as noções de público e privado e a filosofia de richard rorty

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AS NOÇÕES DE PÚBLICO E PRIVADO E A FILOSOFIA DE RICHARD
RORTY: REFLEXÕES SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
COELHO, Daniela de Freitas. UFMT
[email protected]
MONTEIRO, Silas Borges. UFMT
[email protected]
SOUZA, Márcia Helena de Moraes. UFMT
[email protected]
SILVA, Lucivan Augusto da. UFMT
[email protected]
Eixo temático: Cultura, Currículo e Saberes
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
Quando se leva em consideração que o estilo pessoal do profissional que atua na educação
produz relações com o público, percebemos a abertura para novos espaços de criação ou de
autocriação, fazendo com que a Educação seja, de fato, um espaço público, democrático,
acessível a todos os indivíduos, quer sejam burgueses, pobres ou fracos. Assim, neste
trabalho, buscamos em Richard Rorty apoiar a discussão acerca do público e privado e a
funções da filosofia, apresentando os seus argumentos no debate que este faz entre as idéias
de Jürgen Habermas e Jacques Derrida. Nesse sentido, tomamos como foco de estudo o texto
Habermas, Derrida e as funções da Filosofia, encontrado no livro Verdade e Progresso, de
Richard Rorty (2005). Procuramos apontar essas duas denominações conceituais, público e
privado, na formação de professores, compreendendo que essas dimensões inerentes ao modo
de ser do professor sejam também aspectos implicados nas ações formativas de docentes.
Assim, distinguidas as duas dimensões pertinentes na formação do professor - a primeira no
âmbito pessoal, e a segunda de âmbito social, fazem com que o binômio público/privado seja
de fato uma importante discussão para a Educação, uma vez que a subjetividade não é uma
ameaça à humanindade e que a Educação é um espaço público. Ao discutirmos sobre a
dimensão privada da docência podemos pensar que na formação de professores deva ser
garantido o exercício da reflexão, da “autocriação”, interpretando a “si mesmo enquanto
pessoa e profissional”. E ao tratarmos do âmbito “público”, há que se levar em conta que as
relações com a sociedade e com os conhecimentos produzidos por ela devam propagar o
desejo pela solidariedade alcançando uma comunicação social, acessível ao entendimento
público.
Palavras-chave: Filosofia. Autocriação. Educação.
Introdução
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Quando se leva em consideração que o estilo pessoal do profissional que atua na
educação produz relações com o público, percebemos a abertura para novos espaços de
criação ou de autocriação, fazendo com que a Educação seja, de fato, um espaço público,
democrático, acessível a todos os indivíduos, quer sejam burgueses, pobres ou fracos.
Segundo Monteiro e Speller (1998), a ação docente é uma ação intelectual, o que,
diferente do que repetidamente temos visto, um mero transmissor de conhecimentos, tornando
possível pensarmos a formação de professores de maneira filosófica.
Desta maneira, buscamos apontar essas duas denominações conceituais, público e
privado, na formação de professores, compreendendo que essas dimensões inerentes ao modo
de ser do professor sejam também aspectos implicados nas ações formativas de docentes.
Assim, neste trabalho, buscamos em Richard Rorty apoiar a discussão acerca do público e
privado e a funções da filosofia, apresentando os seus argumentos no debate que este faz entre
as idéias de Jürgen Habermas e Jacques Derrida.
Nesse sentido, tomamos como foco de estudo o texto Habermas, Derrida e as funções
da Filosofia encontrado no livro Verdade e Progresso, de Rorty (2005). Ele se alia a
conhecidos críticos do modelo de racionalidade dicotomista moderna: Nietzsche, Heidegger e
Derrida. Por outro lado, temos Habermas, crítico da comunicação, para quem a razão é a
emancipação do ser humano, e que tem uma função pública, ou um espaço comunicativo da
razão. Rorty procura ponderar sobre as contribuições de pensadores como Derrida e
Habermas para pensar as possibilidades de entender essas noções de público e privado.
Ao tratamos da dimensão privada da docência poderíamos pensar que, na formação de
professores deva estar assegurado o exercício da reflexão, da “autocriação”, interpretando a
“si mesmo enquanto pessoa e profissional” (RORTY, 2005). E ao falarmos do âmbito
“público”, há que se considerar que as relações com a sociedade e com os conhecimentos
produzidos por ela devam expressar o desejo pela solidariedade alcançando uma comunicação
social, acessível ao entendimento público.
