estatura2 menores que 18,5 são também considerados indicadores de risco nutricional.
A duração do suporte nutricional é variável na literatura. Os estudos mostram que, embora suplementação alimentar por curtos períodos de tempo (2-4 semanas) resulte em pequeno ganho de peso, apenas programas de
longo prazo (três meses) se associam com ganho de peso
significante e com melhora dos escores de dispnéia e qualidade de vida. Durante a suplementação alimentar em
pacientes com DPOC é muito importante adequar a ingestão à demanda. A oferta de calorias superior às necessidades do paciente, na forma de carboidrato, gordura ou
ambas, resulta em lipogênese e, conseqüentemente, está
associada com aumento do quociente respiratório, devido
ao aumento da produção de CO2. Indivíduos normais aumentam a ventilação e evitam a hipercapnia, mas pacientes com DPOC não são capazes de aumentar a ventilação
adequadamente, o que pode resultar, pelo menos em teoria, em insuficiência respiratória hipercápnica e dificuldade de desmame da ventilação mecânica. Portanto, para
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
evitar que a necessidade calórica seja subestimada nos
pacientes hipermetabólicos, ou seja, que se ofereça excesso de calorias, o GEB deve ser estimado ou medido
diretamente. Alguns estudos sugerem que uma ingestão
calórica ajustada para 1,7 vez o GEB estaria associada com
ganho de peso e melhoraria a força muscular respiratória
e periférica. Quando o GEB não é medido, podem-se utilizar valores de 35 a 40kcal/kg/dia para estimar as necessidades energéticas diárias. Um modo simples de completar as necessidades energéticas diárias seria acrescentar à
ingestão normal um suplemento diário de bebida com alto
valor energético (200ml = 430kcal). A necessidade de
proteína é igual à utilizada para outros pacientes, aproximadamente 20% do total da energia fornecida, ou 1-2g/
kg/dia.
A mistura ideal de substrato para pacientes com DPOC
não está definida. Dietas com alto teor de lipídios têm
sido recomendadas porque, sob condições ideais, sua utilização produz menos CO2 por O2 consumido que carboidrato. Entretanto, quando a oferta energética é adequada, o benefício da oferta de calorias não protéicas, com
relação de carboidrato/lipídio diferente da tradicional,
permanece incerto. Em pacientes com DPOC clinicamente estáveis, a administração por longo prazo de dietas com
alto valor energético (~2 x GEB), com aproximadamente
55% de carboidratos, não resultou em alterações no GEB,
no escore de dispnéia ou nos valores de CO2 no sangue.
O uso de agentes anabolizantes tem sido sugerido para
os pacientes com DPOC desnutridos, com a finalidade de
promover o aumento da massa magra corpórea. Estudos
randomizados em pacientes utilizando esteróides anabolizantes durante períodos de três a 27 semanas mostraram
aumento da massa magra. Entretanto, não se observaram
alterações na tolerância ao exercício nos escores de dispnéia e a melhora da força muscular respiratória não foi
consistente. Apesar de não se terem constatado efeitos
colaterais nestes trabalhos, a literatura descreve como efeitos adversos destas medicações sinais de retenção hídrica, artralgia difusa, intolerância à glicose, hipertensão,
doenças cardiovasculares, malignidades e aumento do GEB.
Portanto, no momento, o uso dos agentes anabolizantes
deve ser restrito a trabalhos de pesquisa.
A orientação nutricional deve sempre incluir o aconselhamento dietético e a sua adequação ao poder aquisitivo
do paciente. Somente quando a ingestão oral for insuficiente é que os suplementos podem ser necessários. Para
complementar a ingestão dietética normal, o suplemento
pode ser administrado no início da noite, após o paciente
ter ingerido todas as calorias da dieta habitual. O uso de
alimentação enteral ou parenteral deve ser reservado para
os pacientes que não conseguem ingerir a quantidade adequada de energia por via oral. De fato, intervenções mais
agressivas, tais como a nutrição enteral noturna, podem
S 33
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
levar preferencialmente à expansão da massa de gordura
sem melhora das funções fisiológicas.
Em conclusão, para os pacientes com DPOC, o suporte
nutricional deve ser instituído nos grupos de risco específicos. Sempre que possível, a suplementação deve ser por
via oral, com a quantidade ideal de macro e micronutrientes. Os objetivos são conseguir ganho de peso, preferencialmente como massa muscular, melhorar a função pulmonar e dos músculos respiratórios, a capacidade de exercício e a qualidade de vida.
17. AVALIAÇÃO
DO SONO
Há referência na literatura sobre aumento na prevalência de insônia, dificuldade para iniciar ou manter o sono e
de sonolência diurna excessiva em pacientes com bronquite crônica e enfisema pulmonar. Estas manifestações
provavelmente ocorrem por fragmentação do sono, como
demonstram vários autores, devido principalmente aos
sintomas respiratórios noturnos, como tosse e dispnéia.
Drogas como metilxantinas e β2-adrenérgicos e mesmo
corticosteróides têm sido relacionadas à insônia em pacientes com DPOC. O clínico deve analisar a relação custo-eficácia da utilização destes fármacos, que aliviam as
queixas noturnas acima citadas, mas podem levar à alteração da qualidade do sono.
Em relação ao álcool ingerido no período vespertino ou
drogas como hipnóticos e tranqüilizantes, os mesmos devem ser evitados, pelos riscos de relaxamento da musculatura da faringe e agravamento do quadro de hipoventilação e hipoxemia. Podem mesmo levar à apnéia obstrutiva
do sono, principalmente em pacientes “roncadores” ou
com síndrome da resistência das vias aéreas superiores.
Quando a hipersonolência diurna for sintoma marcante, especificamente num paciente com história de ronco
interrompido por pausas (observado por familiares), há
suspeita de síndrome da apnéia do sono obstrutiva (SASO)
associada à DPOC. Outros sinais sugestivos da associação
DPOC e SASO (síndrome mista) são: obesidade, policitemia, às vezes desproporcional à hipoxemia diurna, hipertensão pulmonar e insuficiência cardíaca direita. Nestas
condições é indicado um exame polissonográfico para
avaliação de eventos respiratórios noturnos (apnéia e hipopnéia), episódios de dessaturação da oxiemoglobina,
características da arquitetura do sono e, eventualmente,
de outras anormalidades identificadas no EEG e na eletromiografia dos membros.
Em pacientes com DPOC hipoxêmicos durante o dia (PaO2
< 55mmHg), não há dúvidas para a indicação de oxigenoterapia contínua ou pelo menos noturna, uma vez que
S 34
estes pacientes certamente vão agravar sua hipoxemia
durante a noite.
Entretanto, mesmo em pacientes com PaO2 > 60mmlHg,
existe referência a um subgrupo que apresentou dessaturação significante (SaO2 ≤ 88%), principalmente no sono
REM, associada a hipoventilação e a alterações da ventilação/perfusão. Nestas condições deve-se indicar oxigenoterapia noturna. Para estes indivíduos há referências a
aumento da pressão da artéria pulmonar associado aos
episódios de redução da PaO2 e a maior incidência de batimentos ectópicos ventriculares, que foram revertidos com
a utilização de oxigênio.
