CONGRESSO INTERNACIONAL GOVERNO, GESTÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL FRENTE AOS GRANDES DESAFIOS DE NOSSO TEMPO EIXO TEMÁTICO: 4 – GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL A INCORPORAÇÃO DA QUESTÃO HABITACIONAL À AGENDA E SEU TRATAMENTO ATRAVÉS POLÍTICAS PÚBLICAS Maria Olímpia dos Santos Silva1, Suely de Fátima Ramos Silveira,2 Alexandre Matos Drumond,3 RESUMO A determinação de problemas públicos pode variar ao longo do tempo, bem como de uma sociedade para outra. No Brasil, tem-se que a questão habitacional tornou-se um problema público desde a década de 1940, com o início de um forte movimento migratório para as grandes cidades, as quais, sem um ordenamento adequado para a acomodação do contingente de pessoas, incorreram em ocupações e produções habitacionais inadequadas. O presente artigo tem como objetivo identificar como a questão habitacional foi percebida como problema público e recebeu tratamento político ao longo dos anos no Brasil. Como referencial teórico adotou-se a teoria do Public Policy Analysis (Sabatier e Jenkins-Smith (2007); Laswell (1936)), especificamente as questões relacionadas à percepção de problemas e Agenda Setting (Baumgartner (2010); Kingdon (1984)). Para sua produção adotou-se os métodos de pesquisa: bibliográficos, com consulta a livros, artigos, dissertações e teses; e documental a partir de documentos do Governo Federal, leis, decretos e de instituições de apoio às políticas e de organizações ligadas ao movimento de luta pela moradia. Como resultado, constatou-se a questão habitacional permaneceu como problema público desde a década de 1940 até os dias de hoje. No entanto, o tratamento político, a partir de programas habitacionais, ocorreu descontinuamente neste período, influenciado pelas ideologias dos diversos governantes que assumiram o poder e seu contexto político, pela incapacidade de atender à população de mais baixa renda e por constantes alterações na estrutura organizacional do governo federal responsável por atuar frente a esta demanda. Concluise que, mesmo que um problema público permaneça evidente, o tratamento por meio de política pública depende de fatores como a mobilização pública, o momento econômico do país, a ideologia política de seus governantes e projeção política. 1 Administradora, UFV 2 Doutora em Economia Aplicada, Professora Associada, UFV 3 Mestrando em Administração, UFV 1 CONGRESSO INTERNACIONAL GOVERNO, GESTÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL FRENTE AOS GRANDES DESAFIOS DE NOSSO TEMPO 1 INTRODUÇÃO A determinação de problemas públicos pode variar ao longo do tempo, bem como de uma sociedade para outra. No Brasil, tem-se que a questão habitacional tornou-se um problema público desde a década de 1940, com o início de um forte movimento migratório para as grandes cidades, as quais, sem um ordenamento adequado para a acomodação do contingente de pessoas, incorreram em ocupações e produções habitacionais inadequadas. Os atuais problemas urbanos, principalmente os que se relacionam à habitação, são reflexos de quase um século em que as políticas públicas não consideraram a população de baixa renda, ou nem mesmo, existiram. Como a saúde e a educação, a habitação é essencial para a qualidade de vida e condição primeira para que esses e outros direitos sejam concretizados. Possuir um imóvel regularizado e confortável influencia diretamente na auto-estima, na segurança da família e no pleno exercício da cidadania. O presente artigo busca compreender como diferentes governos inseriram a questão habitacional à agenda e, qual o contexto desse problema no Brasil a partir de um panorama histórico descrito na literatura pesquisada. Para tanto, é necessário que o governo incorpore à sua agenda programas e políticas com o intuito de reduzir o déficit habitacional acumulado ao longo dos anos. 2 2.1 REFERENCIAL TEÓRICO Políticas Públicas A área de políticas públicas conta, principalmente, com quatro “fundadores”, são eles: H. Laswell, H. Simon, D. Easton e C. Lindblom. Segundo Laswell (1936) a análise da política pública, ou policy analysis , é uma forma de diminuir a barreira entre grupos de interesse, cientistas sociais e governos, unindo conhecimento científico e acadêmico com a produção dos governos. O conceito de racionalidade limitada dos decisores públicos, policy makers, criado em 1957 por Simon, argumenta