De acordo com Dewey, as conseqüências das ações que afetam apenas as pessoas
diretamente envolvidas nas transações denomina-se de “privadas”; e as ações que afetam
pessoas que estejam envolvidas além dessas transações, ele irá denominar de “públicas”. A
distinção entre essas noções e o reconhecimento da efetividade desses espaços, pode
contribuir com o debate acerca da identidade docente, exercício que favorece este encontro
entre a pessoa (dimensão privada) e sua função (dimensão pública). Para Monteiro e Speller
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(1998), “a formação de professores é atividade complexa”, o que exige que nos aproximemos
dela sob múltiplas perspectivas.
De acordo com o pensamento grego, segundo Arendt (1958 apud ESTEVES)
a capacidade humana de organização política [Público] não apenas difere mas é
directamente oposta a essa associação natural cujo centro é a casa (oikia) e a
família... a liberdade situa-se exclusivamente na esfera política; a necessidade é
primordialmente um fenômeno pré-político, característico da organização do lar
privado; a força e a violência são justificados nesta última esfera por serem os
únicos meios de vencer a necessidade – por exemplo, subjugando escravos- e
alcançar a liberdade.
A relação Público/Privado constitui-se como oposição destes dois domínios, no
sentido de que cada um deles passa a determinar uma esfera própria de experiência, cada qual
com seu ethos, que proporciona - e impõe - a cada sujeito determinados quadros “pragmáticos
e axiológicos” - modelos cognitivos e comportamentais, padrões normativos e estruturas de
sensibilidade. Na modernidade, porém, à oposição dos dois domínios (o mais forte traço de
continuidade no longo movimento histórico dos conceitos) vem juntar-se um novo sentido: a
sua articulação (ESTEVES, s/ data).
O Público torna-se estritamente dependente dos seus membros (indivíduos que têm
uma singularidade própria, que fazem da subjetividade um trabalho pessoal e um projeto de
vida) ao mesmo tempo em que a afirmação do Privado se torna também dependente do viver
comum - o posicionamento das privacidades individuais, umas perante as outras, no quadro
de uma vida coletiva que decorre no interior de públicos.
Neste sentido, para Rorty, Derrida e Habermas coexistem, quando o primeiro pensa
essa pessoa (privado), e o segundo, o “nós” (público). Rorty considera Derrida o filósofo
contemporâneo mais intrigante e engenhoso e Habermas o mais útil socialmente, o mais ativo
pela política social e democrata.
Por admirar esses dois grandes ícones da filosofia
contemporânea, Rorty tenta exemplificar as diferenças entre eles, ao passo que os considera
complementares, e não opostos.
O autor analisa as críticas que Habermas faz a Derrida em seu livro Discurso filosófico
da modernidade, e mostra a tentativa de Habermas em pôr a filosofia a serviço da
emancipação. Habermas afirma que Heidegger e Derrida pertencem à uma tradição
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denominada de ‘a filosofia da subjetividade’, que diz continuar, de modo radical, a tradição
iniciada em Kant e Hegel. Segundo Rorty, essa tradição vem a ser mais uma mal direcionada
tentativa metafísica de unir o “público e o privado” (2005, p. 385). Neste trabalho, faremos os
desdobramentos para a reflexão acerca da formação de professores.
Platão e Descartes como expressões idealistas das Noções de Público e Privado
À contramão de Habermas, entendemos que o pensamento clássico que dicotomiza as
noções de público e privado está presente em pensadores como Platão e Descartes, ambos
idealistas. Para Platão, a realidade é a expressão geométrica exata do bem, do belo e do justo.
As coisas que são percebidas por nossos sentidos são apenas sombras desta realidade.
E por sua condição de sombras, expressam muito mal as noções perfeitas, apreendidas
tão somente pela razão. Assim como os objetos do mundo, as organizações humanas estão
sujeitas à mesma imperfeição: são apenas sombras de uma racionalidade esquecida que
poderia de modo absoluto, dar ordem ao mundo dos humanos.