Embora não se cogite da indicação de polissonografia
clássica nesses pacientes com DPOC e PaO2 > 60mmHg,
podem-se empregar medidas mais simples como avaliação da oximetria de pulso durante o sono em casos com
suspeita de dessaturação noturna baseada na análise clínico-funcional cardiorrespiratória, embora o valor previsivo
desta última não seja grande.
Para pacientes com apnéia do sono, a medida terapêutica indicada no presente é pressão positiva contínua via
nasal (CPAP nasal) ou ventilação com pressão positiva intermitente, associada ou não a oxigênio.
18. AVALIAÇÃO
DA CAPACIDADE DE EXERCÍCIO
Deve ser indicada no diagnóstico diferencial das dispnéias num paciente com DPOC quando existe suspeita de
doença pulmonar e cardíaca concomitante, visto que essas não são avaliadas satisfatoriamente nos testes específicos no repouso.
Além das alterações cardiorrespiratórias, outras condições devem ser consideradas como possivelmente responsáveis pela limitação do desempenho físico, sendo as mais
comumente descritas o sedentarismo, a obesidade acentuada, doença músculo-esquelética, anemia e psicogênica
ou simulação.
Atualmente, o teste de exercício não invasivo mais indicado para avaliação aeróbia é o teste com incrementos de
carga, realizado na bicicleta ergométrica ou na esteira,
sendo avaliadas, durante os incrementos de carga e no
exercício máximo, variáveis metabólicas tais como consumo máximo de oxigênio e limiar anaeróbio, ventilatórias
tais como ventilação no exercício máximo e sua relação
com a ventilação voluntária máxima no repouso, equivalentes ventilatórios para O2 e CO2; trocas gasosas, como
saturação de oxiemoglobina, gasometria arterial e relação VEM/VC; e cardiovasculares, como alterações de eletrocardiograma, da pressão arterial sistêmica e da freqüência cardíaca.
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
Unidade IV – Das novas abordagens terapêuticas
19. CESSAÇÃO
DO TABAGISMO
Em relação à terapêutica do paciente com DPOC, o item
relativo à cessação do tabagismo deve ser um dos primeiros a ser abordado. Talvez um dos aspectos que mais tenha mudado nos últimos anos em relação ao tabagismo é
a compreensão de que o fumo está associado à dependência farmacológica e comportamental. Não há mais
dúvida de que a dependência da nicotina tem uma participação fundamental no consumo tabágico e que é o maior
obstáculo para aqueles que estão tentando deixar de fumar.
Reconhece-se hoje que o cigarro tem por volta de 4.700
substâncias, mas só a nicotina é que vicia o fumante. É
evidente que outros fatores contribuem para que o indivíduo fume, como o prazer e o hábito, mas eles têm um
peso pequeno e são mais facilmente abordados.
O fumante pode ser orientado de modo individual ou
participar de um grupo. De qualquer modo, em qualquer
programa para deixar de fumar, a determinação do fumante e a sua força de vontade ainda continuam sendo os
fatores mais importantes.
Os métodos empregados em qualquer dos dois modos
de abordagem incluem tratamento medicamentoso, educação e aconselhamento sobre saúde, e adoção de métodos comportamentais.
Já está provado que o aconselhamento sistemático por
parte do médico, em cada consulta, mesmo que por curto
tempo, faz com que 2 a 3% dos fumantes deixem de fumar.
A educação em saúde consiste em esclarecer o indivíduo sobre os malefícios do tabagismo, especificamente
sobre como ele age para desenvolver os sintomas e sinais
da DPOC, e quais as vantagens que ele virá a ter deixando
de fumar. É importante esclarecer aos fumantes não sintomáticos que a DPOC não é a única doença relacionada
ao tabagismo, existindo outras 40, aproximadamente,
compreendendo vários tumores malignos, doenças cardiovasculares, infecções e envelhecimento cutâneo precoce.
O tratamento farmacológico inclui a reposição de nicotina, uso de bloqueadores α-adrenérgicos e antidepressivos.
Recomenda-se a todos fumantes altamente dependentes de nicotina a reposição de nicotina, o que ocorre na
maioria dos indivíduos que fumam pelo menos 20 cigarros ao dia, para evitar a síndrome de abstinência da nicotina. Os sintomas mais comuns da síndrome de abstinênJ Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
cia são instabilidade, frustração ou raiva, ansiedade, dificuldade de concentração, impaciência e insônia. A nicotina pode ser reposta por vários modos, sendo que no nosso mercado pode-se prescrevê-la como goma de mascar
ou adesivo transcutâneo. Cada goma de mascar contém
2mg de nicotina e tem a vantagem de gerar rápidas elevações de concentração de nicotina no sangue, de certo modo
mimetizando o comportamento da nicotinemia do fumante. Por outro lado, ela tem as desvantagens de requerer
uma técnica adequada de mascá-la, de aumentar a possibilidade de câncer na mucosa oral e de poder causar náuseas. A goma de nicotina costuma liberar 50% de sua
concentração de nicotina na boca. Assim, 10 a 12 doses
por dia fornecem em torno de 10mg de nicotina por dia,
o equivalente a um terço da quantidade de 30 cigarros
por dia. O adesivo transdérmico de nicotina também se
tem mostrado como um bom modo de reposição de nicotina. Tem a vantagem de manter a nicotinemia constante
durante o dia, mas tem a desvantagem de não mimetizar
os “picos e vales” da nicotinemia que ocorre nos fumantes. As concentrações de nicotina no adesivo variam de
10 a 30mg e deve-se começar pela concentração mais
alta, diminuindo progressivamente. O mais comum é usar
cada concentração por um mês. Nos primeiros dias pode
ocorrer erupção cutânea pruriginosa no local aplicado.
Demonstrou-se que a reposição de nicotina aumenta substancialmente o sucesso em deixar o tabagismo, apesar de
esses valores não passarem de 20%.
A despeito da constatação de que os fumantes correm
maiores riscos de apresentar quadros depressivos que os
não fumantes, os estudos iniciais com antidepressivos nos
programas de cessação de tabagismo são conflitantes.
Recentemente foi lançada no mercado uma droga antidepressiva, a bupropriona, que mostrou ser mais eficaz como
adjuvante no tratamento dos fumantes do que os antidepressivos anteriormente testados. A bupropriona é um
inibidor relativamente fraco da captação neuronal de noradrenalina, serotonina e dopramina e não inibe a monoaminooxidase. O seu mecanismo real não é totalmente
conhecido; presume-se que sua ação seja mediadora dopaminérgica e noradrenérgica. A dose diária máxima recomendada é de 150mg, duas vezes ao dia. Deve-se começar com 150mg/dia enquanto o paciente ainda está
fumando e talvez uma semana seja suficiente para alcançar um nível plasmático estável. O tratamento total deve
durar de sete a 12 semanas, mas a duração deve basearse nos riscos e benefícios individuais. A bupropriona deve
ser evitada em pacientes com história de convulsão, de
S 35
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
alteração do comportamento do apetite ou que estejam
tornando ou tenham tomado recentemente medicamentos inibidores da monoaminooxidase. Há trabalhos mostrando que a bupropriona isolada ou em associação com
terapêutica de reposição de nicotina aumenta substancialmente o sucesso em deixar de fumar.
20. REABILITAÇÃO
PULMONAR
Definição
Reabilitação pulmonar é um programa multiprofissional de cuidados a pacientes com alteração respiratória
crônica que é individualmente delineado e modelado para
otimizar o desempenho físico e social e a autonomia (ATS
1999).