que tal limitação seria minimizada pelo conhecimento racional. Para ele, a racionalidade dos decisores públicos é sempre 2 CONGRESSO INTERNACIONAL GOVERNO, GESTÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL FRENTE AOS GRANDES DESAFIOS DE NOSSO TEMPO limitada a problemas como a informação incompleta ou imperfeita, o tempo para tomada de decisão, o alto interesse dos decisores, dentre outros. A racionalidade seria maximizada até um ponto satisfatório pela criação de um conjunto de regras e incentivos que enquadrem o comportamento dos atores e modelem esse comportamento na direção de resultados desejados, impedindo, inclusive, a busca de maximização de interesses próprios. Lindblom (1959,1979) contrapôs a ênfase no racionalismo de Laswell e Simon e sugeriu a incorporação de outras variáveis à formulação e à análise de políticas públicas, tais como as relações de poder e a integração entre as diferentes fases do processo decisório, o qual não teria necessariamente um fim ou um princípio. Assim, explica porque as políticas públicas precisariam considerar outros elementos à sua formulação e à sua análise além das questões de racionalidade, tais como o papel das eleições, dos grupos de interesses, dos partidos e das burocracias. Easton (1965) contribuiu para a área ao definir a política pública como um sistema, ou seja, como uma relação entre formulação, resultados e o ambiente, algo sistêmico. Para ele, as políticas públicas recebem inputs dos partidos, da mídia e dos grupos de interesse, que influenciam seus resultados e efeitos (feedback). O Estado elabora políticas públicas respondendo às necessidades da sociedade e de si próprio e, a política pública é vista, ainda, como um direcionador de ação do Estado, orientado por determinados objetivos, refletindo ou traduzindo um jogo de interesses, que busca ao mesmo tempo “colocar o governo em ação e/ou analisar essa ação e quando necessário, propor mudanças em seu rumo”, onde as políticas públicas (policies) são outputs resultantes da atividade política (politics) que compreendem o conjunto de decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores (RUA,1997). A política envolve um conjunto de ações e procedimentos com o propósito de promover à resolução pacífica de conflitos em torno da alocação de bens e recursos públicos. Os personagens envolvidos nestes conflitos são os denominados “atores políticos”, que podem ser públicos e privados (MATIAS-PEREIRA, 2007). 3 CONGRESSO INTERNACIONAL GOVERNO, GESTÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL FRENTE AOS GRANDES DESAFIOS DE NOSSO TEMPO 2.2 Agenda e o ciclo da política pública Para Secchi (2010) a política pública é vista como um ciclo deliberativo, formado por vários estágios e constituindo um processo dinâmico e de aprendizado, e seu ciclo é constituído dos seguintes estágios: definição de agenda, elaboração da política, implementação da política, e monitoramento e avaliação. Existem alguns modelos que tratam especificamente das fases de elaboração das políticas e sua incorporação à agenda do governo, são eles: o modelo da lata de lixo (garbage can), o modelo de coalizão de defesa e o modelo do equilíbrio interrompido. 2.3 Modelo Garbage Can O modelo garbage can ou “lata de lixo” foi desenvolvido por Cohen, March e Olsen (1972), argumentando que escolhas de políticas públicas são feitas como se as alternativas estivessem em uma “lata de lixo”, ou seja, existem muitos problemas e poucas soluções. As soluções não seriam analisadas de maneira criteriosa e dependeriam do leque de soluções que os decisores (policy makers) têm no momento. Segundo este modelo, as organizações constroem as preferências para a solução dos problemas – ação – e não, as preferências controem a ação. A compreensão do problema e das soluções é limitada, e as organizações operam em um sistema de tentativa e erro. Resumindo, o modelo advoga que soluções procuram por problemas. As escolhas compõem uma “lata de lixo” onde vários tipos de problemas e soluções são colocados pelos participantes à medida que eles aparecem. Esta abordagem foi aplicada por Kingdon (1984), inserindo também elementos do ciclo da política pública, em especial a fase de definição da agenda (agenda setting), constituindo-se o que se classifica como um outro modelo, o de multiple streams, ou “múltiplas correntes”. 