Nesse sentido, a noção de público em Platão deve obedecer à mesma lógica: deve ser a
expressão de uma racionalidade geometricamente estabelecida que garantiria a funcionalidade
racional no desempenho social. Platão recorre à imagem do corpo humano para ilustrar essa
noção: cada parte, cada órgão, desempenha, racionalmente, seu papel, de modo a que todos
contribuam para a saúde do corpo, ou da sociedade. É como se houvesse um papel préestabelecido àquele que o ocupa.
Logo, a dimensão pública é a submissão a uma racionalidade que visa à totalidade da
sociedade. Fica em segundo plano a peculiaridade de cada um; ressalta-se a composição
lógica da arquitetura social.
Descartes, racionalista ao estilo platônico, volta-se a examinar as profundezas da
reflexão humana para encontrar o ponto nodal que identifica e fideliza a pessoa com os
projetos existenciais. Quem pensa sou eu; a ele (meu eu*) devo satisfação; a ele devo dar
razão. A noção de autonomia toma cores peculiares. O sujeito conhecedor é que investe
racionalmente, ou seja, orientado por método, em encontrar os motivos que levam a tomar as
decisões que toma e a conhecer o que conhece.
Portanto, a meditação filosófica, responsável por encontrar as idéias claras o suficiente
para dar garantia da verdade, é uma operação do indivíduo. No limite, poderíamos dizer que
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em Descartes encontra-se a radicalização da noção de privado, pois é a única entidade
reconhecida com força de pensamento e ação.
Resumindo, o idealismo platônico prerroga um mundo geometricamente estabelecido;
em seu jargão, um mundo ideal. O ser humano é entendido como aquele que se apropria
racionalmente destas idéias perfeitas e as transforma em práticas científicas, políticas e
culturais. A racionalidade humana apreende a sociedade como um mecanismo que deve,
igualmente, ser conduzido racionalmente.
Logo, a inserção pública desse homem é o cumprimento de um papel racionalmente
estabelecido, bem como, pré-estabelecido ao próprio indivíduo. Deste modo, a vida pública é
o atendimento a um apelo racional, objetivo, pré-estabelecido alheio às características da
pessoa. Assim, Platão entende que as questões relativas à existência encontram respostas na
inserção pública de cada um.
O idealismo cartesiano assenta-se na concepção de que as decisões racionais são
individuais. É cada um que pensa. E seu pensar deve conduzir a decisões lógicas. As
meditações cartesianas constituem esse esforço de encontrar as soluções para inserção
individual. Para evitar o risco do individualismo, Descartes sugere que ninguém é um ilha,
pois as liberdades individuais tocam-se no espaço público. Logo, Descartes entende que o ser
humano é como indivíduo que delibera privadamente sobre as questões relativas à sua
existência.
Para enfrentarmos essas clássicas noções da filosofia, as de público e privado, olhandoas fora da inscrição metafísica platônica e cartesiana, vamos pensar com Rorty as alternativas
que ele dá a partir de sua leitura de Habermas e Derrida.
Habermas e Derrida e as noções de público e privado
Para Rorty, desde Nietzsche a filosofia da subjetividade vem sendo controlada pelos
teóricos ironistas - “pessoas que estão mais interessadas em sua própria autonomia e
individualidade do que em sua utilidade social” (2005, p. 386). E será sobre a utilidade social
da filosofia subjetiva que Habermas estará mais interessado, ou seja, em substituir essa
tradição por algo de maior utilidade social, algo que ele chama de ‘filosofia da
intersubjetividade’: “a de tratar como verdadeiro seja lá o que for que possa ser acordado
durante uma discussão livre e desconsiderar a questão referente à existência de algum objeto
metafísico ao qual o resultado dessa discussão corresponda ou não.” (2005, p. 387)
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Assim, o que está errado para Habermas em Heidegger e Derrida, segundo Rorty, é o
fato de sua metafísica e logocentrismo (respectivamente) serem possíveis pela reflexão
olhando apenas para dentro (interior da privacidade do sujeito) o que, para Habermas só
poderia ser feito por meio “da expansão da abrangência e do número de participantes”, ou
seja, a generalização. Para Habermas, ao generalizarmos alcançamos o ideal da sociedade
democrática, ou, alcançamos uma comunicação social não distorcida, acessível ao
entendimento de todos, incluindo os pobres e fracos.