Esta definição enfatiza a importância da integração do
paciente ao seu ambiente por meio da máxima utilização
do seu potencial atual nos aspectos clínico, mental, emocional, social e vocacional.
Recentemente, a reabilitação vem ganhando papel de
destaque como atividade obrigatória nos pré e pós-operatórios das cirurgias de redução de volume pulmonar e transplante de pulmão.
Análise crítica
Recentemente Lacasse e col. publicaram uma metanálise com o objetivo de avaliar o efeito da reabilitação pulmonar na capacidade de exercício e na qualidade de vida
dos pacientes com DPOC. A reabilitação foi definida como
treinamento por no mínimo quatro semanas, com ou sem
programa educacional ou suporte psicológico, ou com
ambos. Segundo os autores, os achados desta metanálise
apóiam amplamente a reabilitação pulmonar como parte
de programas de tratamento de pacientes com DPOC. Os
autores concluíram também que a reabilitação pulmonar
melhora a dispnéia e o auto-controle dos pacientes com
DPOC, o que clinicamente é muito importante. Entretanto, o valor da reabilitação para a manutenção dos benefícios obtidos a curto prazo não ficou bem estabelecido. Há
necessidade de estudos neste sentido. Quando se compara a reabilitação com o tratamento medicamentoso da
DPOC, constata-se que a reabilitação é responsável por
uma grande melhora na qualidade de vida e na capacidade funcional dos pacientes.
Objetivos
São objetivos a alcançar com a reabilitação pulmonar:
Ø
Ø
Ø
Ø
Ø
Redução dos dias de hospitalização.
Melhora da qualidade de vida.
Redução dos sintomas respiratórios.
Melhora dos sintomas psicossociais.
Aumento da tolerância e do desempenho no exercício.
S 36
Ø Retorno ao trabalho, para alguns pacientes.
Ø Aumento do conhecimento sobre sua doença e conduta.
Ø Aumento da sobrevida em alguns pacientes (os que utilizam oxigênio).
O programa de reabilitação
AVALIAÇÃO PREPARATÓRIA
Após uma avaliação inicial da função cardíaca por um
teste ergométrico, o paciente inicia uma série de outras
avaliações, tais como:
a) Oximetria durante as atividades da vida diária (AVD)
Solicita-se ao paciente que realize suas atividades cotidianas como pentear-se, escovar os dentes ou calçar e
descalçar sapatos tendo um oxímetro conectado ao seu
dedo; a finalidade é observar o grau de dessaturação nestas atividades, a fim de indicar ou não oxigenoterapia,
assim como tem finalidade educacional, para que o próprio paciente observe a maneira como estas atividades
são executadas e a dessaturação que elas provocam. Este
estudo das AVD serve também como orientação de técnicas de conservação de energia.
b) Avaliação nutricional
A avaliação nutricional deve ser simples, medida pelo
índice de massa corpórea (IMC), que é a relação do peso
(P) dividido pela altura ao quadrado (A2). Segundo a Organização Mundial de Saúde, a faixa de normalidade encontra-se entre 18 e 24,9kg/m². É importante o levantamento dos hábitos e gostos alimentares dos pacientes, assim
como o inquérito alimentar de três dias. Convém, se possível, medir pregas cutâneas e a circunferência do braço,
para avaliar a massa muscular.
c) Avaliação psicológica
A avaliação psicológica é capaz de indicar qual o grau
de motivação que o paciente dedicará ao programa e o
quanto a sua doença o incomoda psiquicamente, tornando-se um bloqueio às suas atividades e interferindo na sua
qualidade de vida. Deve-se lembrar que uma alta percentagem destes pacientes é depressiva. No início e ao término do programa de reabilitação aplicam-se questionários
de qualidade de vida, de depressão e de ansiedade. O único questionário de qualidade de vida para pacientes com
doença pulmonar crônica validado no Brasil é o de Doenças Respiratórias Crônicas do Hospital Saint George (Paul
Jones).
O PROGRAMA
Existem variações quanto aos programas utilizados.
Podemos citar, como exemplo básico de programa de treinamento, um que tenha duração de três meses, três vezes
por semana, baseado em treinamento de membros superiores e inferiores e programa educacional.
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
O treinamento de membros inferiores é realizado em
cicloergômetro ou em esteira rolante. São aspectos importantes a observar:
Ø Intensidade do exercício, que habitualmente é definida ao nível do limiar anaeróbio, ou em 80% da carga
máxima obtida em um teste incremental ou 80% da
freqüência cardíaca máxima obtida nesse mesmo teste.
Ø Duração do treinamento, que deve ser de 30 a 60
minutos de atividade aeróbia contínua ou descontínua.
A duração depende da intensidade do esforço.
Ø Freqüência do treinamento, de três a cinco dias por
semana.
Não existe um consenso sobre o melhor modo de treinar os membros superiores. Alguns centros utilizam faixas elásticas, outros, bastões ou pesos. Uma técnica que
recruta o maior número de músculos da cintura escapular
é o exercício em diagonais. O exercício com membros
superiores também deve ter uma duração de 30 minutos.
Estuda-se no momento se exercícios específicos para as
atividades da vida diária não trariam maior benefício ao
paciente.
O programa educacional é de extrema importância. O
paciente deve saber que doença tem e o porquê da sua
dispnéia. Deve também compreender como utilizar os seus
medicamentos, qual o valor dos exercícios e da reabilitação pulmonar e precisa aprender as técnicas de conservação de energia. Com este objetivo devem ser ministradas
aulas uma vez por semana para os pacientes e suas famílias.
Estratégias durante as atividades da vida diária:
a) Respiração com lábios semicerrados (pursed lip breathing) – a respiração com lábios semicerrados consiste
em uma inspiração nasal seguida de expiração pela boca,
de modo lento, com os lábios não totalmente abertos. A
respiração com lábios semicerrados é aprendida instintivamente pelos pacientes com DPOC quando estão dispnéicos. O paciente deve ser orientado a praticá-la sempre
que realizar algum tipo de atividade mais extenuante, como
andar depressa, subir escadas, etc.
b) Controle da respiração – controlar a respiração durante as atividades, para reduzir a dispnéia e a fadiga.
Expirar durante a parte mais extenuante da atividade e
usar a respiração labial e diafragmática. Ao subir escadas,
por exemplo, o paciente deve expirar ao elevar a perna
para vencer o degrau; a inspiração é realizada quando os
pés estão em repouso.
c) Organização do espaço físico – organizar os itens
mais freqüentemente utilizados na vida diária em gavetas,
armários e prateleiras situados entre o nível da cintura e
dos ombros, facilitando a sua utilização e evitando esforços desnecessários.
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
d) Postura – evitar curvar-se e levantar objetos. O paciente deve ser orientado a empurrar, puxar e afastar. Ele
deve permanecer sentado o máximo possível durante a
realização das suas atividades, principalmente naquelas
com maior gasto energético, como o banho. A posição
sentada reduz o gasto de energia em torno de 25% em
relação a estar de pé. Apoiar os cotovelos durante a realização de tarefas que tenham de sustentar o braço, como
comer e barbear-se, também é outra medida importante
para reduzir o gasto energético, assim como libera os
músculos da cintura escapular da sua ação de sustentação
dos membros superiores para a de ventilação.