2.4 Coalizão de defesa O modelo da coalizão de defesa , de Sabatier e Jenkins-Smith (1993), discorda da visão política pública trazida pelo ciclo da política e pelo garbage can por causa de sua incapacidade para explicar os motivos de ocorrerem mudanças nas políticas públicas. Para eles, a política pública deveria ser feita como um conjunto de subsistemas relativamente estáveis, que se articulam com os acontecimentos externos, 4 CONGRESSO INTERNACIONAL GOVERNO, GESTÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL FRENTE AOS GRANDES DESAFIOS DE NOSSO TEMPO que dão os parâmetros para os constrangimentos e os recursos de cada política pública. Contrariando o modelo do garbage can, Sabatier e Jenkins-Smith defendem que valores, ideias e crenças são importantes dimensões do processo de formulação de políticas públicas, em geral ignorados pelos modelos anteriores. Então, cada subsistema que da política pública é composto por um número de coalizões de defesa que se distinguem pelos seus valores, ideias e crenças e também, pelos recursos de que dispõem. 2.5 O modelo do equilíbrio interrompido Baumgartner e Jones (1993) procuraram criar com esse modelo um mecanismo que permitisse a análise tanto de períodos de estabilidade, como aqueles em que ocorrerem mudanças rápidas no processo de formulação de políticas públicas, baseado em noções de biologia e computação. Da biologia veio a noção de “equilíbrio interrompido”, isto é, a política pública se caracteriza por longos períodos de estabilidade, interrompidos por períodos de instabilidade que geram mudanças nas políticas anteriores, assim explica, assim como Sabatier e Jenkins-Smith os motivos das ocorrências de mudanças nas políticas públicas. Da computação e dos trabalhos de Simon, vem o pensamento de que os seres humanos têm capacidade limitada de processar informação, daí por isso as pessoas processam as questões paralelamente e não, de forma serial, ou seja, uma de cada vez. Este modelo, segundo os autores, permite entender por que um sistema político pode agir tanto de forma incremental, como passar por fases de mudanças mais radicais nas políticas públicas. Fundamental ao modelo é a construção de uma imagem sobre determinada decisão ou política pública (policy image), e a mídia teria papel preponderante nessa construção, essa seria uma das maneiras de incorporação da política à agenda governamental. 2.6 Atual Política Nacional de Habitação A política habitacional brasileira tem por responsabilidade promover programas de construção e melhoria das condições de moradias, conforme preconizado pela Constituição Federal de 1988, especificamente em seu artigo 23 em que delega aos governos federal, estaduais e municipais tal demanda. Na divisão de competências, o governo federal tem maior poder para legislar sobre a política de crédito e sobre os sistemas de captação de recursos. Todavia, destaca-se que somente com a Emenda Constitucional nº 26/2000 a moradia é incluída 5 CONGRESSO INTERNACIONAL GOVERNO, GESTÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL FRENTE AOS GRANDES DESAFIOS DE NOSSO TEMPO entre os direitos sociais, reforçando o papel fundamental da União na provisão de moradias para famílias de baixa renda. No entanto, da regulamentação à efetivação o caminho é longo, o que pode ser observado pelo déficit habitacional brasileiro, que segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2013), estima-se 5.409.210 de moradias. De acordo com esta metodologia, o déficit habitacional é evidenciado quando há pelo menos uma de quatro situações: domicílios precários (rústicos ou improvisados); situação de coabitação (famílias conviventes com intenção de se mudar ou residentes em cômodos); domicílios cujo valor do aluguel é superior a 30% da renda domiciliar total (excedente de aluguel); e domicílios alugados com mais de três habitantes utilizando o mesmo cômodo (adensamento excessivo). O estudo da Fundação João Pinheiro, realizado em 2010, aponta que os custos da moradia mais a renda do trabalho determinam o nível de bem estar da maioria da população brasileira, estimando que cerca de 1.857.323 de famílias que recebem até três salários mínimos gastam mais de 30% de suas rendas com aluguel. Assim, tem-se que a habitação é o maior item da despesa familiar, sendo determinante das despesas como alimentação, saúde, educação e lazer (FJP, 2010; IPEA, 2013). É importante destacar também que a política habitacional