Rorty nos aponta que para Habermas, ‘Derrida não pertence ao grupo dos filósofos que
gostam de argumentar’ (2005, p. 391). Por essa razão, Habermas vai buscar nos admiradores
do teórico francês, que residem nos EUA, os argumentos julgados necessários para tal
afirmação. E encontra o que procura em J. Culler, quando diz ser a literatura não a ficção da
verdade, mas um discurso que pode “ser visto como caso de uma literatura generalizada ou de
arquiliteratura” (2005, p. 393).
Rorty acredita que Derrida também poderia dizer que várias das expressões recorrentes
nas soluções de problemas públicos foram, em “algum momento do passado, metáforas
surpreendentes- partes do discurso revelador do mundo que ninguém, a princípio, sabia como
discutir ou combater” (2005, p: 393)
Em Contigência, ironia e solidariedade, Rorty mostra que Derrida e Heidegger são
relevantes apenas por tornarem mais vívido e concreto o nosso sentido da vida humana numa
utopia democrática, para a busca da justiça social. Ao ler Derrida e Heidegger como filósofos
públicos mal-sucedidos, por terem a meta/objetivo da “auto-afirmação da modernidade’, ou a
necessidade de dar ao mundo moderno algo que desbanque a religião e a substitua, Habermas
avança numa direção para a qual Rorty não deseja seguir - não deseja por considerar a
verdade universal, proposta por ele [Habermas] irrelevante às práticas dos “filósofos públicos
mal-sucedidos”.
Neste sentido, Rorty ao tentar traçar uma linha que perpasse pelos pensamentos de
Nietzsche, Heidegger e Derrida, vê “a abertura para novas possibilidades privadas”, o que
para Habermas seria um perigo público, ameaçador à sociedade democrática. De modo aberto
e clarificado, Habermas critica a tecnologia, o gigantismo e o americanismo, o que para Rorty
não passa de uma “cruzada epifenomenal” (cruzada contra o que mais aparece). Segundo
Habermas, a escrita de Derrida só pode alcançar o objetivo de Heidegger – “de eliminar as
forças-pensamento metafísicas internas” – tão somente se o “texto filosófico for, na verdade,
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um texto literário”. A partir dessa afirmação de Habermas, Rorty espera esclarecer o sentido
que dá às funções distintas entre a filosofia pública de Habermas e à privatizada de Derrida.
Derrida e Habermas acerca da filosofia
Para Rorty, muitos dos avanços políticos permanecem tão-somente como avanços
poéticos, não sendo utilizados por outras pessoas que não os seus próprios criadores. Muitas
das tentativas de autonomia privada - em especial Nietzsche e Heidegger, para Rorty permanecem meramente como tentativas. Já outras apresentam desmembramentos
socialmente úteis. Os que defendem Derrida fazem-no ser um “quase-metafísico” e se
recusam a permitir-lhe que continue a ser um ironista.
Isto posto, Habermas leva em consideração o que dizem e ainda destaca, de maneira
bem acertada que se “a linguagem fosse o que a ‘teoria literária desconstrutivista’ norteamericana afirma ser, seria difícil usar sinais e sons com propósitos privados e públicos
variados - se pudéssemos ‘demonstrar’ que a ‘linguagem’ é algo que pode agir (como
sugerem os críticos desconstrutivistas) por conta própria, fugir do controle, apunhalar-se pelas
costas, arrancar a própria cabeça e assim por diante, então estaríamos realmente em maus
lençóis”. (2005, p. 394).
Derrida empenha-se em apagar a fronteira entre filosofia e literatura, procurando
mostrar que a primeira é tão somente um gênero da segunda. Mas Habermas também nada
sugere além da necessidade de transformar Derrida num homem “com uma grande teoria”
acerca de “um grande tema”, e que a linguagem possa realizar feitos desse gênero. Para os fãs
de Derrida, nada melhor é do que imaginá-lo como uma “grande e exuberante cria de
Sócrates” (RORTY, 2005).
Habermas não imagina que a filosofia tenha um tipo de papel preponderante na
sociedade, mas pensa que, antes de aplanar a distinção entre filosofia e literatura, temos que,
forçados pela “honra”, apontar algumas teses filosóficas. Porém, se há uma idéia sem
utilidade para Derrida, é a dos ‘conteúdos essenciais’.