21. CIRURGIA DE REDUÇÃO DO VOLUME PULMONAR
Considerações iniciais
Nos últimos 20 anos, os doentes com enfisema pulmonar foram classificados em dois grupos: os portadores de
enfisema localizado e os de enfisema difuso.
A principal diferença entre os dois grupos é que os portadores de enfisema bolhoso apresentam o parênquima
adjacente normal, enquanto que os outros, ainda que possam ter áreas menos afetadas, são portadores de uma
enfermidade difusa.
É um erro freqüente a inclusão de casos de enfisema
bolhoso na apresentação da experiência com cirurgia redutora de volume pulmonar, porque se analisam populações absolutamente diferentes do ponto de vista terapêutico e prognóstico.
A esse propósito, os portadores de enfisema bolhoso
são candidatos a bulectomia, uma operação consagrada
há décadas, com indicação precisa em pacientes sintomáticos, portadores de bolhas que ocupem mais de 30% de
um hemitórax e que tenham mostrado tendência ao crescimento contínuo, em controles radiológicos seriados.
Nestes casos a operação pode ser feita por toracotomia
lateral com preservação muscular, usando-se sutura mecânica, protegida ou não por pericárdio bovino, ou por
meio de videotoracoscopia, mediante instrumentos adequados para a sutura mecânica ou utilizando-se laser YAG
de neodímio. O uso de laser tem sido desestimulado nos
últimos tempos pela elevada incidência de complicações
tardias, especialmente pneumotórax (18%).
Por outro lado, até recentemente os doentes com enfisema pulmonar difuso grave encontravam no tratamento
clínico a única maneira de melhorar a dispnéia, aumentar
a atividade física e melhorar a qualidade de vida dos portadores dessa doença.
A afirmação do transplante pulmonar como modalidade terapêutica efetiva, no final da década de 80, ampliou
muito pouco o leque de alternativas para esta população,
considerando-se o caráter elitista do transplante e a escassez de doadores.
S 37
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
Pressionado pela grande demanda de candidatos ao
transplante e a limitada disponibilidade de doadores, Cooper retomou uma antiga idéia de Brantigan, da década de
50. Esse autor foi o primeiro a valorizar o papel da caixa
torácica no ciclo respiratório fisiológico e a perceber que,
se a parede torácica e o diafragma estivessem imobilizados, como ocorre na hiperinsuflação pulmonar, a troca de
ar seria insuficiente, mesmo que os pulmões fossem normais. Partindo deste princípio, Brantigan propôs a redução de volume dos pulmões a partir da ressecção de áreas
menos operantes, visando com isso recuperar a mobilidade da parede torácica e do diafragma, aumentar a retração elástica favorecendo a permeação das vias aéreas e,
adicionalmente, aliviando a compressão de parênquima
adjacente a áreas mais enfisematosas.
A proposta de Brantigan sofreu sérias críticas, especialmente daqueles que, sem entender bem a concepção,
consideraram uma agressão à lógica a sugestão de retirar
partes de um órgão cuja função estava tão seriamente
afetada. Além disso, na prática, o procedimento associouse a uma morbimortalidade considerada proibitiva.
Quase 40 anos depois, servindo-se de uma infra-estrutura hospitalar sofisticada e treinada no manejo de pacientes submetidos ao transplante por enfisema, Cooper
retomou exitosamente as idéias de Brantigan.
A principal contribuição de Cooper consistiu em definir
os critérios de seleção dos pacientes, a valorização da preparação pré-operatória por meio de uma reabilitação rigorosamente programada e do uso de sutura mecânica
protegida com pericárdio bovino, visando minimizar a fuga
de ar pelos drenos, que desde cedo se afigurou como a
principal dificuldade cirúrgica no pós-operatório.
A operação consiste em ressecar de 20 a 30% do volume pulmonar de cada lado, à custa de áreas determinadas
por métodos de imagem como as menos operantes.
Os resultados promissores apresentados por Cooper em
1994, em uma série inicial de 20 pacientes, e a rápida
publicação de trabalhos com centenas de casos, desencadearam um interesse mundial por esta modalidade de tratamento cirúrgico para doentes selecionados.
Os resultados observados nos melhores centros mudaram rapidamente a perspectiva da cirurgia redutora: ela,
que em 1995 ainda era referida como uma alternativa
para os pacientes que não podiam receber transplante,
passou a ser colocada como primeira opção. Para esta
mudança de orientação contribuíram vários fatores: a observação de que a cirurgia redutora beneficia pelo menos
80% dos pacientes operados e que não invalida a indicação ulterior de transplante, e que, por não depender de
doadores, está disponível para um número ilimitado de
pacientes, desde que os critérios de indicação sejam rigorosamente preenchidos.
S 38
Preocupados com os custos de tratamento da verdadeira legião de pacientes potencialmente beneficiáveis por
esta cirurgia, criaram-se estudos randomizados, dos quais
o mais importante é o National Emphysema Treatment
Trail (NETT), que estuda 4.700 pacientes divididos em dois
grupos: um que se submete ao melhor tratamento clínico
(incluindo reabilitação) e outro que faz o melhor tratamento + cirurgia redutora do volume pulmonar.
Este protocolo pretende comparar ganho funcional pulmonar, duração do beneficio, custo/benefício, tempo de
sobrevida, etc.
Enquanto as respostas definitivas não chegam, os consensos elaborados em função de experiência acumulada
pretendem aumentar as chances de sucesso e reduzir os
riscos da cirurgia redutora.
Bases fisiológicas
Acredita-se que as seguintes alterações fisiológicas funcionem como base para explicação da melhora funcional
respiratória observada na cirurgia redutora de volume
pulmonar:
a) Restauração da mecânica respiratória: Os pulmões
enfisematosos estão hiperdistendidos e a mecânica da respiração não é eficiente. O diafragma completamente rebaixado no início da inspiração não pode produzir o movimento de pistão, prejudicando a entrada de ar nos pulmões. As áreas mais comprometidas e mais distendidas,
quase sempre periféricas, comprimem as regiões menos
doentes e operantes, as quais são usualmente as áreas
mais centrais do parênquima pulmonar. A redução do
volume pulmonar melhora a entrada de ar pelas pequenas vias aéreas e melhora a relação ventilação/perfusão
nas áreas centrais menos doentes.
b) Redução do espaço morto e do volume residual: As
áreas de pulmão ventiladas e não perfundidas causam retenção de CO2 por aumento do espaço morto, e hipoxemia por aumento do ar residual. A redução do volume
pulmonar parece interferir positivamente nestes parâmetros.
c) Melhora da função cardiovascular: A distensão dos
pulmões prejudica o enchimento cardíaco e interfere no
sistema circulatório. A redução do volume ajuda a melhorar o rendimento cardiovascular como um todo.