não pode ser isolada de outras políticas sociais (IPEA, 2013). Além de ser uma estratégia de combate à pobreza, a política habitacional é justificada por outros aspectos, como o fato da moradia ser um bem no mercado e ao mesmo tempo uma necessidade, a moradia não é somente a estrutura física do imóvel, ela representa também a escolha da família pela comunidade onde está inserida. Então, de acordo com a Constituição que considera a habitação um direito do cidadão e com o Estatuto da Cidade que estabelece a função social da propriedade, a Política Nacional de Habitação (PNH) “visa promover as condições de acesso à moradia digna a todos os segmentos da população, especialmente o de baixa renda, contribuindo, assim, para a inclusão social” (Brasil, 2004, p.29). Nesse sentido, a PNH tem como principais elementos: integração urbana de assentamentos precários, a urbanização, regularização fundiária e inserção de assentamentos precários, a provisão da habitação e a integração da política de habitação 6 CONGRESSO INTERNACIONAL GOVERNO, GESTÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL FRENTE AOS GRANDES DESAFIOS DE NOSSO TEMPO à política de desenvolvimento urbano, que definem as linhas mestras de sua atuação (BRASIL, 2004). Como instrumento basilar da PNH tem-se o Sistema Nacional de Habitação (SNH) que estabelece as bases do desenho institucional que se propõe participativo e democrático; prevê a integração entre os três níveis de governo e com os agentes públicos e privados envolvidos com a questão, e define as regras que asseguram a articulação financeira, de recursos onerosos e não onerosos, necessária à implementação de tal Política. Inclui ainda a criação de dois subsistemas: o de Habitação de Interesse Social, que tem como objetivo principal garantir ações que promovam o acesso à moradia digna para a população de baixa renda e o de Habitação de Mercado, que objetiva a reorganização do mercado privado de habitação (Brasil, 2004). O Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) foi instituído pela Lei Federal nº 11.124 de 16 de junho de 2005, centralizando todos os programas e projetos destinados à habitação de interesse social, sendo integrado pelos seguintes órgãos e entidades: Ministério das Cidades, Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, Caixa Econômica Federal, Conselhos das Cidades, conselhos, órgãos e instituições da Administração Pública direta e indireta dos Estados, Distrito Federal e Municípios, relacionados às questões urbanas e habitacionais, entidades privadas que desempenham atividades na área habitacional e agentes financeiros autorizados pelo Conselho Monetário Nacional (Brasil, 2008). Os programas e ações do SNHIS são operacionalizados através de fontes de recursos onerosos e não onerosos, a saber: Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e, Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Destaca-se que o FNHIS visa centralizar e gerenciar recursos do Orçamento Geral da União (OGU) destinados à subsídio. 3 METODOLOGIA A metodologia é a análise descritiva que a partir de dados levantados, mostrará como a questão das políticas habitacionais foi incorporada a agenda dos diferentes governos ao longo dos anos. Para sua elaboração adotou-se os métodos de pesquisa: bibliográficos, com consulta a livros, artigos, dissertações e teses; e documental a partir de documentos 7 CONGRESSO INTERNACIONAL GOVERNO, GESTÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL FRENTE AOS GRANDES DESAFIOS DE NOSSO TEMPO do Governo Federal, leis, decretos e de instituições de apoio às políticas e de organizações ligadas ao movimento de luta pela moradia. Segundo Santos (1999), a pesquisa descritiva é um levantamento das características conhecidas que são componentes do fato, do problema ou do fenômeno em estudo. Para Santos e Parra Filho (1998), esse tipo de estudo possibilita o desenvolvimento de um nível de análise em que se permite identificar a ordenação e classificação das diferentes formas dos fenômenos. Segundo Godoy (1995), a pesquisa qualitativa demonstra como um fenômeno pode ser compreendido no contexto em que ocorre e do qual é parte, devendo ser analisado numa perspectiva integrada. Então, o pesquisador vai a campo buscando captar o fenômeno em estudo a partir da perspectiva das pessoas nele envolvidas. A ideia de se incluir o estudo de documentos como também uma possibilidade da pesquisa qualitativa, pode, parecer estranha, visto que esse tipo de investigação não se reveste de todos os aspectos básicos que identificam os trabalhos dessa natureza. Assim, o objeto de estudo será a política habitacional brasileira e sua incorporação à agenda dos diferentes governos, ao longo do tempo. 