Ele [Derrida] estabelece substâncias, particularidades e tudo o mais em circuito de
relações. O produto de sua leitura não é o de chegar ao cerne, mas de “colocar textos em
contextos”, pôr livros ao lado de outros livros, e juntar partes de alguns livros com partes de
outros.
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Sob a perspectiva de Rorty, Habermas questiona-se por qual razão Heidegger e Derrida
ainda lutam com os fortes ‘conceitos da teoria, verdade e sistema que, de fato, pertenceram ao
passado por mais de um século e meio’, e por que esses pensadores ainda pensam que
precisam livrar a filosofia da ‘loucura de expor uma teoria que tem a última palavra’.
Neste sentido, Rorty sugere que os teóricos aqui questionados não estejam interessados
em livrar a filosofia dessa ‘loucura’, mas de tão-somente de livrar-se de seu próprio passado “de palavras específicas que ameaçaram ser, para eles, as derradeiras (a saber, as palavras de
Nietzsche no caso de Heidegger e as de Heidegger no caso de Derrida)”. (2005, p. 396)
Do ponto de vista de Rorty, a natureza e a tarefa da filosofia é um ‘pseudotópico’, tanto
quanto a ‘natureza e função do romance’. Assim, o binômio público/privado, ou dualismo
clássico da filosofia “fora e dentro” suscitará questões como: o conhecimento vem de dentro
para fora, ou de fora para dentro? E como esse dentro e fora se relacionam? Vemos que não
há uma solução definida para tal questionamento.
O trio Nietzsche-Heidegger- Derrida estimulam a auto-criação de uma vida privada, e
Habermas ajuda a ver uma outra dimensão: a dimensão pública do “nós”. Portanto, paira a
pergunta: o que caberá à filosofia? Caberá adotar discursos que ajudem à filosofia pública e
privada.
Habermas vê a razão aparecer nos debates públicos, uma vez que a comunicação é
práxis, e
deste modo, propõe-se a analisar as características formais dos processos cotidianos
de comunicação lingüística com vista ao entendimento mútuo de forma a comprovar
a asserção de que existe uma ligação entre a linguagem e as várias dimensões de
validade. A função constitutiva desta pragmática formal consiste, pois, em
identificar e reconstruir as condições universais para um entendimento mútuo. Daqui
decorre que o tipo de ação cujo propósito seja alcançar esta compreensão mútua se
assuma como o fundamental. (SILVA, 2006)
E a crise da razão decorre de um tipo de leitor de Marx, Freud e Nietzsche. Para
Habermas, conforme Rorty, desmontar um projeto de comunicação é cair num individualismo
extremo, por gerar como conseqüência a ausência da constituição de um projeto de sociedade.
Por isso a sua crítica a Derrida, pois vê abrir a possibilidade de novos ditadores.
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Os argumentos de Rorty para com o trio de críticos da razão é que as metáforas fortes
escapam ao espaço privado, alcançando o espaço público, e, por conseguinte, mobiliza
grupos. E quando isso ocorre, Rorty concorda mais com Habermas, e não tanto com Derrida.
Considerações finais
Habermas e Derrida parecem discordar a respeito da natureza e da função da filosofia,
tornando-se um obstáculo para Rorty. Mas ainda assim nenhuma definição de ‘filosofia’ - em
Rorty - abrangeria grandes teóricos, como Carnap e Rawls, Derrida e Habermas, e “ser capaz
de isolar algo suficientemente coerente para ter um ‘fim’”. (RORTY, 2005, p. 398)
O único ponto em que Derrida e Habermas discordam, tornando difícil suas
complementações é tão sutil quanto à natureza da filosofia, algo meramente verbal. Não sendo
fácil detectar tal discordância, ela ainda aparece quando vemos Habermas tratar o trio
racionalista (Nietzsche, Heidegger e Derrida) como ‘uma crítica da razão’ e identificar sua
própria visão mediante a recuperação do “racionalismo iluminista”.
Embora Habermas afirme que os conceitos das comunicações do mundo se livraram dos
empréstimos da filosofia transcendental e que o puritanismo da razão pura não tem sido
suscitado na razão comunicativa, ele não está intencionado em libertar a “razão comunicativa”
do ideal da validade universal.