Indicações
As indicações da cirurgia de redução de volume pulmonar são as seguintes:
a) Paliativa – em doentes sem resposta ao tratamento
clínico, com hiperinsuflação refratária ao tratamento clínico, com sintomas importantes, sem outras co-morbidades e motivados para o tratamento cirúrgico.
b) Ponte para o transplante – considerando que os resultados do transplante oscilam em torno de 50% em cinJ Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
co anos, que os paraefeitos das drogas imunossupressoras são relevantes e que a relação entre receptores potenciais e doadores efetivos é muito desproporcional, a cirurgia redutora tem sido usada como ponte para o transplante, visando melhorar a qualidade de vida do candidato e
protelar a indicação. Isso tem sido feito especialmente em
pacientes com enfisema por deficiência de α1-antitripsina.
de exclusão de pacientes para o procedimento operatório:
Candidatos ao programa de redução de volume
pulmonar
Com o objetivo de verificar a ocorrência dos fatores de
inclusão e de exclusão do programa, os pacientes devem
ser submetidos a uma extensa avaliação clínica e laboratorial, com a finalidade de demonstrar aqueles que têm
maiores riscos e maiores benefícios potenciais relacionados com o procedimento. Assim sendo, devemos destacar:
Ø
Ø
a) História clínica e exame físico completo:
1) radiografias do tórax em póstero-anterior e perfil, e
sob expiração forçada;
2) tomografia torácica computadorizada de alta resolução;
3) provas de função pulmonar completa, inclusive com
gasometria arterial;
4) teste dos seis minutos;
5) difusão DCO;
6) ecocardiograma (com estimativa de pressão na artéria pulmonar);
7) ergometria quando houver suspeita de coronariopatia;
8) cintilografia miocárdica ou coronariografia, se ergometria sugestiva de isquemia;
9) avaliação nutricional;
10) avaliação psicológica.
Ø
Ø
Os pacientes candidatos ao programa são aqueles portadores de enfisema pulmonar difuso grave, com os seguintes critérios iniciais:
Ø idade menor do que 75 anos;
Ø não fumar há pelo menos seis meses;
Ø apresentar sintomas incapacitantes sem melhora com
tratamento clínico, incluindo-se um período de reabilitação respiratória;
Ø VEF1 entre 20 e 35% do previsto (0,5 a 1,2 litros);
Ø apresentar oxigênio-dependência total ou eventual;
Ø apresentar enfisema radiologicamente heterogêneo;
Ø boa motivação e disposição para participar do programa de reabilitação respiratória.
As séries clínicas e comunicações dos diversos centros
que trabalham com programas de cirurgia de redução de
volume pulmonar relacionam os seguintes critérios atuais
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
Ø
Ø
Ø
Ø
Ø
Ø
Ø
Ø
Ø
Ø
tabagismo persistente;
bronquite crônica importante;
doenças graves associadas;
obesidade ou desnutrição;
dependência de altas doses de corticosteróides: mais
de 20mg/dia;
cirurgia torácica prévia;
cifoescoliose ou outra deformidade importante da caixa torácica;
VEF1 < 20% ou > 35%;
PaCO2 > 60mmHg(*);
menos de 200m no teste de seis minutos(*);
doença pulmonar homogênea na avaliação tomográfica;
hipertensão pulmonar (PMAP > 30mmHg ou sistólica
> 45mmHg);
disfunção grave de ventrículo esquerdo;
impossibilidade para seguir o programa de reabilitação;
(*) PaCO2 > 45mmHg e teste dos seis minutos < 200m associaram-se a alta mortalidade cirúrgica (Szekely et al.; Chest 1997;
111:550-558).
Para participar do programa, o hospital também deve
estar qualificado e treinado para este atendimento especializado, contando com equipe multiprofissional, envolvendo cirurgia torácica, pneumologia, anestesia e clínica
de tratamento de dor, fisioterapia e reabilitação, nutrição,
psicologia médica, terapia intensiva e enfermagem.
Segundo protocolo aceito pelos centros com programa
de redução volumétrica pulmonar, a seleção dos candidatos deve ser rigorosa, pois é fundamental para o sucesso
da operação. O doente deve ser informado de que o enfisema não será curado, que a doença é progressiva, que a
operação será paliativa e que os sintomas poderão reaparecer após alguns anos.
A importância da seleção dos candidatos à cirurgia é
observada nos resultados demonstrados em diversas séries da literatura médica. De acordo com Lefrak, estudaram-se radiografias de tórax e provas de função pulmonar
de 1.047 doentes num período de 12 meses. Destes, 442
foram aceitos para avaliação clínica, sendo que 290 deles
foram considerados inicialmente aptos para a cirurgia proposta. Finalmente, só 189 doentes (18% dos 1.047 iniciais) foram aceitos definitivamente para a cirurgia.
O candidato ideal para a cirurgia redutora do volume pulmonar
Paciente enfisematoso puro, sem componente bronquítico importante, com hiperinsuflação grave e refratária ao
tratamento clínico, com limitação funcional significativa
(VEF1 entre 20-35%), sem outras co-morbidades, que apre-
S 39
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
senta um enfisema radiologicamente heterogêneo, predominando em lobos superiores.
Técnica operatória
A técnica operatória é outro fator importante para o
sucesso do programa. Os seguintes pontos devem ser cuidadosamente observados:
1) COM
RELAÇÃO À ANESTESIA:
Os seguintes aspectos técnicos devem ser observados:
a) cateter epidural torácico alto colocado no pré-operatório imediato para uso inicial de bupivacaína e morfina,
permitindo desta forma o uso de doses mínimas de drogas anestésicas;
b) anestesia geral e intubação traqueal com tubo de dupla luz, com manipulação absolutamente asséptica da via
aérea (tubo estéril, sondas de aspiração descartáveis e uso
de luvas estéreis e trocadas com freqüência durante todo
o procedimento);
c) regime ventilatório com volume corrente (VC) de 78ml/kg – e relação inspiração/expiração (I/E) de 1/3;
d) interrupção do uso de gases halogenados cerca de
uma hora antes do final do procedimento para permitir a
extubação precoce, ainda na sala de operação ou na recuperação anestésica;
e) durante a anestesia, se necessário, dar preferência
sempre que possível à hipercapnia ao invés da hiperventilação com risco de hiperinsuflação.
2) COM RELAÇÃO À VIA DE ACESSO:
A escolha da via de acesso é decisão do cirurgião. Atualmente são utilizadas a esternotomia mediana, a toracotomia bilateral ou a videopleuroscopia, como procedimento
menos invasivo.
a) Esternotomia mediana: Permite acesso bilateral simultâneo. Suas limitações principais são o tratamento inadequado de aderências pleurais não previstas no pré-operatório e as ressecções de segmentos em lobo inferior esquerdo. Possivelmente apresenta menor morbidade pósoperatória do que a toracotomia bilateral.
b) Toracotomia bilateral anterior: Permite acesso bilateral simultâneo. Há boa apresentação das estruturas intratorácicas. A morbidade pós-operatória nas toracotomias
é, geralmente, maior que a observada nas esternotomias
medianas. Pode ser feita com ou sem secção transversa
do esterno (clam shell).
c) Videopleuroscopia com operações pouco invasivas:
Permite acesso bilateral seqüencial no mesmo ato operatório, através de incisões limitadas e com pequena agressão ao arcabouço osteomuscular. A morbidade operatória
deveria teoricamente ser menos intensa que a verificada
nas esternotomias e toracotomias, mas como a permanência de drenos pleurais é um importante fator de mor-
S 40
bidade e a persistência do escape de ar nas cirurgias de
enfisema por videotoracoscopia tem sido maior que nas
técnicas abertas, essa diferença de morbidade tem sido
inexpressiva.
Por outro lado, a cirurgia redutora com videotoracoscopia usa um número maior de cargas de sutura mecânica,
o que encarece muito o procedimento. De qualquer maneira, a cirurgia toracoscópica videoassistida é a mais recente e promissora alternativa de abordagem às estruturas intratorácicas.