4 AS POLÍTICAS DE HABITAÇÃO INSERIDAS NA AGENDA DO GOVERNO A partir de 1930 várias cidades brasileiras tiveram o problema de habitação, que era decorrente desde o início do século XX, agravado, pois o poder público expulsou famílias de baixa renda dos centros urbanos e então, ocorreu a ocupação dos subúrbios e a formação das primeiras favelas no Rio de Janeiro como, por exemplo, (MARICATO, 1997). A principal marca da política habitacional a partir de 1937, com o Estado Novo foi a criação da Fundação da Casa Popular (FCP) em 1946, que, apesar de não ter atingido bons resultados, foi, de fato, o primeiro órgão nacional criado para prover residências para a população de baixa renda. Até então, o governo não tinha somado esforços no intuito de prover residências para essa faixa da população. 8 CONGRESSO INTERNACIONAL GOVERNO, GESTÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL FRENTE AOS GRANDES DESAFIOS DE NOSSO TEMPO A Fundação Casa Popular se tornou inexequível, devido à acumulação de atribuições, à limitação e escassez de recursos e de força política, somadas à ausência de respaldo legal; assim, em 1952, o governo federal reduziu suas atribuições. O crescimento urbano foi marcado, na década de 50, pela grande desigualdade entre a classe média que crescia e tinha acesso a financiamentos de apartamentos e a bens duráveis, e as classes pobres que restavam somente as favelas e os loteamentos ilegais na periferia. Então, o governo de JK, no final da década de 1950, fortalece a FCP, que vive seu período mais dinâmico, com mais investimentos e maior número de unidades habitacionais construídas. Entretanto, o problema da falta de moradia e a inconstância de recursos continuavam, uma vez que o Estado era o principal patrocinador e a verba para esse órgão dependia do orçamento interno, do repasse dos recursos e da situação econômica do país (AZEVEDO & ANDRADE, 1982). Outro grave problema eram as relações entre os clientes e os donos das casas, quem as construía, uma combinação característica do período populista, que determinavam as regiões onde seriam construídos os conjuntos e os critérios de seleção dos candidatos. Apesar dos esforços para sua reformulação, a FCP, durante vinte anos de existência, construiu apenas cerca de dezessete mil moradias, não tendo sido, como era a proposta inicial, o carro chefe da política habitacional do país. Para Azevedo e Andrade, o fracasso da FCP é explicado pelo caráter emergencial e pontual das ações, uma vez que o principal objetivo não era atacar a estrutura do problema da habitação, mas sim “derivar dividendos políticos, quer sob a forma de votos, quer de prestígio” (Azevedo e Andrade, 1982, p. 54). Com o golpe militar, em 1964, a FCP foi extinta, sendo criado o Plano Nacional de Habitação, o primeiro grande plano dos militares. O Plano buscava a dinamização da economia, o desenvolvimento do país (geração de empregos, fortalecimento do setor da construção civil etc.) e, sobretudo, controlar as massas, garantindo a estabilidade social, ou seja, novamente não tinha a função social, e sim, nesse caso, de controle da massa da população por parte dos militares. O Banco Nacional da Habitação deveria “orientar, disciplinar e controlar o SFH, para promover a construção e a aquisição de casa própria, especialmente pelas 9 CONGRESSO INTERNACIONAL GOVERNO, GESTÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL FRENTE AOS GRANDES DESAFIOS DE NOSSO TEMPO classes de menor renda”. (AZEVEDO & ANDRADE, 1982, p. 61). A trajetória do SFH e do BNH não foi linear e pode ser dividida em três fases de acordo com Motta, 2005. A primeira delas, de 1964 a 1969, foi a de criação, implantação e expansão do BNH e das COHABs, com um considerável financiamento de moradias para o “mercado popular” (quarenta por cento dos investimentos), muito superior aos treze por cento (Dados do BNH) que eram praticados para esse mesmo mercado até então, o que se associava ao objetivo do governo de se legitimar junto às massas. Entre 1970 e 1974, ocorreu a segunda fase que se tratava de um esvaziamento e