Conforme Rorty (2005) o apego de Habermas à ‘validade universal’ era a mesma
“tentação” que fez com que Platão, Santo Agostinho, Kant, Nietzsche e Heidgger tentassem
“vencer a aflição” - relação com algo que fosse maior do que eles próprios e o “contingente”
de circunstâncias em que se encontravam: o Bem, Deus, Lei moral, Vontade de Poder, o Ser.
À idéia de que as pessoas tenham um ‘interior’ ou ‘núcleo central’, que ‘resiste ao
condicionamento externo’, é a inclusa entre os historicistas lingüísticos, como Rorty, e é
rejeitada por ele. A autonomia é vista não como atualização “de uma potencialidade humana
comum”, mas como “autocriação: o processo de luta livre de todas as heranças particulares a
fim de compreender as conseqüências de ‘impressões cegas’ idiossincráticas”. (RORTY,
2005, p. 404)
Ainda de acordo com Rorty (MONTEIRO & SPELLER, 1998), o desejo por
autocriação é característico de pessoas que não se contentam em ter um tipo de existência que
não ofereça sentido à sua própria comunidade. E mais:
587
dizer que nos tornamos pessoas diferentes, que nos "refazemos" à medida que lemos
mais, conversamos mais e escrevemos mais é simplesmente um modo dramático de
dizer que as sentenças que se tornam verdadeiras a nosso respeito em virtude de tais
atividades são com freqüência mais importantes para nós que as sentenças que se
tornam verdadeiras a nosso respeito quando bebemos mais, ganhamos mais e assim
por diante. Os eventos que nos tornam capazes de dizer coisas novas e interessantes
sobre nós mesmos são, no sentido não-metafísico, mais "essenciais" para nós (ao
menos para nós, intelectuais relativamente desocupados, habitando uma parte estável
e próspera do mundo) do que os eventos que mudam nossas formas ou nossos
padrões de vida (nos "refazendo" de modos menos "espirituais").
Assim, apontadas as duas dimensões pertinentes na formação do professor - a primeira
no âmbito pessoal, e a segunda de âmbito social, fazem com que o binômio público/privado
seja de fato uma importante discussão para a Educação, uma vez que a subjetividade não é
uma ameaça à humanindade e que a Educação é um espaço público.
As relações com a sociedade e com o conhecimento por ela produzido devem expressar
o desejo pela inserção em espaços públicos, o que implica que o conhecimento das relações
com a natureza e com o ser humano deva ser mais “hermenêutico do que epistemológico”
(SPELLER & MONTEIRO, 1998). O instrumento do exercício da solidariedade é o diálogo –
ou, a comunicação para Habermas. E que deveria ser a base de uma comunidade, pois ao
submetê-la ao controle de uma teoria científica ou filosófica, estaríamos rejeitando o projeto
democrático da sociedade.
Como dito anteriormente, ao discutirmos sobre a dimensão privada da docência
podemos pensar que na formação de professores deva ser garantido o exercício da reflexão, da
“autocriação”, interpretando a “si mesmo enquanto pessoa e profissional” (RORTY, 2005). E
ao tratarmos do âmbito “público”, há que se levar em conta que as relações com a sociedade e
com os conhecimentos produzidos por ela devam propagar o desejo pela solidariedade
alcançando uma comunicação social, acessível ao entendimento público.
REFERÊNCIAS
HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1990.
588
MONTEIRO, Silas B.; SPELLER, Paulo. Formação de professores: auto-criação e diálogo.
Revista de Educação Pública. Cuiabá: v.7, n. 1, p. 185-200, jan-jul, 1998.
RORTY, Richard. Contingency, irony, and solidarity. Cambridge; New York: Cambridge
University Press, 1995.
RORTY, Richard. Verdade e Progresso. Tradução: Denise R. Sales. Brasil: Manole, 2005.
SILVA, Filipe Carreira da. Habermas, Rorty e o pragmatismo americano. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0011-52582006000100005&lang=pt
Acesso em: 20 de Junho de 2009
ESTEVES, João Pissarra. Público/Privado. Disponível em:
http://www.ifl.pt/main/portals/0/dic//publico_privado.pdf. Acesso em: 19 de junho de 2009.
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