3) COM
RELAÇÃO À REDUÇÃO DO VOLUME PULMONAR
O pulmão mais comprometido deve ser tratado em primeiro lugar. Os tempos e princípios operatórios devem
ser respeitados nos dois hemitórax:
a) Ressecção não anatômica de 20 a 30% de parênquima pulmonar periférico não operante. Estas áreas não
operantes são definidas previamente por tomografia computadorizada de alta resolução, cintilografia perfusional e
arteriografia pulmonar. Mais modernamente, a tomografia helicoidal tem permitido um desenho preciso das áreas
mais enfisematosas, dispensando inclusive a cintilografia
perfusional.
b) No intra-operatório:
b.1 – As áreas mais comprometidas não desinsuflam
após cinco a 10 minutos de não ventilação. Isto pode ser
verificado pela desconexão da cânula de intubação de dupla luz do pulmão que está sendo operado. Realizam-se
então as ressecções pulmonares, utilizando-se grampeadores mecânicos protegidos com pericárdio bovino para
as suturas. A linha de ressecção deve seguir a configuração anatômica do pulmão, para evitar trações da linha de
sutura mecânica com desgarro do parênquima e persistente escape de ar.
b.2 – Liberação dos ligamentos pulmonares inferiores:
devem ser feitos para facilitar a acomodação do pulmão
operado na cavidade pleural.
b.3 – Teste de aerostasia das suturas. Caso haja perda
aérea, pode-se utilizar novamente a sutura mecânica, associada com cola biológica. Um hematoma provocado pela
injeção de 10-20ml de sangue do próprio paciente por
baixo da linha de sutura pode determinar uma redução
substancial da fuga aérea.
b.4 – Descolamento da pleura parietal apical – tenda
pleural – com o objetivo de reduzir o espaço pleural pósoperatório e diminuir a perda aérea no pós-operatório.
b.5 – Colocação de dois drenos torácicos (34 e 36 FR,
anterior e posterior, respectivamente) em cada hemitórax. Ambos os drenos devem ter suas extremidades superiores colocadas no ápice da cavidade. Considerando-se
que mais da metade dos pacientes permanecerá com drenos por sete dias ou mais, recomenda-se que estes sejam
inseridos por incisões justas na pele e ancorados por fios
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
de linho ou seda profundamente colocados, para evitar
entradas falsas de ar, deslocamentos indevidos ou quedas
acidentais dos drenos pleurais.
b.6 – Fechamento das pleuras mediastinais o mais
completamente possível (apenas nas esternotomias medianas).
b.7 – Fechamento da parede torácica.
b.8 – Extubação traqueal na sala de operação ou na
recuperação anestésica.
CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS
A atenção aos doentes no período pós-operatório é
muito importante para sucesso do programa. Os seguintes pontos devem ser observados:
• Pós-operatório em Centro de Terapia Intensiva (CTI),
com analgesia contínua com bupivocaína ou morfina peridural. O uso de morfina implica atonia vesical com sondagens de alívio e constipação intestinal. O risco de complicações graves decorrentes de perfuração de cólon (vários casos relatados na literatura) pode ser evitado com a
inclusão de lavagem intestinal na rotina do pré-operatório. A regra básica é que os pacientes não podem sentir
dor no pós-operatório; recomenda-se que a analgesia seja
monitorizada pelo paciente.
• Oxigenoterapia liberal no pós-operatório imediato,
sob máscara ou cateter, para manutenção de saturação
arterial acima de 90%. O uso de O2 deve ser descontinuado progressivamente.
• Manutenção dos medicamentos nas doses utilizadas
no pré-operatório, como broncodilatadores inalados e por
via oral/parenteral, corticosteróides (apenas doses de
manutenção) e antibióticos.
• Cuidados com a reposição hídrica, considerando-se
que esses pacientes são susceptíveis a congestão por qualquer sobrecarga hídrica.
• Monitorização bacteriológica diária da secreção traqueal
(escarro) para eventuais mudanças de antibioticoterapia.
• Não realizar a aspiração pleural contínua, exceto quando houver espaço pleural residual na radiografia de tórax.
A simples presença de fuga de ar não é critério para instalação de aspiração contínua, porque, se o pulmão se
mantiver expandido, a aspiração terá efeito nocivo na
medida em que mantém o fluxo de ar através da fístula
alveolar ou bronquiolar, dificultando a sua cicatrização.
Quando necessária, a aspiração pleural não deve exceder
10cm de H2O.
• Iniciar fisioterapia respiratória imediatamente após o
paciente acordar da anestesia. Esta inclui: mobilização
precoce, drenagem postural, mudanças de decúbito, tosse induzida, nebulizações com broncodilatadores e mucolíticos e expansão pulmonar. Se possível, o paciente deve
andar em esteira rolante, ainda no CTI, já no 1º dia de
pós-operatório.
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
• Manutenção do programa de reabilitação, inclusive
no pós-operatório tardio.
Resultados
A experiência já acumulada com a cirurgia redutora do
volume pulmonar e as observações iniciais do National
Emphysema Treatment Trial (NETT) (Russi, 1999) permitem as seguintes observações:
• O ganho funcional observado com a cirurgia redutora e a melhora na sensação de dispnéia dos pacientes
operados são indiscutíveis e superiores aos obtidos por
um programa efetivo de reabilitação pulmonar e/ou ao
efeito placebo do tratamento.
• As alterações observadas na PaO2 são irrelevantes.
• Depois de dois-três anos de pós-operatório recomeçam as perdas funcionais decorrentes da evolução do enfisema.
• Os resultados são superiores nos pacientes portadores de enfisema difuso mas heterogêneo e predominante
em lobos superiores.
• As provas de função pulmonar, valor preditivo de
morbidade e mortalidade e as morfometria (especialmente a ilustrada por TC de alta resolução) têm valor preditivo
para resultados funcionais.
• A presença de broncopatia associada é a principal
contra-indicação.
• Os portadores de enfisema difuso com áreas bolhosas têm maior morbidade e ganhos funcionais menos previsíveis.
• A melhora sintomática dos pacientes portadores de
enfisema por deficiência de α1-antitripsina não se relaciona linearmente com a espirometria pós-operatória.
• Os resultados apontam na direção de que a cirurgia
deve ser bilateral e simultânea. Em cirurgias unilaterais, o
benefício funcional obtido pode ser insuficiente para compensar as perdas imediatas resultantes do trauma cirúrgico. Além disso, pode ocorre hiperinsuflação tardia do
pulmão contralateral com compressão do pulmão operado. Pacientes com toracotomias prévias, pleurodese ou
doença unilateral predominante podem beneficiar-se do
procedimento unilateral.
Considerações finais
CUSTO
Levando-se em consideração apenas o uso do instrumental descartável, o emprego de um grampeador mecânico de 90mm, 10 cargas extras, quatro membranas de
pericárdio bovino e três tubos de cola biológica, o custo
estimado é de US$ 7.000. Estes cálculos referem-se à
abordagem por esternotomia mediana.
S 41
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
CONCLUSÕES ATÉ O MOMENTO
1) Há melhora da qualidade de vida dos doentes submetidos à cirurgia de redução de volume pulmonar.