uma crise do SFH, pois as COHAB’s se fragilizaram devido à inadimplência causada pela perda do poder de compra do salário mínimo, situação que atingia seus principais mutuários, oriundos das camadas pobres. Com tudo isso, os financiamentos foram cada vez mais direcionados à classe média que além de pagar remuneração mais alta, juros mais altos, e possuíam um índice de inadimplência bem menor ao das camadas mais pobres. Então, inicia-se a terceira fase do SFH (1975 a 1980), que foi caracterizada pela reestruturação e pelo revigoramento das COHABs, e aumento do número de moradias produzidas, sendo a maioria destinada à classe média. Assim, as alternativas encontradas pelas famílias mais pobres eram as favelas e os loteamentos clandestinos das periferias das capitais e das cidades das regiões metropolitanas. A ausência de fiscalização dos lotes e o quadro de flexibilização das leis das áreas não centrais, que permanecia desde a década de 1940, se modificou no final da década de 1970, fazendo com que os lotes na periferia aumentassem seu valor de mercado. A isso, somou-se a inflação crescente e a consequente perda do poder de compra do salário, situação que levou, na década de 1980, a redução da compra de lotes nas periferias e o consequente aumento no número de favelas já existentes É importante destacar o processo de mobilização do movimento pela reforma urbana por ocasião da Assembléia Nacional Constituinte. Apesar das tímidas conquistas (BEDÊ, 2005), tal mobilização fortaleceu a concepção de que as questões da cidade devem ser tratadas de maneira integrada, não de maneira isolada, o ideal é cada cidade e/ou estado, ter seu plano integrado de ações a serem tomadas em relação às políticas públicas. Além disso, a Constituição Brasileira de 1988 consolidou o processo de descentralização das políticas públicas de planejamento urbano, que ficou a cargo dos municípios. 10 CONGRESSO INTERNACIONAL GOVERNO, GESTÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL FRENTE AOS GRANDES DESAFIOS DE NOSSO TEMPO Entre os anos de 1990 e 1992, o governo Collor criou o programa habitacional lançado foi o PAIH (Plano de Ação Imediata para a Habitação), que propunha o financiamento de 245 mil habitações em 180 dias, mas não cumpriu suas metas, deixando a desejar em sua elaboração e implementação. Entre 1992 e 1994, Itamar Franco criou os Programas Habitar Brasil e Morar Município, que tinham como objetivo financiar a construção de moradias para população de baixa renda, a serem construídas em regime de “ajuda mútua”. Entretanto, esses programas tinham uma padronização demasiada e muitas exigências legais, o que dificultava, ou até mesmo, impedia, a captação dos recursos por parte dos municípios. O período FHC (1995-2002) avançou no reconhecimento da necessidade de regularização fundiária, da ampliação da participação e de uma visão integrada da questão habitacional. Porém, essa concepção não foi colocada em prática devido à orientação neoliberal do governo e às restrições impostas pelos bancos internacionais, como o FMI (DENALDI, 2003; AZEVEDO, 1996). No início dos anos 2000, foi aprovada a Lei Federal 10.257, conhecida como Estatuto das Cidades, que, em linhas gerais, tem como objetivo fornecer suporte jurídico mais consistente às estratégias e processos de planejamento urbano (FERNANDES, 2008), garantindo a função social da propriedade, o planejamento participativo nas políticas urbanas e o acesso universal à cidade (MORAES & DAYRELL, 2008). O Estatuto das Cidades reforçou instrumentos para garantia da função social da propriedade e da regularização fundiária, tais como imposto sobre propriedade imobiliária urbana progressivo, desapropriação com títulos da dívida pública, usucapião urbano, concessão especial para fins de moradia, demarcação de zonas especiais de interesse social etc. No governo Lula (2003-2010), a principal política para a habitação foi o Programa Minha Casa Minha Vida, do Ministério das Cidades, lançado em abril de 2009 11 CONGRESSO INTERNACIONAL GOVERNO, GESTÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL FRENTE AOS GRANDES DESAFIOS DE NOSSO TEMPO com a meta de construir um milhão de moradias, totalizando R$ 34 bilhões de subsídios para atender famílias com renda entre 0 a 10 salários mínimos. Novamente o programa não foi elaborado com base em objetivo social e sim com objetivos econômicos, pois o programa