2) A melhora clínica e funcional é alcançada por 70 a
80% dos doentes, em cerca de três a seis meses de pósoperatório.
3) A recuperação funcional inicial é de aproximadamente
70% dos valores medidos no pré-operatório.
4) A melhora clínica se mantém por um a dois anos de
pós-operatório e quase 50% dos doentes permanecem
estáveis ao longo dos dois primeiros anos após a cirurgia.
Até o momento, a duração do efeito é incerta para períodos mais longos.
5) Ocorre diminuição da necessidade do uso de O2 em
repouso e em exercício. Em torno do sexto mês, 75% dos
doentes operados que faziam uso contínuo não mais necessitam usar oxigênio. Os restantes 25% reduzem sua
necessidade de O2.
6) Doentes nos quais os campos superiores são os mais
comprometidos são aqueles que melhores resultados apresentam após a cirurgia.
7) As séries apresentadas mostram que a melhora funcional obtida com acesso operatório por videopleuroscopia e operação pouco invasiva bilateral simultânea é equivalente à obtida por esternotomia, com a vantagem da
abordagem menos invasiva.
22. TRANSPLANTE
PULMONAR
O transplante de pulmão retomado na era pós-ciclosporina foi considerado inicialmente como obrigatoriamente
bilateral em enfisema porque se imaginava que no transplante unilateral haveria desequilíbrio entre a ventilação e
a perfusão, além da tendência à hiperexpansão do pulmão nativo. Iniciada a experiência com transplante unilateral na França, verificou-se que em algum grau essas coisas ocorriam, mas que eram irrelevantes para o desempenho do órgão transplantado.
Atualmente, a enfermidade obstrutiva crônica, incluídos aqui os deficientes de α1-antitripsina, representam
cerca de 50% dos transplantes de pulmão, a maioria dos
quais unilateral.
Indicações
Do já exposto sobre a cirurgia redutora conclui-se que
na DPOC o transplante pulmonar deve ser reservado aos
pacientes que apresentem alguma contra-indicação à cirurgia redutora do volume pulmonar, ou que, tendo sido a
ela submetidos, retornem progressivamente à condição
de invalidismo funcional por progressão da doença e que,
decididamente, preencham os critérios inflexíveis de indicação de transplante pulmonar em geral.
O transplante pulmonar pode ser unilateral ou bilateral,
dependendo da condição da doença. Assim sendo, teríamos as seguintes indicações:
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A) TRANSPLANTE UNILATERAL
- Enfisema puro
- Enfisema pulmonar em pacientes com mais de 50 anos
de idade
B) TRANSPLANTE BILATERAL
- DPOC infectada
- Enfisema em pacientes jovens (< 50 anos)
Indicação
Paciente portador de enfisema com severa limitação
funcional (VEF1 < 20%), sem alternativas terapêuticas clínicas ou cirúrgicas, sem co-morbidades, com menos de
65 anos de idade, com boa condição psicossocial e familiar e boa motivação para viver.
Contra-indicações
Ø Infecção extrapulmonar ativa.
Ø Neoplasia tratada há menos de cinco anos.
Ø Doença coronariana significativa ou disfunção ventricular esquerda.
Ø Disfunção irreversível em órgão vital (especialmente rim,
fígado e SNC).
Ø Tabagismo ativo.
Ø Uso de altas doses de corticóide (> 20mg/dia).
Ø Problemas psicossociais.
Ø Alcoolismo.
Ø História de não-aderência a tratamentos médicos.
Ø Analfabetismo.
Ø Ausência de adequada estrutura social e familiar de
apoio.
Perguntas iniciais
O encaminhamento precoce e extemporâneo de um
paciente pode implicar perda de tempo e irreparáveis frustrações. Por isso, as seguintes perguntas iniciais são importantes na avaliação de um potencial candidato:
a.
b.
c.
d.
Tem menos de 65 anos?
Já parou de fumar?
Tem coração normal?
Tem condições econômicas mínimas para se transferir
para as proximidades do centro de transplante ou eventualmente custear um transporte rápido quando surgir
um doador?
e. Vive em condições ambientais que não coloquem em
risco sua sobrevivência como imunodeprimido (habitação, saneamento, etc.)?
f. Tem uma estrutura familiar de apoio que o ampare para
o resto da vida?
g. Tem condições econômicas mínimas para, por exemplo, voltar rapidamente ao centro de transplante, se
surgir alguma complicação inesperada?
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I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
A resposta prévia e favorável a estas perguntas deve
preceder a cogitação do transplante, evitando-se o dano
irreparável de uma expectativa frustrada.
Estratégia terapêutica:
1. QUAIS
SÃO OS ELEMENTOS CLÍNICO-RADIOLÓGICOS E FUNCIO-
NAIS NA ESCOLHA ENTRE CIRURGIA REDUTORA E TRANSPLANTE EM
ENFISEMA GRAVE?
Ø Hipoxemia de repouso (PaO2 < 55-60mmHg).
Ø Hipercapnia (PaCO2 > 50mmHg).
Ø Hipertensão pulmonar secundária importante (PMAP >
35mmHg ou pressão sistólica da artéria pulmonar >
45mmHg).
Ø Declínio importante do VEF1.
Ø Internações freqüentes sugerindo perda de controle da
doença.
4) QUAIS
SÃO AS CONTRA-INDICAÇÕES ABSOLUTAS E RELATIVAS
Transplante
Cirurgia redutora
MAIS IMPORTANTES AO TRANSPLANTE?
Idade até 65 anos
Doença homogênea
Broncopatia associada
Espessamento pleural, cirurgia prévia
Hipertensão pulmonar
Retenção de CO2
VEF1 < 20%
DCO abaixo de 20%
Idade até 75 anos
Doença heterogênea
Enfisema puro
Pleura livre
PMAP < 35mmHg
PaCO2 < 50-55mmHg
VEF1: 20-35%
DCO > 25%
Absolutas
• Disfunção de órgãos-alvo, especialmente rim e fígado,
que serão agredidos pelas drogas imunossupressoras.
• Infecção por HIV.
• Positividade para antígeno da hepatite B.
• Hepatite C com dano hepático comprovado anatomopatologicamente.
• Coronariopatia intratável com angioplastia.
2. EM
QUE MOMENTO INCLUIR UM PACIENTE EM LISTA DE ESPERA
PARA TRANSPLANTE PULMONAR?
Esta é uma questão difícil e ainda sujeita a algumas controvérsias. A sobrevida no primeiro ano após o transplante pulmonar, segundo o “Registro Internacional de Saint
Louis”, é de 74% para receptores com DPOC. Por esta
razão, para que possamos indicar transplante pulmonar,
a probabilidade de o paciente estar vivo no próximo ano
deverá ser menor que a probabilidade de estar vivo no
primeiro ano após o transplante. Tem-se proposto uma
expectativa de vida menor que 18 meses para incluir o
paciente em lista de espera. No entanto, não é fácil estabelecer critérios que determinem este período em cada
doença e às vezes o paciente é submetido precocemente
às angústias do processo de seleção. Por outro lado, os
portadores de doença muito avançada, desnutrição grave
sem possibilidade de reversão ou doenças sistêmicas com
comprometimento de órgãos-alvo não devem ser submetidos à enorme carga de ansiedade, com poucas chances
de bons resultados no pós-operatório. Os melhores indicadores de prognóstico na DPOC são a idade e o VEF1
após broncodilatador. Pacientes enfisematosos que numa
avaliação inicial apresentem VEF1 inferior a 30% pós-broncodilatador terão uma sobrevida média de dois anos, enquanto que um VEF1 entre 30 e 42% eleva esta sobrevida
para cerca de cinco anos. Ao manejarmos um paciente
com menos de 20% de VEF1, devemos ter presente uma
expectativa de vida menor que 18 meses.
3. QUAIS
NAR ?
OS CRITÉRIOS DE INDICAÇÃO DO TRANSPLANTE PULMO-
São os seguintes os critérios modificados de Trulock para
incluir pacientes em lista de espera:
Ø Previsão de VEF1 < 20% pós-broncodilatador.
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Relativas
• Dependência de corticóide. A necessidade de doses
maiores que 20mg/dia não é freqüente, pelo menos a
partir do momento em que se admite a falência do tratamento clínico e se cogita o transplante.
• Osteoporose sintomática ou assintomática podem agravar-se com a manutenção da corticoterapia. A densitometria deve fazer parte da avaliação dos pacientes em
uso crônico de corticóide.
• Ventilação mecânica. Ainda que muitos casos tenham
sido exitosamente transplantados sob ventilação mecânica, o risco de infecção a partir de colonização com
germes hospitalares é maior.
5) COMO SE SELECIONA O LADO PARA O TRANSPLANTE UNILATERAL?
A tendência óbvia é transplantar o pulmão mais comprometido. Esta seleção é feita pela cintilografia perfusional. Quando a enfermidade é simétrica, prefere-se transplantar o pulmão direito, por duas razões principais:
a. É o maior dos dois pulmões.
b. Se ocorrer hiperinsuflação do pulmão nativo, é preferível que este pulmão esteja à esquerda, onde haverá
maior facilidade de acomodação espacial, pela descida
mais fácil do hemidiafragma esquerdo.
Quando o lado escolhido por assimetria for o esquerdo,
é importante excluir por meio de fibrobroncoscopia a existência de colapso expiratório traqueobrônquico, que, quando presente, costuma ser muito importante no brônquio
principal esquerdo e que comprometeria a função do pulmão transplantado.
6) QUANDO SE INDICA TRANSPLANTE DUPLO EM ENFISEMA?
O paciente com broncopatia e infecções freqüentes
(bronquiectasias, bronquite crônica grave) é encaminhado
S 43
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
para o transplante duplo, considerando-se a impraticabilidade de um transplante unilateral com um foco de infecção no pulmão nativo em paciente a partir de então permanentemente imunodeprimido.
Ainda que os resultados funcionais com o transplante
unilateral sejam satisfatórios, têm-se observado, como era
de esperar, ganhos mais expressivos e duradouros no transplante bilateral. Por esta razão prefere-se atualmente o
transplante duplo em pacientes enfisematosos mais jovens
(abaixo de 50 anos). Um dos problemas mais graves, a
escassez de doadores e a freqüência com que os doadores
disponíveis têm algum problema em um dos pulmões (consolidação, trauma, etc.), limita muitíssimo a disponibilidade de pulmões para o transplante duplo.
Por outro lado, tem-se recomendado, por prudência, o
transplante duplo nos portadores de enfisema bolhoso gigante, para evitar o risco de hiper-insuflação do pulmão
nativo.
7) QUAIS
OS PRINCIPAIS CUIDADOS A TOMAR NO TRANSPLANTE
POR ENFISEMA?
O transplante por enfisema é, do ponto de vista técnico, o mais fácil de todos.
A cavidade pleural enorme, usualmente livre de aderências, a rara necessidade do uso de circulação extracorpórea e a boa tolerância hemodinâmica à pneumonectomia nestes pacientes facilitam sobremaneira o procedimento.
Durante a anestesia, manter volume inspiratório pequeno e o tempo de expiração longo para prevenir o risco de
tamponamento cardíaco por hiperinsuflação pulmonar.
No pós-operatório, o desmame do ventilador deve ser
o mais precoce possível.
É comum no pós-operatório alguma instabilidade hemodinâmica atribuível a hipotonia do ventrículo direito,
habituado a trabalhar num regime de pressão elevada e
que subitamente passa a conviver com pressão normal.
Nesta situação, a prioridade é a manutenção do débito
cardíaco para preservar a função renal, mesmo que isto
signifique uma oferta de volume maior do que a desejável
na prevenção do edema pulmonar. O uso de diuréticos e
de digitálicos tem mostrado efeito terapêutico satisfatório.
8) QUAIS AS COMPLICAÇÕES MAIS FREQÜENTES NO PÓS-OPERATÓRIO TARDIO DO TRANSPLANTE PULMONAR?
Cerca de metade dos pacientes transplantados morre
em cinco anos. Este índice, inferior ao observado pós-
S 44
transplante cardíaco, hepático e especialmente renal, devese a algumas peculiaridades relacionadas com a complexidade pós-operatória inicial, à condição de sentinela imunológica que faz do pulmão um órgão mais susceptível de
rejeição, e a situação anatômica de único órgão transplantado que permanece em contato com o ambiente,
favorecendo as infecções oportunistas.
A infecção por citomegalovírus (CVM) ocorre em mais
de 50% dos transplantados de pulmão, chegando a 100%
quando um receptor com sorologia negativa recebe um
órgão de um doador com sorologia positiva. O aumento
de morbidade com esta infecção viral é indiscutível, mas
ainda é controverso se ela aumenta o risco de desenvolvimento ulterior de bronquiolite obliterante. A tendência atual
é indicar profilaxia com ganciclovir em todos os pacientes, exceto naqueles poucos casos de sorologia duplamente
negativa.
As infecções fúngicas também representam um risco
adicional especialmente associadas a citomegalovírus.
Aspergillus fumigatus e Candida sp. são os agentes mais
freqüentes.
O grande fantasma da evolução tardia do transplante
de pulmão é a bronquiolite obliterante, que resulta de rejeição crônica e que acomete em algum grau mais de 70%
dos transplantados de pulmão que ultrapassam três anos
de evolução. Quando a síndrome se apresenta antes de
18 meses, a resposta terapêutica ao aumento da imunossupressão em geral é decepcionante, e a indicação de retransplante é muito discutível, considerando-se a escassez
de doadores e a perspectiva sombria de nova bronquiolite
no pulmão retransplantado.
9) QUAL A CHANCE DE SUCESSO DO TRANSPLANTE DE PULMÃO?
Os números do “Registro Internacional para o Transplante de Pulmão” mostram uma sobrevida de 68% em
12 meses. Cerca de 55% dos pacientes estão vivos depois de cinco anos. O primeiro ano e, neste, especialmente o primeiro mês, envolve uma mortalidade maior,
relacionada com complicações cirúrgicas, infecção e rejeição aguda.
10) QUAIS AS METAS FUTURAS DO TRANSPLANTE DE PULMÃO?
A busca de drogas imunossupressoras mais eficazes e
mais inócuas, o reconhecimento mais precoce das complicações como a bronquiolite e muito especialmente a
possibilidade, cada vez mais próxima, do uso de órgãos
de animais manipulados geneticamente, representam os
grandes alentos para os programas atuais e futuros do
transplante de pulmão.
J Pneumol 26(Supl 1) – abril de 2000
I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
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