tinha como objetivo também, estimular a criação de empregos e de investimentos no setor da construção, e reagir em relação à crise econômica mundial do fim de 2008. Assim como nos outros grandes programas federais para produção de moradia (a FCP e o BNH), a iniciativa privada é protagonista na provisão de habitações também no Programa Minha Casa Minha Vida, pois 97% do subsídio público são destinados à oferta e produção direta por construtoras privadas e apenas 3% a cooperativas e movimentos sociais (FIX & ARANTES, 2009). Esse protagonismo permitiu a concentração dos recursos na construção de habitações destinadas a famílias com renda entre 3 e 10 salários mínimos, apesar de a maior demanda por moradia ser das famílias com renda de 0 a 3 salários mínimos. Além disso, as prefeituras têm perdido poder, pois o programa “estimula um tipo de urbanização e de captura dos fundos públicos que, por si só, torna mais difícil a aplicação” dos instrumentos de reforma urbana previstos no Estatuto das Cidades, como a participação no planejamento e na execução de políticas urbanas (FIX & ARANTES, 2009). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em síntese, o histórico das políticas de habitação evidencia como os principais programas elaborados e incorporados à agenda ao longo dos anos para minimizar o déficit acumulado na habitação, tornaram o problema da habitação que é um direito do cidadão e uma obrigação do Estado, uma questão de mercado. Essa lógica do mercado, faz com que as unidades produzidas sempre sejam vistas como mercadorias, rentáveis aos seus interessados. Isso explica porque as políticas, em sua maioria, atingiram a classe média e os empresários da construção civil. 12 CONGRESSO INTERNACIONAL GOVERNO, GESTÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL FRENTE AOS GRANDES DESAFIOS DE NOSSO TEMPO Na impossibilidade de conciliação, os interesses dos empresários influenciaram os investimentos públicos para habitação e o público para o qual eles seriam direcionados, o que seria mais rentável, em detrimento da função social da política habitacional. Constata-se que o poder de decisão, como sugere Simon, é limitado aos gestores quando se trata da política nacional de habitação. Essa limitação ocorre por falta de recursos necessários aos investimentos e também pela finalidade das políticas não ter cunho estritamente, ou em sua maior parte, social. Verifica-se também que o que ocorreu ao longo dos anos foi um “desequilíbrio interrompido” ou um equilíbrio interrompido às avessas”, posto que, segundo Baumgartner, haveria uma mecanismo que permitiria analisar os períodos de estabilidade e suas mudanças rápidas e, no caso das políticas habitacionais, não houve uma estabilidade com mudanças, houveram instabilidades, com alguns momentos estáveis, como no caso das fases das COHAB’s. A questão habitacional permaneceu como problema público desde a década de 1940 até os dias de hoje. No entanto, o tratamento político, a partir de programas habitacionais, ocorreu descontinuamente neste período, influenciado pelas ideologias dos diversos governantes que assumiram o poder, pelo contexto econômico e político que o país vivenciou, pela incapacidade de atender à população de mais baixa renda e por constantes alterações na estrutura organizacional do governo federal responsável por atuar frente a esta demanda. Por isso, hoje tem-se um déficit habitacional acumulado de, aproximadamente, 5.409.210 moradias Essa situação, somada à persistente ineficiência das políticas, fomenta diversas lutas sociais e políticas no sentido de garantir, não só acesso à moradia, mas o direito à cidade. 13 CONGRESSO INTERNACIONAL GOVERNO, GESTÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL FRENTE AOS GRANDES DESAFIOS DE NOSSO TEMPO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, S. A crise da política habitacional: dilemas e perspectivas para o final dos anos 90. In. AZEVEDO, S.; ANDRADE, L. G. A crise da moradia nas grandes cidades – da questão da habitação à reforma urbana. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.1996. BAUGARTNER, F. e JONES, B. Agendas and Instability in American Politics. Chicago: University of Chicago Press. 1993. BEDÊ, M. Trajetória da formulação e implantação da política habitacional de Belo Horizonte na gestão da Frente BH Popular: 1993 / 1996. 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